Alexandrina de Balasar

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"... chegará o dia da glorificação"

 

Capítulo 26

O MUNDO CONSAGRADO AO CORAÇÃO DE MARIA

1942

Vimos como a Alexandrina, desde 3 de Outubro de 1938, ia passando invariavelmente pela Paixão, todas as sextas-feiras e esses êxtases se mostravam cada vez mais cruciantes.

Mas eis que cessam de improviso, com o último realizado a 27 de Março de 1942. Qual seria o motivo?

Recordemos que, logo no primeiro, Nosso Senhor lhe dissera ser esse mais um sinal dado ao Santo Padre de que queria a Consagração do mundo a Sua Mãe Santíssima. Ora em breve ia de facto realizar-se essa tão suspirada Consagração. Já estaria, nesta altura, o Papa resolvido a fazê-lo? Se assim era, acabava a razão dos êxtases da Paixão.

É certo que nos escritos da Alexandrina encontramos que Nosso Senhor, duas vezes em Maio desse ano de 1942, lhe afirma estar Pio XII determinado a realizar essa Consagração e na verdade todo o mundo pôde escutar pelo rádio, em língua portuguesa, a 31 de Outubro de 1942, conclusão do jubileu de Fátima, as palavras do Santo Padre, consagrando o mundo ao Imaculado Coração de Maria, Consagração depois renovada solenemente na basílica de São Pedro, a 8 de Dezembro, festa da Imaculada Conceição.

Cabe aqui apontar factos que poderão servir de documentação para a história desta Consagração. Longe de nós a pretensão de demonstrar que foram os pedidos e as revelações da Alexandrina que moveram Pio XII a esse acto.

O movimento para a Consagração do mundo ao Coração de Nossa Senhora vinha de havia quase um século. Parece ter-se inspirado nas aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Desde então começaram a dirigir-se em variadíssimas circunstâncias, pedidos à Santa Sé, para que se tributasse à Rainha do Céu e da Terra este preito de amor. Em 1850, os Bispos de França, reunidos em concílio provincial, em Albi, Bourges, Sens, consagraram as suas dioceses ao Sagrado Coração de Jesus e ao santíssimo Coração de Maria — prelúdio da Consagração de França pelo Episcopado, a 13 de Dezembro de 1914, ao Coração Imaculado de Maria.

Em Itália, já desde 1891, houve um vasto movimento chefiado pelos Cardeais de Milão e Turim para a Consagração das Dioceses ao Coração de Maria. A partir de 1900, o Padre Deschamps, S.J. começou a recolher petições para obter do Papa a Consagração do género humano ao Coração de Nossa Senhora.

Em 1906, sob os auspícios do Cardeal Richard, partiu a segunda petição de Nossa Senhora das Vitórias e levou a Roma 707.854 assinaturas.

Em 1908 e 1912, o R. Padre Doré, Superior Geral dos Padres Eudistas, apresentou duas listas numerosas: o Padre Lintelo, S.J. faz nova petição, em 1914, e, nesse mesmo ano, o Congresso Eucarístico de Lurdes dirigiu oficialmente a São Pio X a mesma petição e consta que Sua Santidade estava resolvido a aquiescer a este pedido, se não fora a guerra e a morte do Pontífice.

Em 1920, outra vez o Geral dos Padres Eudistas recolhe mais 700.000 assinaturas.

São estes também os votos de múltiplos Congressos Marianos de Lião (1900), Friburgo (1902), Einsideln (1906), Paris (1927), Chartres (1927), Lurdes (1930), Boulogne-sur-Mer (1938), Saragoça (1940).

Em 1938, os Prelados Portugueses, reunidos em Fátima para cumprir o voto nacional pela protecção alcançada de Nossa Senhora numa das horas mais difíceis da História Nacional, não só renovaram a Consagração de Portugal ao Coração Imaculado de Maria, mas pediram em corpo gesto ao Santo Padre Pio XI se dignasse também consagrar o mundo todo ao mesmo amantíssimo Coração da Rainha do Céu.

