Alexandrina de Balasar

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Hóstia sangrenta

Trevas e luz

Como toda alma de excepção, como todas as almas-vítimas, Alexandrina atravessou momentos de densas trevas, de dúvidas, de aridez, de deserto espiritual. Estes estados da alma são correntes e produzem nas almas os efeitos contrários aos estados eles mesmos.

Santa Teresa de Ávila diz que é nesses momentos que Jesus trabalha ainda mais profundamente a alma que a Ele se ofereceu, é nessas ocasiões que Ele se faz Jardineiro, cavando e tratando a terra árida, estrumando-a para que as plantas, uma vez o jardim bem preparado, possam crescer e produzir as flores mais belas e odoríferas, aquele odor que é símbolo de santidade.

O trecho que a seguir vamos ler, é um daqueles que nos mostra claramente essas trevas de que falamos, seguido de raios luminosos e surpreendentes...

« Se eu, sem desgostar a Jesus — escreve Alexandrina —, Lhe pudesse dizer que não queria mais os Seus colóquios, não queria ouvir mais uma palavra Sua, de boa vontade o faria. Tenho medo de O ouvir e de comunicar com Ele. Temo e tremo diante de Deus e dos homens. Parece que quero desviar-me de Jesus e não sei como. Vejo ao mesmo tempo e sinto que é impossível esta separação. O que me causa este enfado e temor é eu não me acreditar em mim, nem em nada da minha vida. Minto e iludo-me a mim mesma, minto e iludo a todos os que me são queridos, e ao mundo inteiro. Podendo eu recordar todas as coisas, só não posso recordar o que foi a minha vida com Jesus. Tudo se encobriu e desapareceu com a morte ; neste ponto, parece-me que sei tanto do meu passado como sei do meu futuro. O futuro pertence só a Deus, e o passado morreu. A morte não fala de si, não sabe o que foi a vida. Ai Jesus ! Que ignorância a minha ! Continuo a sentir que tudo quanto me é feito pelos que me são queridos é chorado, é de má vontade. Parece que eles me querem fazer a mim o que eu disse parecer querer fazer a Jesus, separar-me d’Ele por completo. Ai, meu Jesus, não quero, não, essa separação »[1].

E logo a seguir surgem estes raios luminosos que dissipam aqueles negras trevas :

« Queria fugir de todos e ao olhar de toda a gente, só para unir-me a Vós e só a Vossa vida viver ».

Mas o inimigo não a deixa descansar, não lhe deixa um momento de paz : o diabo procura todas as ocasiões propícias para a tentar, para lhe falar e mostrar coisas horríveis, algumas das quais ela desconhece e, porque as desconhece não sente coragem para as escrever, antes de se informar junto dos seus directores espirituais.

« Tive dois combates violentíssimos — explica ela — ; eles têm segredos que aqui não posso explicar. Não pude, não, por algum tempo, levantar os olhos para Jesus e para a Mãezinha ; tinha vergonha. Todo o meu corpo era um abismo de podridão, paixões e crimes. Toda a minha vida era uma vida leviana, pensando como e onde ofender a Jesus com as minhas desregradas paixões.

A descrição que faz do “primeiro combate” é curta mas impressionante, pois nela se deduz o que possa fazer, ou melhor, quais as consequências do sacrilégio eucarístico :

« Ao terminar o primeiro combate, vi com os olhos da alma o sagrado vaso com as sagradas partículas ; não de todas, mas de algumas corria sangue com toda a abundância, que banhava as outras, transbordava para fora e corria pelo sacrário, descendo ao altar ».

Depois, descreve mais longa e pormenorizadamente o “segundo combate” e tudo quanto viu “com os olhos da alma”. Vamo-nos rapidamente aperceber que a Alexandrina se sente de novo “incorporar” a humanidade pecadora.

