"Sejam actos de amor para os vossos Sacrários"
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Capítulo 5
ENCONTRANDO O SEU DESTINO
1928-1934
Acabámos de ler no capítulo precedente as palavras da
Alexandrina: "morreram os meus desejos de ser curada e para sempre". É
que compreendeu, como ela mesma afirma, que a vontade de Nosso Senhor
era que estivesse doente e, por isso, aceita generosamente essa cruz e
começam a crescer nela dia a dia, cada vez mais as ânsias de amor ao
sofrimento e de viver em contínua união com Jesus Sacramentado.
Um pouco antes declara:
Sem saber como, ofereci-me a Nosso
Senhor como vítima e vinha desde há muito tempo pedindo
o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto
esta graça que hoje não a trocaria por tudo quanto há no
mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em
oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A
consolação de Jesus e a salvação das almas era o que
mais me preocupava.
Com a perda das forças físicas, fui
deixando todas as distracções do mundo; e com o amor que
tinha à oração — porque só a orar me sentia bem —
habituei-me a viver em união íntima com Nosso Senhor.
Estava definida a sua vocação: vocação de vítima,
vocação parecida à de Cristo no Calvário e no Sacrário. E a Alexandrina
vai desde já até à morte ser fiel e generosa em seguir o chamamento do
Senhor. Nos seus trinta anos de entrevada, não haverá nunca uma
hesitação ou uma tentação de voltar atrás.
Ei-la por isso, na sua tarefa: e antes de mais nada
cuidadosa em intensificar cada vez mais a união com Jesus, fazendo do
seu viver uma continua oração a Jesus Sacramentado. Oiçamo-la:
Pela manhã principiava a fazer as minhas
orações, começando pelo sinal da Cruz e logo me lembrava
de Jesus Sacramentado, fazendo a Comunhão espiritual e
dizendo esta jaculatória:
— Sagrado
Coração de Jesus, este dia é para Vós.
Repetia-a três vezes e depois
continuava:
— A vossa bênção, Jesus; eu quero ser
santa. Ó meu Jesus, abençoai a vossa filhinha que quer
ser santa.
Dizia também:
— Louvado seja Nosso Senhor... As Três
Pessoas da Santíssima Trindade me abençoem, assim como
Maria Santíssima, São José e todos os Anjos e Santos e
Santas do Céu. Que as bênçãos do Céu desçam sobre mim e
nada terei que temer. Serei santa: são esses os meus
mais ardentes desejos.
Rezava três Glórias, depois oferecia (como
membro do Apostolado da Oração) as obras do dia:
— Ofereço-vos, ó meu Deus etc. P. N. A.
M. Gl... Sagrado Coração de Jesus, que tanto nos amais...
e o Credo.
Depois continuava:
— Ó meu Jesus, eu me uno em espírito
neste momento e desde este momento para sempre a todas
as santas Missas que de dia e de noite se celebram na
Terra. Jesus, imolai-me convosco ao Eterno Pai pelas
mesmas intenções (pelas quais) Vós mesmo Vos ofereceis.
E continua mostrando como unia intensamente as suas
devoções mais características, ao Santíssimo Sacramento e a Nossa
Senhora, a quem invariavelmente apelidava de Mãezinha:
Voltada para a Mãezinha, dizia-lhe:
— Ave Maria, cheia de graça; eu vos
saúdo, ó Cheia de graça! Ó Mãezinha, eu quero ser santa;
ó Mãezinha, abençoai-me e pedi a Jesus que me abençoe!
E consagrava-me a Ela assim:
— Mãezinha, eu vos consagro os meus
olhos, meus ouvidos, minha boca, meu coração, a minha
alma, a minha virgindade, a minha pureza, a minha
castidade...
Aceitai, Mãezinha, é vossa; sois Vós o
cofre sagrado, o cofre bendito da nossa riqueza.
