Alexandrina de Balasar

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“O seu caso, Alexandrina, está estudado”

Começo de ano

18 de Janeiro de 1952

« Mais uma vez vou ditar estas linhas com o maior dos sacrifícios ; não posso falar, é só para obedecer. Por satisfação minha, nada dizia, mesmo que pudesse »[1].

O Diário de 1952 não começa no dia 18 de Janeiro, mas sim nos primeiros dias desse ano, no dia 4. Todavia, preferimos utilizar uma outra fonte : a primeira carta enviada pela a Alexandrina ao seu primeiro Director espiritual porque corresponde perfeitamente com as primeiras linhas do dito Diário de 18 de Janeiro e que damos acima. Na carta ela informa o seu Paizinho :

« Tenho estado muito doente sem poder falar : foi essa a razão porque não escrevi mais cedo. Estou a ditar estas palavrinhas com muito sacrifício : Jesus mo aceite para o regresso do meu Paizinho para junto de mim »[2].

Assim compreendemos melhor, não só o “atraso” do Diário mas também aquela frase em que diz “ditar estas linhas com o maior dos sacrifícios” e que “não pode falar”. Mas falou, e falou muito, neste dia, dando-nos grande número de informações interessantes, como iremos ver.

« Gostava tanto, meu Deus ― escreve ela nesse dia ―, de viver escondida, muito escondidinha, onde só Vós soubésseis de mim e conhecêsseis o meu sofrer.

“Alérgica” a qualquer espécie de “publicidade” sobre o seu caso e sobre a sua vida de vítima, Alexandrina desejaria viver sem “fazer vagas”, na solidão do seu quarto. Mas, os carismas recebidos do Alto não permitiram esse “retiro” tão almejado. Não só era visitada por numerosas pessoas amigas, mas também por entidades religiosas, encarregadas muitas vezes pela Arcebispo de Braga, de verificarem o “caso de Balasar”.

Isto mesmo ela explica ao seu Pai espiritual na carta que acima referimos :

« Na segunda-feira, dia 7, esteve aqui o Secretário do Sr. Arcebispo, o Sr. Dr. Sebastião Cruz. Veio visitar-me e oferecer-me um livro. Depois de conversar comigo alguma coisa, animou-me muito, muito ; disse-me que tivesse muita confiança, de que não duvidasse de que a minha vida era o dedo de Deus em mim ; que Ele me chamou como chama a muito poucas almas. “O seu caso, Alexandrina, está estudado e todos que o conhecem desapaixonadamente, vêem que é obra de Deus, que é um caso digno de respeito. O Sr. Arcebispo mudou completamente da ideia que tinha ao seu respeito : Ele admira-a e venera-a. Isto sem vaidade. Ó Alexandrina, o seu leito é um altar e a Alexandrina é a hóstia. Torne-se cada vez menos indigna do chamamento do Senhor, porque dignos nenhuns somos” ».

Como aqui pudemos verificar, depois da “perseguição” mais ou menos orquestrada por pessoas invejosas e influenciáveis, chegara o momento em que as autoridades eclesiásticas tinham enfim compreendido que no “caso de Balasar” estava o “dedo de Deus”.

O Dr. Sebastião Cruz, então secretário do Arcebispo de Braga ― excelente teólogo e homem de grande cultura ―, foi na verdade um grande amigo da Alexandrina e, tudo fez para que as opiniões desfavoráveis de muitos dos seus colegas mudassem. Ele, como alguns outros, testemunhou muito positivamente aquando do processo informativo diocesano, sobre as virtudes heróicas e os carismas excepcionais da “Doentinha de Balasar”.

Alexandrina sofre, como já vimos. O seu sofrimento é tão grande que ela sente necessidade de se queixar, de exprimir quanto lhe vai na alma :

« Ai! Quanto sofro ! E sem nenhuma força nem coragem para enfrentar esta vida de sofrimento, esta vida que é só dor, dor e morte. Morte que vive na dor e dor que vive na morte ».

Poderia parecer pessimismo, mas, não é. É desabafo simplesmente ; é uma maneira como outra de se dar forças a ela mesma, de se encorajar, de se “obrigar” ela própria ao sacrifício que lhe é próprio : ser vítima pelos pecadores.

Não inventamos nada, basta-nos ler a sequência do mesmo Diário :

« E não posso com mais ânsias de mais e mais sofrimentos; consome-me a fome de sofrer. Tenho fome da dor da humanidade inteira. E toda, toda para mim essa dor, para mim sem ser para mim. Exige-a de mim a vida divina. Eu, por mim, desalento por não poder sofrer e morro por não saber amar ».

E aquela que instantes antes parecia frágil, parecia prestes a abandonar, demonstra agora toda a força da sua coragem, toda a força do seu amor, mesmo quando afirma “não saber amar” :

« Mas a fome da cruz e do amor a Jesus surgem-me de repente, fazem-me despertar novas ânsias ; abraço-me mais fortemente a tudo o que me dá o Senhor e fico-me nestas reflexões : perdoai-me, Jesus, os meus desfalecimentos, perdoai-me tudo quanto Vos possa desgostar, alcançai-me a graça de não Vos ofender. Conheci-Vos tão cedo e ainda não principiei a amar-Vos ! »

A alma vítima pensa que não ama suficientemente, que não sabe amar e, por isso mesmo pede mais amor, mais aderência à vontade divina para melhor saber amar, para melhor corresponder às “exigências” do seu Amado. Alexandrina é assim : ela quer amar, amar mais, sempre mais e, para que assim seja, tudo dá tudo oferece ao seu Senhor e Deus. O seu coração simples e puro nada mais deseja que só a vontade de Jesus se cumpra nele, e que as almas pecadores venham em cardume cair nas redes do divino Pescador :

“Não sei que sinto a mais no coração. Parece que dentro dele há alguém que, à semelhança dos pescadores, deita redes e mais redes para apanhar este mundo imenso de almas. Quantas mais redes saem para fora do coração, mais redes tem para deitar. E que ânsias infinitamente grandes de as possuir todas, todas cheiinhas. Que tarefa, que canseira incessante !”