Outra vez, em 1942, durante as festas jubilares das Aparições de Fátima, o Episcopado Português renovou ao Santo Padre a súplica da Consagração e o Papa Pio XII julgou necessário — como Ele mesmo o afirmou ao R. Padre Gabriel Roschini — ouvir essa súplica e consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria, ao concluir as festas do XXV aniversário das Aparições. (cfr. Roschini — La Madre de Dio — vol. II, pág. 748)

A Irmã Lúcia, vidente de Fátima, mais de uma vez, obedecendo às inspirações do Céu, manifestou para Roma a vontade de Deus de que a Rússia fosse consagrada ao Imaculado Coração de Maria:

Em 1929 — escreve ela — Nossa Senhora, por meio de outra aparição, pediu a Consagração da Rússia ao seu Imaculado Coração, prometendo por este meio impedir a propagação de seus erros e sua conversão.

Mas não há dúvida nenhuma que os pedidos feitos por meio de Alexandrina ao Papa mereceram a atenção que já vimos antes: por duas vezes foi mandada examinar pela Santa Sé. Além disso, uma coisa ficará clara, a nosso ver: é que com esse grande acontecimento se realizaram, não uma, mas várias predições (para não dizermos profecias) da Alexandrina, algumas delas, muitas vezes repetidas.

É o que passamos a demonstrar com documentos à vista:

1 — Predisse que o mundo seria consagrado a Nossa Senhora: consta de cartas que citarei pela data que trazem:

A 10.9.36, entre outras coisas, diz-lhe Nosso Senhor:

Eu vou dizer-te como será feita a Consagração do mundo à Mãe dos homens e minha Mãe Santíssima. Amo-A tanto! Será em Roma pelo Santo Padre consagrado a Ela o mundo inteiro e depois pelos Padres em todas as Igrejas do mundo... Não haja receios que os meus desejos serão cumpridos.

A 20.11.37:

Eu venho buscar-te em breve, mas não quero vir, sem que seja feita a Consagração do mundo a minha Mãe Santíssima...

Assim ouviu de Nosso Senhor e objectou:

— Ó meu Jesus, o Santo Padre parece que não atende: demora tanto!

E Nosso Senhor disse-me:

— Sossega, descansa, minha filha: ele atende, chegará o dia da glorificação.

A 22.11.37, diz-lhe Jesus:

Eu quero, logo depois da tua morte, que a tua vida seja conhecida e há de o ser; farei que o seja. (Ainda não há cinco anos que ela morreu, no momento em que estas linhas redigimos, e já andam no mundo cinco obras diferentes sobre a Alexandrina, tendo uma delas já quatro edições diferentes e outra, duas.) Chegará aos confins do mundo, como terá chegado a voz do Papa a consagrar o mundo à minha querida Mãe. Quero que tudo se saiba, para verem como me comunico às almas que me querem amar.

A 4.2.38, anuncia-lhe Nosso Senhor:

Minha filha, está próxima a tua felicidade eterna, porque em breve serão realizados os meus divinos desejos, para a tua maior felicidade.

Minha filha, venho falar-te hoje para testemunhar a loucura de amor que Eu e a minha Imaculada Mãe temos por ti. Ela ao ver a honra que, por teu intermédio, lhe vai ser tributada, inclina-se tão docemente sobre ti, elevando-te à mais elevada altura de esposa fiel, de esposa querida, de esposa toda e só de Jesus. Confia no teu Jesus que não te engana e é a tua força e será sempre até ao fim...

A 6.6.38, ao declarar-lhe Jesus que quer depressa a Consagração, afirma-lhe categoricamente:

Os meus divinos desejos serão realizados!

A 2.12.39:

O Coração de minha Mãe bendita está tão ferido com as blasfémias que contra Ela se proferem. Tudo o que fere o seu santíssimo Coração vem ferir o Meu e tudo o que fere o Meu vai ferir o d’Ela. Estão tão unidos os nossos divinos Corações! É por isso que a Consagração do mundo lhe há de dar muita honra e glória. Ao ele lhe ser consagrado, hão de ser abatidas e humilhadas aquelas línguas malditas, blasfemas e impuras que se moverem para a blasfemar. Coragem, minha filha, que dentro em pouco tudo será realizado, e depois verás no Céu a glória que lhe foi dada...

