

"Convidei o especialista de doenças nervosas, Dr. Gomes de Araújo"
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Capítulo 27
NO JEJUM
PERPÉTUO
1942 -
1955
Desde o
dia em que cessaram os êxtases da Paixão, cessou também a Alexandrina de
comer e de beber: iniciou o seu jejum perpétuo que duraria mais de treze
anos.
Ao
princípio não estranharam o caso; afinal o que ela comia habitualmente
durante uma semana não chegava para uma refeição de quem quisesse
nutrir-se bem. De mais a mais já antes tinha suportado jejuns de cinco e
até de dezassete dias seguidos. Mas desta vez foram passando semanas,
meses, anos sem nada comer nem beber.
Já a 2 de
Fevereiro de 1943, nos escrevia o médico assistente, Dr. Manuel Augusto
de Azevedo sobre o estranho caso:
É o anjo de sempre a seguir firmemente a missão que Deus
lhe marcou para nosso bem. A sua alimentação desde Março
de 1942 Sexta-feira das Dores de Nossa Senhora — até
fins de Maio do mesmo ano, consistiu em beber a meia
manhã e a meia tarde, umas colherinhas de água com sal,
sendo essa água fervida com um fiozinho de azeite,
havendo porém nesse espaço de tempo um ou outro dia em
que nada bebia.
De Junho de 1942 até hoje (isto é, nove meses) nada
pôde engolir (sem que esteja aflita até vomitar o que
engoliu), a não ser a própria saliva, a sagrada Hóstia e
algumas gotinhas de água simples.
A isto — se quisermos ser lógicos (continua o médico)
e conscientes, temos de chamar, embora respeitando a
decisão da Igreja, milagre de Deus.
Meses
depois escrevia o mesmo médico:
Recebi o convite do Senhor Arcebispo Primaz, de levar
alguns médicos a Balasar, a fim de, à face da Medicina,
ser declarado o que se deve pensar a respeito da nossa
querida doentinha...
Convidei um médico católico do Porto — escreve ainda a
13 de Maio de 1943 — e teve medo. Convidei o
especialista de doenças nervosas, Dr. Gomes de Araújo,
dizendo-lhe que a doente não se alimentava e aceitou o
convite. Convidei o especialista de doenças de nutrição
— agnóstico — e ficou maravilhado, ao dizer-lhe que não
se alimentava.
— Mas, se é verdade isso, temos um autêntico milagre!
Que pena não ser internada no Porto, que isso seria para
nós uma revelação (acrescentou).
Estive com o Prelado, segunda-feira, e ele quer os
exames dos médicos.
Os Drs.
Gomes de Araújo, Carlos Lima, Prof. da Faculdade de Medicina do Porto,
com o Dr. Manuel Augusto de Azevedo foram de facto a Balasar, mas
pareceu-lhes finalmente que a doente devia absolutamente ser internada,
pois não confiavam no valor real da vigilância feita na própria casa.
Vencidas
não pequenas dificuldades, sobretudo por causa do estado melindroso de
saúde da Doente, conseguiu-se de facto interná-la no Refúgio de
Paralisia Infantil da Foz do Douro, para ser examinada unicamente sobre
a sua abstinência alimentar pelo Dr. H. Gomes de Araújo.
O exame
prolongou-se por quarenta dias e quarenta noites, com todo o rigor
científico, como consta do Relatório apresentado, com o título: Um
notável caso de abstinência e anúria, por H. Gomes de Araújo, da
Real Academia de Medicina de Madrid, director do Refúgio de Paralisia
Infantil; especializado nas doenças nervosas e artríticas .
Aí se
lêem estas palavras decisivas:
É para nós inteiramente certo que, durante os quarenta
dias de internamento, a Doente não comeu nem bebeu:
não urinou nem defecou e esta circunstância leva-nos a
crer que tais fenómenos possam vir a produzir-se de
tempos anteriores. Não podemos duvidá-lo. Os treze
meses, como nos informaram? Não sabemos.
