"Sou Satanás
e odeio-te!"
"Uma noite atirou-me para o chão"
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Capítulo 13
LUTAS COM
O INFERNO
1937
Ensina
São João da Cruz, no capítulo XIV do livro I da Noite Escura, que
as almas a quem Deus quer levar à divina união de amor, as faz passar
por graves trabalhos e tentações sensíveis, que duram muito tempo,
embora nuns mais que noutros.
Porque é dado o anjo de Satanás, que é espírito de
fornicação, a alguns, para que lhes açoite o sentido com
abomináveis e fortes tentações.
(Obras Espirituais do Doutor Místico São João da Cruz
— Carmelo de São José, Fátima, pág. 448 e ss.)
Querendo
Deus levantar a tão alta união a sua Alexandrina, não admira que a tenha
provado com este género de tentações, como aconteceu também à angélica
Santa Gema Galgani. E essas tentações vieram precisamente na época em
que pior se sentia de saúde e pouco depois do primeiro exame mandado
fazer pela Santa Sé. Dir-se-ia que o inferno raivava contra a
Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Já de
longe que os demónios a vinham acometendo sensivelmente de muitas
maneiras: fantasmas, vozes, ameaças, palavras blasfemas e obscenas...
Mas nunca lhe tinham tocado. Agora, depois de a ameaçarem muitas vezes,
que vão dar cabo dela, chegam por fim a esse extremo e de modos
formidandos.
Não havia
hora do dia, por assim dizer, que mais ou menos se não sentisse vexada
por eles, mas sobretudo do meio-dia às três da tarde, e à noite, das
nove em diante. Será porque tinha costume de oferecer o tempo que vai do
meio-dia às três da tarde pelos Sacerdotes? Pelo menos, alguma vez o
demónio, ao dar-lhe o assalto, começou assim: "Esta é a hora dos patifes!"
As horas da noite oferecia ela de modo particular pelas impurezas do
mundo.
Nesses
dois ataques maiores diários, dava-se não só verdadeira obsessão
diabólica, mas até instantes de possessão, a nosso ver. A algum
assistimos nós, por exemplo a 7 de Outubro de 1937. Em tais lutas, ela
entrevada e torturada de dores, esgotada de forças, pesando uns 33
quilos, tão violentamente tentava despedaçar-se contra os ferros da
cama, morder-se, etc. que nem quatro pessoas conseguiam dominá-la de
todo. Isto presenciámos nesse dia; e o demónio levava-a a dizer
blasfémias e palavras inconvenientes de que nem ela mesma sabia o
sentido, como nos declarou.
Para
chegarmos à absoluta certeza de que não estávamos a contemplar um ataque
de histeria mas um ataque diabólico, imperámos em latim:
In nomine
Jesu, dic mihi: tu quis es? (Em nome de Jesus, diz-me : tu quem és?)
Respondeu
imediatamente, sem hesitação nenhuma:
— Sou
Satanás e odeio-te!
Para
maior certeza, demos outra volta à frase, sempre em latim e a resposta
foi também imediatamente esta:
— Sou eu,
sou eu, não duvides!
Oiçamos
porém a própria Alexandrina, na sua biografia, a dizer-nos em síntese
essa tribulação:
Se a vida material melhorou, nesta altura redobraram os
ataques do demónio que há meses me vinha ameaçando. Foi
em Julho de 1937, que o "manquinho" (expressão
popular para designar o demónio) não satisfeito de
me atormentar a consciência e de me dizer coisas
demasiadamente feias, principiou a atirar-me abaixo da
cama de noite e a qualquer hora do dia. Ao princípio até
para as pessoas de casa fui encobrindo, menos para a
minha irmã, passando por ser aflição do coração. A pouco
e pouco o mal foi aumentando e teve que o saber a minha
Mãe e uma pequena que vivia connosco. Quem observava os
tombos que eu dava abaixo da cama mostrava-se muito
pesaroso, não supondo nada do que se tratava.
Passavam-se os dias e o mal aumentava sempre. Uma noite
atirou-me para o chão, passando por cima da cama de
minha irmã que ficava junto de mim. Ela levantou-se
pegando em mim ao colo e dizendo:
— Anda para a tua caminha.