« No segundo combate, também ao terminar, vi com os olhos da alma dois corações unidos. Soube por graça do Senhor que era o Coração de Jesus e da Mãezinha. Estavam cercados de espinhos, e d’Eles corria muito sangue. O sangue dos dois juntava-se e caía como se fora uma só fonte, mas com a maior das abundâncias. Dizer quanto eu fiquei a sofrer, não posso, é impossível. Sofria por ver Jesus sofrer de tal forma na Eucaristia, e o Seu Divino Coração com O da querida Mãezinha. Sofria por sentir que era eu que assim Os fazia sofrer, com a gravidade e maldade dos meus crimes. Sofri e sofri infinitamente, por ver que eu, sem nenhum arrependimento, queria continuar a mesma vida de vícios, podridão e desvergonha ».

Lembra-se depois do Horto, da agonia que lá sofreu, da prisão onde foi encerrada, do caminho do Calvário, da morte na Cruz e da entrega do seu espírito ao Pai... Toda a cena do Calvário está aqui representada...

« O meu Horto de ontem foi em todo o dia um contínuo envolvimento em toda a terra. Todo o meu ser eram cavernas apodrecidas, era uma lepra desfeita. Vi-me presa e maltratada, a caminho dos tribunais. Vi-me no alto do Calvário, a descerem-me da cruz, entregarem-me morta nos braços da Mãezinha. Tudo isto me causava agonia e o suor de sangue. De manhã, depois de açoitada, coroada de espinhos e condenada à morte, caminhei para a montanha. O portador da cruz foi Jesus, eu não podia. O peito arquejava, o coração batia com toda a força. Meu Deus, quanta dor, quantos espinhos variados, fizeram mais dolorosos os meus caminhos ! Crucificada na cruz, a Mãezinha permaneceu de pé junto a mim. Os Seus olhares de angústia mais enterneceram o meu coração e o fizeram sangrar. O meu brando moribundo só cessou com o consummatum est, com a entrega do espírito ao Pai. O silêncio da morte reinou no Calvário da minha alma. Jesus veio, não com alegria, mas com a Sua vida fez-me viver »

Urgência da reparação

E, que lhe vai dizer o Senhor, que vai ele pedir-lhe e revelar-lhe ?

Primeiramente vai “acordá-la”, “sacudi-la” da letargia aparente em que parece estar nesse momento a Alexandrina. Jesus vai lembrar-lhe a função da alma-vítima e portanto o que dela espera, indicando-lhe com precisão as razões da urgência da sua missão perante um modo em perigo, uma humanidade que não quer ouvir a voz do seu Pastor :

― « Minha filha, minha filha, não podem dormir nem descansar as almas amigas do Senhor. O mundo, o mundo está à boca do abismo, para não dizer à boca do inferno. Alerta ! Alerta ! Levantem-se, acordem as almas amigas de Jesus. Ó minha filha, ó minha filha, dá-Me o teu amor, a tua reparação. Dá-Me o teu amor e faz que as almas me amem, dá-Me a tua reparação e faz também que elas Me reparem. A tua alma, no auge da dor e da alegria, necessita de amparo, necessita de um coração amigo, terno, compassivo, à semelhança do Meu. Tem coragem e confiança, minha filha. Jesus não te falta e inspirará esse coração amigo a abeirar-se mais e mais de ti. Coragem e confiança, minha filha, na certeza de que Jesus não falta a todo aquele que n’Ele confia. E como há-de faltar à mais querida das minhas esposas e à maior das minhas vítimas ? O mundo, o mundo cruel é cruel para Jesus e é cruel para aquelas almas que escolhi para serem a luz e o farol da humanidade. É cruel para aquelas almas que escolhi para serem imoladas à semelhança de Cristo. Dá-Me, dá-Me toda a reparação, sem outra ansiedade, a não ser a de fazer a minha divina vontade. Confia, confia, Jesus to afirma. Faz o que até aqui tens feito. Olha, florinha eucarística, louquinha do Amor divino, acode, acode às almas. Acode, acode ao mundo. O abismo em que estão é de perdição. Leva-o às portas do inferno. Sofre, sofre tudo com alegria, se queres salvar as almas, se queres alegrar Jesus e Maria”.

Estas palavras do Senhor não podiam deixar indiferente o coração puro e humilde da Vítima de Balasar. Como sempre, ela vai entregar-se a vontade divina, vai confessar a sua incapacidade em bem corresponder aos desejos de Jesus, mas está pronta a dar-se toda ela para que não sofra Jesus.

