




|
Capítulo 33
NÃO CHOREM, QUE EU VOU PARA O
CÉU!
13 de Outubro de 1955
Nos últimos tempos, sobretudo nos colóquios das
sextas-feiras, ouvia a Alexandrina a afirmativa categórica de que o seu
fim estava próximo: em breve iria para o Céu.
A 5.11.54:
Coragem! — diz-lhe Jesus — Eu te
afirmo que o teu Céu está perto. Coragem!
E a 24.12.54:
Estás na fase mais dolorosa, a última
da tua vida. Eu virei depressa, depressa, buscar-te para
o Paraíso.
E no ano seguinte, em Junho de 1955, por exemplo, a
10:
É a última fase, tremenda fase. O
auge do sofrimento a enfrentar com o auge do pecado e do
crime.
A 8.7.55:
A tua fase, a última fase da tua vida
não pode ser mais dolorosa. Mas assim é quando escolho
uma alma para o mais alto grau de perfeição, de amor e
união comigo. Confia: tu amas-me e fazes-me amar e o teu
Céu está perto!
Esta derradeira fase mostrava-se realmente atroz:
As dores eram nos últimos meses
horríveis — há-de escrever-nos o Médico, a 1 7.10.55 —
Ultimamente estava a sofrer imenso, e parece-me que a
sua doença, as suas dores eram de origem sobrenatural,
daquela origem a que se refere Henri Bon, quando fala
das enfermidades sobrenaturais.
Já a 10 de Janeiro de 1955, é o mesmo ilustre Clínico
que, por este caso raro para a Ciência e para a Mística, afirmava a
respeito da Alexandrina:
Está prostrada como nunca. Está a
chegar ao cimo do seu calvário... Parece que tudo tem
evolucionado nesse sentido.
Uma fotografia que lhe tiraram a meados de Agosto
desse ano mostra bem o desfalecimento e dor em que se encontrava.
Até 2 de Setembro, ainda que com muito custo, ia
ditando, como de costume, os seus sentimentos da alma. Mas não mais o
pôde fazer daí por diante.
E o Céu apressa-se para a receber. A 2 de Outubro,
disse:
Hoje, dia dos Santos Anjos, senti que
me tocaram no ombro e ouvi cantar os Anjos. Perguntei:
— Quem cantará com os Anjos?
Nosso Senhor respondeu:
— Tu, tu, tu, em breve, em breve, em
breve.
Sentindo que o fim estava próximo, pensou pedir a
Extrema-Unção.
A 12 de Outubro, pelas 8 da manhã, depois de
comungar, ouviu estas palavras:
Faz, minha filha, o que desejas (pedir
a Extrema-Unção). Tu vais para o Céu, tu vais para o
Céu!
Durante toda a manhã desse dia, repetia
frequentemente:
Eu queria o Céu. Eu não tenho peninha
nenhuma de deixar a Terra!
Acabaram todas as trevas da alma.
Acabaram todos os sofrimentos da alma.
É sol, é vida, é tudo, é Deus!...
A irmã Deolinda perguntou-lhe:
— Tu que querias?
— O Céu; na Terra não se pode estar.
Eu queria receber a Extrema-Unção,
enquanto estou viva...
Vai ser muito bonito aqui...
Ó Jesus, seja feita a vossa vontade e
não a minha!
Pelas 15 horas, feito um acto de resignação e de
aceitação da morte, ministrou-lhe o Rev. Pároco da freguesia, Padre
Leopoldino Mateus, o sacramento da Extrema-Unção. Antes de o receber,
pediu perdão à mãe, à irmã, ao Confessor, R. Padre Alberto Gomes, ao
Pároco, aos Médicos, às primas, às pessoas amigas e à criada. Depois
assim se expressou:
Já estarei com a minha alma pura,
para receber a Extrema-Unção?
Ai, Jesus, não posso mais na Terra!
Ai, Jesus! Ai, Jesus! Ai, Jesus! A
vida, o Céu custa, custa!...
Sofri tudo nesta vida pelas almas.
Mirrei-me, triturei-me nesta cama, até dar o meu sangue
pelas almas.
Perdoo a todos, perdoo, perdoo. Foram
instrumentos para meu bem. Ai, Jesus, perdoai ao mundo
inteiro!
Depois de ministrada a Extrema-Unção, exclamou:
Ai, estou tão contente por ir para o
Céu!...
Sorriu-se com os olhos no Céu:
Ai, que claridade! É tudo luz!
Sorriu-se.
As trevas, as trevas, tudo
desapareceu!...
Às 6 horas da manhã do dia 13:
Meu Deus, eu amo-Vos! Sou toda vossa!
