Dissemos
do Mestre, da escola e das lições. E que dizer da discípula e do seu
aproveitamento?
A
Alexandrina prima, antes de mais nada, na grande qualidade de todo o bom
discípulo: a docilidade. Quantas vezes, nos nove anos que de
perto a tratámos, pudemos apreciar quanto a Alexandrina era dócil.
Indicação que se lhe fazia, lição que se lhe dava, era pronta, rigorosa
e perseverantemente executada.
Esta
docilidade brotava espontânea da sua nunca desmentida humildade.
Ficou bem demonstrado este ponto, para todos os que a trataram de perto,
a sua humildade que cresce na proporção das graças que Deus lhe comunica
e das maravilhas que nela opera e é, por isso mesmo, uma das garantias
dessas graças e dessas maravilhas.
Já vimos
como a sua primeira preocupação, ao escrever por obediência as suas
notas biográficas, foi deixar bem claro os seus "defeitos", as suas "maldades".
A luz de Deus incidia fortemente na sua alma, iluminava-lhe bem o seu
nada, o nada da criatura humana, por isso coisa nenhuma a desvanecia nem
a fazia sair da sua pequenez. Era com toda a sinceridade que escrevia a
26.10.34:
Vou contar-lhe o melhor que me for possível o que se
passa na alma da mais indigna de todas as criaturas.
Ou então,
quando, ao pedir ao director orações, acrescenta:
Eu também nunca o esquecerei, mas as minhas orações
são muito pobrezinhas, porque é muito grande a minha
miséria. (28.2.35)
E a
9.5.35:
Parece-me que não há ninguém no mundo como a mim (sic);
que não há ninguém tão pecadora como eu, nem que tão mal
sirva a Nosso Senhor. Parece-me que não tenho fervor
nenhum...
Ó meu Jesus, eu não sei como agradecer-vos tantos
benefícios, eu que não sou digna de levantar os olhos
para o Céu, nem de vos chamar pelo dulcíssimo nome de
Pai, e sou por Vós tão beneficiada!
Muito obrigada, meu Jesus, muito obrigada, meu Jesus! Eu
vos agradeço de todo o coração. (4.7.35)
E esta
humildade não só não se desmente, mas vai crescendo sempre na medida das
graças extraordinárias, como já notámos; é um dos frutos das
purificações místicas, como ensina São João da Cruz.
Em 1938,
a 6 de Janeiro, por exemplo, vê-la-emos exclamar:
A minha alma está muito atribulada. Tremendas dúvidas me
afligem. Eu tenho nojo de mim! Sinto-me abandonada de
todos (era esta a impressão da sua alma), mas
conheço bem que todos me deviam deixar e fugir
espavoridos de mim.
E em
19.1.39, ao ver que já começava a ser conhecida, assim desabafava:
Ai, meu Padre, quanto esta pobrezinha sofre! Eu queria
esconder-me por completo e não queria que o meu nome
fosse falado nem enquanto viva, nem depois da morte!
Claro está: não sou eu que quero; é a tribulação que me
consome. Não mereço ser falada; sou digna de desprezo.
Vivo uma tristeza e noite continua.
E, a
25.3.39, escreve ao director espiritual e diz:
Peço-lhe, por caridade, meu Paizinho, que se convença
que não há no mundo uma miséria como a minha, um nada
como o meu. Digo-lhe isto com as lágrimas a correrem-me
pelas faces: acredite, é a realidade.
Mas não
antecipemos, pois estamos entre 1934 e 1935. Ainda deste período algumas
passagens que nos revelam não só a sua humildade, mas o seu amor
incondicional ao sofrimento.
Já em
1933, a 31 de Dezembro, escrevia:
Bendito seja Nosso Senhor que me mandou a este mundo
para sofrer e passar tantos desgostos e eu acrescentei
tantos e tantos pecados! São esses que mais me afligem
por tanto desgostarem a Nosso Senhor. Os sofrimentos,
todos os dias os peço e sinto-me com grande
consolação espiritual nas horas em que mais sofro, por
me lembrar que tenho mais que oferecer ao meu Jesus…
A 8.3.34:
Não são os sofrimentos que me afligem, porque todos os
dias os peço a Nosso Senhor e Lhe peço também que me não
abandone, nem um momento, porque bem sei que sem Ele
nada podia sofrer; o que me aflige mais é o muito, muito
que O tenho ofendido!
Não
esquecer que a Alexandrina nunca cometeu nenhum pecado mortal.
Um mês
depois repete, a 7.4.34:
Mas no meio de todos os meus sofrimentos, eu sinto
grande consolação espiritual, porque vejo que de todos
os pedidos que faço a Nosso Senhor, conheço que neste
ponto sou bem atendida; oxalá o meu querido Jesus se
digne conceder-me todos os mais que lhe peço e que O não
ofenda pedindo-lhe graças tão grandes, sendo a maior de
todas as pecadoras.
