Alexandrina de Balasar

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"A morte mística"

Capítulo 11

ENTRE A VIDA E A MORTE

1936-1937

Após a "Morte Mística" de que falámos, seguiram-se meses de sofrimentos físicos atrozes e quase ininterruptos, por mais de um ano. Pena é que, nessa altura, a Alexandrina não tivesse ainda a assistência assídua e dedicada que mais tarde, de 1941 até à morte, lhe vai proporcionar a Providência na pessoa do distinto clínico Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo. Poder-nos-ia esclarecer se todo esse sofrer o deveríamos atribuir a meras causas naturais ou se não andaria aí já bastante clara a acção preternatural a purificar, a imolar cada vez mais totalmente a vítima de eleição.

Pelo que então presenciámos e a descrição que encontrámos nas cartas dessa época, assim nos inclinamos a crer.

Contra o seu costume, deixa a doente de ditar as cartas para o director espiritual: não pode. Quem escreve durante esse período, sobretudo de 18.2.37 a 17.6.37, é a sua irmã Deolinda, que a seu modo, tenta revelar-nos o que são esses sofrimentos indizíveis de sua irmãzinha.

Oiçamo-la, por exemplo, a 15.7.36:

Já que a minha irmãzinha não pode, cá estou eu outra vez a dizer alguma coisa do que durante estes dias tenho presenciado e o que ela a custo me tem dito.

Quanto aos sofrimentos físicos são tantos e tão grandes que os não sei explicar. Só admiro, e pessoas que a visitam também admiram, como ela pode sofrer tanto e por tanto tempo: vê-se bem que só por milagre de Nosso Senhor é que ela pode viver. Várias vezes no dia, dão-lhe umas aflições tão grandes e umas tremuras tão fortes que quem está ao lado parece que lhe ouve os ossos a estalar.

A este estalar ou esticar dos ossos, a que se refere a Deolinda, assistimos nós mais de uma vez e pudemos apreciar a grande aflição em que a Alexandrina ficava. Deste género de sofrimento místico fala São João da Cruz, na sua "Noite Escura". Dir-se-ia que Deus não deixa órgão ou ponto nenhum no organismo sem o purificar deveras e o imolar pela dor.

A essas dores juntavam-se as do espírito, como a seguir nota a Autora da carta:

Diz-me a Alexandrina que todo aquele contentamento que sentia no sofrimento, lhe desapareceu: que era a única coisa que tinha para oferecer a Nosso Senhor a cada momento. Agora, que lhos continua a oferecer, mas que não vê neles proveito para ela, nem para os pecadores, nem consolação para Nosso Senhor e que isto lhe causa grande aflição na alma. Como Nosso Senhor lhe fez sentir tanta coisa, para tudo lhe tirar... Mas termina sempre com o... faça-se a vontade de Nosso Senhor!

Vemos aqui, nesse sintoma, bem indicada a morte ou a noite extrema do sentido: agora nem o grande gosto que sentia em sofrer lhe resta; mas permanece o principal e cada vez em mais alto grau: a vontade, o querer, o amor espiritual, e por isso mais sobrenatural, a todo o sofrimento que Deus lhe envia. É por isso mais puro esse sofrer.

Meses depois, a 18.2. 37, escreve a mesma benemérita secretária da Alexandrina, a Deolinda:

A Alexandrina está pior; desde o dia 15 em diante que ela fala pouco; as falas que dá é só com grande sacrifício e só muito ao pé dela é que se ouvem... Custa-lhe a mexer todos os membros do corpo, mas principalmente o lado esquerdo. Tem a perna esquerda muito inchada; calça-se com uma almofada e causa-lhe muita aflição ter que mexer com ela.

Hoje disse-me que estava tão doente, tão doente que só lhe faltava morrer; e ansiosa por isso está ela. Às vezes diz-me assim:

— Nosso Senhor demora-se tanto a vir-me buscar. Mas parece-me que agora não deverá tardar. Dentro em breve estarei nos Anjinhos; e de lá contai comigo que hei de alcançar tudo de Nosso Senhor. Ele há de fazer tudo o que eu lhe pedir, porque eu também nunca lhe digo que não. Bem sei que Ele é quem me dá coragem para tudo sofrer.

Passado um mês, a 18.3.37, diz ainda a Deolinda:

Ela tem piorado cada vez mais. Não sei se poderá ser possível agravar-se mais o seu sofrimento. Continua a ter os pés muito inchados; e tem tanta aflição neles e tantas dores que várias vezes no dia me pede para pegar neles nas minhas mãos, a ver se alivia um pouco. E depois diz-me assim:

— Olha como eu imito a Nosso Senhor!...

Tem piorado muito da bexiga com dores horríveis e com muito sangue...

Estou a escrever junto do leito dela, donde pouco posso sair nem de dia nem de noite. E por algumas vezes com custo tenho reprimido as lágrimas, vendo-a a sofrer tanto, tanto e não saber o que lhe hei de fazer...

Mas, graças a Deus, continua a sofrer muito resignada, com grande ansiedade que chegue o dia de ir para o Céu. Ontem à noite disse-me:

— Agora parece que sempre é certo Nosso Senhor vir-me buscar.