Tenho necessidade de partir?... Não
gostava de morrer de noite... Morrerei hoje?... Gostava.
Na verdade o dia era muito ao sabor espiritual dos
seus grandes amores: Nossa Senhora e o Santíssimo Sacramento (era
quinta-feira, a 13 de Outubro). Quantas vezes nas suas cartas chamava à
quinta-feira o seu dia e quantas manifestou desejo de morrer numa
quinta-feira!
Pediu à imã que lhe desse a beijar o Crucifixo e a
Mãezinha. A irmã perguntou-lhe: "Para quem te sorrias?", porque lhe
notara no rosto um sorriso angelical, ao dizer que gostava de morrer
nesse dia. Respondeu: "Para o Céu".
Durante esta manhã foi visitada por várias pessoas.
Quando entrou um grupo, exclamou com voz mais forte:
Não pequem! O mundo não vale nada.
Isto já diz tudo.
Rezem o Terço todos os dias.
Às 11 horas disse para o Médico:
Eu sou muito feliz, porque vou para o
Céu...
Às 11h35 pediu que lhe rezassem o ofício da agonia,
às 17, disse para uma visita:
Adeus, até ao Céu!
Quis a Providência que Mons. Mendes do Carmo,
Professor do Seminário da Guarda e antigo Reitor do Colégio Português em
Roma, assistisse aos últimos momentos da Alexandrina. Ele mesmo nos
narra o facto:
No passado dia 10, saí da Guarda com
vontade de seguir para Fátima, a passar o dia 13 de
Outubro, um dos maiores dias da História de Portugal, e
para muitos e para mim o maior.
Chegando a Coimbra, deixei os
distintos companheiros de viagem, que lá seguiram para o
grande Santuário e eu parto para Balasar. Queria visitar
pela terceira vez a conhecida doentinha, a Alexandrina.
Na tarde do dia 11, entro em sua
casa. Encontro-a gravissimamente doente, mergulhada em
dores, doçura e silêncio, dando a impressão de que a sua
vida terrena estava a findar: poucos dias, horas apenas
talvez.
No dia 12, depois da Missa longa,
longa, dei-lhe a Comunhão divina. Recolheu-se no
silêncio eloquente e profundo da sua acção de graças.
Seguiram-se horas de sofrimentos asfixiantes,
respondendo a algumas perguntas com palavras quase
imperceptíveis. Cerca das 3 horas da tarde, pede o
Sacramento da Extrema-Unção, pedido espontâneo que
ninguém lhe sugeriu.
Tudo preparado já no quarto-calvário,
quer antes espontaneamente também fazer o seu acto de
resignação e disse perante todos:
— Ó Jesus Amor, ó divino Esposo da
minha alma, eu que na vida só procurei dar-vos a maior
glória, quero na hora da minha morte, fazer-vos um acto
de resignação e assim, meu amado Jesus, se neste acto
dou maior glória à Trindade Santíssima, jubilosamente me
submeto aos vossos eternos desígnios... para só querer e
implorar da vossa Misericórdia o vosso Reinado de amor,
a conversão dos pecadores, a salvação dos moribundos e o
alívio das almas do purgatório.
Meu Deus, como sempre vos consagrei
minha vida, vos ofereço agora o fim dela, aceitando
resignadamente a morte, acompanhada das circunstâncias
que vos derem maior glória.
Depois em voz clara pediu perdão,
agradeceu e perdoou a todos. Recebeu em seguida, em
calma angélica, o Sacramento depurador dos últimos
vestígios e a Alexandrina moribunda diz:
Não chorem, que eu vou para o céu!
E repetiu:
Não chorem, que eu vou para o Céu.
Disse ainda brevíssimas frases...
O sofrimento aumentava e a noite de
12 para 13, a sua última na Terra, foi uma noite de
agonia.
De manhã, pelas 8 horas, fez a sua
última Comunhão.
Às 11h35, espontaneamente também,
pede que lhe rezem o Ofício da agonia. De joelhos, junto
do seu leito, acompanhado de outras pessoas, recito
essas orações e súplicas inspiradas e comoventes.
A agonia intensificava-se; eu
sugeria-lhe com frequência palavras divinas... Tantas
vezes lhe dei a beijar o Crucifixo e a medalha de Nossa
Senhora das Dores e sempre os seus lábios se moveram a
esse beijo... Quando pela última vez lhe dei a beijar
essas Jóias, os seus lábios ficaram imóveis.
Em artigo posterior, referindo-se a esse instante
supremo, diz o mesmo ilustrado Sacerdote:
Quando lhe pedi que repetisse comigo:
Santíssima Trindade, no vosso Coração encomendo o meu
espírito, a agonizante docemente sorriu. Expirou!...