Depositária da humanidade, Alexandrina preocupa-se não só do estado desta, mas também da sua vinda para as “redes” do Senhor. Todavia esta humanidade pecadora é recalcitrante, pouco obediente e nem sempre desejosa de se sentir “pescada” pela misericórdia divina, por isso murmura e se rebela :

« Parece que tenho ouvidos para toda a parte da terra, e de toda a parte ouço a voz de dor e de espanto pavoroso. Todo o meu ser parece estar espicaçado duma chuva de espinhos que o penetra. Chora o coração, chora a alma, cheios de agonia, e a justiça do Senhor enterra-me, leva-me aos abismos, desfaz-me sob o seu peso ».

A rebelião da humanidade recalcitrante atira sobre ela a cólera divina e, a “Doentinha de Balasar” vai ser para ela como um pára-raios : sofrerá ela para que aquela humanidade rebelde não sofra ou sofra menos o peso dessa Justiça iminente.

« Vi o Calvário, a Cruz e os maus tratos que me esperavam. Não me importava o que tinha de sofrer, só ansiava voar para ela, para nela dar a vida. Nestas ânsias deixei-me prender, deixei-me condenar, assumi para mim toda a podridão e dívida humana ».

Como o Cordeiro divino, também Alexandrina se “deixou condenar” e “assumiu para ela toda a podridão e dívida humana”. O seu Calvário é por isso mesmo doloroso, insuportável...

« Por todas as feridas caía uma chuva de sangue que regava com abundância os caminhos do Calvário. No cimo fui crucificada, e levantada ao alto a cruz ; continuou a ser a montanha regada. O meu brado de agonia ecoava como a dinamite na rocha, mas o Céu, sim, o Céu, para mim parecia fechado ».

Mas a humanidade não dá ouvidos, prefere viver no pecado, prefere o gozo ao sacrifício, a facilidade às privações. Alexandrina queixa-se, mas a verdade é que “não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir” ; e a humanidade continua surda, voluntariamente surda.

“E a ingratidão dos homens sempre a ferir-me, sempre a levar-me à morte” ― escreve a Vítima de Balasar..

Alexandrina não se desencoraja, mas mesmo assim precisa de ajuda, precisa de palavras estimulantes e, Jesus que tudo conhece, vem e fala-lhe, dando-lhe como exemplo a sua própria vida :

― « O Céu abre-se, minha filha, pela tua dor, para aqueles para quem estava fechado. Tu és a chave com que os pecadores abrem a porta da mansão celeste. Tem coragem, minha filha, tem coragem. O mundo não é tão cruel para ti como o foi para mim. Se és perseguida, também Eu o fui. És caluniada, o teu Esposo Jesus foi-o também ».

E, como se o argumento não fosse suficiente, Jesus continua :

« És a cópia mais fiel de Jesus. É o teu Calvário. A vítima de missão tão nobre tinha de sofrer assim. Coragem, coragem ! Só à custa de dor e sangue as almas podem ser salvas. Sofre, sofre, deixa que Eu te imole. A imolação é o selo das almas vítimas, das almas de eleição, escolhidas por Jesus ».

Que extraordinária afirmação esta : “És a cópia mais fiel de Jesus”. Isto implica, como parece óbvio, que “a vítima de missão tão nobre tivesse de sofrer assim”, porque, como o diz ainda Jesus, “a imolação é o selo das almas vítimas”.

E o Senhor, como bom pedagogo, continua a sua lição :

« Ó minha filha, minha filha, não duvides da tua vida, é a verdade pura, é a verdade tal e qual é a vida de Jesus, só a vida de Jesus em ti. Olha, minha filha, tem presente, sempre presente, aquelas almas que prometeram serem minhas, que se consagraram a Mim, e estão às portas do inferno, já nas garras de Satanás. Só a dor, só o martírio as pode arrancar. Só a tua imolação contínua as pode salvar ».

A última frase de Jesus foi como um detonador : produziu no coração da Alexandrina aquela explosão de amor que lhe era muito habitual desde que se tratasse da salvação das almas ; então, sem a mínima hesitação, oferece-se propõe-se para maiores sofrimentos : que essas almas sejam salvas é o que para ela mais conta.

― « Ó meu Jesus, ó meu Jesus, não me poupeis, não, meu Amor. Poupai-as a elas às penas eternas. Não me liberteis a mim da cruz, libertai-as a elas das garras do demónio. Vejo que sois todo amor, sinto que sois todo amor, sei e sinto que sois todo perdão e misericórdia ; sede agora, sede sempre Pai compassivo, Pai que tudo esquece e tudo perdoa ».

Pobre Portugal

Portugal, a “Terra de Santa Maria” nem sempre foi obediente às inspirações divinas. Como muitos outros países precisou ― e precisará ainda, infelizmente ―, ao longo da sua história milenária, passar pelo “caminho de Damasco” e gritar como S. Paulo, ao Deus que perseguia : “Senhor que quereis que eu faça ?”

Qual não terão sido o espanto e a surpresa da Alexandrina ao ouvir da boca de Jesus estas palavras tristes, estas queixas sobre o país que era e será sempre a sua querida pátria :

« Portugal, o pobre Portugal, o infiel Portugal está em grande perigo. Ele não correspondeu às graças que lhe deu o Céu ; ele não correspondeu ao amor que lhe tem o meu divino Coração e o de minha bendita Mãe. Ora, ora e sofre muito por ele ».

Porque razão este Portugal que fora ainda há bem pouco preservado dos horrores da guerra, este Portugal que estivera na origem da consagração do mundo ao Coração Imaculado e extremamente materno da Virgem, este Portugal que recebera trinta e quatro anos antes a visita de Maria, em Fátima, porque razão, perguntávamos, se tornara ele “infiel” ao ponto de “estar em grande perigo”, como o dizia Jesus ?

A resposta está aqui : Portugal “não correspondeu ao amor que lhe tem o meu divino Coração e o de minha bendita Mãe”.

Seria fácil epilogar sobre os acontecimentos que nesse mesmo mês se passaram em Portugal e nos quais estava já implicado o bem conhecido general Henrique Galvão e alguns outros militares e mesmo civis desse tempo, mas não pensamos serem estas páginas apropriadas para uma tribuna política. Vamos pois contentar-nos com a explicação dada por Jesus : “Portugal não correspondeu ao amor que lhe tem o meu divino Coração !”

Mais vezes, nos escritos da Alexandrina, encontramos esta alusão à não correspondência do país Lusitano aos conselhos e advertências divinas, particularmente durante o período da Segunda Guerra Mundial e mesmo a respeito da honra que representava e representa para o país o facto mesmo de ter merecido a Alexandrina de Balasar.