― « Eu quero, quero, Jesus. Primeiro quero consolar-Vos e depois as almas quero salvá-las. Vejo nelas o Vosso sangue. Vejo nelas a Vossa imagem. Sou a Vossa vítima, ó Jesus, sou a Vossa vítima. Não sei se sofro bem, Jesus, mas com certeza não sofro com essa alegria que Vós quereis. Não tenho coragem para mais. Eu alegro-me por sofrer e estou triste na dor. Tenho medo de mim, tenho muito medo de Vos ofender ».

Portanto, como ela confessa, não é por falta de vontade, não é que não queira sofrer, visto que duas vezes afirma categoricamente ser a “vítima” de Jesus, mas simplesmente porque se julga incapaz, porque tem medo dela mesma e não sabe se sofre bem, se sofre como Jesus o deseja, e particularmente no que diz respeito à alegria no sofrimento. Mas Jesus vai animá-la, vai encorajá-la e mesmo felicitá-la por aqueles “temores” naturais e sinceros que ela sente e que a fazem crer que não faz tudo conforme à vontade divina.

― « Alegra-te, minha filha, porque queres a minha divina vontade ; sofres, sofres infinitamente porque sofres a minha dor e sofres com o temor de ti mesma. Esse temor agrada-me e comove o Céu. Se o mundo conhecesse o amor do Meu Divino Coração ! Se todos compreendessem quanto me ferem com a gravidade dos seus pecados ! Repara-Me, repara-Me. Deixa que o teu Jesus desabafe com esse teu coração amigo. Toda a visão de maldades é tal e qual como sou ofendido. Toda a visão e sentimentos da minha dor são o fruto de tantos e tão horrendos sacrilégios. Leito de paixões, leito de inferno ».

A urgência da reparação compreende-se; compreende-se a insistência de Jesus, porque são “tantos e tão horrendos os sacrilégios”, tão grandes e numerosos os pecados da humanidade inteira.

Completamente “saída” daquele “temor” em que se encontrava, Alexandrina não hesitará um segundo a oferecer-se, a entregar-se generosamente nas mãos do Senhor : só a salvação das almas e a glória do Deus a guiam, só para elas vive e quer viver. Ouçamo-la :

― « Perdão, Jesus, perdão, meu Amor. O inferno, o inferno, não, meu Jesus, para nenhum dos Vossos filhos. Crucificai-me, destruí todo o meu ser, mas salvai, salvai as almas ».

Heroísmo e comunhão dos Santos estão aqui representados ao mais alto grau. Na Alexandrina, no seu coração simples e humilde, não existem meios termos : só o dom total é prova de verdadeiro amor, por isso totalmente se entrega, totalmente se dá ao Amado da sua alma e, custe o que custar, contanto que as almas sejam salvas, que o inferno as não possa tragar.

Este heroísmo e esta coragem necessitam de lenitivo, de ajuda celeste. Jesus, uma vez mais vai dar-lhe a gota do seu Sangue divino, mas esta gota não lhe trará consolações. Jesus explica-lhe a razão :

― « Vem, vem, minha filha, receber a tua vida, receber o sangue do teu Jesus. Passou o sangue virginal, passou a vida do teu Jesus. Passou também a grande infusão do meu amor. Não te deixo sentir o prazer espiritual para reparares por aqueles que os têm carnais e tão desordenados. Pede oração, pede penitência, pede que seja ouvida e atendida a voz do Senhor. Fica na cruz, unida aos sofrimentos de Jesus e aos da tua querida Mãezinha. É para sofreres connosco, compartilhares de toda a nossa dor, que te faço ver e compreender o muito que somos ofendidos e a dor infinita que sofremos. Vai em paz. Coragem, coragem »[2].

“Vinde a mim todos os que sofreis

« Quem vem a mim não mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede », diz Jesus [3].

