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Capítulo 32
ALMAS, DÁ-ME ALMAS!
1933-1955
"Quem não zela não ama" — disse Santo Agostinho.
Correm a par amor a Deus e zelo das almas: por um podemos avaliar o
outro.
Não seria, portanto, mister discorrermos agora sobre
o zelo da Alexandrina pelas almas, depois do que aí fica escrito do seu
ardente e apaixonado amor a Jesus, que a levou a abraçar generosamente,
"loucamente" todos os excessos de dor e sofrimentos místicos, sem uma
recusa, sem uma hesitação, antes ficando sempre com fome de mais, para
desagravar, consolar a Jesus e lhe converter e salvar os pecadores do
mundo inteiro.
Mas deparamos em seus escritos com passagens tão
belas que não julgamos prolixo focar neste capítulo, ao menos ao de
leve, até que extremos atingiu esse seu zelo das almas.
Ainda jovem, afirmava que queria ser "missionária",
para ir converter "os pretinhos".
A doença incurável impossibilitou-a de realizar esse
ideal. Mas, no seu leito de dor, interessava-se vivamente por tudo o que
dizia respeito à salvação das almas: pelas obras da sua paróquia,
missões, tríduos, catecismo, Apostolado da Oração, Cruzada Eucarística e
pelas Missões de além-mar. Lá tinha junto do leito um pretinho de barro
para recolher esmolas para as Missões que ela regozijada enviava
periodicamente para o seu destino.
Quando chegava ao seu conhecimento que alguém, na
freguesia, andava afastado de Deus, era de ver quanto orava, quanto se
sacrificava e se industriava para trazer essa alma ao bom caminho.
Mas, depois que começou a receber as grandes graças
místicas, subiu ao auge este seu zelo. Afinal, a razão de todo o seu
sofrer vai cifrar-se na salvação das almas. Quantas vezes lho afirmou
Jesus durante a vida, até à morte! E ver o que lhe diz Jesus, na
sexta-feira de 29 de Abril de 1951:
Minha filha: estás já a continuar a
minha obra redentora, a obra da salvação... Pelas tuas
chagas, pela tua crucifixão, continuas a dar ao mundo, a
dar às almas o que outrora Eu dei pelas minhas Chagas,
pela minha Crucifixão no alto do Calvário.
Confia, minha filha, no que te diz
Jesus. Duvidares, é desgostar-me e tu não queres
entristecer o meu divino Coração...
E mais adiante:
Na seara da tua alma, Eu recolho para
mim, à semelhança do lavrador, todos os grãozinhos sem
que eu perca um só. Ao lavrador é-lhe impossível
recolher tudo, mas a Mim não é. Tudo colho, tudo recolho
para as almas.
Seara loira, como é linda e
abundante! Nada tens, porque as almas possuem tudo o que
é teu; tudo lhes dou, para as salvar.
Neste momento — diz a Alexandrina —
via a grande seara, vasta, vasta, loira, loira. Que
formosa ela era! Por detrás dela, lá caminhava Jesus,
coroado de espinhos, curvado sob o peso da Cruz. Fui
logo ao seu encontro. Ele ia a soluçar.
— Ó Jesus, ó Jesus, não vos quero na
Cruz, não vos quero ver coroado de espinhos e a chorar
lágrimas!...
Jesus fitou-me docemente e disse-me:
— Ó minha filha, e continuas tu na
cruz crucificada, cingida de espinhos e a chorar
lágrimas? Os espinhos são muitos, são do mundo inteiro.
A dor é infinita, porque é minha!
— Não me importa, Jesus, sede a minha
força!...
Vi tantos espinhos, tantos, tão
amontoados e tão agudos! Mas cheia de coragem, disse:
— Fazei que eles caibam na minha
cabeça e no meu coração, assim como couberam no vosso.
Passai-os para mim e amontoai espinhos sobre espinhos...
A 10.4.53:
Coragem, coragem, filhinha, a tua
missão é esta: abraçar o mundo, abraçar os pecadores,
conduzir a Mim o rebanho, as ovelhas tresmalhadas.
