Alexandrina de Balasar |
luz e sombraNa primeira carta escrita ao seu Director espiritual, para lhe desejar um bom ano novo 1942, diz a Alexandrina: « Ao preparar-me para receber o meu Jesus, pedi à querida Mãezinha que me enchesse de amor e me revestisse da sua graça e pureza; que me desse um coração puro como quando vim do meu baptismo. Que queria nascer no primeiro do ano novo só para amar o meu Jesus e nunca O ofender » [1]. Depois destes pedidos
feitos à Virgem Maria, Alexandrina vai dirigir-se a Jesus e fazer-lhe os mesmos
pedidos, formular
— « Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha. Depois da batalha vem a glória. O teu caminho não terá luz, sol nem dia, mas é para que mais apareçam em ti as minhas grandezas e para que na glória brilhe em ti o resplendor do meu amor e vejas brilhar toda a beleza divina. Esforça-te por infundires nos corações e nas almas o meu amor. Dá-lo-ei com as minhas graças àqueles por quem tu intercederes. Que grande prémio tenho preparado para algumas almas que te amparam e que mais se compadecem da tua dor » . “Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha”. Esta primeira frase de Jesus anuncia o que breve — cinco dias depois — vai acontecer: perder o seu Pai espiritual. Como acima dissemos, o Padre Mariano Pinho vai ser proibido pelos seus superiores da Companhia de Jesus de dirigir a Alexandrina. Alexandrina não compreendeu o verdadeiro sentido desta revelação; só mais tarde começará a compreender o que verdadeiramente se passa... Jesus acrescenta ainda: “O teu caminho não terá luz”, o que pode ser considerado como uma homenagem ao santo e piedoso sacerdote, que “subirá às honras dos altares”, conforme Jesus o prometeu à Alexandrina. O bom Jesuíta em tudo obedecerá aos Superiores e jamais uma queixa ou uma crítica sairá dos seus lábios: ele conhecia o valor da obediência! Em 16 de Janeiro, nada sabendo ainda da teia urdida que a privará do seu Cireneu, Alexandrina escreve ao Padre Mariano Pinho e dá-lhe conta das ternas palavras ouvidas de Jesus e da promessa que lhe faz: « Depois de passarem alguns momentos, disse-me Jesus: — Minha filha, tens o primeiro lugar em meu divino Coração junto àqueles que te são queridos, que te amparam e te aliviam na tua dor. Dar-te-ei no Céu todas as minhas graças, todo o meu amor para que as faças cair sobre eles como prémio e recompensa » [2]. Este mês de Janeiro é fértil em acontecimentos relacionados directa ou indirecta com a vida da Alexandrina. No dia 17 de Janeiro, D. António Bento Martins Júnior escreve pela terceira vez para Roma dando informações sobre a Alexandrina e sobre o pedido de Consagração do mundo a Maria. Nesse mesmo dia, e na sequência da publicação dos escritos do Padre Terças, Alexandrina tem como uma premunição e receia que essa publicação possa ter repercussões que atinjam o seu Pai espiritual. Ela escreve ao Padre Pinho e diz-lhe: « A minha dor — causada pela publicação — fica em último lugar. Primeiro que tudo sofro com receio que sofra a causa de Jesus. Depois sofro por o meu Paizinho não ser um padre secular, é um religioso, tem os seus superiores e quanto não terá que sofrer com eles e sofrer inocente. Depois sofro eu com a dor do esmagamento; mas é o que menos importa que eu seja lançada como um trapo imundo ao abandono e desprezo de todos. Só e de estranhar que entre Senhores Padres haja tanta coisa, digo tanta coisa por não saber a palavra que hei-de empregar. Contudo só desejo que Jesus lhes perdoe que de mim estão perdoados » [3]. É muito interessante e quase humorística a “diplomacia” da Alexandrina quando fala dos Jesuítas: “Só é de estranhar que entre Senhores Padres haja tanta coisa!”, e a sua simplicidade, ao confessar que não sabe qual