Sobre este mesmo tema, Jesus acrescenta ainda :

― « Escolhi-te para vítima do mundo inteiro, escolhi-te para luz e salvação do mesmo. Mas coloquei-te neste Calvário. No centro da província portuguesa, para seres mais e mais luz, mais e mais farol, mais e mais salvação »[3].

“Vem receber a gota...”

Como ela mesma confessa : Alexandrina está prostrada, quase nem pode falar e ditar portanto o seu Diário representa para ela um grande sacrifício e, como para grandes males, grandes remédios, Jesus vai propor-lhe aquele “Remédio” tão eficaz e salutar : o seu divino Sangue.

― « Vem receber a gota do meu divino Sangue; é gota que leva nela a tua vida; é gota que te alimenta, que te dá a paz, que te dá a força para a vitória, para o triunfo do teu Calvário ».

Esta “gota que a alimenta e lhe dá paz”, dá-lhe igualmente força, força sobrenatural que a ajudará a “subir o Calvário”, a aceitar com amor aquela cruz pesadíssima que o Senhor colocou sobre os seus ombros frágeis, mas corajosos.

― « Fica, fica bem cingida à cruz, toda inebriada em amor, deste amor que supera e abunda no meu divino Coração. Todas as riquezas, de que ele está cheio, são tuas. Compra com elas as almas. Salva com elas o mundo em perigo, o mundo em perigo. Pede-lhe oração, pede-lhe penitência, vida nova, vida nova ».

Em Balasar como em Fátima, o pedido é o mesmo, que ele saia dos lábios de Maria ou dos lábios de Jesus : Penitência e oração. Mudança de vida, ou “vida nova”, como Jesus o diz Ele mesmo. Saberão os pecadores ouvi-lo ? As palavras recebidas por Alexandrina serão elas escutadas e postas em prática ? É de crer que não, visto que a religiosidade, tanto em Portugal como noutros países está em regressão e até mesmo combatida por muitos outros, que a consideram como uma “seita” perigosa.

Um exemplo concreto : Na Índia ― lei votada em 2007 ―, o proselitismo é considerado pela lei como um crime punível ao mesmo título que um assassinato ou qualquer outro delito grave.

Alguns dias mais tarde, Alexandrina sente que Jesus sofre, sofre por causa dos pecados da humanidade. O desejo dela é que Jesus não sofra, mas que sofra ela por Ele. Ouçamo-la :

― « Eu quero-Vos, meu Jesus, sim, eu quero-Vos dentro do meu pobre coração, mas é só para resguardar-Vos de todos estes sofrimentos e não para Vos deixar ferir »[4].

Um amor tão sincero, um zelo tão grande pelas almas, não podia deixar indiferente o Coração de Jesus e, como se quisesse acalmar os ardores da sua vítima, Ele diz-lhe :

― « Sossega, sossega, louquinha do meu Divino Coração. És tu, tu, sim, misticamente a sofrer tudo isto. Eu venço, Eu triunfo ; venço por ti e em ti ; triunfo, porque cooperas comigo, porque és fidelíssima à tua missão de vítima. A tua generosidade está pronta, sempre pronta. O que tu sentes, minha filha, todo este sofrimento vinha para Mim, se não fosses vítima, se por Mim não sofresses ».

Mas a “Doentinha de Balasar” sabe que sem a ajuda divina nada pode, por isso mesmo faz imediatamente um acto sincero de humildade :

― « Ó Jesus, sois sempre Vós e não eu, pobrezinha ; por mim nada vencia, nada era capaz de sofrer ».

Jesus confirma estas palavras da Alexandrina e confirma igualmente que não é nem “justiceiro” implacável nem “ditador” déspota, como muitos o afirmam : o Senhor respeita a liberdade dos seus filhos.

― « Tens razão, minha filha, sem mim nada podes. Mas, para eu operar todas as maravilhas nas almas, não posso obrigá-las, têm elas de cooperarem comigo (...) As almas, aquelas almas que me arrancam o Coração ! Eu quero salvá-las ! Faço tudo, mas elas fogem, elas querem perder-se ».

E dizendo-lhe estas palavras, Jesus chora amargamente.

As lágrimas de Jesus causam pena à Vítima de Balasar que logo se propõe, uma vez mais a receber sobre elas aquelas dores que afligem o Coração de Jesus.

― « Não choreis, Jesus, não. Eu choro, eu quero chorar. Dou-me a Vós, a Vós me entrego. Descarregai sobre mim tudo o que for sofrimento, mas poupai o mundo e poupai essas almas; ai! poupai-as ao fogo eterno ».

Jesus aceita esta substituição, mas para que Alexandrina possa suportar o peso de tantos pecados, de tantos crimes, ela precisa de “sustento”, precisa duma ajuda divina : Jesus oferece-lhe aquela gota de Sangue divino que dá vida e amor.

― « A paz, a paz de Jesus seja contigo para tranquilizar o teu coração. Recebe a gota do Meu divino Sangue, o Sangue que te leva a vida, o Sangue que te leva o amor, todo o amor. É esta vida, filhinha, é este amor que as almas por ti recebem com toda a abundância. Pede-lhes em troca, pede à humanidade inteira o amor ao meu Divino Coração ; pede-lhe oração, pede-lhe penitência ».

Alexandrina sofre, sofre mas oferece-se continuamente.

“Mas são tão poucas as almas que se deixam crucificar !”

Algumas vezes o seu coração tem muitas dificuldades em tudo suportar e sobretudo de ver que nem todas as almas escolhem o bom caminho, que nem todas as almas desejam voltar-se para Deus. Não que ela senta desencorajada, mas algumas vezes precisa de desabafar, de dizer o nesse instante preciso a sua alma sente. Aqui temos um exemplo concreto deste estado de alma :

« O mundo está morto, fui eu que lhe dei a morte. Não posso fitar esta mortandade, nem o nojo que tal podridão me causa »[5].

E este “desabafo” toma proporções “mundiais”. O facto de não ter agora quem a guie, quem a aconselhe, preocupa-a, deixa-a “sem luz”, como ela mesma diz :

« É infinita, é infinita, sim, a minha dor, porque é a dor de Jesus. Não posso com ela, não tenho forças nem coragem para mais. Ceguei e não vi mais a luz, caí e não mais me levantei. Parece que fiquei a meio do Calvário. E, agora, sem luz, sem guia e sem vida, não posso chegar ao termo da minha viagem ».