Á Alexandrina, Jesus repetiu estas mesmas palavras do Evangelho, comentando-as ainda mais prolongadamente e dando delas um sentido ainda mais amoroso. Ouçamo-lo :

― « Vinde a mim todos os que sofreis e entrai no meu Divino Coração. Vinde a mim todos os que ansiais amar-me e bebei nesta fonte que não se esgota. Eu sou amor, amor, infinitamente amor, eternamente amor. Vinde, vinde a Mim todos, consolai também o meu Divino Coração. Dizei-me constantemente que Me amais e pedi-Me constantemente o Meu amor. O Meu Divino Coração quer dar-se, dar-se, quer voar para todos os corações. Minha filha, minha querida filha, faz que Eu seja amado. Sofro tanto, tanto, recebo ofensas sem cessar. Sou cruelmente mal tratado, sacrilegamente ofendido. Dá-Me, dá-me, minha filha, a reparação que te tenho pedido. Faz com os teus sofrimentos que o mundo se conquiste para Mim. Eu quero almas, todas as almas. Eu quero os corações fugitivos, Eu quero as almas que se afastaram de Mim. Vê, esposa minha, o mar de sangue que corre do meu Divino Coração. Ou me dás a tua reparação, ou Eu tenho constantemente este sofrimento »[4].

Como outrora, Jesus dissera : « A vontade daquele que me enviou é esta : que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia »[5], assim agora o repete à Vítima de Balasar : “Eu quero almas, todas as almas (...), Eu quero as almas que se afastaram de Mim”.

Quando a “Doentinha de Balasar” ouve Jesus falar-lhe de sacrilégio, o seu coração desfaz-se, constrange-se, porque logo faz a relação com a Eucaristia, a Eucaristia que é o centro de toda a sua vida espiritual e pela qual ela sente um encanto todo particular. Então, oferece-se com mais fervor ainda, com mais ânsia, com mais amor.

― « Não, não, meu Jesus, essas lanças como serras dentro do Vosso Divino Coração não posso, não posso consentir em tal. Sim Jesus, dou-Vos toda a reparação contanto que tudo isso cesse e desapareça. Desapareceu o sangue, já vejo Jesus ; a Vossa divina chaga cicatrizou. Em vez de um mar de sangue, vejo um mar de amor, uma infinidade de fogo ».

A sua oferta imediata e incondicional apaziguou o Coração divino, apagou, ao menos momentaneamente, as cicatrizes das ofensas, dos sacrilégios, dos males que rodeavam o Coração sacrossanto do Senhor. Alexandrina sente-se feliz e feliz ainda de ouvir estas palavras de Jesus :

― « É, minha filha, o amor do meu Divino Coração, que até agora estava tão ferido e tanto sangrava. É este amor que Eu quero dar, é todo o amor que Eu quero receber. Não sofro agora, porque cedeste a reparar. Foste, como sempre tens sido, generosa, generosa ao excesso. Só para Mim, só para consolares este Coração, que tanto amas, podias usar de tal generosidade. É verdade que Eu te peço a mais honrosa reparação, mas também é verdade que te dou todas as graças, toda a protecção divina. Nada podias sem Mim. Eu nada posso fazer sem o teu consentimento. Sofre, sofre, se queres ver consolado, muito consolado, deliciado em ti, o teu Jesus ».

“Eu nada posso fazer sem o teu consentimento”. Confirmação, se ela fosse necessária, da liberdade deixada pelo Senhor a cada alma de aceitar ou não aquilo que lhe pede. Não sendo o ditador, como muitos o acusam, Deus nada faz em nós sem o nosso consentimento voluntário e amoroso.

Jesus vai, depois, uma vez mais lembrar quanto Portugal é devedor à Alexandrina, mas não só Portugal : o mundo inteiro é devedor à Alexandrina dos favores recebidos, visto que sem ela, sem a sua reparação infatigável, nem um nem outro teriam sido “poupados aos castigos, aos rigores da justiça divina”.

— « O mundo é ditoso ! Portugal é ditoso ! Ai dele, ai dele, sem este Calvário. Eu não te digo, não, minha filha, que ele é poupado aos castigos, aos rigores da justiça divina, porque ele é ingrato, ingratíssimo às graças que de Mim recebe, mas prometo, sim, prometo que as almas são salvas aos milhares, aos milhões ».

