As lutas
diabólicas com agressões corporais cessaram de facto para sempre; nunca
mais o demónio lhe tocou até à morte. Mas o inimigo não desarma e há de
até ao fim, por todos os outros meios ao seu alcance, combater a heróica
vítima.
Por isso,
neste ano de 1938, vemo-la ainda frequentemente atormentada com dúvidas
pertinazes e sugestões de desespero.
O demónio continua numa raiva feroz contra mim – escreve
a 17.2.38 – Eu digo, ou antes, é o demónio quem diz:
Estou condenada, tenho a certeza que estou condenada.
Que monstro horroroso eu sou no meio do inferno! Eu não
creio em nada que aquele bandido me diz (bandido é o meu
Paizinho).
E eu então disse a Nosso Senhor:
Creio em tudo, meu Jesus; sois Vós quem falais nele.
A
24.3.38:
O demónio, além das dúvidas que me traz para me assustar,
dos nomes e das coisas feias que me diz, vem-me muito
mansinho com vaidades, com grandezas, como se eu pudesse
atribuir estas coisas a mim mesma. Mas graças ao meu
querido Jesus, que me dá bem a conhecer a minha miséria,
a minha pobreza, que de mim própria nada tenho.
O dia de sexta-feira e sábado (carta de 25.7.38)
foram tremendos. O demónio continuou a desempenhar o seu
papel. Não achava graça a nada, estava dura, nada me
comovia.
E
acrescenta o que o inimigo lhe sugeria:
Ainda tu desapareças que nem os cabelos te apareçam!
Ainda leves o caminho que leva o fumo.
Eu com muito custo, dizia: ó meu Jesus, eu amo-Vos, sou
a vossa vítima!
Mas logo sentia o contrário: não sou vítima, não amo!
Eu dizia: Sagrado Coração de Jesus, eu tenho confiança
em Vós!
Mas logo o contrário: Não tenho; odeio a toda a Igreja.
Sei que estou condenada e estou!...
O meu Paizinho bem deve calcular como tudo isto me fez
sofrer.
Mas outra
variedade de sofrimento vem agora mais intensamente a purificar e imolar
a vítima: por um lado as ânsias de amor cada vez mais intensas e muitas
vezes aflitivas. É o que diz São João da Cruz quando escreve:
Às vezes cresce muito a inflamação de amor no espírito;
as ânsias por Deus são tão grandes na alma que parece se
lhe secam os ossos nesta sede e se murcha o natural e se
estraga o seu calor e força, pela viveza da sede de amor,
porque a alma sente que é viva esta sede de amor. (ob.
cit., pág. 433)
Fale a
Alexandrina:
As ânsias de amar a Nosso Senhor continuam, mas sempre
com um freio a segurá-las.
No dia 15 (15.2.38), no meio da minha grande aflição, ia
desabafando em ais. Sentia necessidade de me lançar ao
pescoço de alguém e ouvi que Nosso Senhor me dizia:
— Anda, minha filha, repousar no teu Jesus; entre Mim e
a tua Mãezinha do Céu estás bem guardada, bem defendida.
Confia no teu Jesus, no teu Esposo, no louquinho de amor
pela esposinha querida, pela Alexandrina.
Minha filha, para ti o dia raiou cheio de luz, candura e
pureza. Agora está o Sol-posto a declinar. É noite
escura, trevas intensas. Mas breve raiará de novo, mas
com que resplendor, com que pureza e candura, com que
luz para brilhar eternamente!
Logo que ouvi Nosso Senhor, fiquei bem. Parece que até a
minha cabeça repousava em Nosso Senhor; a minha alma
ficou em paz por algumas horas.
E daí a
um mês, 16.3.38:
Todo o dia tive o meu coração numa fornalha ardente no
amor do meu Jesus. À noite deram-me umas ânsias muito
fortes de O amar. Não pude passar sem as dar a conhecer;
viu também minha mãe. Eu não queria ser vista, mas
também quero que ela ame muito, muito a Jesus.
