Alexandrina de Balasar

SÍTIO OFICIAL - OFFICIAL SITE - SITE OFFICIEL - SITE UFFICIALE - OFFIZIELLER SITE

 

"ó meu Jesus, crucificai-me convosco"

 

Capítulo 9

NO CADINHO DA PURIFICAÇÃO

1935-1936

Os últimos meses de 1935, passou-os a Alexandrina em exercício cada vez mais árduo e difícil das lições recebidas pelo Mestre Divino. Jesus não perde tempo; trabalha bem a sua vítima e desperta nela primeiramente uma grande pena de ver Deus ofendido.

Não me canso — lemos em carta de 19.9.35 — de oferecer (a Nosso Senhor) as minhas dores para O consolar e desagravar dos pecados do mundo. Eu não lhe posso explicar a pena que tenho de Nosso Senhor ser ofendido.

Lembro-me tanto das ofensas que Jesus recebe! Sinto tanto, tanto esses ultrajes! Quem me dera a mim poder impedir com as minhas dores, de se abeirar de Jesus essa imundície de pecados que a cada momento se comete!

Como se paga um tão grande amor, com uma tão grande ingratidão? Como pode haver coragem, depois de conhecer a Nosso Senhor, considerar o que Ele sofreu por nós e ver que é o nosso querido Paizinho do Céu tão amável e tão bom, o melhor de todos os pais, e voltar a ofendê-lo tão repetidas vezes e tão gravemente!

Nosso Senhor continua a ter-me no mesmo abandono e nas mesmas trevas ou maiores ainda. Parece-me que se escureceu o Sol e que se fez noite em minha pobre alma. Tudo se escondeu para mim. Que momentos tão tristes e tão aflitos eu passo e muitas vezes sem saber pelo quê. Em algumas ocasiões, figura-se-me que tenho sobre mim todos os crimes do mundo.

Este último sentimento frequente nas almas verdadeiramente vítimas de expiação, atingirá nela, como veremos mais tarde, extremos incomensuráveis. Entretanto, no meio de grande abandono espiritual, agravam-se-lhe os sofrimentos físicos a tal ponto, que chega a ser sacramentada.

Em carta de 26.9.35, lemos:

Cada vez me sinto pior. Sofro muito, tanto física com moralmente. Continuo no mesmo abandono; Nosso Senhor está bem escondidinho de mim.

Sábado à noite confessei-me; recebi a Nosso Senhor por Viático e também recebi a Extrema-Unção. Foi muito por minha vontade, porque temia morrer sem os Sacramentos.

Parecia-me não fazer nada bem; estava fria: não sabia agradecer a Nosso Senhor tantos benefícios. Enfim, parecia que era uma coisa deitada ao esquecimento.

No Domingo de manhã, o Sr. Abade, antes de partir para a Póvoa, voltou a trazer-me Nosso Senhor, mas eu fiquei como se não comungasse. Sabe o que me fez lembrar? Foi a cidade de Jerusalém, quando traziam Nosso Senhor em triunfo e ela se mantinha fria. Mas faça-se a vontade de Nosso Senhor. Penso bem que Ele, apesar da minha grande indignidade, tem atendido aos meus pedidos.

Eu costumo dizer-lhe assim: ó meu Jesus, crucificai-me convosco; santificai-me, meu bom Jesus, à vossa santíssima imagem de Cristo Crucificado.

Fazei-me participar de toda a vossa santíssima Paixão.

Não me engano: o meu Jesus ouviu-me. Na sua santíssima Paixão não foi Ele abandonado e não sentiu tristeza mortal? Mil vezes Ele seja bendito que tanto se abeirou e cobriu de benefícios esta grande pecadora que tão mal sabe corresponder a tanto amor e bondade.

No meio desse abandono, intensifica-se a conformidade com a vontade do Senhor. A 26.10.35:

Parece que Nosso Senhor me quer privar de tudo. Bendito Ele seja. O que eu quero é amá-lo e consolá-lo muito, sofra eu o que sofrer... Que me importam a mim as consolações, se Jesus está comigo e me dá forças para tudo sofrer e estou a fazer a sua santíssima vontade? É o que eu procuro e desejo sempre fazer. Eu queria desagravar muito a Nosso Senhor e desviar dele todos os crimes do mundo.

Que pena tão grande eu tenho de meu amado Jesus! Como Ele é ofendido nesta minha miserável freguesia! Pobre Jesus! E o que será por esse mundo fora! E Nosso Senhor é tão bom e sofreu tanto por nosso amor!

Eu também quero sofrer tudo, tudo quanto Nosso Senhor me enviar, por seu amor e para lhe salvar almas, muitas almas.

Toda esta biografia nos mostrará quanto Nosso Senhor vai aproveitar estas ofertas da sua vítima, na variadíssima maneira como a vai imolar.