Coragem, coragem!
Deixa sangrar misticamente os teus
pés, as tuas mãos, o teu coração, a tua cabeça, todo o
teu ser.
Crucifiquei-te, porque me
consentiste. Preparei-te para este acto heróico, para
esta aceitação.
Correspondeste; foste e serás sempre
fiel ao teu Senhor.
Filhinha, filhinha, ó esposa minha,
fala, fala, fala com clareza. Diz, diz que Jesus está
triste com as ameaças de Seu Pai. Não quero que os meus
filhos sejam punidos, mas eles, pobrezinhos, não atendem
a tantos, tão repetidos pedidos...
A 1.5.53:
Faz, minha filha, esposa minha, que
Eu seja o Rei, que Eu seja o amor de todos os que se
abeiram de ti.
Estás neste calvário, coloquei-te
neste calvário para bem, para seres útil a toda a
Humanidade.
Minha filha, faz conhecer às almas
quanto Eu as amo. Tu és o porta-voz de Jesus. Tenho-o
dito muitas vezes: falo no teu coração e pelos teus
lábios. E por ti que Eu falo ao mundo...
A 9.3.51:
O que opero em ti não é para ti —
diz-lhe Jesus — é para o mundo, é para o fim da tua
missão, da mais alta e digna missão, a missão das almas.
A 21 de Agosto de 1953, recebe de Jesus o doce título
de Missionária. Era no colóquio, após os sofrimentos da Paixão:
Coragem, coragem, filhinha querida,
florinha eucarística, coragem! Um pouquinho mais.
Fala às almas, fala às almas. Estão
famintas, famintas de receber de ti o que por Mim
através de ti lhes é dado.
— Ó Jesus, ó Jesus, não sei o que
fazer. Eu não tenho força, bem o sabeis. Todo o meu ser
está moribundo. Quero aceitar sempre, aceitar com a
vossa divina vontade. Só Vós, só Vós sois o meu tudo.
— Filhinha, mimo celeste, toda a tua
vida lhes fala. Toda a tua vida é uma pregação contínua.
O teu sorriso forçado, os teus gemidos, todo o teu
sofrimento resignado fala aos seus corações, cativa-os,
atrai-os e eles vêm a Mim. És a Missionária de Jesus
e esta missão sublime continua com mais pompa, com
mais brilho, quando estiveres no Céu. Jesus não falta,
Jesus não falta. Eu quero que uma vez lá, muitos, todos
os pecadores sejam entregues à tua missão.
Coragem, coragem!...
Já em 3 Outubro de 1952 ouvira o mesmo título de
missionária:
O mundo, o mundo, os pobres pecadores
obrigam-me a todas as exigências, obrigam-me a
crucificar-te com a mais dolorosa crucifixão.
Coragem, minha filha, sê apóstola.
Coragem, coragem, minha filha, sê
missionária no teu leito de dor.
É nobre a tua missão; é nobilíssima a
tua dignidade de esposa de Cristo, de vítima de Cristo,
de florinha eucarística, de mãe dos pecadores.
Catorze anos são passados. Foi neste
lugar, a esta hora, que há catorze anos foste
crucificada e neste momento tinha contigo os meus
desabafos.
São catorze anos de glória, catorze
anos de salvação, catorze anos de heroísmo, de amor às
almas.
Bem hajas, esposa minha, pela tua
generosidade. Estreito-te ao meu divino Coração pela tua
entrega total. És minha, toda minha, pertences-me,
amas-me e Eu amo-te!..
Nem há agora porque insistir que a esta missão de
apóstola, de missionária, a Alexandrina correspondeu fidelíssima,
generosissimamente.
E que ânsias de ver Jesus conhecido e amado! Que
ânsias devoradoras de lhe salvar todos os pecadores!
Saboreemos esta passagem a 4 de Maio de 1951:
Não sei falar, a minha ignorância não
me deixa saber exprimir a minha dor. E causa-me horror
falar da dor, falar de mim.