Hoje continuo a sentir o coração na mesma fornalha de
amor. Comunguei, mas... fiquei tão fria, tão tíbia! Mal
sei explicar-me. Sentia um vazio tão grande em mim que
não havia nada que o enchesse. O tempo ia-se passando e
eu naquela aflição... Por fim, falou-me Nosso Senhor:
— Minha filha, belo anjo, pérola resplandecente, estrela
brilhante que fazes brilhar toda a coroa do teu Esposo,
diz ao teu Paizinho:
Eu que quero que ele conheça bem o amor com que tu me
amas, para o dar a conhecer ao mundo, porque é de muita
glória para Mim e proveito para as almas.
Eu quero que ele conheça bem o que tu és para mim, que
és a minha esposa mais querida...
E termina
esclarecendo:
A minha alma estava toda iluminada e a tanta distância
só era luz. Recebi as costumadas carícias de Jesus e
disse-me:
— Vai, vai, minha filha, bem cheiinha do teu Jesus e da
minha divina luz para combateres.
Por algumas horas, toda a fome me foi saciada. Estava
cheia, bem cheia. Que alegria, que paz eu sentia na
minha alma! Só queria que os pecadores experimentassem a
paz que eu sentia; a bondade e o amor do nosso Jesus.
Estou certa que não O ofenderiam.
Às vezes
dava-se com a Alexandrina, como remate dessas ânsias, o que Santa Teresa
de Jesus chama o voo de espírito e a Alexandrina chama-lhe
foguete.
Quando sinto muitos desejos de amar a Nosso Senhor,
parece-me subir para o Céu, mais rápido do que um
foguete (11.7.38). Vou para os braços do meu querido
Jesus e da minha querida Mãezinha, perco-me neles. Não
tenho mais aflição; acabam-se-me as ânsias de amor:
encontrei tudo o que podia encontrar.
Dá-me um pouquinho de alívio, mas depressa vêm os
sofrimentos, o estado aflitíssimo da alma. Ainda há
pouquinho tempo, já desde que estou a ditar esta carta,
eu sentia sobre mim todos, todos os pecados do mundo.
Parece que se lançavam a mim leões e mais animais
ferozes.
E eis aí
indicado, nestas últimas palavras da Alexandrina, nova tortura que lhe
dará imenso que padecer até ao fim da vida; aliás já a este sofrimento
nos referimos anteriormente e ele é bem característico das grandes
vítimas.
Numa
preciosa carta de 6.6.38, encontramos esta passagem:
Tenho umas coisas tanto ao vivo na minha alma! Parece-me
que não podem estar mais. Dão-me tanto, tanto que sofrer,
por me parecer que lhes não posso valer. São os
pecadores! O meu Jesus ser ofendido! Oh, que peninha
eu tenho! E estar sozinho no Sacrário! Ai, ai, o meu
Jesus! Eu quero estar, sempre, sempre com Ele. E parece
que não estou; sofro muito com isto. Paciência; é pelo
seu amor.
Um mês
mais tarde, a 3.7.38:
Ai, ai, como a minha alminha sofre! Eu sinto tão ao vivo
a tristeza de Jesus. Como Jesus chora! É como lhe disse
no dia da Missa. Eu queria-O consolar; estou tão seca,
tão só. Como O hei de consolar? O coração oprime-se. Por
vezes parece não me deixar respirar. É tal a aflição da
minha alma, a revolta que nela sinto, que me obriga a
desabafar dizendo a Nosso Senhor:
— Ó meu querido Jesus, só com muita confiança e com o
vosso divino auxílio eu posso viver assim. Mas eu quero
sofrer tudo por vosso amor e para vos salvar as almas.
Outras vezes parece que morro com tanta fome, com tanta
sede, com tantas saudades do Céu. Quase me parece
insuportável todo este sofrimento.
