"É hoje festa tão linda no Céu!"
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Capítulo 10
O DIA DA SANTÍSSIMA TRINDADE DE 1936
O ano de
1936 fica assinalado por dois factos importantes na vida da Alexandrina:
a sua primeira morte mística e o pedido à Santa Sé da Consagração do
mundo ao Imaculado Coração de Maria.
Quanto ao
primeiro, é de notar que, inúmeras vezes, Nosso Senhor, para a encorajar
nos sofrimentos, lhe prometia levá-la em breve para o Céu. E, por isso,
a Alexandrina vivia sempre na ânsia e na expectativa desse momento tão
desejado. Referindo-se ao dia 16 de Junho de 1935, festa da Santíssima
Trindade, repete ela as palavras que ouviu a Nosso Senhor:
Minha filha, é hoje festa tão linda no Céu! A esta não
assistes, mas assistirás a todas as outras, por toda a
eternidade.
Perto de
um ano depois, a 26.3.36, lemos:
Penso se chegará em breve o dia, para mim há tanto tempo
desejado, em que Nosso Senhor se digne vir-me buscar
para o Céu.
Dois
meses mais tarde, a 14 de Maio, diz:
Não sei se o meu Paizinho (era assim que
habitualmente tratava o director) se lembra de o ano
passado, no dia da Santíssima Trindade, Nosso Senhor me
dizer:
— Não assistes a esta festa, mas assistirás a todas as
outras, por toda a eternidade.
A minha ideia é se nesse dia já estarei no Céu, mas não
sei os desígnios de Nosso Senhor.
Oportuna
e prudente foi esta sua última observação, pois nem sempre é fácil
discernir com certeza de antemão, o perfeito significado das profecias.
Apesar
disso, foi-se-lhe gravando no espírito o pensamento de que morreria pela
Festa da Santíssima Trindade e assim, nas suas notas autobiográficas,
relata nestes termos o estranho caso:
Em 1935, Nosso Senhor preveniu-me que morreria antes da
Festa da Santíssima Trindade de 1936. Como não conhecia
outra morte, pensava que era deixar este mundo e partir
para a eternidade...
Nesse tempo tudo eram mimos, consolações e alegrias
espirituais. À medida que se ia aproximando a dia da
Santíssima Trindade, aumentava a minha alegria e
contentamento. Ia passar no Céu a festa dos meus três
amores (como lhe chamava), Pai, Filho e Espírito
Santo.
Os males do corpo iam aumentando e tudo dava sinal da
minha partida. Dois dias antes, Nosso Senhor disse-me
que morreria das 3 às 3,30 da manhã e que mandasse vir o
meu Pai Espiritual. Assim o fiz.
Ele chegou ao cair da tarde… Preparei-me para morrer.
Sua Rev.cia fez comigo o acto de inteira resignação e
conformidade com a vontade de Deus. Pedi perdão à minha
família e pus-me a cantar de alegria assim (muito
esmorecidamente e baixíssimo) :
Feliz,
Oh ! feliz,
Se eu tal conseguia
Morrer a cantar
O nome de Maria !
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Feliz quem mil
vezes,
Na longa agonia,
Com amor repete
O nome de Maria ! |
A aflição ia aumentando e, à hora marcada por Nosso
Senhor, não sei o que senti, deixando de ouvir o que se
passava à volta de mim. O meu Pai Espiritual e a minha
família rezaram o ofício da agonia. Acenderam uma vela
benzida e meteram-ma nas mãos, mas eu já não dei por
isso e assim estive algum tempo. Julgavam-me quase morta
e choravam por mim.
Nessa altura já ouvi os choros dos meus; principiei a
respirar e pouco a pouco reanimei-me; mas ainda debaixo
do mesmo estado, pensei: estais a chorar e eu sempre
morro...
Estava sempre a ver quando aparecia na presença de Nosso
Senhor. Não tinha pena por deixar o mundo e os meus
entes queridos.
Quando via que ia melhorar e que não se cumpriam as
palavras de Jesus (no sentido em que ela as tomara)
caiu sobre mim uma tristeza que não se pode calcular e
um peso esmagador. Eram horas de o meu Director se
retirar, não tendo tempo de me dizer umas palavrinhas de
conforto.
Passei a festa da Santíssima Trindade como uma moribunda
e dentro em mim tudo era morte. As lágrimas corriam, as
dúvidas eram quase insuportáveis, porque (pensava ela)
não só me tinha enganado no que dizia respeito a este
dia, isto é, à morte, como também em tudo quanto Nosso
Senhor me tinha dito antes deste dia. Nos dois primeiros
dias a seguir, parecia-me que todo o mundo estava morto.
Não havia Sol, nem Lua, nem dia para mim. Era quase
insuportável o meu viver.
Aproximavam-se de mim a Deolinda e a Sãozinha, únicas
pessoas que sabiam do caso e diziam-me:
— Não falas para nós, não te ris?...