E, como prémio desta salutar entrega, desta salutar colaboração no projecto divino, Jesus convida a sua esposa a “receber a gota do seu divino Coração”.

— « Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Passou a gotinha pura, a gotinha virginal. Uniram-se os nossos corações. Ela passou lentamente. É a vida da tua alma, mas não o é menos do teu corpo. Vives da Eucaristia, vives do sangue de Cristo. És esposa, és vítima, a cópia mais fiel da mesma vítima, do mesmo Cristo. Fica, fica na cruz a reparar-Me dia e noite com a tua crucifixão. Fica, fica na cruz, pois só com ela as almas podem salvar-se. Vai em paz. Pede, pede sempre que a voz do Santo Padre se faça ouvir, ecoar estrondosamente. Emendai-vos, filhos meus. Fazei oração, fazei penitência, Jesus o pede. Vai em paz, vai em paz. Tem coragem, tem coragem. Consola o meu Divino Coração e o da minha bendita Mãe »[6].

E esta afirmação que merece de nós uma meditação profunda e um agradecimento sincero e humilde : “Vives da Eucaristia, vives do sangue de Cristo. És esposa, és vítima, a cópia mais fiel da mesma vítima, do mesmo Cristo”.

“A tua vida, minha filha, é uma escola de amor”

Uma vez mais Alexandrina se queixa de ter que escrever. Ela fá-lo por obediência aos seus directores espirituais que dela exigem esse trabalho, trabalho que também é pedido por Jesus cujo desejo é que não só ela seja conhecida mas que tudo o que Ele faz nela seja conhecido e estudado...

« Não posso, mas quero obedecer para provar o meu amor a Jesus ; é a razão por que eu, com todo o sacrifício, digo alguma coisa do muito que me vai na alma. A minha pobre natureza está cansada, geme dia e noite, sob o peso da cruz. Causa-me verdadeiro horror tudo quanto é sofrer. Mas a alma tem uma sede ardentíssima, sede infinita de se dar e a Jesus dar todas as almas. Ela compreende, porque Jesus a faz compreender que é a dor, a cruz, o grande meio de salvação. Eu não posso, ainda que não possa mais, mas confiada na força e graça do meu Senhor, quero tudo e tudo aceito por Seu amor. Se a minha ignorância soubesse dizer o quanto eu suspiro por me dar a Jesus, por sofrer por Ele e Lhe dar todas as almas ! Ah ! Se eu possuísse todos os corações abrasados no mais puro amor para amarem a Jesus, e todos os corpos, o mais dolorosamente martirizados, para Lhe dar toda a reparação, só isto me satisfaria »[7].

A glória de Jesus e a salvação das almas continuam a ser e serão sempre a principal preocupação da Alexandrina. Ela quereria saber explicar, saber demonstrar de maneira luminosa toda aquela sede de amor e de sacrifício que lhe vai na alma, mas a sua “pobre natureza”, a sua instrução não o permitem, o que lhe causa pena e até mesmo uma certa forma de martírio.

« Pobre de mim, não sou capaz de dizer nada do que me vai na alma, tal é a minha ignorância » — confessa ela com uma certa tristeza não dissimulada.

Fala depois daquela seara de “espigas loiras” que no seu coração deviam chegar a maturação e dar excelente grão, mas...

« A seara imensa que tenho no coração, derrubada pelos ventos, poisa na terra as suas espigas loiras. Envoltas na lama, ficaram quase apodrecidas. Sinto a necessidade infinita de levantá-las e purificá-las de toda a impureza. Tenho que dar-lhes toda a cor e brilho ».

Mas não é só a seara que se encontra em mau estado, a vinha também sofreu da tempestade e risca de não dar os cachos rubros que depois de esmagados e prensados darão o vinho gerador de vida, quando transformado no Sangue do Senhor.

« O mesmo se dá com a vinha já crescida e bem florida — explica Alexandrina. Meu Deus, que tremenda tempestade que tenta destruí-la e arrancá-la pela raiz ! O meu coração cuida dela, rega-a toda com o seu sangue, para mais fundo penetrarem as suas raízes ».