Consagro-Vos o meu presente e o meu futuro, a minha vida
e a minha morte, tudo quanto me derem a mim, rezem por
mim e oferecerem por mim. Ó Mãezinha, abri-me os vossos
santíssimos braços, tomai-me sobre eles, estreitai-me ao
vosso santíssimo Coração, cobri-me com o vosso santo
manto e aceitai-me como vossa filha muito amada, muito
querida e consagrai-me toda a Jesus. Fechai-me para
sempre em seu santíssimo Coração e dizei-lhe que O
ajudais a crucificar-me (note-se bem esta passagem),
para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada
por crucificar...
Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente,
pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me pura, fazei-me
um anjo; transformai-me toda em amor, consumi-me toda
nas chamas do amor a Jesus.
Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim:
dizei-lhe que é o filho pródigo que volta à casa do seu
bom Pai, disposta a segui-Lo, a amá-Lo, a adorá-Lo, a
obedecer-Lhe, a imitá-Lo. Dizei-lhe que não quero mais
ofendê-lo.
Ó Mãezinha, obtende-me uma dor tão
grande dos meus pecados, que seja tal o meu
arrependimento, que eu fique pura, que fique um anjo:
pura como fiquei depois do meu baptismo, para que pela
minha pureza mereça a compaixão de Jesus, de O receber
sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para
sempre em mim, até dar o último suspiro.
E continuamos a transcrever como orava a Alexandrina
nessa época, porque nos mostra claramente o que era já então a sua
oração: simples, afectiva, ardente, sólida, confiante, humilde e
perseverante; e além disso, revelam-se-nos, pelo seu conteúdo, as suas
aspirações dominantes e a sua feição espiritual.
Mãezinha — continua ela — vinde comigo
para os Sacrários, para todos os Sacrários do mundo,
para toda a parte e lugar onde Jesus habita
sacramentado. Fazei-lhe a minha humilde oferta. O como
Jesus ficará contente com a oferta mais pobrezinha, mais
miserável, mais indigna, mas oferecida por Vós! Como
terá valor junto do vosso e meu querido Jesus!...
Ó Mãezinha, eu quero andar de Sacrário
em Sacrário, a pedir favores a Jesus, como a abelhinha
de flor em flor a chupar-lhe o néctar.
Ó Mãezinha, eu quero formar um rochedo
de amor em todo o lugar onde Jesus habita sacramentado,
para que não haja nada que possa intrometer-se entre o
amor, para ir ferir o seu santíssimo Coração, renovar as
suas santíssimas Chagas e toda a sua Paixão.
Mãezinha, falai no meu coração e nos
meus lábios, fazei mais fervorosas as minhas orações e
mais valiosos os meus pedidos.
Ó meu querido Jesus, eu me consagro toda
a Vós. Abri-me de par em par o vosso santíssimo Coração.
Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa
fornalha ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu
bom Jesus, deixai-me toda dentro do vosso santíssimo
Coração; deixai-me dar aí o último suspiro, embriagada
no vosso divino amor. Não me deixeis separar de Vós na
Terra, senão para me tornar a unir a Vós no Céu, por
toda a eternidade.
E agora voltada para Jesus escondido nos Sacrários: quer
ser a sua vitimazinha, quer ser a lâmpada, a sentinela das suas prisões
de amor. Fale ela:
Ó meu querido Jesus, eu me uno em
espírito neste momento e desde este momento para sempre
a todos as santas Hóstias da Terra, em cada lugar onde
habitais sacramentado. Ai, quero passar todos os
momentos da minha vida constantemente, de dia e de
noite, alegre ou triste, só ou acompanhada, sempre a
consolar-Vos, a adorar-Vos, a amar-Vos, a louvar-Vos e
glorificar-Vos.
Ó meu Jesus, eu queria tantos actos de
amor meus constantemente a cair sobre Vós de dia e de
noite, como chuva miudinha cai do céu para a terra num
dia de Inverno; não queria só, mas de todas as criaturas
do mundo inteiro!... Oh, como eu Vos queria amar e ver
amado por todos! Vede, Jesus, os meus desejos e
aceitai-mos já, como se eu Vos amasse.
Ó Jesus, nem um só Sacrário fique no
mundo, nem um só lugar onde habitais sacramentado sem
que hoje e desde hoje sempre a dizer: Jesus, eu amo-Vos!