Ah, se permitissem eu ficar neste
silêncio e morte, nada dizer, mesmo nada, não sei, mas
parece-me que eu então sentiria alegria apesar da
grande necessidade, da grande ansiedade que o
meu coração tem de falar do Céu, de falar de Jesus, do
seu amor, da sua misericórdia, das suas coisas.
Ah, sim! O coração anseia sair para
fora do meu peito e voar pelo mundo e possuir uma voz
que a cada momento, incessantemente se fizesse ouvir em
toda a Humanidade, a pedir a todas as criaturas para não
pecarem, para todas virem a Jesus! Ah, se eu pudesse
compenetrar a todos de quanto Ele nos ama e como só Ele
é bom! Ai de mim! Nem posso, nem sei…
Quantas vezes se sentia toda em fogo ao pensar nas
almas!
A 3 de Março de 1951, primeiro Sábado, assim a
confortava Nosso Senhor, depois da Comunhão:
Minha filha, aqui está o Jardineiro
divino a trabalhar no terreno que escolheu desde toda a
eternidade para ser o seu jardim formoso.
Minha filha, que trabalhos, que
maravilhas divinas Eu aqui opero! Delicio-me no aroma de
todas as flores da virtude.
Recebe o conforto do meu divino
Coração: junta o meu amor a estas encantadoras flores.
As virtudes são armas que afastam o
mal, que combatem todos os crimes e iniquidades e atraem
para Mim as almas. Conforta-te para sofreres: com
virtudes, dor e amor, curam-se as almas. Saem da
morte do pecado, renascem para a graça, para Deus.
Neste momento — diz ela — passou
por mim um mar de fogo; não digo mar imenso, mas
mais ainda, mar infinito que me arrebatou não sei para
onde. Eu era toda fogo, era toda amor de Jesus.
Mergulhei-me, perdi-me: não podia aguentar mais tempo.
Jesus cessou, por uns momentos e
repetiu o mesmo até terceira vez.
E Jesus explica:
Minha filha, este amor divino por ti
é dado às almas, ao mundo...
A 3.7.53, primeira sexta-feira, depois de Nosso
Senhor lhe dizer que a sua vida era um portento das maravilhas do
Senhor, ela humildemente responde:
Só por Vós e para Vós tenho vivido. Só em Vós tenho
confiado. Nunca, nunca confiei em mim. Pela vossa graça, nunca, nunca
nada a mim atribui; o meu nada, a minha miséria imensa, a minha
inutilidade é a que me está sempre, sempre presente.
E Jesus:
— Minha filha, pupila dos meus olhos,
florinha eucarística, adorno do meu divino Coração,
avante, avante por Deus e pelas almas!
Pede amor, pede amor para o meu
divino Coração. Não deixes as almas perderem-se.
Convida-as a virem a Mim.
O teu sofrimento fala-lhes ao
coração, o teu sorriso, o teu silêncio, fala-lhes,
fala-lhes sempre.
Coragem, coragem! Tudo isto é uma
revolução das almas.
Coragem, coragem! Tudo isto são
provas do meu divino amor para com elas.
Acode-lhes, não as deixeis perder;
não as deixeis cair no inferno!
— Isso quero eu, meu Jesus. Ah, se eu
pudesse pôr um aloquete no inferno, para ele não mais se
abrir! Eu não quero, não, meu Jesus, que nenhuma alma se
perca, eu não quero, não, meu Amor, ver o vosso Coração
ferido.
Tenho fome, muita fome, meu Jesus, de
vos dar todas as almas e toda a consolação. Só vivo por
Vós, porque Vos amo, Jesus. Não tenho outro fim na minha
vida a não ser amar-vos e dar-vos almas...
Agora esta bela passagem, de 15 de Maio de 1953, em
que nos aparece, por um lado, a sua repugnância máxima em ser vista e
por outro a sua loucura de amor às almas:
Nunca poderei dizer o martírio novo,
o martírio cruel, o martírio nunca dito que me causam as
numerosas visitas que vêm junto de mim.