A
20.12.34, prosseguem mais intensos estes sentimentos:
Os meus sofrimentos continuam a ser cada vez mais, mas
eu não temo, porque o meu querido Jesus sofre comigo;
antes pelo contrário, me sinto alegre e satisfeita,
porque aumentando-me os sofrimentos, melhor posso acudir
aos pobres pecadores e desagravar a Nosso Senhor.
E não há,
por assim dizer, sofrimentos que a cansem. Com efeito, lemos a 23.5.35,
depois de passar uma noite toda de dores:
Ó meu Jesus, quem me dera passar assim todas as noites,
para melhor vos acompanhar em todos os lugares onde
habitais sacramentado! Eu convosco tudo podia.
Mas
saboreemos esta página sublime de 16.11.35:
Que grande dia foi hoje para mim, que dia de tanto
sofrimento! Espero que foi também de muita consolação
para o meu querido Jesus, que O devia desagravar muito
tantos e tantos crimes que Ele recebe e ajudando-o com
tantos sofrimentos a salvar-lhe as almas dos pecadores.
Se eu pudesse fechar as portas do inferno com os meus
sofrimentos! Assim o repito a Nosso Senhor: ó meu Jesus,
a cada nova dor e nova aflição, novos actos de amor para
os vossos Sacrários e novos ferrolhos e fechaduras para
as portas do inferno, para que força nenhuma de pecado
jamais as possa abrir.
Faz-me preocupação — prossegue ela — não saber agradecer
a Nosso Senhor tanto amor ao sofrimento e tantos e
tantos benefícios que me concede. Por caridade, peço que
louve e bendiga a Jesus por mim. Deu-me Nosso Senhor a
pérola mais preciosa, a riqueza maior que me podia dar
neste mundo.
Como é feliz quem sofre com Jesus!
Se eu O não tinha ofendido tanto, era completa a minha
felicidade. Mas apesar de O ter ofendido muito, ainda me
parece que não há ninguém mais feliz do que eu.
Sofrer por amor; sim, por amor, porque conheço que amo a
Nosso Senhor no meio dos sofrimentos. Muito sofro, mas
muito mais quero sofrer. Mas não amo a Nosso Senhor com
amor que me satisfaça; é por isso que me lamento que O
não sei amar. Continuo no mesmo estado de alma e no
mesmo abandono em que Nosso Senhor se dignou ter-me.
Com tal
Mestre e tais lições, com tanta docilidade e humildade, e com essa graça
extraordinária de amor aos sofrimentos, não admira que tenha saído da
Escola da Eucaristia Discípula tão aproveitada, vivendo em grau heróico
os ensinamentos de Jesus. Tão aproveitada que ficou mestra:
Ontem, dia 14 (de Março de 1935), das nove às dez
da noite — escreve a Alexandrina — depois de fazer a
comunhão espiritual, falava-me Nosso Senhor assim:
— Anda, minha filha, ouve-me. Se soubesse como Eu te
amo!
Mas não é possível compreenderes o meu amor. Eu estou a
experimentar-te! Eu sei até onde chegam as tuas forças.
Mas faço isto, para que, depois de ti, fiquem as
lições: para se saber como me comunico às almas que
escolho para tão alto fim.
No dia
8.12.34, em que renovou para toda a vida o seu voto de virgindade,
dizia-lhe Jesus:
De hoje por diante serás acumulada de muitos e grandes
benefícios; serás uma escora firme para sustentar
o braço da minha justiça, prestes a cair sobre esses
infelizes pecadores.
Anda para os meus Sacrários. Seja a única morada do teu
espírito. És a vítima das minhas prisões.
E Jesus
multiplica os termos de bondade com que acaricia a sua discípula:
Meu lindo amor! Companheira dos meus Sacrários! Meu Céu
na Terra!
A
29.12.34, escrevia ela:
Disse-me Nosso Senhor que me queria no Céu, mas que
precisava de mim na Terra.
Por isso
só morreu daí a 21 anos, a 13 de Outubro de 1955.
Em
24.12.38, após a Comunhão, há de Nosso Senhor afirmar que "a vida dela
deve ser bem claramente mostrada ao mundo, para que, mesmo depois da sua
morte, as almas sigam o seu caminho e a imitem, para que mesmo do Céu
seja canal delas". E, já antes, a 16.3.38:
Diz ao teu Padre: Eu que quero que ele conheça bem o
amor com que tu Me amas, para o dar a conhecer ao mundo,
porque é de muita glória para Mim e proveito para as
almas…