Quantas vezes lhe vem o desejo de viver na solidão para estar mais “próxima” de Deus, para se sentir “mais à vontade”, sem ter “ninguém que a fitasse” ou que a espiasse. Mas assim não será mais. Este ano de 1952 atirará para junto do seio leito de dor, centenas de visitantes de todas as classes sociais... A luta, nessas ocasiões será mais do que “um combate constante”, será para Alexandrina um suplemento ao seu já doloroso Calvário.

« Queria viver num lugar solitário, na maior solidão, sem ter quem me fitasse e separasse da união com o meu Deus. Ai de mim ! Quantas vezes me parece que Ele não existe. Duvido de todas as coisas de Deus e da Sua existência. Duvido sem querer duvidar. É uma luta, é um combate constante. Quero amar o meu Senhor, não quero separar-me d’Ele e tudo por Ele quero sofrer e não sou capaz de nada, sou inútil para tudo ».

Por vezes a dúvida tenta “instalar-se” no seu coração e este sofrimento é igualmente atroz. Mas como sempre, depois de invocar o Amado, tudo desaparece, como por encanto, para deixar lugar a uma confiança inquebrantável.

« Temo-me a mim mesma, não acredito em mim, tenho dúvidas de toda a minha vida, apesar de nada fazer, de nada sofrer, a não ser por Jesus, para O consolar e alegrar ».

Cabe aqui a sequência do Diário deste mesmo dia. A sua leitura causara, estamos certos, não só um sentimento de admiração respeitosa, mas também um sentimento de veneração mais forte a esta Bem-aventurada vítima de Balasar.

« Foi nestes sentimentos angustiosos que passei o meu Horto de ontem. O mundo caiu sobre mim, eu fiquei toda mundo, e o Céu caiu com todo o rigor da sua justiça sobre mim. Assim esmagada, suei sangue e agonizei. Durante a noite, o meu coração e a minha alma tiveram que sofrer com Jesus. E, nesta manhã, com a cabeça coroada de espinhos, segui para o Calvário. O meu corpo descarnado era como que um esqueleto em sangue. O coração estava ainda mais ferido. A dor era ainda mais violenta. Sentia um tormento indizível. A mesma dor continuou, quando já pregada na cruz. Ai ! só o Céu pode ser testemunha de tanta dor ! Só Jesus a pode compreender. Só Ele podia resistir no meu pobre corpo. A dor, sim, aquela dor infinita não é capaz a minha ignorância de a fazer compreender. O brado da minha alma ao Céu não podia cessar. Todo o meu ser era coração para amar e se entregar ao Pai. Foi n’Ele que Jesus expirou e foi com Jesus que eu expirei também ».

Da mesma maneira que este trecho nos interpela e não nos deixa indiferentes, mais ainda comoveu o Coração amável de Jesus. Ouçamos o que lhe disse :

― « Vem, vem, minha filha. Jesus quer abraçar-te, quer estreitar-te ao Seu Divino Coração, quer-te, minha filha, mais que às pupilas dos Seus olhos… Quero-te e amo-te a mais não poder amar-te, apesar de todos os teus desfalecimentos. Anima-te, anima-te, tem coragem. É Jesus sobre ti com dura prova, com a maior de todas as provas. Não sou eu que exijo, minha filha. É o mundo em guerra, é o mundo em incêndio de crimes, são aquelas almas que tu sabes, que Eu te fiz conhecer. São essas que exigem tantos e tantos sofrimentos, uma vez que és a vítima mais amada do Senhor e de maior generosidade e amor. Provo-te assim desta forma. Não és tu que fazes sofrer os que te são queridos. Sou Eu que o quero, sou Eu que o exijo e assim o permito. Sabes porquê, minha filha ? Aqueles, a quem mais amo e estão perto de ti, têm de partilhar da tua imolação, do teu Calvário. A missão é nobre, é a mais sublime… a reparação que o mundo exige não podia ser dada só por ti ».

Alexandrina diz então ao Senhor, com aquela simplicidade que a caracteriza :

― « Perdoai-me, meu Jesus, perdoai-me. Estou tão triste, em tanta agonia, parece que nem acredito. Não acredito, não, meu Jesus, mas é só em mim. Vós sois a verdade, mas eu sou nada ».

E porque a Vítima de Balasar é simples e puro, humilde e corajosa, Jesus antes de lhe dar uma vez mais uma gota do seu divino Sangue vai fazer-lhe uma confidência muito particular :

― « Coragem, coragem, acredita no que te diz Jesus. Tudo o que em ti se passa, já há muito que Eu te vinha prevenindo ; nem comigo terás luz, nem comigo terás a certeza de que sou Eu, a não ser aquela luz e certeza que te é precisa para resistires à tua imolação, ao teu calvário. Custa muito ao meu Divino Coração e ao de minha bendita Mãe ver-te assim sofrer, fazer-te sofrer assim. Mas são tão poucas as almas que se deixam crucificar ! E, assim desta forma, com tal generosidade e tal amor, és a primeira, minha pomba bela, florinha eucarística ».

“São tão poucas as almas que se deixam crucificar !”

Esta queixa Jesus a fará numerosas vezes, não só à Alexandrina, mas igualmente a outras almas-vítimas, como por exemplo Marta Robin, fundadora dos Lares de Caridade ; Santa Gemma Galgani, entre outras.

E depois, como muitas outras vezes antes e também depois, Jesus oferece-lhe a gota do seu Sangue divino, Sangue que “dá vida nova”.

― « Vem então receber a gota do Meu divino Sangue, que vai dar força e vida ao teu sangue. É sangue novo e vida nova que vai correr nas tuas veias, que vai viver em ti »[6].

Alexandrina está consciente da missão que lhe é confiada ; ela sabe quanto ela é e será dolorosa, mas o amor é mais forte do que tudo, “mais forte do que a morte” e o seu desejo de “colaborar” à Redenção das almas, tanto quanto lhe é possível, é tão grande que ela tudo aceita, mesmo quando se sabe um nada, como ela o confessa muitas vezes.

― « Obrigada por tudo, meu Jesus, e perdão, e misericórdia para a humanidade inteira. Atiro para o vosso divino Coração as minhas intenções. Aceitai-as e atendei aos meus desejos, meu Jesus ».

“Obrigada”, diz ela sempre ao terminar o seu Diário.