Mal ela me deitou, levantei-me rapidamente e dei uns
assobios. Reconhecendo imediatamente o mal que tinha
feito, principiei a chorar e disse para a minha irmã:
ai, o que eu fiz!
Ela sossegou-me dizendo:
— Não te aflijas, que não foste tu.
Na noite seguinte voltou a acontecer o mesmo e disse-lhe
em voz alta: — não me deito — afastando-a de mim...
Quando reconhecia que fazia mal, chorava.
Uma noite que eu passei com o mafarrico as coisas piores
que se podiam imaginar e que tudo desconhecia e ignorava,
chorava amargamente e pensava não receber o meu Jesus,
sem me confessar. Nesse dia o Sr. Abade não estava na
freguesia, para me vir trazer Nosso Senhor; mas pensava
quanto me custaria ter que dizer que não comungava sem
me reconciliar, com receio que o Sr. Abade me
perguntasse a causa e ter de lhe dizer tudo, tudo e não
querer abrir-me com ele.
Minha irmã, ao ver as minhas lágrimas, procurava
consolar-me por todas as formas. Como nada conseguisse,
disse-me que à tarde iria falar com o meu Director
Espiritual que se encontrava a fazer uma pregação numa
freguesia vizinha à nossa. Disse-lhe que nada adiantava,
pois não lhe diria a ela o que se tinha passado.
Pedi-lhe um postal de Nossa Senhora e com grande
sacrifício descrevi por maior o sucedido, guardando-o
debaixo do travesseiro, até que chegasse a hora de o ir
entregar.
De repente entrou no meu quarto o meu Director,
acompanhado por um seminarista, trazendo-me Jesus-Hóstia
para eu receber. Como soubesse que estava para banhos o
nosso Pároco, teve a boa lembrança de me trazer Jesus.
Quando Sua Rev.cia me disse que trazia Nosso Senhor para
eu receber, respondi-lhe: não posso comungar sem me
confessar.
As lágrimas e a vergonha não me deixavam falar. Com
muito custo disse que tinha escrito um postal e que o
guardava sob o travesseiro, O meu Director tomou-o,
leu-o e tudo compreendeu, sossegando-me e dizendo-me que
tudo previa em face de tudo quanto se tinha passado, mas
não me tinha prevenido de nada.
Foi
tremenda esta tribulação que se repetiu por várias vezes. Tinha ataques
muito furiosos duas vezes por dia: pelas nove ou dez da noite e depois
do meio-dia, durando cerca de uma hora ou mais. Durante os ataques
sentia em mim toda a raiva e furor do inferno. Não podia consentir que
me falassem em Nosso Senhor e na Mãezinha, nem podia ver as suas imagens,
cuspindo-as e calcando-as aos pés. Também não podia consentir junto de
mim o meu Director; chamava-lhe nomes, queria espancá-lo e tinha-lhe uma
raiva de morte, assim como a algumas pessoas de casa. Ficava com o meu
corpo denegrido com as pancadas e a escorrer sangue com as mordeduras.
Também dizia palavras muito feias para quem estava junto de mim.
Hoje (escreve ela uns quatro anos depois, dessas
coisas se terem passado) gostava que muita gente
presenciasse, para temerem o inferno e não ofenderem a
Jesus.
Depois que passava a influência do demónio e recordava
tudo o que tinha feito e dito, sentia horrorosos
escrúpulos: parecia-lhe ser a maior criminosa. Foram
meses de doloroso martírio. Muito tinha que dizer sobre
este assunto, mas não posso. A minha alma não resiste ao
relembrar tais sofrimentos.
Citemos
ainda alguma carta dela para o director em que se refere a este ponto,
por exemplo, a de 30.8.37:
Têm-se repetido aqueles combates tão tremendos que só o
meu Padre sabe, principalmente um, logo na noite a
seguir ao dia que veio.
Ó meu Jesus, que coisa horrível! E ainda me dizia o
maldito:
— Praticas tão horrendos crimes e queres passar por boa,
por inocente. É a paga de tudo contares àquele intrujão
(o director).
E mais coisas ainda. E atirou comigo abaixo da cama; mas
o meu querido Jesus não me abandonou: veio em meu
auxílio. Ainda antes de O ouvir falar, sentia uma grande
paz. E dizia-me então Nosso Senhor:
— Quem poderá dar-te a paz que Eu te faço sentir?