E termina
luminosamente afirmando que há neste caso estranho tais pormenores que,
"pela sua importância fundamental de ordem biológica, tais a duração da
abstinência de líquidos e anúria, nos tornam suspensos, aguardando
que uma explicação faça a necessária luz".
Não nos
permite o espaço copiar aqui todo esse Relatório, donde são tiradas as
citações que aduzimos; mas transcrevamos ao menos o atestado firmado em
conjunto pelos Drs. Carlos Alberto de Lima e Manuel Augusto de Azevedo:
Nós abaixo assinados, Dr. Carlos Alberto de Lima,
professor jubilado da Faculdade de Medicina do Porto, e
Manuel Augusto Dias de Azevedo, doutor em Medicina pela
dita Faculdade, atestamos que, tendo examinado
Alexandrina Maria da Costa, de 38 anos de idade, natural
e residente na freguesia de Balasar, do concelho da
Póvoa de Varzim, verificámos que era portadora de uma
afecção ou compressão medular, causa da sua paraplegia.
Atestamos também que, estando internada desde o dia 10
de Junho até ao dia 20 de Julho corrente, no Refúgio de
Paralisia Infantil, da Foz do Douro, sob a direcção do
Dr. Gomes de Araújo e sob a vigilância feita de dia e de
noite por pessoas conscienciosas e desejosas de indagar
a verdade, foi constatado que a sua abstinência de
sólidos e líquidos foi absoluta, durante o seu
internamento, conservando-se o seu peso, temperatura,
respirações, tensões, pulso, sangue e faculdades mentais
sensivelmente normais, constantes e lúcidas e não
havendo durante esses quarenta dias nenhuma evacuação de
fezes nem a mínima excreção de urina.
O exame de sangue colhido três semanas após o
internamento supramencionado vai junto a este atestado e
por ele se vê que, considerada a dita abstinência de
sólidos e líquidos, a Ciência não pode explicar
naturalmente o que nele se registrou, assim como,
atentas as verdades da Fisiologia e Bioquímica, não pode
ser explicada a sobrevivência desta Doente, por motivo
dessa abstinência absoluta, durante os quarenta dias de
internamento, devendo-se salientar que a Doente, durante
esse tempo, respondeu diariamente a muitas perguntas e
sustentou inúmeras conversas, manifestando a melhor
disposição e melhor lucidez de espírito.
Enquanto aos fenómenos observados às sextas-feiras,
pouco mais ou menos pela 17 horas oficiais, entendemos
que pertencem à Mística, que se pronunciará sobre os
ditos fenómenos.
Por ser verdade mandamos passar este atestado que
assinamos.
Porto, 26 de Julho de 1943.
Carlos Alberto Lima
Manuel Augusto Dias de Azevedo
A par do
Relatório médico, é interessante ler nas notas autobiográficas o que a
própria Doente escreveu sobre esse episódio: chega a parecer um romance,
tão ao vivo nos descreve tudo e com tais pormenores. Aí se verá claro
quanto sofrimento veio acrescentar à cruz já tão pesada da Alexandrina,
essa prova a que ela se sujeitou exclusivamente para obedecer aos
desejos do Prelado da sua Diocese.
Quarenta dias — escreve ela — passados na Foz!
Só Jesus sabe o que eu lá passei: quantos espinhos a
ferirem-me! Quantas setas cravadas em meu coração!
Quantas humilhações, quantas humilhações! Razão tinha o
meu Médico assistente, na minha ida para lá, ao
colocar-me na minha testa um pano molhado, em dizer-me:
— Tem por aqui uns cabelos brancos, mas quando vier
ainda há de ter muito mais.
E de facto assim aconteceu; eu já adivinhava tudo o que
me esperava. Mas é tão bom passarmos tudo por amor de
Jesus.
Estava
provada cientificamente a abstinência total da Alexandrina de sólidos e
líquidos e hoje, que sabemos que esse jejum durou mais de treze anos,
temos que assimilá-lo aos jejuns dos grandes místicos conhecidos na
Agiografia, como o de Santa Ângela de Foligno que esteve doze anos sem
tomar nenhum alimento; Santa Catarina de Sena, oito; Santa Livínia de
Schieleman, vinte e oito, etc.