E hoje disse-me:

— Eu não vou morrer, vou viver. Vou para a minha Pátria. A minha Pátria não é esta, é o Céu.

E eu também me parece que sim, que se aproxima o fim. Ai, meu Jesus, não sei como nos havemos de separar uma da outra!

E repete a 22.3.37:

A Alexandrina está tão doentinha! Quase não sossega nem de noite nem de dia. Pede-me para a puxar para um lado e para o outro e, não encontrando posição para estar, diz assim:

— Ó meu querido Amor, Vós ainda sofrestes mais do que eu!

Às vezes também diz:

— O que se passa no meu corpo, só Deus o sabe; e basta que Ele só o saiba...

Mas apesar de tudo isto, ainda conserva como de costume, o sorriso nos lábios e ainda diz a Nosso Senhor:

— Mais, meu Jesus, mais! Tudo quanto vos aprouver enviar-me!

E só deseja que se cumpra a vontade de Nosso Senhor em tudo, e sempre. Diz-me ela para mandar dizer a V. R. que a alma não é menos crucificada que o corpo. Que pensa se Nosso Senhor, na sua infinita sabedoria, ainda encontrará mais meios de a afligir. E que finge tudo tirar-lhe, que até lhe parece que não é amada por Nosso Senhor, nem por Nossa Senhora; mas que tem toda a confiança que é.

A 1.4.37:

Sábado de Aleluia, pelas oito horas da manhã, pensámos que morria.

Deu-lhe uma aflição tamanha que, se demorava muito tempo, ela não resistia. Principiou-lhe por dores horríveis nos rins e na bexiga, não deixando que ela se pudesse mexer para parte nenhuma; depois principiou em vómitos, mas não vomitava nada.

No meio desta aflição ela pedia-me para lhe dar o Crucifixo a beijar e repetia:

— Ó meu querido Amor, Vós ainda sofrestes mais do que eu!

Eu repetia com ela algumas jaculatórias, para ela acompanhar com o pensamento. Também mandámos chamar o Sr. Abade, mas ele não estava. Durante todo o dia nunca mais saí de ao pé dela, nem para comer...

Às vezes diz-me assim:

— Eu tenho tantas dores e parece que não sofro nada. Sou tão rabugenta! Não sei sofrer caladinha...

É tal às vezes a aflição interior que ela sente, que diz-me assim:

— O que eu fui e o que eu sou! Dantes ainda tinha algum conserto e ainda era amiga de Nosso Senhor; agora não tenho conserto nenhum; não rezo: não sou nada amiguinha de Nosso Senhor...

A carta de 26.4.37 diz-nos que desde o dia 23 começou a não comer nada, nem mesmo água pode beber. É que principiou a não poder mastigar nem engolir nada. O que mais lhe custou nessa fase, foi não poder comungar, pelo mesmo motivo, pois vomitava tudo o que tentava engolir.

A carta de 3 de Maio atesta ainda que continua sem comer; portanto já há dez dias que dura esse jejum rigoroso. Dir-se-ia tirocínio para o que há de vir mais tarde, durante treze anos e meio.

Ainda não tornou a tomar nada — diz a irmã — senão alguns goles de água fria ou algumas colheres de chá e isso mesmo lhe causa dores horríveis desde a boca até o estômago e ainda lhe passam para as costas. Diz ela que Nosso Senhor ainda sofreu mais: que também teve sede na Cruz e que lhe deram a beber fel e vinagre. Diz-me que dizia a Nosso Senhor que lhe queria matar a fome e a sede que Ele tem de amor no Santíssimo Sacramento e essa sede que nunca lha pode apagar e que a dela em breve será saciada...

A Alexandrina assim resumirá mais tarde em suas notas biográficas todo este período em que deixou de comer:

Em fins de Abril de 1937 passei por uma grande crise que me levou às portas da morte. Principiei a vomitar de dia e de noite nada conservando no estômago. Nos primeiros dias fiquei em profunda prostração... O Sr. Abade leu-me as orações da agonia por três vezes... Havia talvez um ano que recebia diariamente a Nosso Senhor... Neste período da minha doença, não sei se de manhã se de tarde, vi entrar no meu quarto o Sr. Abade e conhecendo-o disse-lhe:

— Eu quero receber a Nosso Senhor.

Ele respondeu-me:

— Sim, minha menina, vou buscar-te uma hóstia por consagrar e se a não vomitares, trago-te Nosso Senhor.

Assim o fez. Logo que a engoli, a vomitei. Sua Rev.cia estava para desistir de me trazer Nosso Senhor e alguém disse:

— Sr. Abade, uma hóstia por consagrar não é Jesus.

Foi então que se resolveu a ir buscar uma consagrada. Recebi-a e não a vomitei. Nunca mais deixei de receber Jesus Sacramentado, por causa desses vómitos...

Logo que recebia a Jesus, cessava os vómitos, nunca voltando antes de passar meia hora. Como era assim, o Sr. Abade nunca temeu em me dar a Comunhão. A crise durou bastante tempo, mas durante 17 dias estive sem tomar nada, absolutamente nada. A minha medicina foi Jesus.

   

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