Coragem; é tua a vitória. É impossível (quer dizer:
não permitirei) ofenderes-me.
Eu não posso dispensar-te de tão tremendos ataques, de
tanta reparação para Mim. Que tesoiros de graças para Eu
derramar sobre os pobres pecadores! Descansa em paz
dentro do meu Coração. Os Anjos bons te defenderão dos
maus. Recebe, meu anjo, as carícias do teu Jesus.
Se eu viver até estar com o meu Padre, lhe explicarei
tudo melhor e desabafarei à vontade. Quando era
meia-noite já estava livre do maldito. Que horas
tremendas! Diz o meu querido Jesus e V. Rev.cia, em quem
eu tenho toda a confiança, que não ofendo a Nosso Senhor.
De contrário era impossível convencer-me que com tais
coisas pudesse passar sem O ofender...
Ordinariamente, logo após estes combates, como vimos acima, vinha Nosso
Senhor a confortá-la, dar-lhe coragem para a luta e a restituir-lhe a
paz que o demónio lhe roubava com as indecências que lhe sugeria e dizia.
É particularmente nestes momentos que Jesus lhe mostra maiores ternuras
e a trata com os termos mais delicados. Assim os descreve ela a 24.9.37:
Na noite de 16 (depois de um desses combates),
falou-me Nosso Senhor assim:
— Minha filha, tomei-te para os meus braços para te
defender; e todas as vezes que seja preciso, Eu te
defenderei. Aceitei a tua oferta de te dares a Mim;
tomei-a bem à letra. Consolou-me muito a simplicidade
com que te ofereceste. Escolhi-te para mim ainda no
ventre de tua Mãe, para que dentro em pouco, e bem
depressa chegou, te pudesse chamar minha esposa. Eu e
tua Mãe Santíssima olhamos-te com predilecção, pelos
caminhos pedregosos e medonhos por que tiveste que
passar. Fui Eu quem tos destinei, para que agora pudesse
ter assim uma vítima de tanta reparação. Repousa contra
o meu Coração; aqui encontras tudo: luz para poderes
caminhar, força para tudo suportares e amor para tudo
sofreres.
Minha filha, tem dó do teu Jesus: não durmas; desagrava-me
dos pecados que a esta hora se estão cometendo. Faz-me
companhia nos meus Sacrários: estou tão só.
Copiemos
ainda a carta de 2.10.37 que ela é bem característica:
No 1.º de Outubro, disse-me Nosso Senhor:
— Minha querida Alexandrina, vem; ouve o teu Jesus que
vem a ti para te animar, para te dar força. Não te
aflijas; não penses, minha querida filha, que me ofendes...
Ficas bela, cada vez mais bela; pura, cada vez mais pura.
És a minha querida, cada vez mais querida.
Minha filha, como Eu te amo!
Que compreenda o teu Pai Espiritual e que to diga. Que
compreenda quem de direito o pode compreender. Podem
fazer ideia, uma grande ideia de quanto Eu te amo: que
amor sublime! Um sofrimento desta forma em cima do que
tanto há vem consumindo o teu corpo!
Podem ver aqui em que conta Eu tenho as almas dos
pecadoras, servindo-me de tal sofrimento, para os chamar.
Não desprezo nenhuns; a todos quero salvar. Sou pai, dei
todo o Meu sangue. Mas não basta: preciso dos teus
sofrimentos para me ajudares.
Recebe, minha filha, as minhas carícias, descansa entre
o meu santíssimo Coração e o de tua Mãezinha do Céu, que
contempla com ternura, a meu lado, o teu sofrimento, mas
alegre, por ver a glória que me dás, os pecadores que me
salvas e o que no Céu está preparado para ti. Associa-te
aos Anjos e louva-me com eles, na minha Eucaristia.
Finalmente, no dia 23.10.37, anuncia-lhe Nosso Senhor que está terminado
este género de luta:
Descansa, minha filha; acabou a guerra desta forma.
Venceste tu e com grande vitória. Os demónios não
tornarão a tratar-te desta forma. Atacar-te-ão
horrorosamente, dolorosamente, mas de tal forma que
poderás sofrer diante de todo o mundo, sem que o
percebam.
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