Alexandrina de Balasar

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Janela
por onde a Alexandrina saltou

Capítulo 4

ADOECE GRAVEMENTE

1918-1928

Mas um incidente inesperado veio iniciar o novo rumo que ia tomar seu viver. Fale a Alexandrina:

Uma vez, andava a apanhar hera numa carvalheira, para dar ao gado e caí dela abaixo, ficando algum tempo sem me poder mexer e sem respirar, levantando-me pouco depois para continuar meu serviço...

Aos catorze anos e quatro meses deixei o trabalho para sempre, embora há meses trabalhasse com muito custo. Principiei a consultar médicos, coisa que me custava imenso. Eles tratavam-me de várias doenças.

A princípio tudo corria bem e todos tinham pena de mim e eu só sentia o desgosto dos meus males. Isto durou bem pouco tempo. As minhas melhores amigas, pessoas de família e até o próprio Pároco revoltavam-se contra mim. Chegavam a fazer caçoada de mim, do meu modo de andar, da posição que tinha na Igreja... Mas eu não podia estar doutra forma. O Senhor Abade dizia-me que eu não comia, porque não queria e se morresse que ia para o inferno. Quando me ia confessar, dizia-me também que o maior pecado era o de não comer. Estas palavras fizeram-me sofrer muito sozinha; com Nosso Senhor é que eu desabafava.

Quando ia de casa para a Igreja e desta para casa, olhava os montes em volta e pensava fugir e refugiar-me onde mais ninguém me visse; mas Nosso Senhor nunca me deixava fazer isto. Chorei tanto, tanto ao ver-me na situação em que me encontrava! Não me recordo bem do tempo que durou este sofrimento, mas sei que não chegou a um ano.

Entretanto outro episódio concorreu para lhe agravar ainda mais a doença e pôr em foco o seu amor, à pureza.

Uma ocasião, estando eu, minha irmã e uma pequena mais velha do que nós a trabalhar na costura — narra a Alexandrina — avistámos três homens: o que tinha sido meu patrão, outro casado e um terceiro solteiro. Minha irmã percebendo alguma coisa e vendo-os seguir o nosso caminho, mandou-me fechar a porta da sala. Instantes depois, sentimos que eles subiam as escadas que davam para a sala e bateram à porta.

Falou-lhes minha irmã. O que tinha sido meu patrão mandou abrir a porta; mas como não tivessem lá obra, não lhe abrimos a porta. O meu antigo patrão conhecia bem a casa e subiu por umas escadas pelo interior da habitação e os outros ficaram à porta onde tinham batido. Ele, não podendo entrar por um alçapão que estava fechado e resguardado por urna máquina de costura, pegou num maço e deu fortes pancadas nas tábuas até rebentar o alçapão, tentando passar por aí.

Minha irmã, ao ver isto, abriu a porta da sala e conseguiu escapar-se, apesar de a prenderem pela roupa. A outra pequena foi a segunda a fugir, mas essa ficou presa e eu ao ver tudo isto, saltei pela janela que estava aberta e que deitava para o quintal. Sofri um grande abalo, porque a janela distava do chão quatro metros: quis levantar-me logo, mas não podia, com uma forte dor na barriga. Com o salto caiu-me um anel que tinha no dedo sem dar por ele.

Cheia de coragem, peguei num pau e entrei pela porta do quintal para o eirado, onde estava a minha irmã a discutir com os dois casados. A outra pequena estava na sala com o solteiro. Eu aproximei-me deles e chamei-lhes cães! E disse: que ou deixavam vir a pequena ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta e deixaram-na sair. Foi nesta altura que dei falta do anel e disse-lhes de novo: — seus cães! Por vossa causa perdi o meu anel. Um deles que trazia os dedos cheios de anéis disse-me: escolhe daqui. Mas eu, toda zangada, respondi: não quero.

Não lhes demos mais confiança; eles retiraram-se e nós continuámos a trabalhar. De tudo isto não contámos a ninguém mas a minha mãe veio a saber tudo. Pouco depois, comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei. Os médicos também afirmavam que muito concorreria para a minha doença.

Dêmos aqui a palavra à sua irmã Deolinda e à Sãozinha:

Depois desta aflição ainda foi andando, trabalhando sim, mas com grande sacrifício. O mal foi-se agravando e ela, não podendo já sofrer em silêncio, como o fez durante muito tempo, queixou-se a sua mãe. Esta tratou de a levar a farmacêuticos, julgando que a doença não era de gravidade, mas não colhendo resultados, foi consultar alguns médicos. Estes atribuíram o grande mal ao mau funcionamento do estômago e dos intestinos. Sujeitaram-na a tratamento rigoroso e com a dieta em que esteve, abateu muito, a ponto de ir para a cama e aí esteve umas três semanas.

Depois sempre melhorou um pouquinho e foi para a Póvoa afim de continuar o tratamento. Mas vendo que pouco adiantava, foi ouvir a opinião de outros médicos, entre eles o especialista do Porto, Dr. Abel Pacheco, que a submeteu a um exame rigorosíssimo. Nesta ocasião a Alexandrina chorava muito com dores e com vergonha. O Sr. Dr. Abel Pacheco informou o médico assistente, que nessa ocasião era o Dr. Garcia, de que a doente não tinha cura. Claro que ela não sofreu este desgosto, porque a família soube encobri-lo.

Passado algum tempo, acamou e assim esteve durante cinco meses, sem nunca se levantar para coisa nenhuma. Isto em 1922...