Desde já lemos que a desolação prossegue cada vez mais temível:

O dia de Todos os Santos (carta de 4.11.35) foi muito atribulado para mim. Logo pela manhã sentia a impressão de aparecer diante de Nosso Senhor sem nada: de mãos vazias. Fazia-me lembrar um mendigo que não tem uns tristes andrajos para se cobrir: eu também não tinha nada para a minha pobre alma. Parecia-me que não tinha coração para amar a Nosso Senhor e sentia a impressão que mo separavam de mim, mas não sei como era.

Ontem voltei a sentir o que já há tempos tinha dito a V. Rev.cia: de repente me pareceu que estava carregada com todos os pecados do mundo: que todos os crimes eram meus. Mas eu não sei explicar como é que sinto isto.

E a 7.11.35:

Parece que cada dia me vai desaparecendo tudo cada vez mais. Parece que mais se escurece aquele Sol divino que tanto aquecia, iluminava e dava força à minha pobre alma...

Mas paciência! Quero sofrer tudo, por amor do meu amado Jesus e para lhe salvar muitas almas. Foi esta a missão que Nosso Senhor me confiou neste mundo, não é verdade? Como é bela e consoladora a oração do Padre-nosso! Faça-se a vossa vontade assim na terra como no Céu! Seja esta minha maior consolação, saber que estou a fazer a vontade do meu querido Jesus, que tanto tem amado esta pobre e miserável pecadora.

Como o meu querido Jesus se tem dignado ter-me num abandono tamanho! (lê-se 28.11.35) Eu não me sei explicar: não sinto consolação nenhuma em nada, nem mesmo quando comungo. Estou insatisfeita; apetece-me chorar, mas ainda não chorei. Vou falando eu para o meu Amado e tenho a certeza que Ele lá no íntimo da minha alma não deixará de ouvir os meus pedidos e aceitar as minhas ofertas. No meio de todo este abandono, muitas vezes me passa pela mente o faça-se a vossa santíssima vontade em tudo e sempre! O que eu quero é consolar muito o meu Esposo Sacramentado, ainda que para mim não haja nenhuma consolação; pois que assim levo a luz a muitas almas e eu queria salvá-las todas.

Pobres pecadores, tanto queria que não fosse mais nenhum para o inferno!

O Natal desse ano passou-o em grande aflição; revela-o a carta de 26.12:

... Outra coisa me preocupa muito: parece-me que sou daquelas criaturas que passam os dias e as noites sem se lembrarem de Nosso Senhor e sem nada sofrerem pelo seu divino amor; enfim que não tenho merecimento nenhum diante do meu querido Jesus. Não sei como possa ser isto, pois, desde que cheguei ao uso da razão, não me lembra de passar dia nenhum sem que me lembrasse de Nosso Senhor. Numa palavra: não sei explicar o que se passa em mim. São estas as consolações que o Menino Jesus me envia. Pedi-lhe para passar a Noite de Natal mal e Ele fez-me a vontade. Passei-a aflita e no meio de muitos sofrimentos. Estendia-lhe o braço e dizia-lhe: — crucificai-me à vossa santíssima vontade. Crucificai-me a mais não poder ser (sublinhamos a generosidade desta oferta), nestes últimos dias que me restam de vida e nesta noite tão santa, mas em que Vós sois tão ultrajado!

Ai, que saudade eu tinha do Céu; mas dizia assim:

Ó meu Jesus, eu queria estar no Céu a assistir à festa do vosso nascimento, mas ainda me quereis aqui: está bem. Eu não tenho outra vontade a não ser a vossa, nem outros desejos que não sejam os vossos também...

E assim fui passando a noite a fazer companhia a Nosso Senhor.

O novo ano desliza nos mesmos ou maiores abandonos e sofrimentos, mas com novas ânsias de mais sofrer pelos pecadores. Referindo-se ao muito que lhe custa falar para ditar a carta, diz a 7.1.36:

Digne-se Nosso Senhor aceitar tão grande sacrifício que estou a fazer para a conversão dos pecadores. Tanto me preocupam as almas desses pobres pecadores! Tenho tanta, tanta pena das alminhas deles! Lembrar-me que uma vez perdidas, ficam perdidas para sempre! Que tristeza! Não posso deixar de sofrer tudo e oferecer todos os sacrifícios para a salvação deles e para desagravar o meu querido Jesus.

Quando por alguns momentos eu me ponho a contemplá-lo crucificado e O vejo tão mal tratado, então redobro de pena e o meu coração enche-se de dor e tristeza, ao recordar que a cada momento Ele é horrivelmente crucificado!