2º — Predisse que não morreria antes desse acontecimento se realizar e é de notar que mais de uma vez foi sacramentada nesse intervalo, por estar em perigo de vida e algumas dessas predições foram feitas exactamente quando assim se encontrava:

Já a 20.11.37 escutava:

Eu venho buscar-te em breve, mas não quero vir sem que antes seja feita a Consagração do mundo a minha Mãe Santíssima. Ela é por teu intermédio glorificada e maior será também a tua glorificação…

A 25.4.38, mandava-lhe Nosso Senhor que comunicasse ao Padre Espiritual para escrever ao Papa sobre a vontade divina:

Diz-lhe que escreva ao Santo Padre que Eu quero a Consagração do mundo à minha Imaculada Mãe, mas quero que o mundo todo saiba a razão porque lhe é consagrado.

Eu quero que se faça penitência e oração. Tu é que estás a aplacar a Justiça divina; é por isso que te faço sofrer assim: e tens de sofrer muitas vezes isto, até que Ele o consagre.

No êxtase da Paixão de 20.1.39, afirmava-lhe Nosso Senhor que o mundo estava preso por fiozinho muito quebradiço: que ou o Santo Padre se movia a consagrá-lo, ou o castigo vinha ao mundo. E acrescentava que sua Mãe Imaculada tinha remédio para tudo. Mas que até a Consagração se realizar, a crucificava a ela, Alexandrina.

E ainda a 4.1.41:

Prometo-te neste sábado consagrado a Ela (Nossa Senhora) não demorar na Terra por muito tempo a tua existência. E prometo alcançar-te no Céu, com os teus pedidos e amor, o que agora te alcanço na Terra pela dor.

Mas para isso, minha filha, pede ao Santo Padre que se compadeça do teu martírio, que satisfaça os desejos divinos que e consagrar o mundo a minha Mãe bendita.

A 17.1.41, repete-lhe o mesmo:

O teu calvário em pouco terminará, mas hão de cumprir-se antes as profecias de Jesus...

3 — Predisse que seria Pio XII quem havia de fazer a Consagração.

Consta de um documento escrito a lápis, durante o êxtase que teve a 20.3.39, em que Nosso Senhor mais uma vez urge a Consagração, declarando que será feita pelo novo Papa.

4 — Predisse várias circunstâncias que haviam de acompanhar a Consagração.

Que nela Nossa Senhora seria invocada com o título de Rainha do mundo, Rainha da Paz, Senhora da Vitória. Na verdade assim foi: na Consagração feita por Pio XII, lêem-se esses títulos: Rainha do mundo, Rainha da Paz e o equivalente a Senhora da Vitória: Vencedora das grandes batalhas de Deus.

Vejam-se os documentos de 10.9.36, já citado, de 2.5.40, em que Nosso Senhor manda dizer ao Papa:

Se Ele quer que o mundo seja salvo, que apresse a hora da Consagração dele a minha Mãe bendita. Que A coloque à frente da batalha e que A proclame Rainha da Vitória e Mensageira da Paz. O mundo vai dar muito que sofrer, porque a malícia humana atingiu toda a maldade dos seus crimes. A carne faz merecer todos os castigos, desafiando a Justiça divina.

Ai dele, se à sua frente não tem a Rainha do Céu! Ai dele, se Ela não intercede junto do trono divino!

Na Mensagem, Pio XII chama-lhe Medianeira perante o trono divino

Predisse que a Consagração seria ao Coração de Maria:

a) Pede-lhe Nosso Senhor como que num símbolo, a 3.11.36, dizendo-lhe que o Papa, ao consagrar o mundo, ponha um coração de oiro ao peito de Nossa Senhora, com uma chave preciosa, o que quer dizer:

Minha filha, vou dar-te a certeza da consagração do mundo à tia querida Mãezinha. Diz ao teu pai espiritual para ele mandar dizer ao Santo Padre que quero que seja colocado por ele ao pescoço duma imagem de minha Mãe Santíssima um coração e uma chave de ouro, coisa fina, o que quer dizer: assim como mandei fechar tudo na Arca de Noé antes do dilúvio, assim quero fechar o mundo inteiro naquela Arca Santíssima.

b) A 3.5.41:

Diz ao teu Pai Espiritual que lhe pede Jesus e Maria, que escreva ao Papa para que Ele consagre o mundo ao Imaculado Coração da Virgem Mãe. Toda a Humanidade está a agonizar debaixo da Justiça do Eterno Pai (fervia a guerra mundial em cheio). Só Ela o poderá salvar. De contrário será todo carbonizado com fogo vingador. Diz-lhe que peça ao Papa que faça ecoar em toda a Humanidade as palavras de Jesus: Convertei-vos, fazei oração, fazei penitência!