Mas que agradece ela ?

Um dia tivemos a possibilidade de conversar com uma destas almas excepcionais como a Alexandrina e obtivemos dela esta resposta que jamais esqueceremos :

« Tudo se deve agradecer a Deus : aquilo que nos agrada e aquilo que menos nos agrada... Só Deus sabe o porquê das coisas e, agradecer-lhe por tudo é oferecer-se a Ele de alma e coração, deixando-lhe a possibilidade de escolher por nós e para nós o que é melhor para a salvação da nossa alma. É verdade que muitas vezes recebemos o contrário daquilo que esperávamos e ficamos surpreendidos porque naquela hora não compreendemos a razão porque tal ou tal incidente acontece, mas, geralmente, pouco tempo depois — na hora de Deus — a resposta vem, nítida e clara, e então compreendemos porque razão o Senhor agiu assim connosco e vemos que Ele tinha as suas razões, e que essas razões eram o bem da nossa alma. Eis porque sempre se deve agradecer ao Senhor tudo quanto recebemos ou tudo quanto Ele permite, porque só Ele conhece a razão que o faz agir dessa maneira. Bom é lembrar que “só Deus sabe escrever direito por linhas tortas !” »

Portanto, assim compreendemos melhor porque razão a Alexandrina sempre agradecia a Jesus tudo quanto recebia de agradável ou de menos agradável... Na sua boca a palavra “obrigada” tinha um sentido de profundo amor, de aceitação e de grande humildade.

“Antes quero, meu Jesus, o inferno do que ofender-Vos !”

Os desígnios de Deus são insondáveis, como são insondáveis o seu Amor e a sua Misericórdia.

Amar a Deus e em tudo procurar fazer a sua divina Vontade não é uma sinecura, como a seguir vamos ver neste trecho da Alexandrina. Amar a Deus e procurar em tudo corresponder aos seus desígnios não é um passeio alegre ou uma diversão na vida de cada cristão : amar a Deus e aceitar a sua divina vontade, qualquer que ela seja, é não somente um acto de fé corajoso, mas ao mesmo tempo um acto de humildade heróico.

É verdade que nem todos somos chamados a tão alto nível de entrega como o foi a Alexandrina, mas todos somos chamados a partilhar aquilo que em nosso frágil corpo pode ajudar a completar o que faltou à Paixão de Cristo, como nos ensina S. Paulo.

O que viveu a Vítima de Balasar “está fora de norma”, se assim podemos exprimir-nos ; fora de norma para os nossos olhos embaciados pelas cegueiras do mundo, mas para ela que era toda pureza e inocência, esta entrega total, este dom de si era natural, quotidiano, contínuo, quaisquer que fossem as circunstâncias ou os sofrimentos da sua alma e do seu corpo.

Como já foi dito, a “Doentinha de Balasar” “incorpora” a humanidade da qual se tornou responsável perante Jesus e Maria. Este “incorporação” nem sempre é fácil a assumir, visto que a humanidade de então, como aquela dos nossos tempos, é versátil e prefere a facilidade do gozo e dos prazeres passageiros à oração e à penitência. Alexandrina tinha de lutar contra este criminosa indiferença, mas isso nem sempre o conseguia, por isso também muitas vezes se queixava, sentindo-se então não só responsável por esta indiferença, mas até mesmo o agente dessa mesma indiferença e desatino.

O trecho que a seguir damos é um exemplo desse estado de alma, desse desalento que lhe causa ver a “inutilidade” da sua vida, do seu penar :

« No meio do bosque deste mundo, continuo a bradar. As muralhas que me rodeiam abafam este brado, não o deixam ecoar nem chegar ao Céu, e na terra parece não haver folgo vivo que possa valer-me. Tudo é morte, tudo é morte, e fui eu quem lha dei, fui eu o veneno da pobre humanidade. As minhas torres carcomidas desfazem-se, e tudo sobre a minha morte fica reduzido ao nada. Tremendo, pavoroso abandono ; não tenho ninguém por mim. Parece que todo o amor, amparo e todas as coisas, que por mim eram feitas, agora me são dadas com a maior má vontade e aborrecimento. Sofro, sofro indizivelmente. Até agora parecia chorar eu o bem que fazia, mas agora é mais duro ainda, parecem todos chorar a amizade forçada que me dispensam. Meu Deus, quantas dúvidas do Senhor e de todo o Céu ! Que tremendas tentações ! Quantos segredos eu escondo nelas. Nestes dias foram três que me levaram a todo o receio de pecar, de ofender muito, mas muito, o meu Jesus, e vinha-me a tentação de deixar de O receber. Mas, ai de mim, como resistir sem a Eucaristia ? Uma destas pavorosas tentações principiou quinze minutos depois de eu ter comungado. Parece que não podia acreditar que tal pudesse suceder. Mas a minha alma viu tantas coisas que a fez compreender porque Jesus tal permitiu. Se eu pudesse acreditar sempre, então não sofria. Mas são tão raros e tão escassos os momentos ! Apesar de estar tão desordenada e fora de mim, chamei muitas vezes por Jesus e pela Mãezinha, renovei-Lhe a minha oferta de vítima, mesmo sem saber d’Eles e a sentir que tudo me rejeitavam. A terra abria-se em fendas, as chamas do inferno pareciam juntar-se ao fogo das paixões, e os demónios, por aquelas fendas, por entre as chamas, estendiam as suas negras mãos, tentavam ver se conseguiam arrastar-se para lá. Não me chegaram, nada conseguiram, mas eu reconheci que era digna de todo o inferno, e então dizia : antes quero, meu Jesus, o inferno por toda a eternidade do que ofender-Vos, desgostar-Vos por um só momento »[7].

Diz ela, entre outras confidências : “Mas a minha alma viu tantas coisas que a fez compreender porque Jesus tal permitiu”, o que confirma o que acima dizíamos a respeito da “hora de Deus” e do porquê de certos acontecimentos nas nossas vidas. Na “hora de Deus” tudo compreendemos.

Imagem terrível e para meditar é esta : “A terra abria-se em fendas, as chamas do inferno pareciam juntar-se ao fogo das paixões”.

“Recebi o beijo de Judas...”