Eram 19h52 minutos.
Na manhã de 14, estava o cadáver em
câmara ardente, vestido de tecido alvíssimo, no caixão
por dentro todo alvíssimo também.
Ainda de manhã, começou a romagem da
visita ao cadáver da que por tantos já em vida era tida
como uma santa. Mas o que houve de singular, e que
parece único nos anais da morte, pois jamais li facto
semelhante, foi essa romagem de milhares e milhares de
pessoas que, começada à uma hora da tarde, continuou sem
pausa, sem interrupção, durante a noite inteira até às
dez da manhã, hora da partida do cortejo fúnebre para a
Igreja...
Eram pessoas vindas de muitas terras
vizinhas e longínquas, do Porto, de Braga, de Guimarães,
de Famalicão, da Póvoa de Varzim. Eram pessoas de todas
as categorias sociais: lentes de Medicina, médicos,
advogados, comerciantes, industriais, capitalistas,
artistas e enorme massa de povo modesto e humilde.
Milhares? De certo (uns cinco mil)...
De tarde, no dia 15 em que o corpo da
Alexandrina baixou à sepultura, dizia um cavalheiro do
Porto: "Hoje no Porto, não há rosas brancas, foram todas
para Balasar".
E na verdade o cadáver mais parecia
estar num riquíssimo jardim em flor do que na câmara
mortuária, na câmara ardente. Aquela que em criança, bem
criança ainda, fora por alguns meses, como tantas filhas
da aldeia, uma pastorinha, que não frequentou a terceira
classe, era alvo de homenagens tão sentidas, tão
afectuosas, tão extraordinárias na hora da morte que
através os séculos só as lemos nas biografias dos
grandes Santos.
Que episódio comovente até às
lágrimas eu poderia contar, de médicos e sacerdotes
distintos, que nessa hora vieram ao meu encontro, em
narrativas agradecidas ou desabafos dolorosos, por causa
da Doentinha de Balasar!
Quarenta Sacerdotes, e tantos bem
comovidos, tomaram parte nos seus funerais. Quanto ela
venerava, amava e crucificada no leito, orava pelos
Sacerdotes, saber-se-á um dia.
E lá ficou, em sepultura sua
oferecida por corações amigos e agradecidos, o corpo
mártir da virgem de Balasar, de rosto voltado para a
Igreja (como ela tinha pedido em seu testamento)...
Tinha razão a Alexandrina, quando,
nas vésperas da morte, afirmava:
— Vai ser aqui muito lindo.
Já há muitos anos antes Nosso Senhor
lhe tinha asseverado o mesmo, por outras palavras:
— Ditosos os que assistirem à tua
morte, à morte da minha crucificada!
Sua irmã Deolinda escrevia-nos a 19.11.55:
A sua morte foi de uma santa. O seu
enterro foi coisa nunca vista. Milhares de pessoas
passaram pela sua urna e centenas delas lhe beijavam os
pés, a mão ou o rosto. Todos lhe queriam tocar terços ou
tirar pétalas dos cravos brancos sem conta que à sua
volta estavam. Dizem as pessoas velhinhas:
Nunca vimos nem voltamos a ver coisa
igual!
Toda a gente de Balasar se cobriu de
luto e de luto continuam ainda. Dizem que é um sinal de
gratidão pelo muito que lhe devem.
Agora vai muita gente ao cemitério,
ajoelham junto da campa a rezar. Uns levam-lhe ramos de
flores, outros velas, outros dinheiro.
Também bastantes pessoas continuam a
vir visitar o seu quarto, que conservamos na mesma. Tem
dias que é uma romaria contínua...
Dá a impressão que era já a aurora da glorificação
que Nosso Senhor tantas vezes prometeu à Alexandrina, para depois da sua
morte.
Logo após a tua passagem para o Céu —
ouvia ela a 5.8.55 — junto do trono da Santíssima
Trindade vais logo implorar, vais logo fazer descer
orvalhos fecundantes, chuvas de bênçãos e graças.
Confia, confia!
E no dia 26 do mesmo mês:
Oh, como esta causa, que é a minha,
triunfará depois de tanto ódio, de batalha tão renhida!
Não passavam ainda cinco anos após a morte da
Alexandrina e a sua vida já corria mundo em português, francês,
italiano, alemão. Saíram ao todo até hoje do prelo, nas várias edições e
línguas referidas onze volumes, sem falarmos em múltiplos artigos em
revistas e jornais portugueses e estrangeiros.
Parece demais para tão pouco tempo! É que o dedo de
Deus está aqui.
 |


|