Jesus, eu sou toda vossa. Sou a vossa vítima, a vítima
da Eucaristia, a lampadazinha das vossas prisões de
amor, a sentinela dos vossos Sacrários!
Ó Jesus, eu quero ser vítima dos
Sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do vosso
amor, da minha família, da vossa santíssima Paixão, das
Dores da Mãezinha, do vosso Coração, da vossa santa
Vontade, a vítima do mundo inteiro! Vítima da paz,
vítima da Consagração do mundo à Mãezinha!
E como ela é toda de Jesus por Maria, em Maria e com
Maria, continua assim:
Jesus, vou convidar a Mãezinha: é Ela
quem Vos vai falar por mim. Vou e venho já, sim, meu
Jesus?
Ave Maria, cheia de graça! Eu vos saúdo,
Cheia de Graça: Mãezinha, vinde comigo para os
Sacrários; vinde cobrir o meu Jesus de amor.
Oferecei-lhe tudo quanto se passar em mim, tudo quanto
tenho costume de oferecer, tudo quanto se possa imaginar
como actos de amor para Nosso Senhor Sacramentado!
Dizia três vezes — continua ela —
«Graças e louvores se dêem a todo o momento ao
Santíssimo e diviníssimo Sacramento…», e fazia a
Comunhão espiritual já descrita; nesta altura dizia isto
a Nossa Senhora para Ela repetir ao seu amado Filho por
mim:
Ó Jesus, cá está a Mãezinha, escutai-A;
é Ela quem vos vai falar por mim.
Ó querida Mãezinha do Céu, ide dar
beijinhos aos Sacrários, beijos sem conta, abraços sem
conta, mimos sem conta, carícias sem conta, tudo para
Jesus Sacramentado, tudo para a Santíssima Trindade,
tudo para Vós! Multiplicai-os muito, muito e dai-os de
um puro e santo amor que não possa mais amar, cheios de
umas santas saudades, por não poder eu já beijar e
abraçar a Jesus Sacramentado, a Santíssima Trindade e a
Vós, minha Mãe querida, pois não sois Vós a criatura
mais amada e mais querida de Jesus? O dai-os então em
meu nome, com esse amor com que amais e sois amada!
E agora este canto precioso de louvor que recorda o
Canto do Sol de S. Francisco de Assis, ou o Benedicite:
Ó meu Jesus, eu quero que cada dor que
sentir, cada palpitação do meu coração, cada vez que
respirar, cada segundo das horas que passar,
sejam actos de amor para os vossos
Sacrários.
Eu quero que cada movimento dos meus
pés, das minhas mãos, dos meus lábios, da minha língua,
cada vez que abrir os meus olhos ou fechar; cada
lágrima, cada sorriso, cada alegria, cada tristeza, cada
tribulação, cada distracção, contrariedades ou desgostos
sejam actos de amor para os vossos
Sacrários.
Eu quero que cada letra das orações que
rezo, ou oiço rezar; cada palavra que pronuncie ou oiça
pronunciar; que leia ou oiça ler; que escreva ou veja
escrever; que cante ou oiça cantar
sejam actos de amor para os vossos
Sacrários.
Eu quero que cada beijinho que Vos, der
nas vossas santas imagens, nas da vossa e minha querida
Mãezinha, nas dos vossos Santos e Santas
sejam actos de amor para os vossos
Sacrários.
Ó Jesus, eu quero que cada gotinha da
chuva que cai do céu para a terra, toda a água que o
mundo encerra, oferecida às gotas; todas as areias do
mar e tudo o que o mar contém
sejam actos de amor para os vossos
Sacrários.
Eu Vos ofereço as folhas das árvores,
todas as frutas que elas possam ter, as florezinhas
oferecidas folhinha a folhinha (pétala a pétala)
todos os grãozinhos e sementes e cereais que possa haver
no mundo e tudo o que contém os jardins, campos, prados
e montes, ofereço tudo
como actos de amor para os vossos
Sacrários.
Ó Jesus, eu Vos ofereço as penas das
avezinhas, o gorjeio das mesmas, os pêlos e as vozes de
todos os animais, como actos de amor para os vossos
Sacrários.