No dia em que ela escreve estas linhas, é sexta-feira, dia em que vive a dolorosa Paixão. Comentando esta, ela escreve :

« A minha alma estava sozinha, no meio do Horto. A dor era infinita e o meu sangue banhava a terra. Foi dali que eu vi o Calvário e o abracei, num abraço eterno, com todo o martírio que ele me mostrava. Recebi o beijo de Judas e fui para a prisão. Velei com Jesus durante a noite. De manhãzinha, o meu coração adivinhava o quanto sofria o Coração da Mãezinha, e com que ansiedade Ela andava à minha procura, ou melhor, à procura de Jesus. Segui para o Calvário, e Ela, lagrimosa, saiu-me ao encontro. Quantas coisas um ao outro disseram os nossos corações ! No alto da cruz, eu estava crucificada com Jesus, e Ela, de pé, sofria a mesma dor e agonia. A sacrossanta cabeça de Jesus, coroada de espinhos, estava unida à minha, rosto com rosto, alma com alma, coração com coração. De dentro do meu, falava o Coração de Jesus ao Coração de Mãezinha, e entendiam-se muito bem. Nesta união, expirou Jesus, eu expirei com Ele. Pouco depois, triunfei da morte. Jesus aqueceu-me o coração, fez-me viver ».

A simplicidade com que escreve estas linhas é maravilhosa, mas maravilhosa é também a compreensão que temos daquela união que sempre existiu entre Jesus, Maria e Alexandrina. Ao lermos estas linhas temos a impressão de assistir a estas cenas dolorosas, mas também de partilharmos o amor que delas ressalta.

Outras vezes falou e falará ainda neste beijo de Judas e explicará todo o carácter pecaminoso que este beijo contém : não se trata só de traição ; o beijo de Judas tem um sentido ainda mais pernicioso, mais sagaz, mais infernal...

Jesus vem falar-lhe, explicar-lhe, para que Alexandrina não duvide, para que não se sinta alheia ao que nela e à volta dela se passa, para que a sua “alma não esteja sozinha”. Em suma, “Jesus vem aquecer-lhe o coração, fazê-la viver”.

— « A minha vida é a tua vida, sou Eu quem vive em ti. Tu vives a minha vida dolorosa e vives a minha vida de triunfo. Vives a vida dolorosa para Me reparares e consolares ; vives a minha vida de triunfo, para me honrares e louvares. Comigo triunfas em tudo e sobre tudo. Minha filha, minha filha, flor mimosa, flor perfumada da Eucaristia, Eu não consenti nem consentirei jamais que tu Me desgostes na reparação que te peço. Confia, confia, minha filha ; se não fora a tua reparação heróica, muitas almas iriam do pecado para o inferno. E, sobretudo, o maior número daquelas que se consagram a Mim, daquelas de quem Eu tudo devia receber, daquelas que deviam ser as primeiras no amor, no sacrifício, na renúncia de si mesmas, daquelas que mais que todas as outras deviam ser puras, santas, para santificar a humanidade. ».

Apesar destes “elogios”, destes títulos de “flor mimosa”, de “flor perfumada da Eucaristia”, a referência feita às almas consagradas, Alexandrina persiste — e uma vez mais prova a sua grande humildade — em considerar-se indigna da missão que lhe é confiada, a ser muito imperfeita em levar a cabo esta mesma missão, e teme mesmo quanto ao seu modo de vida. Eis o que ela escreve a seguir à intervenção do Senhor :

― « Ó Jesus, ó Jesus, Vós bem sabeis que sois tudo para o meu pobre coração. Eu queria ser perfeita, o mais perfeita possível no cumprimento do meu dever ; eu queria ser pura, o mais pura possível para cumprir a Vossa vontade, para desempenhar a minha missão. Temo e tremo, duvido de mim. Temo e tremo, Jesus, estou receosa de todo o meu viver ; não me falteis com a Vossa Divina Graça. Tudo tenho feito só com os olhos em Vós, só com o fim de Vos agradar e salvar-Vos as almas, todas as almas em perigo, toas aquelas que se afastam de Vós. Mas ai de mim, sinto que não sou capaz de nada e sinto que Vós não podíeis viver sem mim, nem em mim operar tantas graças ».

Jesus vai insistir sobre a sublimidade da missão da sua Vítima, lembrando-lhe que com Ele tudo é possível e, depois, para lhe incutir coragem, vai dar-lhe de novo a gota de Sangue do seu divino Coração.

― « Ó minha filha, minha filha, não duvides do poder divino. Eu com a minha sabedoria e santidade preparei-te para esta árdua missão, a missão mais sublime de todas as missões. Aparece o teu nada e miséria, para esconder a minha grandeza e sabedoria. Tudo para ti se esconde nas sombras das tuas faltas. Se não fosses preparada divinamente, Eu não poderia falar-te como te falo, empregar os títulos que tenho empregado, e que alguém duvida por Eu te falar assim. Pobre ignorância e cegueira humana ! Se conhecessem a grandeza de Deus, a santidade e pureza de Deus e a vida divina nas almas, não duvidavam, acreditavam firmemente, procuravam assemelhar-se àquelas que Eu tanto assemelhei a Mim. Vem, minha filha, filha querida, vítima generosa, luz e farol do mundo, recebe a gota do divino sangue. Passou a vida de que vives, passou a força, para mais e melhor dares ao teu Jesus a reparação que de ti exigir »[8].

Muito interessante esta frase de Jesus, ou melhor, esta afirmação que nos ajuda a melhor compreender as palavras de S. Paulo aos Romanos [9], quando lhes fala de predestinação : “Se não fosses preparada divinamente, Eu não poderia falar-te como te falo, empregar os títulos que tenho empregado, e que alguém duvida por Eu te falar assim”.

Escusado é dizê-lo, não temos a menor dúvida que a Alexandrina foi na verdade uma predestinada e que como tal, recebeu gratuitamente do Senhor todos os dons inerentes à missão que iria ser e foi a sua.

Que haja quem duvide, quem a combata, isso é “normal”. Jesus também o foi e é ainda pelos séculos fora.

Logo a seguir, o Senhor diz-lhe ainda :

— « Fica na cruz, é sempre nela crucificada que acodes ao mundo em guerra, ao mundo culpado. Pede-lhe reparação e reconciliação comigo, pede-lhe emenda de vida, diz-lhe que tema e trema com as ameaças constantes do Meu Eterno Pai ».

“É sempre nela crucificada que acodes ao mundo em guerra”. Esta frase surpreende, porque em 1952 o mundo não estava em guerra, em todo o caso não da maneira como o entendemos nós, mesmo se sabemos que nesse período estávamos em plena “guerra fria”.