Não me causa martírio ouvir, sentir e
compreender as suas misérias; não, não é isso: porque,
em impulsos de amor, parece até em excessos de
loucura de amor, quero abraçá-las a todas e
introduzi-las no Coração divino de Jesus.
O que se passa em mim quando lhes
falo, o que sinto quando lhes quero fazer compreender a
grandeza do pecado, uma ofensa feita ao nosso Pai do Céu
e o quanto Ele nos ama, não sei: parece que estou fora
de mim, parece que me passo para outro mundo, parece que
o meu espírito está mergulhado em Deus, na luz de Deus.
Estes sentimentos e compreensão tinham dizeres
infinitos. E como hei de dizê-lo eu, sendo tão má e nem
sequer um vermezinho da Terra?
Mas esse martírio novo de que acima
falei, é depois que estou sozinha: depois de tanto ter
dito de dentro da minha ignorância, depois de tanto ter
ansiado de meter bandos, bandos de almas no Coração do
meu Jesus, sinto a necessidade de lhes fugir, de a todas
afastar e repelir de mim. Fico a tremer de pavor: é o
mundo contra mim, é o ódio, é a iniquidade, é tudo o que
é mal…
Causava-lhe pois grande martírio ver tanta gente a
visitá-la e só o consentia, por ver nisso a expressa vontade de Deus.
Tem coragem, tem coragem, minha
filha: deixa que se abeirem de ti os milhares, os
milhares de almas que para ti encaminho. Vêm beber à
fonte divina que em ti fiz nascer. Elas por ti recebem
as minhas riquezas, as minhas graças. (6.3.53)
De facto, ultrapassou tudo o que se podia imaginar a
multidão sempre crescente de pessoas que acudiam a ver a Alexandrina,
para lhe contarem suas mágoas, pedirem suas orações, escutarem seus
conselhos. Baste para fazermos uma ideia, a seguinte estatística:
No dia de S. José, 19.3.53, recebeu 570 pessoas
adultas, 50 crianças e 50 peões. Todas estas pessoas, menos os peões,
foram transportadas em 14 camionetas, 6 automóveis, uma motocicleta e
algumas bicicletas. Recebeu nesse dia 24 cartas.
No dia 9 de Maio desse mesmo ano, acudiram umas
2.000. Nesse mesmo mês, a 29, 6.000, em 100 camionetas e 150 automóveis
e deixaram sobre a cama 130 cartas.
Extraímos de uma carta que nos escreveu D. Conceição
Proença — a Sãozinha — a 10 de Julho de 1953, o seguinte:
O número das visitas é tão grande que
V. R. não calcula. Desde o dia de S. José têm aumentado
extraordinariamente. O dia em que recebe menos é às
sextas-feiras. Nos outros dias, recebe continuamente,
desde manhã à noite, tendo um pequeno intervalo ao
meio-dia, para a família poder tomar a refeição. Ela
recebe aos grupos de 40, 50, 70 pessoas. Enche-se o
quarto e o corredor pegado. Fala àqueles grupos com uma
facilidade espantosa. Conforme o Divino Espírito Santo a
inspira, fala do amor, da justiça de Deus. Pede oração,
penitência, emenda de vida em termos que são poucas as
pessoas que se retiram sem as lágrimas nos olhos. Isto
dá-se com toda a classe de visitas; não é só com o
povinho aldeão. São tantas as pessoas a pedirem que as
ajude a salvarem as suas almas, a sair do pecado, a
legalizar situações difíceis. São tantas a virem
agradecer os benefícios que recebem por intermédio da
Alexandrina...
À volta da Alexandrina andam várias
pessoas que a ajudam na distribuição das visitas… São
precisas cinco ou seis para este movimento.
De forma que Balasar, nos últimos anos da Doentinha,
estava em missão perene, e a pregadora era a Alexandrina. Poucos
pregadores se podem lisonjear de ter tão numerosos auditórios e
sobretudo tão ávidos de escutar a palavra de Deus. Havia dias em que
chegava a falar nove horas e meia. Autêntico milagre, para quem há
tantos anos estava sem comer nem beber e vivia em contínuo e indizíveis
martírios.
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