Em Março de 1923, sofreu um desgosto grande: o da morte de sua avó. Nessa ocasião desmaiou muitas vezes; teve muita pena por não a ver depois de morta, mas, como estava doente, resignou-se conforme pôde. Em Abril desse mesmo ano, principiou a levantar-se e chegou a sair de casa. Os seus primeiros passos foram à Igreja. Ainda chegou a cantar, principalmente nas ocasiões das festas. Com grande sacrifício o fazia, mas nessa altura o grupo das cantoras era muito pequeno e a voz dela fazia falta, porque cantava bem e pertencia ao grupo desde novinha.

Andou a pé durante dois anos, sofrendo fisicamente muito. Continuou sempre em tratamento. Sabendo a mãe que não havia esperanças de a curar pelo médico que a tratava, pediu-lhe que consultasse outro que vivia perto da sua aldeia, para evitar despesas que tinha em a levar à Vila (Póvoa de Varzim). Com isto a Alexandrina desgostou-se muito, porque estava habituada com ele. A pedido de sua irmã e pessoas amigas, ela resolveu-se a mudar de médico.

Depois do novo médico a ter examinado várias vezes, aconselhou a mãe a levá-la de novo ao Porto, a outro especialista de nome, Dr. João de Almeida. E aí, depois de a examinar bem, o próprio médico assistente diagnosticou tratar-se de mal na espinha... Por isso é que ela não podia sentar-se nem ajoelhar-se. Em 14 de Abril de 1925, acamou para nunca mais se levantar.

Aos dezanove anos acamei — escreve a própria Alexandrina — e desta vez não tive como da outra, quem me dissesse:

— Deixa passar algum tempo, que ainda virás a levantar-te.

Nesta altura o médico do Porto, Dr. João de Almeida, informou minha mãe de que temia que eu entrevasse.

Esta data, como é natural, ficou bem gravada na memória da Doente: mais tarde, a 13.4.939, em carta ao director espiritual lemos: "é amanhã que faz 14 anos que estou na cama". E daí a um ano torna a lembrar o novo aniversário.

A partir desta ocasião comecei a ter por enfermeira minha irmã, porque minha mãe ocupava-se em serviços do campo e minha irmã costurava. Tive momentos de desânimo, mas nunca desespero. Nada no mundo me prendia: só tinha saudades do meu jardinzinho, porque amava muito as flores. Algumas vezes fui vê-lo: matar saudades, ao colo de minha irmã...

Cheguei a fazer algumas promessas para ser curada, como cortar rente o meu cabelo, que era para mim um grande sacrifício; dar todo o meu oiro e vestir-me de luto toda a minha vida; ir de joelhos desde a nossa casa até à Igreja. Minha mãe, irmã e primas fizeram também grandes promessas.

Por fim, compreendi que a vontade de Nosso Senhor era que estivesse doente; deixei de pedir a minha cura. No decorrer dos anos estive várias vezes às portas da morte. Preparava-me com os últimos sacramentos; esperava a hora da morte resignada. Na medicina não tinha outro alívio senão uns pedacinhos de morfina que me injectavam.

Mais adiante escreve ainda:

Como me falassem dos milagres de Fátima e sabendo eu, em 1928, que várias pessoas iam à Cova da Iria, nasceram em mim desejos de ir também. O médico assistente e o meu Pároco não me deixaram, dizendo que era impossível ir para tão longe, se eu mal consentia que me tocassem na cama. O Sr. Abade dizia-me que pedisse aqui a minha cura e que depois iria a Nossa Senhora de Fátima agradecer tão grande graça. O médico prometeu passar o atestado, se o milagre se desse.

Nesse ano, o Sr. Abade foi a Fátima e perguntou-me o que queria de lá? Pedi-lhe que me trouxesse uma medalhinha; mas ele ofereceu-me um terço, uma medalha e o Manual do Peregrino e alguma água de Fátima. Sua Rev.cia aconselhou-me a fazer uma novena a Nossa Senhora e a beber a água de Fátima com o fim de ser curada. Não fiz uma, mas muitas. Cantava muito e dizia às pessoas vizinhas que me visitavam, se um dia me vissem pelo caminho e me ouvissem cantar, era eu que ia agradecer a Nossa Senhora o benefício que recebia.

Pensava que seria curada, mas enganei-me: era a minha grande confiança na Mãezinha e em Jesus que assim me fazia falar. Pensava: se for curada, vou logo para religiosa, pois tinha medo de viver no mundo. Queria ser missionária para baptizar pretinhos e salvar almas a Jesus.

Como não consegui nada, morreram os meus desejos de ser curada para sempre, sentindo cada vez mais ânsia e amor ao sofrimento e de só pensar em Jesus.

Concluamos este capítulo com o que nos relata sua irmã, a propósito das lembranças que recebeu de Fátima:

Naturalmente veio daqui o grande desejo de possuir uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Surgiram-lhe logo as dificuldades: não tinha dinheiro para a comprar. Teve a lembrança de o pedir a pessoas amigas, até que arranjou o preciso para comprar uma imagem de cinquenta centímetros... Quando lha mostraram, ficou tão contente que lhe parecia mentira como a conseguira. Mandou preparar um altarzinho e desde então nunca mais saiu do seu quarto. Nunca lhe faltaram flores, velas e sobretudo as suas orações.

Mais tarde, veremos quanto vai ficar ligada para sempre a vida da Alexandrina à mensagem de Nossa Senhora de Fátima.

   

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