Investida pela humanidade pecadora, a “Doentinha de Balasar”, apesar de continuar a dar “a reparação que pensa ser pedida pelo Senhor”, sente-se de certo modo alheia a esta mesma reparação ; sente-se outra que a Alexandrina e por isso mesmo se queixa e explica qual o estado da sua alma, quais os sentimentos que então a habitam :

« É pavorosa a luta. Todo o meu ser é vício e é maldade. Todos os meus olhares têm o veneno dos mais horrorosos crimes. Gasto quase todos os momentos da vida a pensar a forma mais horrorosa e maldosa de satisfazer os meus criminosos desejos e a calcar aos pés a Lei do Senhor ».

Confissão penível e surpreendente, mas confissão da humanidade perversa e pecadora, confissão que nos deixa sem voz.

Será possível que esta humanidade ouça um dia a voz do seu Criador, decida um dia de obedecer-lhe, e como Paulo, no caminho de Damasco, pergunte ela também : “Senhor, que quereis que eu faça ?”

Entretanto a vítima de Balasar continua a sofrer, a sofrer e a oferecer-se sem relaxe, confiada que isso irá acontecer e que a humanidade pecadora arrepie caminho e se volte decidida para o céu e que, de mãos erguidas, implore a misericórdia do Altíssimo.

« A minha dor é infinita, e só com a graça d’Ele eu posso vencer tal sofrimento ! »

A seguir, escreve ainda a “Vítima do Calvário de Balasar”, que de novo se reveste daquela humanidade teimosamente pecadora :

« Ver o meu querido Jesus a fugir de mim, depois de eu O ter expulsado, e corro, corro atrás d’Ele, com a maior crueldade, a açoitá-Lo, a coroá-Lo de espinhos, a arrastá-Lo pelas cordas ! Sou a carrasco mais bárbara. Calco-O com os meus pés, e parece que tento tirar-Lhe a vida. Jesus grita tanto com tal afronta ! »

O que acabamos de ler nada é comparado ao que Jesus sofre (ou sofreu durante a paixão) por causa dos pecados do mundo. Alexandrina quereria melhor explicá-lo, mas não pode, não sabe... e como poderia ela explicar o inexplicável ?

« Eu nada digo de quanto O faço sofrer — confessa ela humildemente —, de quanto O vejo sofrer ! Mas, se eu soubesse exprimir aqui a dor que sinto que Ele tem e o quanto me custa descrever isto, que nada significa e nada mostra do que Jesus sofre, quanto bem podia fazer às almas. Que pena de morte ! Tudo queria poder e saber dizer, por amor a Jesus e para o bem das almas ».

Esta sinceridade e humildade são sempre edificantes, porque não simuladas. São gritos vindos do mais profundo da alma-vítima, gritos de dor, gritos de apelo também para cada um de nós, nós os homens pecadores deste início do século XXI.

Mais adiante, encontramos um novo brado de Jesus : Ele quer que o caso da Alexandrina seja estudado, que se compreende o que é na verdade a vida de Deus nas almas.

― « “Escutai, Jesus vai falar : (...) A tua vida, minha filha, é uma escola de amor, é uma escola de dor. Eu quero, brado bem alto que na tua vida aprenda toda a humanidade. É uma escola sábia, é uma escola sublime, é uma escola toda, toda da vida divina. (...)

A tua vida, a tua vida, minha filha, foi a luz que caiu do Céu. Vives de Cristo e para Cristo ; vives a vida graça ; vives a vida divina. (…)

Todas as transformações da tua alma têm o seu significado. (…)

Coragem, coragem, Minha vítima amada. Não duvides da tua vida; é só obra Minha, é só obra Minha. (…)

Vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Levou-te a vida, levou-te a paz, levou-te amor”. (…)

Uniram-se os corações das duas vítimas. A vítima de há vinte séculos, com a vítima de hoje. Parece, Jesus, que me fez adormecer. É verdade, é verdade. O meu coração ficou mergulhado em paz e amor e ficou com mais vida. »[8].