Ó Jesus, ofereço-Vos o dia e a noite, o
calor e o frio, o vento, a neve, a lua, o luar, o Sol, a
escuridão, as estrelas do firmamento, o meu dormir, o
meu sonhar,
como actos de amor para os vossos
Sacrários.
Ó Jesus, ofereço-Vos tudo o que o
mundo encerra, todas as grandezas, riquezas e tesoiros
do mundo, tudo quanto se passar em mim, tu do quanto
tenho costume de oferecer-Vos, tudo quanto se possa
imaginar,
como actos de amor para os vossos
Sacrários.
Ó Jesus, aceitai o céu, a terra e o mar,
tudo, tudo quanto neles se encerra, como se esse tudo
fosse meu e de tudo pudesse dispor e oferecer-vos, como
actos de amor para os vossos Sacrários!
O que aí fica deixa bem em evidência que a piedade da
Alexandrina era eminentemente mariana e sobretudo eucarística. Com
Maria, por Maria e em Maria vivia toda para Jesus Sacramentado, como
vítima de imolação. Por isso não nos espanta ver como à oração unia a
mortificação. Como se não bastassem os sofrimentos que lhe causava a
doença, inventava novas maneiras de se crucificar. Tudo queria fazer por
amor de Jesus e Maria "e para provar que os amava, algumas vezes fazia
bolinhas de cera e atava-as na ponta de um lencinho (lembremo-nos que
ela estava já paralítica: só podia mexer os braços e um pouco a cabeça)
e com ele batia no meu corpo escolhendo os lugares onde mais podia
sofrer, como fosse, nos joelhos e nos ossos, ficando o meu corpo
denegrido das pancadas. Outras vezes atava a trança dos meus cabelos aos
ferros da cama e puxava a cabeça com toda a força para a frente, para
assim mais poder sofrer. Ou então dava nós na ponta da trança
açoitando-me com ela nas costas, no peito, nos braços e a todas as
partes onde a trança chegava".
Note-se que muitas dessas mortificações fazia ela sem
orientação, porque ainda não tinha director espiritual. Mais tarde, já
depois de o ter, ainda nos conta uma dessas mortificações um tanto
extravagantes :
Na tarde de um Domingo, tinha tantas
ânsias de amor divino, não cabendo em mim de ansiedade,
suspirava por ficar sozinha, vendo partir os meus para a
Igreja. Como de costume, queriam ficar a fazer-me
companhia, mas eu preferia ficar sozinha, pois só com o
meu Jesus é que me sentia bem. Logo que me deixaram a
sós com Jesus, foi então que Lhe provei quanto O amava.
Peguei num alfinete que segurava as minhas medalhinhas,
espetei-o sobre o meu coração; mas como não visse
aparecer sangue, enterrei-o mais ainda e retorci as
fibras até elas rebentarem, surgindo sangue.
Tomei a caneta e um santinho e com o meu
sangue escrevi assim:
— Com o meu sangue Vos juro amar-vos
muito, meu Jesus, e seja tal o meu amor que morra
abraçada à Cruz.
Alexandrina Maria da Costa.
E ainda acrescentou:
Amo-Vos e morro de amor por Vós, ó meu
querido Jesus, e nos vossos Sacrários quero habitar, ó
meu Jesus.
Balasar, 14.10.1934.
Diz que com grande repugnância contou o caso ao director
e quando este lhe perguntou, quem lhe tinha dado licença, respondeu:
"não sabia que era preciso licença. Desde então proibiu-me de voltar a
fazer coisas deste género". Em penitência, tomámos-lhe o santinho e
ainda hoje o guardamos como preciosa relíquia.
Deus não se deixa vencer em generosidade e por isso não
é de estranhar que já nessa altura experimentasse tantas vezes essas
ânsias e ardores de amor a Nosso Senhor e saboreasse frequentemente as
carícias e como que escutasse a sua divina voz, quando lhe perguntava:
Meu Deus, que quereis que eu faça?
A resposta era sempre esta:
Amar, reparar, sofrer.
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