E
chegamos ao ponto final.
Na
redacção destas páginas, dominou-nos persistentemente a preocupação de
não darmos a lume um livro volumoso. Por isso, não dissemos tudo: longe
disso. E fugimos a todo o custo de nos demorarmos em exposição de
doutrina que se supõe conhecida do leitor esclarecido. Uma biografia não
é um retrato de Psicologia, de Ascética ou de Mística.
Só quando
de todo em todo se impunha, aludimos, uma vez ou outra, a princípios da
Vida Espiritual, para melhor focar o que de si nos ia dizendo a nossa
biografada.
De mais a
mais — como a princípio notámos — pretendíamos que, quanto possível,
fosse a própria Alexandrina a falar-nos, para que este livro valha o
mais possível por uma autêntica autobiografia.
O nosso
trabalho, portanto, ante o acervo imenso de escritos preciosos por ela
legados, reduziu-se especialmente a seleccionar e ordenar o material,
seguindo quase estritamente o seu desenrolar cronológico, por nos
parecer que assim melhor iríamos acompanhando o despontar, desabrochar,
florir e frutificar dessa delicada planta do Paraíso.
Mesmo sem
dizermos tudo, cremos que o que aí fica deixa suficientemente vincada a
fisionomia espiritual da Alexandrina: antes, a sua expressão
inocentíssima, sumamente acessível e tratável, bondosa em extremo,
delicadamente sensível e terna, sem pieguices nem exageros, sem sombra
de desequilíbrios, acolhendo, sempre com um sorriso angelical, a todos
os que dela se aproximavam, ainda nos momentos em que mais estava
sofrendo; inteligência lúcida e pronta em compreender; faculdade
extraordinária, carismática, em expressar e traduzir os mais profundos e
misteriosos sentimentos da alma e as luzes e graças recebidas do Alto; a
sua humildade a toda a prova, nunca desmentida, a sua constante e
perfeita conformidade com a vontade de Deus, o seu amor "louco" a Jesus
e às almas.
Mas
esperamos que, acima de tudo, ficasse bem patente a nota que
principalmente define a feição e vocação espiritual da Alexandrina, em
que culmina e se centraliza todo o seu viver e destino na Terra: a
Vítima.
À
Alexandrina foi sobretudo destinada a vocação de vítima de expiação,
em união com Cristo Crucificado, e não de vítima qualquer vulgar, a
que afinal somos chamados todos os Cristãos; mas em grau tão eminente
que, ao vermos a generosidade heróica com que a realizou, nos sentimos
verdadeiramente pigmeus.
Repetidas
vezes lemos nos seus escritos que Nosso Senhor lhe chamava a maior
vítima que tinha na Terra. Quem leu e meditou o que fica neste livro
não se surpreenderá com esse superlativo tão encomiástico.
Nem se
perguntará agora a que propósito vem, nesta hora, uma vítima deste
calibre, em Portugal?
Para
grandes males, grandes remédios.
O mundo vai de tal sorte que só a golpes de santidade
poderá acordar... Os pecados e males hodiernos
ultrapassam todos os limites. S. Santidade Pio XII,
por mais de uma vez, lamentou que hoje, como nunca,
já o pecado é apresentado com foros de virtude.
Admirar-nos-emos que o sobrenatural e, em especial, a
virtude, se nos mostrem, também hoje, em pujança jamais
vista? Onde abunda o pecado, não terá de superabundar a
obra da graça? — escreveu o Con. Dr. Molho de Faria. (A
Devoção aos Servos de Deus, 1959, pág. 20-22)
Foi em
Portugal, na Cova da Iria, que Maria Santíssima veio provocar "golpes de
santidade" e não qualquer, mas heróica, até entre os pequeninos, quando
lhes pedia oração e penitência, para acudir ao mundo
prevaricador, pois quase não podia já suster o braço da Justiça divina
prestes a descarregar punições sobre a Terra.
Quereis oferecer-vos a Deus — pergunta a Virgem aos
Pastorinhos — para suportar os sofrimentos que Ele
quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados
com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão
dos pecadores?
— Sim, queremos! — foi a resposta que logo é aceita pela
Mãe de Deus, pois lhes anuncia, como resultado, muitos
sofrimentos:
— Ides pois ter muito que sofrer, mas a graça de
Deus será o vosso conforto.
É
incontestável que os acontecimentos de Fátima provocaram, em toda a
nação, como nunca na história religiosa de Portugal, um intenso
movimento de Reparação que se revestiu de todas as formas: reparação
nacional, reparação paroquial, reparação nas famílias, reparação dos
indivíduos, atingindo nestes, por vezes, proporções gigantescas de
imolação.
Entre
esses gigantes, campeia incontestavelmente a Alexandrina, como
porta-bandeira, modelo perfeito de reparação, a atrair-nos, a
ensinar-nos, com o seu exemplo heróico e a luz de seus maravilhosos
escritos, o que é a reparação e a sua necessidade inadiável no momento
presente.
— Minha filha, coragem! — ouvia ela de Nosso Senhor,
oito meses antes de falecer, a 18.2.55 — Eu sou teu Pai.
Vem a Mim como filha, vem a Mim como esposa amada. Tem
coragem! A tua vida é o maior suplício que se pode
imaginar, é o maior tormento que Eu posso dar às minhas
vítimas. Se as tivesse em maior número!... Oh, se Eu
tivesse mais como tu, com tal generosidade! Mas não
tenho. Quando lhes aperto o sofrimento, deixam de me
amar.
Desprendi-te de tudo da Terra, para só a Mim te unir e
para as almas prenderes a Mim. Só no Céu se verá o que
tens feito por elas. Quantas por ti têm sido salvas!
A tua missão é a mais árdua, a maior de todas as missões:
as almas, as almas!... Eu estou ferido e a justiça de
meu Pai quer punir.
Ó mundo, o que te espera, se não vives outra vida!...
Damo-nos
por bem pago deste trabalho que agora concluímos se, com ele, não só
fizermos conhecer melhor a Alexandrina, mas, sobretudo, se concorrermos
para que ecoe no mundo e nas almas a sua mensagem: Penitência,
Penitência, Penitência! Reparação, Reparação, Reparação! Para que,
em vez dos tremendos castigos que pairam ameaçadores e eminentes sobre a
Terra, venha o perdão, a paz e a salvação eterna das almas.