Com muito custo, é certo, mas digo:
— Mais, meu Jesus, mais, mais e sempre mais. Contanto
que me deis amor, amor para morrer de amor e toda
queimadinha de amor!
Há um pecadinho que eu sentia que Nosso Senhor chorava
na minha alma e eu disse-lhe:
— Ó meu Jesus, não choreis. Deixai-me que vos limpe as
lágrimas; deixai-me chorar por Vós.
Ele então deixou de chorar e eu fiquei mais levezinha um
pouquinho. Mas depressa voltei ao mesmo estado.
Muitas
vezes, nestes seus sofrimentos místicos pelos pecados do mundo, sente-se
como que pairando ou suspensa sobre medonhos abismos. Fale ela
(11.7.38):
Tenho visto aqueles abismos do costume. Não sei bem ao
certo, mas talvez fosse sábado que eu vi, como ainda não
tinha visto. Naquele abismo tão medonho, dava-me a
impressão que tinha toda a imundície de pecados.
Ai, meu Jesus! Que massa de gente! Que moinha corria
para ele! Que movimento! Sentia a impressão que ali se
praticava toda a qualidade de crimes.
Pobre Jesus, como há de poder com tanto! Mas pobres,
ainda mais pobres pecadores! Quem os há de salvar?...
Eu então, como no meio de uma grande aflição, não sei
donde me veio a força para me oferecer toda a Nosso
Senhor. Ainda agora, quando me lembro disso, eu digo:
— Jesus, eu amo-Vos; Jesus, eu sou a vossa vítima; eu
quero desagravar-vos; eu quero reparar tantos crimes.
A
12.9.38:
Os abismos continuam e neles vejo, penso, ser o demónio
e o pecador amarrados um ao outro, a puxarem um para
cada lado. Não sei se o demónio só os quer levar para o
inferno, ou se os leva mesmo. Pobres pecadores!
Domingo, dia 11, apenas eu recebi Nosso Senhor,
apoderou-se de mim uma tristeza e um peso que parecia
arrancar-me o coração. Ouvi chorar alto: mas que choro
tão suave e comovedor! Assim se passaram alguns momentos.
Por fim ouvi Nosso Senhor que me dizia:
— Ai, ai, minha louquinha! Ouve o teu Jesus. Eu venho a
ti, não para te dar coragem, nem para te dar consolação.
Venho desabafar contigo; venho derramar minhas lágrimas
em teu coração. Eu não posso mais com a monstruosidade
do pecador.
Penitência, penitência, em todo o mundo penitência!...
Ou o mundo se levanta rápido ou na mesma rapidez será
destruído. Ai do mundo! A Justiça divina não pode
mais suportá-lo!
Entristece-te comigo. Vive nesta tristeza, ao menos tu
que és a minha esposa mais querida, a minha vítima mais
generosa. Tu não queres a consolação e o teu Jesus em
sofrimento tão doloroso.
Diz depressa ao teu Paizinho, Eu que quero que isto se
faça ouvir no mundo com a fortaleza do trovão e a luz
luminosa do relâmpago:
Penitência, penitência, penitência! Depressa virá o
dia da catástrofe!
Daí a
pouco mais de um ano, rompia a guerra mundial.
Frisante
é a carta de 15.8.38:
A minha alma sofre muito. Não tem descanso; nem sei bem
explicar-me. Sinto que ela tem uma ânsia não sei de quê.
Parece-me ir pelo mar fora sobre a água e não ter onde
repousar nem um só momento. Não tem onde; mas também não
quer. Está cansada, mas caminha sempre. Que ânsia
fortíssima: que empresa ela tem de cuidar! Faz-me uma
aflição muito grande. Não vê terra nem vê nada.
Figura-se-me que toda a vida tem que trabalhar e
continuar nesta ânsia.
O que será? Serão os pecadores os que me fazem assim?
Creio que são. Mas o que eu quero é dá-los todos ao meu
querido Jesus. Sofrer por eles na Terra, pedir por eles
no Céu.