Meu Padre: sofro muito. Muitas vezes o meu corpo, com tantas dores e já tão enfraquecido, parece não poder resistir mais: parece morrer. Mas o meu espírito, no meio de tudo isto, vive ainda, Deus seja louvado. Vive com grande ansiedade de sofrer cada vez mais, para assim consolar e desagravar Aquele que tanto me ama e morreu por mim. E assim, sem nem um momento de consolação, eu vou vivendo no meio de trevas e abandono, mas sempre nos braços de Jesus, a fazer-lhe sentinela aos seus Sacrários, em toda a parte onde Ele habita sacramentado. Digo-lhe assim:

Ó meu Jesus, se eu me distrair ou dormir, ou vierem sobre Vós os crimes do mundo, chamai-me com grande aflição e fortes dores, para eu ir em vossa defesa, não deixar abeirar das vossas prisões de amor os pecados do mundo. Eu quero viver e morrer nos vossos santíssimos braços, mas sempre a consolar-vos, a amar-vos, fazer-vos companhia e desagravar-vos.

Nosso Senhor satisfaz-lhe generosamente os desejos de sofrer. É ela que o lembra a 15.1.36:

O meu querido Jesus ainda se não deu por satisfeito, na minha crucifixão. Atende bem aos meus pedidos de me aumentar os meus sofrimentos.

Além das enormes dores que me torturam, sinto de novo parecer-me que estou suspensa no ar, como quem anda num bambuão abaixo e acima, para um lado e para o outro e causa-me grande aflição em todo o corpo. Também me têm aumentado muito os sofrimentos do braço esquerdo. Bendito seja Nosso Senhor; faça-se a sua santíssima vontade que também é a minha.

Mas unindo aos sofrimentos do corpo os da alma, é que são elas! Só com a força divina é que eu posso resistir.

Este abandono completo em que o meu amado Jesus se digna ter-me, custa-me, mas custa-me muito. Não ter um momento de luz nem de consolação espiritual! Mas nada de temer. Muita confiança no meu amado Jesus que me não abandonará e que hei de subir vitoriosa até ao alto do Calvário.

Transcrevamos ainda da carta de 5.3.36 algumas passagens ardentes de amor a Cristo e de zelo das almas:

Se fosse possível eu sofrer todos os sofrimentos do mundo, contanto que Nosso Senhor fosse amado por todos, eu não me recusava. Digo isto muitas vezes a Jesus:

Quem me dera poder-vos consolar, dizendo-vos: Vós não sois mais ofendido, nem vos vão mais almas para o inferno; Vós sois amado e conhecido por todos.

Oh, sim: eu quero sofrer muito, para que o vosso sangue não seja derramado inutilmente por nenhumas almas...

Na noite de 22 de Fevereiro, passei tão mal que pensava ser a última... No meio deste grande sofrimento disse a Jesus:

Ó meu Jesus, quanto mais sofrimentos, mais actos de amor para os vossos Sacrários, maior prova de amor para convosco. Sim, maior prova de amor, porque os recebo alegre e satisfeita, e maior aumento da minha confiança em Vós que me haveis de alcançar tudo quanto vos peço para as pessoas que me são tão queridas e para os pecadores...

No meio de tanto sofrer, pronunciei o Magnificat em acção de graças por tanto sofrer. Abraçava o meu Crucifixo e dizia:

Crucificai-me, meu Jesus, a valer; fazei-me semelhante a Vós, fazei-me participar da vossa santa Paixão.

E pedia a Nossa Senhora que O ajudasse a crucificar-me e dizia-lhe também: alerta, alerta: estou alerta. Eu sou a sentinela de Jesus Sacramentado. Para longe de Vós os crimes do mundo.

E agora, de novo o sentir-se carregada com os crimes do mundo. Encontramos na carta de 16.3.36:

Ontem de manhã senti uma tristeza tão profunda! Parecia-me ver-me cercada e sobrecarregada não sei de quê. Figurava-se-me que ouvi dizer:

— Que peso enorme de pecados tens sobre ti! E sobretudo a ira, a grande ira, toda a ira de Deus! O que tu tens que pagar!...

Eu ofereci-me toda a Nosso Senhor. Dizia-lhe:

Meu Jesus, dou-me toda a Vós, para vos pagar quanto me seja possível, até ao último alento, até que eu dê o meu último suspiro e entregue nas vossas divinas mãos a minha alma, para vos bendizer, louvar e amar por toda a eternidade.

Ó meu Jesus, sede comigo; não me abandoneis. Eu sou nada, nada, mas confio em Vós.

Todo este capítulo nos mostra eloquentemente que o principal na vida da Alexandrina não são consolações espirituais, êxtases contínuos de amor beatífico, visões, revelações, mas a participação cada vez mais intensa nos sofrimentos de Cristo, com o que não só atinge — e bem depressa — a total purificação do sentido e do espírito, mas ao mesmo tempo, e sobretudo, desagrava a Nosso Senhor como vítima e O ajuda a salvar almas.

Mas por muito que estas páginas nos digam dos seus grandes e variados sofrimentos, estamos por ora, apenas no vestíbulo, como iremos vendo.

   

Para qualquer sugestão ou pedido de informações, pressione aqui :