Mas as guerras de que fala o Senhor, podem muito bem não ser aquelas da época em que fala à Alexandrina : só Ele o sabe !

Não queremos aqui “prognosticar” aquilo que possa vir a ser o mundo neste princípio de século XXI, porque o futuro a Deus pertence. Todavia não nos parece que aquelas palavras — como aliás muitas outras ! — de Jesus se destinassem ao período em que viveu a Vítima de Balasar.

Em qualquer dos casos, fico o aviso solene de Jesus : “Diz-lhe — ao mundo culpado — que tema e trema com as ameaças constantes do Meu Eterno Pai”. Tenhamo-lo por dito e meditemos tudo quanto pode significar para nós este aviso, este conselho misericordioso.

A resposta da Alexandrina, invariável como sempre, é uma aceitação total da vontade divina, uma oferta total de todo o seu ser, para que os desígnios divinos não encontrem o menor impedimento nem a menor resistência na sua resolução e execução :

— « Aceito toda a imolação que Vos aprouver dar-me, mas aceitai também as minhas preces e atendei aos meus pedidos ; sabeis o que eu quero e agora me está presente, mais presente no coração. Não olheis para mim, que nada mereço ; olhai para Vós que sois Todo-Poderoso. Confio, confio, meu Jesus ».

“Os meus divinos olhos têm que chorar”

A humanidade não arrepia caminho. Os homens continuam a preferir o vício à virtude, o gozo à reparação. Jesus está triste e “os seus divinos olhos choram” ao verem tanta ingratidão, tanta falta de arrependimento. Como um mendigo Ele vem, implora mais do que ameaça, aconselho mais do que castiga... Mas, nem amor nem ameaças parecem solucionar ou curar aquela doença da qual sofre a humanidade inteira : a falta de amor.

 “Aqui está Jesus, o mendigo, o pedinte do amor. Aqui está Jesus, o pedinte, o mendigo da dor, daquela dor que repara, daquela dor que dá a vida às almas. Repara o Coração Divino de Jesus, dá às almas a vida da graça, as quais custaram o Seu Divino Sangue. Reparai, reparai bem quem é o pedinte, quem é o mendigo. É Jesus, é Jesus, ansioso de se dar, de se dar todo, com todas as riquezas do Seu Divino Coração. É Jesus, ansioso de possuir inteiramente os corações da humanidade inteira. Reparai e ponderai como é grande, infinitamente grande o amor misericordiosíssimo de Jesus. Reparai ! Jesus baixa do Céu à terra, vem ao coração da Sua esposa e vítima pedir, pedir incessantemente. Jesus pede amor e pede reparação. Ó minha filha, minha filha, os pecadores rasgam à espada o meu Divino Peito e atingem cruelmente este Coração que tanto amou e ama. Ó minha filha, minha filha, os meus divinos olhos têm que chorar. Este Coração amorosíssimo não pode cessar de sangrar ; a chaga está aberta. Fazem-Me chagas sobre chagas. São os pecadores, são os ingratos, são os cruéis”.

Não, o amor não está programado na consciência da humanidade. A mensagem divina que Alexandrina recebe, continuará letra morta, a Vítima de Balasar será como o profeta Isaías e S. João Baptista depois depois deste, “a voz que clama no deserto : ‘Preparai os caminhos do Senhor’”. Esta voz não foi ouvida, e não será provavelmente ouvida...

A resposta da Alexandrina a estas palavras do Senhor, são daquelas respostas que não deixam ninguém indiferente, é uma resposta que nos “remexe” o coração, que nos faz virem aos olhos lágrimas salutares ; é uma resposta tão cheia de amor, de humildade e de sinceridade, que ninguém de sensato e de sensível pode resistir a ela. Ouçamo-la :

 « Sossegai, sossegai, Jesus. Parem ao longe, muito ao longe, não de mim mas sim de Vós ; longe de Vós para ferir-Vos, mas perto de Vós para receberem o Vosso perdão. Parem e venham todos para mim, para ferirem o meu pobre coração, para não ferirem o Vosso. Parem e venham todos para mim com todas as crueldades, com todos os martírios, para que eu possa, sim, meu Jesus, dar-Vos a Vós toda a reparação necessária. Eu quero chorar e chorar sempre, meu Jesus, as Vossas lágrimas. Eu quero sofrer e sentir sempre as Vossas dores. Parem, parem ao longe os corações ingratos, para não usarem para Vós de mais ingratidão. Venham, venham para mim todos. Estou pronta a imolar-me, a sacrificar-me, para não ver o meu amantíssimo Jesus chorar nem sofrer ».

Amigo que leste estas linhas, se não te sentiste comovido com estas palavras, se não sentes o teu coração constranger-se, se não sentes virem aos teus olhos lágrimas de gratidão e de arrependimento, fecha este livro, queima-o se quiseres e, perdoa o meu julgamento temerário : tu não tens coração ! Valha-te Deus !...

Por parte de uma simples mortal, uma tal declaração de amor — declaração tão sincera e pungente —, merecia bem —  se à maneira humana assim nos podemos exprimir —, uma gota do Sangue divino. É isso mesmo que o Senhor vai propor à sua humilde e corajosa esposa de Balasar :

 « Vem, minha filha, minha amada filha. Recebe a gota do meu divino Sangue. Uniram-se os corações, O de Jesus com o da Sua esposa. Passou lentamente a gotinha de sangue. É a tua vida, é a tua vida. Jesus to afirma. É a força na tua imolação. É a vida que dás às almas. Vives de Jesus, dás a vida de Jesus. Vives a vida da graça, é a vida da graça que tu dás. Tem coragem, estou contigo. O meu divino Coração não pode separar-se do teu coração sofredor. Coragem, coragem ! Fica na cruz ».

“Sem dor não há amor”

Na maior parte dos colóquios entre Jesus e Alexandrina, a humanidade está no centro, porque continua a pecar sem a mínima vergonha, sem o mínimo arrependimento, sem a mínima ideia ou resquício de vontade de arrepiar caminho. Jesus queixa-se e solicita à “Doentinha de Balasar” a colaboração necessária para a resolução deste dilema universal : salvação ou condenação eterna.

