Quem lê a
correspondência — melhor diríamos o diário espiritual — da Alexandrina
de fins de 1933 a fins de 1935, descobrirá que ela vive aí um período de
intensa iniciação sobre a vocação que Deus lhe destina na Terra. É o
próprio Jesus Cristo que vem ao seu encontro, como Director e Mestre e
lhe pede toda a atenção às lições que na Escola da Eucaristia lhe vai
dar, para que não só ela as aprenda e pratique, mas as comunique depois
a muitas almas que lhe hão de seguir o exemplo.
Dos
escritos desses dois anos excertámos alguma coisa, para vermos quem é o
Mestre, qual a Escola, quais as lições e qual a discípula.
E
primeiramente o Mestre.
Em carta
de 27.9.1934, lemos:
Disse-me o meu amado Jesus que será Ele o meu Director e
o meu Mestre contínuo, frequente, habitual e V. Rev.cia
lá de longe; mas que tenho que lhe obedecer primeiro em
tudo do que a Ele. Disse-me também para dizer a V.
Rev.cia que a minha peregrinação na Terra não será longa,
mas que grandes coisas me esperam.
A
1.11.34:
Minha filha, não estou só contigo quando me pedes para
te consolar. Sou teu mestre. Feliz de ti, se bem
aprenderes as minhas lições e as praticares.
O que temes tu? — pergunta-lhe a 9.12.34 — se Eu sou o
Mestre dos mestres, o director dos directores?
Referindo-se a esta época, escreve nas notas autobiográficas:
Desde então tinha Jesus à minha ordem, falando-me de dia
e de noite. Sentia grande consolação espiritual; não me
custavam os meus sofrimentos. Em tudo sentia amor ao meu
Jesus e sentia que Ele me amava, pois dele recebia
carícias sem conta. Só me desejava sozinha. O como me
sentia bem no silêncio unidinha a Ele!... Jesus
desabafava muito comigo.
Como não
havia a Alexandrina de experimentar que Jesus a amava, se eram tão
extremas as delicadezas deste divino Mestre para com a sua discípula?
Pouco antes de mandar escrever esta carta — diz ela a
4.10.34 — Nosso Senhor pediu-me o meu coração para o
colocar dentro do dele, para que não tivesse outro amor
a não ser a Ele e às suas obras. Disse-me que cabiam lá
todos, mas que o meu tinha um lugar reservado... escolhi-te
para mim, corresponde ao meu amor. Quero ser o teu
esposo, o teu amado, o teu tudo; escolhi-te também para
a felicidade de muitas almas.
E
acrescenta ela:
Diz-me que sou um canal por onde hão de passar as graças
que eu hei de distribuir às almas e pelo qual hão de vir
as almas a Ele. Diz-me mais o meu Jesus, que se serve de
mim, para que por mim vão a Ele muitas almas e por mim
sejam excitadas a amá-lo na santíssima Eucaristia.
No
primeiro sábado de Outubro desse mesmo ano (6.10.1934, ver carta de
11.10.1934), afirmava Nosso Senhor:
Já que tão generosamente te ofereces como vítima pelos
pecados do mundo, Eu colocarei em ti como que um canal
para passarem as graças às almas.
O Mestre,
artista infinito, pretende realizar nela uma obra-prima:
Manda dizer ao teu Pai Espiritual que te vou modelando e
preparando para coisas mais sublimes (11.10.34)
Hei de fazer em ti grandes coisas. (1º sábado de
Dezembro de 1934)
Eu ainda não estou satisfeito: ainda te quero mais
crucificada. (11.12.34)
E por
isso em breve a veremos mergulhada na noite passiva do sentido e
sobretudo na mais terrível do espírito.
A empresa
é árdua, mas para lhe incutir coragem e confiança, Jesus multiplica as
suas carícias: quantas vezes a estreita e a abrasa intensamente em seu
amor!
Minha filha, ó minha amada, Eu estou contigo! Oh, como
Eu te amo! São tão fortes as cadeias de amor que me
prendem a ti que as não posso quebrar, não te posso
abandonar. (1.11.34, carta, pág. 42)
Já antes
lhe tinha prometido que sempre estaria com ela e que nunca mais a
abandonaria. (26.10.34)
Com tal
Mestre, as lições, apesar de sublimes e difíceis de praticar, vão ser
aprendidas e executadas com toda a pontualidade e amor.
De mais a
mais é à luz da Eucaristia, na Escola do Sacrário que o Mestre a ensina.
Desde
menina que a Alexandrina teve pela Eucaristia devoção notável. Já o
vimos ao falar da sua primeira Comunhão e da sua oração nos primeiros
anos e das deliciosas preces que com Maria Santíssima dirigia a Jesus
Sacramentado.
Aos
dezanove anos acamou para não mais se levantar. Referem-se a essa época
estas palavras:
Tinha muitas saudades do Jesus da nossa Igreja; e quando
havia festas do Sagrado Coração de Jesus e missas
cantadas, eu chorava amargamente.
Lá mesmo
da cama, "cantava o Tantum ergo, como se estivesse na Igreja e
fosse receber a bênção de Nosso Senhor. Como não tinha Santíssimo
Sacramento em casa..., pedia a Nosso Senhor que me desse a bênção do Céu
e de todos os Sacrários".