c) A 20.6.41, durante o êxtase da Paixão de sexta-feira, dizia-lhe Cristo:

Une a tua dor à minha dor e o teu amor ao meu amor; só assim te será suavizado o caminho do Calvário. Só assim os pecadores serão salvos; só assim vem a paz e vai vir depressa dentro em pouco. Depois, todo o mundo rejubilará ao ser consagrado ao Coração de tua e minha bendita Mãe.

d) Os mais retumbantes e claros são os de Maio de 1942 a que já nos referimos. A 22 ouvia ela:

Glória, glória, glória a Jesus! Honra, honra e glória a Maria!

O coração do Papa, o coração de oiro está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria! Que grande dita e alegria para o mundo, pertencer mais que nunca à Mãe de Jesus!

Todo o mundo pertence ao Coração divino de Jesus; todo vai pertencer ao Coração Imaculado de Maria.

E a 29:

Ave Maria, Mãe de Jesus, Mãe de todo o Universo!

Quem não quererá pertencer à Mãe de Jesus, à Senhora da Vitória? O mundo vai ser consagrado todo ao seu divino (sic) Coração!

Guarda, Virgem pura, guarda, Virgem Mãe, em teu Coração Santíssimo todos os teus filhos!

Para terminar este capítulo, restaria responder à pergunta: em vista de tantas insistências, para que se pedisse ao Papa a Consagração, que passos afinal se deram?

As insistências vinham desde 1935; mas só em 11 de Setembro de 1936, nos resolvemos a escrever pela primeira vez ao Papa Pio XI, por meio do Cardeal Pacelli, uma carta resumidíssima de uma folha dactilografada, a pedir a Consagração do mundo e dando a origem desse pedido. O resultado foi a Santa Sé solicitar do Senhor Arcebispo de Braga mais longas informações sobre o caso. Pediu-no-las Sua Em.cia Rev.ma e redigimos umas cinco ou seis páginas à máquina que entregámos ao Prelado, em começos de 1937. Sua Ex.cia Rev.ma mandou o seu parecer para Roma e em consequência veio a ordem para a Nunciatura de Lisboa para que a um ou dois Sacerdotes se confiasse a missão de examinar a doente. Foi como vimos, o R. Padre António Durão, S.J.

Voltámos a escrever ao Cardeal Pacelli, a 9.2.38, a título de informação do que se ia passando. Diga-se desde já que ao Director Espiritual nunca de Roma foi mandada nenhuma resposta, ao contrário do que alguém erradamente publicou.

Insistindo Nosso Senhor de novo e dando novas provas de que queria a Consagração, quanto antes, não ousámos desta vez escrever para Roma, mas, como acima já se insinuou, aproveitando o Retiro dos Prelados portugueses em Fátima, nos princípios de Maio de 1938, expusemos-lhes o caso e eles resolveram pedir ao Papa, em corpo gesto, a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.

Como director do Secretariado Nacional das Congregações Marianas em Portugal, dirigimo-nos também, em nome das mesmas Congregações, ao Primaz da Espanha, ao de Colômbia e de Inglaterra, a solicitar se dignassem fazer igual pedido ao Papa.

Outra vez escrevemos para Roma directamente a Pio XI, após os fenómenos da Paixão que principiaram a 3 de Outubro de 1938 e que eram apresentados pelo Céu como uma nova prova transmitir ao Papa de como Deus queria a Consagração oficial ao Coração de Maria, e em que se prometia ao mesmo Papa o subir direito ao Céu depois da morte, sem passar pelo purgatório, se acedesse ao pedido do alto.

Já em plena guerra, ainda uma vez escrevemos, a 31.7.41, directamente a Pio XII, narrando tudo o que ultimamente se tinha passado e transmitindo algumas passagens que pareciam verdadeiras profecias a respeito da guerra que estava ardendo.

Fora disso, o único passo que demos, foi conseguir que, por meio da Rev. Madre Vigária-Geral do Instituto de S. José de Cluni, múltiplas Congregações religiosas de Portugal e do Estrangeiro, por ocasião do Jubileu do Santo Padre Pio XII, em Maio, lhe fizessem o mesmo pedido.

   

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