Eu respondi:
— Retirai-vos de mim; já não sou a mesma. Jamais me
vereis rir: não haverá Sol que me alumie…, e chorava.
Debaixo da minha amargura, falava-lhes de tal forma, que
elas não tinham mais que me dizer.
Estavam as duas a combinar ir uma delas ter com o meu
Director Espiritual quando, de repente, apareceu o Sr.
Padre Dr. Oliveira Dias, que vinha, em nome do meu Pai
Espiritual, confortar a minha alma. Sua Rev.cia
tinha-lhe contado tudo e, como não pudesse vir
pessoalmente, pois estava em pregação, compreendendo bem
o meu sofrimento, tratou de me aliviar. Sua Rev.cia, o
Sr. Padre Dr. Oliveira Dias esclareceu-me o caso,
contando-me várias passagens que se tinham dado com
alguns Santos e desde então fiquei a saber que se
tratava de morte mística, da qual nunca tinha ouvido
falar.
O Sr. Padre Dr. Oliveira Dias pareceu-me um anjo que
veio do Céu serenar a tempestade da minha alma.
Continuei a viver muito atribulada, pois Jesus pareceu
morrer também, ficando alguns meses sem ouvir a sua
divina voz. Quando aumentava a agonia da minha alma,
recordava os casos que me tinham sido contados e
animava-me com o que me dizia o meu Pai Espiritual.
Mais
tarde, a 4.6.39, dia da Santíssima Trindade, há de Jesus dizer-lhe,
referindo-se a essa morte mística:
Matei-te tudo, há três anos, para poderes viver.
Este
acontecimento, que para a Alexandrina foi o ponto mais cerrado desta sua
noite escura, para o director espiritual foi luz decisiva sobre um
assunto em que até então não acabava de ver claro. E é o segundo facto
importante neste ano de 1936.
Trata-se
da Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. A primeira
referência a este assunto encontramo-la em carta de 1.8.35. Nosso Senhor
ter-lhe-ia dito que, assim como por meio de Santa Margarida (?) pediu a
consagração do mundo ao seu Divino Coração, assim agora por meio dela
pedia a consagração ao de sua Mãe.
Não
ligámos por então importância a esta parte da carta, pois era a época,
como ela afirma acima, dos mimos e das consolações espirituais, e são
tão fáceis nessas circunstâncias os equívocos e enganos a respeito do
que se experimenta na alma...
Mas agora
é treva cerradíssima e sofrimentos ininterruptos que a têm
constantemente entre a vida e a morte. As cartas para o director
interrompem-se durante quatro meses e tanto. Quem manda notícias é a sua
irmã Deolinda ou a sua amiga Sãozinha.
De 26 a
30 de Agosto de 1936, o director prega em Balasar um tríduo e teve então
oportunidade de atender a doente com mais vagar. Num desses dias, Nosso
Senhor interrompeu o longo silêncio de mais de quatro meses e vem
confortá-la:
Minha filha, com estes teus sofrimentos tens-me salvado
muitas almas. Ora pela minha querida Espanha (grassava
então na Espanha a guerra civil comunista). Vês o
castigo de que Eu tantas vezes te falei? Estender-se-á a
todo o mundo, se não se faz penitência e se não se
convertem os pecadores.
E depois
acrescentou Nosso Senhor:
Porque é que as minhas ordens se não cumprem? Não dei Eu
já sinais de sobra ao teu Pai Espiritual que é o meu
Espírito que te guia?... Eu quero que o mundo seja
consagrado à Minha Mãe Maria Santíssima; é o remédio
para tantos males que o ameaçam.
Manda-lhe
então o director que, se Nosso Senhor lhe tornar a falar, lhe pergunte
se quer que o pedido se faça directamente a Roma, ou como? A resposta
não se fez esperar:
Que escreva directamente para Roma a comunicar este
desejo de Nosso Senhor.
Passados
uns doze dias, tornava Nosso Senhor a dizer-lhe, referindo-se à
revolução comunista em Espanha:
Este flagelo é um castigo; é a ira de Deus. Eu castigo
para os chamar; a todos quero salvar. Morri por todos.
Eu não quero ser ofendido e sou-o tão horrorosamente na
Espanha e em todo o mundo. Corre tanto perigo de se
espalharem estas barbaridades!
E logo,
como que recordando onde estava o remédio, acrescentou:
Eu vou dizer-te como vai ser feita a Consagração do
mundo à Mãe dos homens e minha Mãe Santíssima; amo-a
tanto! Será em Roma pelo Santo Padre consagrado a Ela o
mundo inteiro e depois pelos Padres em todas as Igrejas
do mundo...
Pareceu-lhe então ao director que não devia hesitar mais e em 11.10.36
escreveu ao Emº. Cardeal Pacelli, Secretário de SS. Pio XI, uma breve
carta, expondo sucintamente do que se tratava, deixando à prudência do
Emº. Secretário de Estado do Papa comunicar ou não a Sua Santidade o
caso.
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