Pertencia
à pia Obra das Marias dos Sacrários-Calvários, por isso gozava do
indulto de Missa em casa, quando impedida por doença de ir à Igreja.
Grande foi o seu júbilo, quando dada a aquiescência do Prelado
arquidiocesano, pôde, a 20 de Novembro de 1933, assistir à santa Missa a
que já há tantos anos não assistia. Daí por diante tinha mensalmente
essa consolação.
Amaríssima se tornou para ela a época em que, mudado o Pároco, deixou de
comungar todos os dias. Declara a propósito, a 27.9.34:
Com grande mágoa e saudade lhe digo que ainda não tornei
a receber a Nosso Senhor. Se eu pudesse pagar e me
trouxessem Nosso Senhor por dinheiro, quanto não daria
eu! Mas paciência. Tenho feito muitas comunhões
espirituais com o maior fervor que tenho podido e Nosso
Senhor vai-me dando a recompensa.
A
26.10.34, expressa de novo a mesma pena:
Ainda não tornei a receber o meu querido Jesus desde o
dia 13; ai, meu Deus, que pena eu tenho! Peça muito a
Nosso Senhor que, por sua infinita misericórdia, se
digne dar algum meio a isto.
Só
passado talvez mais de um ano é que as coisas mudaram. Por isso a
6.6.35, exclama:
Eu continuo muito doentinha; mas tenho tido a consolação
de receber Nosso Senhor todos os dias. Isto só por um
milagre do Céu, pois o Sr. Abade nunca me fez tal....
A 4 do
mês seguinte repete:
Tenho recebido todos os dias o meu amado Jesus; apesar
de não ouvir sempre a sua divina voz, ó como eu me sinto
bem com a divina presença sacramental em mim! Que paz eu
sinto na minha pobre alma! Como sinto desejos de O amar
sempre e cada vez mais!
A
confirmar e intensificar este amor à Eucaristia que o divino Espírito
Santo nela despertou desde menina, vem agora o Mestre divino, vezes
inúmeras, a repetir que a Escola onde a quer ininterruptamente é nos
Sacrários. Já a 27.9.34, escreve ela ao director espiritual:
Nosso Senhor não cessa de me pedir as coisas que lhe
tenho dito. Convida-me muito para os Sacrários:
— Anda minha filha, entristecer-te comigo, participar da
minha prisão de amor e reparar tanto abandono e
esquecimento. Manda dizer ao teu Pai Espiritual que
quero que seja pregada a devoção aos Sacrários, muito,
mas muito.
A
15.10.34, de novo:
Anda para a minha escola, aprende com o teu Jesus o amor
ao silêncio, a humildade, a obediência e o abandono.
Anda para os meus Sacrários: estou sozinho, tão
ofendido, tão desprezado, e tão pouco visitado! Anda,
prostrar-te diante de mim, pede-me perdão pelo teu
desânimo e pela tua desconfiança.
Alerta nos meus Sacrários! Estou sozinho em tantos,
tantos! Passam-se dias e dias que me não visitam e não
me amam e não me desagravam! (28.10.34)
No dia
1.11.34, escreve:
Outra
ocasião disse-me o meu Jesus:
— Minha filha, minha querida, ó minha amada: estou
contigo; amo-te tanto!
E pediu-me que O amasse também muito; mas que não queria
só o meu amor: que fizesse com que outros O amassem
também. Pediu-me que fixasse a minha morada nos seus
Sacrários. Que queria muitas guardas fiéis prostradas
diante dos Sacrários, para que não deixassem lá cair
tantos e tantos crimes. Que ao menos eu O amasse e
reparasse.
Nosso Senhor disse-me para eu fazer um contrato com Ele:
eu ir consolá-Lo e amá-Lo em todos os Sacrários e Ele me
consolaria a mim em todas as minhas aflições e
necessidades.
Eu disse a Nosso Senhor: a quem vou eu consolar? Ao meu
Criador, ao meu Amor, ao Rei do Céu e da Terra?!...
E Nosso Senhor disse-me:
Que tens tu com isso? Escolhi-te assim. É debaixo da tua
grande miséria e de teus crimes que Eu escondo a minha
grandeza, a minha omnipotência e os raios da minha
glória. Anda para os meus Sacrários, repara no meu
silêncio, na minha humildade, no meu abatimento. Faz que
Eu seja amado por todos, no meu Sacramento de amor, o
maior dos meus Sacramentos, o maior milagre da minha
sabedoria.
Disse-me também — prossegue a Alexandrina a 8.11.34 —
que me dizia como à Madalena: que eu escolhi a melhor
parte. Amar o meu Coração, amar-me Crucificado é bom;
mas amar--me nos meus Sacrários, onde me podes
contemplar, não com os olhos do corpo, mas com os olhos
da alma e do espírito, onde estou em corpo e alma e
divindade, como no Céu... Escolheste o que há de mais
sublime. O tempo passa, o tempo é breve e Eu te escolho
um lugar no Céu muito pertinho de mim, assim como na
Terra escolheste estar junto de mim, nos meus Sacrários.