Comunhão sobrenatural

Poucos dias depois, a 11 de Abril, Jesus vem e queixa-se amargamente do estado desastroso das almas, estado tal que o faz chorar...

― « Minha filha, Eu choro e brado, porque o pecado atingiu o seu auge. As ondas negras dos vícios subiram à maior altura. Eu choro e brado, e é do teu coração, pelos teus lábios, que Eu venho convidar todos os que me amam, para Me amarem mais; aos que andam fugidos, para se aproximarem de Mim. É do teu coração que Eu mendigo : filhos Meus, filhos Meus, pede-vos Jesus, não pequeis mais, não pequeis mais, o Céu foi criado para vós. Tu és, filha querida, o porta-voz de Jesus. Esta mensagem vai correr o mundo, esta mensagem vai levar a todas as almas a certeza do perdão. (...) Eu choro, Eu choro, minha filha, e quero sempre, sempre a tua dor ; não ma negues »[9].

Ver Jesus chorar causa à “Doentinha de Balasar” uma dor indizível e faz nascer no seu coração bondoso e amante, novos ardores de reparação, novos desejos de sofrer no seu próprio corpo “o que faltou à Paixão de Cristo”.

― « Não vo-la nego, não, meu Jesus ― responde Alexandrina imediatamente ―, mas não choreis, não, não, meu Jesus ; eu quero sofrer tudo, para que as almas se salvem, e não Vos quero ver chorar, meu Amor. Vou pedir, vou pedir muito a todos os corações, a todas as almas que se abeirarem de mim, para que Vos não ofendam, meu sumo Bem ».

Esta oferta e esta disponibilidade de todos os instantes, mereciam recompensa e Jesus vai mostrar-se satisfeito da sua esposa, visto que vai dar-se a ela de maneira sobrenatural. Agora não será só a gota de sangue, mas o seu corpo eucarístico, uma Comunhão dada pelos anjos, como a seguir veremos :

― « Está bem, está bem, minha filha. Espero sempre a tua generosidade e heroicidade, minha filha, e como recompensa os anjos descem do Céu. Vais comungar, vais receber o teu Jesus Sacramentado. É o teu Anjo da Guarda que traz nas Suas mãos a Hóstia Santa. É o Anjo de Portugal que conduz a taça que contém a gota do Meu Divino Sangue : Corpus Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam. Ámen. Ó Mistério, ó Prodígio ! Jesus Sacramentado reina no teu coração. A gotinha do Seu Sangue Divino já corre em tuas veias. Os Anjos voam de novo para o Céu. Só O da tua guarda fica na tua companhia. É inseparável ».

Como em Fátima, aos Pastorinhos, o Anjo de Portugal está presente, é “Ele que conduz a taça que contém a gota do divino Sangue”.

Como é fácil de imaginar, Alexandrina jubila, o seu coração e a sua alma estão em festa, mesmo se em “silêncio”. Alegre, ela exclama :

― « Ó Jesus, que silêncio, que silêncio ! Vejo-Os subir, vejo-Os a bater as suas asinhas brancas. As luzes, que conduziam, desapareceram com eles. Ficastes Vós, meu Sumo Bem. Estou mais quente, estou mesmo a arder, mais forte e com mais luz. Bendito seja o Vosso amor e misericórdia para comigo. Estreito-Vos ao meu coração e peço-Vos, meu Bom Jesus, que dentro do Vosso estreiteis aqueles que eu amo, a todos os que me rodeiam e me pertencem e a todos os filhos Vossos. Estreitai, Jesus, a humanidade inteira, perdoai, perdoai-lhe sempre ».


[1] Sentimentos da Alma :  7 de Março de 1952.

[2] Sentimentos da Alma :  7 de Março de 1952.

[3] S. João 6, 35.

[4] Sentimentos da Alma :  14 de Março de 1952.

[5] S. João : 6, 39.

[6] Sentimentos da Alma :  14 de Março de 1952.

[7] Sentimentos da alma : 28 de Março de 1952.

[8] Sentimentos da alma : 28 de Março de 1952.

[9] Sentimentos da alma :  11 de Abril de 1952.

   

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