O colóquio é simples, mas de grande interesse, porque, não se sabe porque razão, Alexandrina parece duvidar, no início, que se trate verdadeiramente de Jesus — o que é compreensível visto ser frequentemente atacada violentamente pelo demónio que, algumas vezes chega a vestir-se como “anjo de luz” —, por isso se mostra circunspecta e as suas respostas são hesitantes...

 « Dá-me dor, dá, minha filha. Dá-me toda a reparação que te peço. Tudo o que a tua alma vê, o que te faço sentir, é a realidade. Minha filha, minha filha, sofre tudo, tem pena do Coração Divino de Jesus. Sente bem, compenetra-te de quanto Eu sofro.

 Mas eu não posso, Jesus. Não aguento com a Vossa dor. Não posso sentir e não posso consentir o Vosso Coração Divino assim tão rasgado.

 Dá então ao teu Jesus, neste tempo de penitência, toda a reparação que Eu te peço.

 Custa-me, Jesus, a dar-Vos a resposta. Tende dó de mim. Não me deixeis iludir. Eu só quero reparar-Vos e não ofender-Vos. Não, Jesus, não, Jesus.

 É Jesus a afirmá-lo : dá-me toda a reparação no género que te tenho pedido, se não queres ver aquelas almas infelizes serem precipitadas no inferno.

 Primeiro Vós, não Vos quero ver ofendido, e depois elas, por Vosso amor. Sim, aceito. Amparai-me, amparai-me.

 Conta, minha filha, conta, minha filha, com o amparo e protecção de Jesus e de Maria… Jesus ampara-te e fará que alguém te ampare. Sofre com alegria. Deixa Jesus fazer do teu corpo um farrapo humano, ou pior ainda. O mundo, o mundo, ai o mundo, não teme o Senhor, não teme a Sua justiça. Estou cansado, estou cansado de perdoar e prevenir.

 Ó meu Jesus, ó meu Jesus, não Vos canseis de prevenir, nem de perdoar. Compadecei-Vos da humanidade inteira.

 Vem, vem, louquinha de Jesus, louquinha das almas, louqinha eucarística. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. É a tua vida, é a vida de Jesus a passar para ti. Vives da Eucaristia, vives do Sangue de Jesus. Deixa que te humilhem, deixa que te caluniem ; mais te assemelhas ao Mestre do Calvário, mais te assemelhas ao Divino Crucificado.

 Ó Jesus, ó Jesus, queria saber de tudo, mas não queria sofrer. É um sinal do meu amor-próprio, não é, Jesus ?

 Nunca o foi, minha filha, e nunca o será. Sem dor não há reparação. Sem dor não há amor. Tu sofres com a sensibilidade que Eu pus no teu coração, sensibilidade inigualável. Sabes para quê ? Para maior ser a tua dor e maior a reparação”.

 Está bem, meu Jesus. Confio em Vós. Faça-se tal como quereis. Eu estou pronta a sofrer tudo, contanto que eu Vos ame e não Vos ofenda voluntariamente, meu Jesus, porque por fraqueza estou sempre a ofender-Vos »[10].

Se não estivéssemos habituados aos escritos da Alexandrina, poderíamos ficar admirados com estas frases hesitantes e quase dubitativas : “Mas eu não posso, Jesus” ; “custa-me, Jesus, a dar-Vos a resposta” ; “tende dó de mim” ; “não me deixeis iludir”. Todavia, como acima dissemos, ela é frequentemente vítima dos assaltos furiosos e terríveis do monstro infernal, do “manquinho”, como ela o chama. Algumas vezes este espírito do mal se apresentou a ela “vestido de luz”, procurando mesmo a imitar as vindas de Jesus ; isto pode explicar as frases curtas da “Doentinha de Balasar” que, até ter mesmo a certeza que se tratava do seu tão querido Jesus, preferiu ser prudente, até que a insistência de Jesus desvaneceu qualquer dúvida : “É Jesus a afirmá-lo : dá-me toda a reparação”.

Então ela entusiasma-se, toma lanço, se nos podemos exprimir assim e toda se entrega e, toda ela se torna em amor, amor que tudo quer dar, amor que tudo quer sofrer, para que não sofra o Amado da sua alma.

 Ó meu Jesus, ó meu Jesus, não Vos canseis de prevenir, nem de perdoar. Compadecei-Vos da humanidade inteira”. “ Está bem, meu Jesus. Confio em Vós. Faça-se tal como quereis”.

Aqui já não existem reticências, aqui só fala e vive o amor ; Alexandrina está agora pronta para tudo, para tudo quanto o Senhor quiser.

E que quer o Senhor ? Que ela se deixe humilhar e caluniar, para que assim ela “mais se assemelhe ao Mestre do Calvário”, que mais ainda ela “se assemelhe ao divino Crucificado”, porque “sem dor não há reparação, e mais ainda, porque, “sem dor não há amor”.

O colóquio deste dia termina de maneira inesperada :

— « Ditoso Portugal por ter em si a maior vítima que Jesus escolheu na humanidade, depois de Maria Santíssima. Ditoso Portugal, ditosa humanidade, ditosas as almas que são salvas aos milhares, aos milhões, pela vítima deste Calvário. Vai, minha filha, para o teu martírio, vai dar todo o amor que agora recebeste do meu Divino Coração ».

Como acima vimos, o Senhor fala diversas vezes de Portugal : uma vezes para o fustigar por não ser fiel ; outras vezes para com ele se congratular — como aqui — por possuir em seu seio uma heroína como a Alexandrina, “maior vítima que Jesus escolheu na humanidade, depois de Maria Santíssima”.


[1] Sentimentos da Alma :  18 de Janeiro de 1952.

[2] Carta ao Padre Mariano Pinho :  9 de Janeiro de 1952.

[3] Sentimentos da alma :  18 de Janeiro de 1952.

[4] Sentimentos da alma :  25 de Janeiro de 1952.

[5] Sentimentos da alma :  8 de Fevereiro de 1952.

[6] Sentimentos da alma :  8 de Fevereiro de 1952.

[7] Sentimentos da Alma :  15 de Fevereiro de 1952.

[8] Sentimentos da Alma :  15 de Fevereiro de 1952.

[9] S. Paulo : Romanos ; 8, 29-30 : Porque àqueles que Ele de antemão conheceu, também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo que Ele é o primogénito de muitos irmãos. E àqueles que predestinou, também os chamou; e àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou, também os glorificou”.

[10] Sentimentos da Alma :  29 de Fevereiro de 1952.

   

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