Os
jornais falaram do estranho caso e por isso não admira que, ao
retirar-se a Doente para Balasar, tivesse imensos curiosos a querer
vê-la: cerca de 1500, ao que relataram.
Que impressão, meu Deus, aquele burburinho de povo! —
escreve a Alexandrina — Não valeram as súplicas da minha
Irmã, para que acabassem com aquilo. Não valeram de nada
os polícias. O mesmo Médico teve de ir à janela a dizer
que se devia acabar, porque não era possível mais
movimento, para não me matarem. Quanta gente julgava que
tivesse morrido!
Eu de facto fiquei humilhada, abismada e cansadíssima
com o nojo de mim mesma, pelos beijos recebidos, as
lágrimas etc., que me deixaram no rosto, a dizer-me uma
estima que não mereço e não quero.
Além dos
Médicos supracitados, outros ainda, ao lerem o Relatório, atestaram que
o caso não tinha explicação natural.
Ainda a 3
de Novembro de 1954, o Dr. Ruy João Marques, Prof. catedrático da
Faculdade de Ciências Médicas e da Faculdade de Medicina da Universidade
do Recife, especialista em assuntos e nutrição, declarava:
A meu ver, não é possível explicar por meios meramente
científicos — melhor diria, por meios médicos — o que se
vem passando com a Sra. Alexandrina Maria da Costa. Nada
faz crer, segundo se depreende dos minuciosos relatórios
dos médicos... que se trate de um simples caso de
histerismo, sobretudo porque é demasiadamente prolongado
o tempo que a observada passou e vem passando sem tomar
o mínimo alimento. Por outro lado, estou certo de que
não se trata igualmente de mistificação, pois a comissão
(insuspeitíssima e à altura da investigação a proceder)
que a observou por quarenta dias e quarenta noites, sob
rigorosa vigilância, na Casa de Saúde "Refúgio da
Paralisia Infantil", pôde constatar que de facto, sua
abstinência alimentar era total.
Ora essa ausência absoluta de consumo de substâncias
nutritivas, durante tão largo espaço de tempo, cerca de
14 anos, se não me engano, não é compatível com a vida e
muito menos com a manutenção da normalidade da
temperatura, da respiração, do pulso, da tensão
arterial, etc. etc. Até mesmo as funções psíquicas
deveriam cedo se apresentar obnubiladas, mas é
exactamente o contrário o que se verifica: sua vida
intelectual é intensa, suas relações afectivas são
perfeitas, suas faculdades e seus sentidos absolutamente
conservados.
Trata-se pois, de um caso extraordinário, direi mesmo
excepcional, de modo algum explicável por meios
puramente naturais ou através de dados científicos.
Quanto ao progresso da mielite, muito provavelmente
existente e responsável pela paralisia, nada tem a ver
com a abstinência de alimentos, sendo uma doença
paralela.
Dr. Ruy João Marques
Não há
dúvida: este ponto ficou brilhantemente demonstrado, ainda em vida da
Alexandrina, o que não quer dizer que cessasse toda a oposição que se
notava, em certos sectores, ao caso de Balasar. Pelo contrário,
dir-se-ia que mais se agravou, como vamos ver. Mas tudo serviu para mais
pôr em foco a virtude nunca desmentida da Doentinha.
Concluamos este capítulo com o que, a 7 de Dezembro de 1946, ouviu de
Nosso Senhor:
— Não te alimentarás jamais na Terra. O teu alimento é a
minha Carne; o teu sangue é o meu Sangue divino; a tua
vida é a minha Vida, de Mim a recebes, quando te bafejo
e acalento, quando uno ao teu o Meu Coração.
Não quero que uses medicina, a não ser aquela a que não
possas atribuir alimentação. Esta ordem é para o teu
Médico.
É grande o milagre da tua vida.
(cfr. Humberto Pasquale — Alexandrina — trad.
port., pág. 152)
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