palavra a utilizar... No dia 20 do mesmo mês, o Padre Mariano Pinho, sabendo que não poderá mais ocupar-se da sua “Doentinha”, dá-lhe como confessor o Padre Alberto Gomes. No dia seguinte, escrevendo ao seu Paizinho espiritual, como se o pressentimento que tinha a espicaçasse, Alexandrina confessa: « Surgem-me cruzes de todos os lados que se vêm unir à minha cruz, formando assim um enorme cruzeiro. Levantam-se calvários por todos os lados que se unem ao meu calvário, amontoando montanha sobre montanha que se torna tão dolorosa e triste, dificilíssima de eu atravessar » [4]. Mas o que sente a Alexandrina já não é só um pressentimento vago: ela compreendeu já que algo se trama na sombra contra ela e contra o seu Pai espiritual. Efectivamente, na mesma carta, um pouco mais adiante, ela diz, falando dela: « Sinto-me como um trapo esfarrapado onde todos ou quase todos, vomitam, escarram, calcam e limpam os pés e lançam sobre ele os maiores insultos. Mas sinto-me tão nada e tão indigna que nem para isso devia ter utilidade. Sinto mais ainda: todos os maus tratos que me derem, tudo o que de mau de mim disserem e possam vir a dizer é nada para o que mereço. Mas à frente de tudo devia estar a caridade que Jesus tanto ama. Ai como é doloroso o meu sofrer! » Mas como ela mesma confessa: o que mais interessa é a causa de Jesus. Depois, vem o seu Pai espiritual que “é humilhado e calcado”. Ela sente-se responsável disso, que “é a causadora de todo esse sofrer” e o seu coração sangra... « Sinto que alguém e não poucos, não satisfeitos do meu padecer, cavam sem piedade na sepultura que já estou sepultada que é tão grande, é mundial, nova sepultura numa profundidade que é um abismo sem fim. É nela que me lançam cobrindo-me depois do que há de pior. Meu Deus, ai meu Jesus, se esta cruz fosse só para mim! O pior é que não é. Escusado é o meu Paizinho enganar-me, dizer-me que não sofre. Eu não preciso doutras testemunhas, bastam-me os sentimentos da minha alma. Sinto que o meu Paizinho é humilhado, é calcado e lançam-lhe em rosto coisas que assim não são ». O seu pensamento vai também para o bom médico que o Senhor lhe enviou: também ele vai sofrer e ser humilhado: vai pagar o bem com o mal, pensa ela, mas o seu desejo sincero é de não “ser ingrata para ninguém”. «E, para maior confusão minha, sinto que sou eu a causadora de todo esse sofrer, de toda essa cruz; sou e serei a causa de muita humilhação e sofrimento do Sr. Doutor. Que paga triste eu lhe dou do muito que ele tem feito por mim! Tudo é involuntário, eu não queria ser ingrata para ninguém». No dia 26 de Janeiro, escrevendo ao Padre Mariano Pinho, ela pergunta com uma certa ansiedade, não dissimulada: « O meu Paizinho está proibido de vir aqui? Não deixam de o fazer sofrer? Ainda tentam humilhá-lo e calcá-lo mais? Jesus seja connosco, que a querida Mãezinha venha em nosso auxílio e nos dê força para tanta dor. Que isto seja para maior glória de Jesus e de proveito para as almas » [5]. Mas esta separação não a faz esquecer a sua missão nem o seu amor ao Esposo crucificado que a chama. Este novo sofrimento vai mesmo ser ocasião de novas ofertas, de novos abandonos à divina Vontade. No seu Diário ela escreve a 6 de Março: « Servi-vos da minha tristeza e agonia, servi-vos do sacrifício que me levou ao extremo para dares a paz ao mundo, meu Jesus, para que o vosso divino Coração possa receber de mim toda a alegria, consolação e amor possível, para que sejam realizados todos os vossos desejos, para que as almas sejam salvas » [6]. Mais adiante, no Diário do mesmo dia ela desabafa com o divino Esposo: « Se eu não vivo para as salvar, se os meus sofrimentos não bastam para lhes evitar o inferno, depressa, meu amor, depressa, levai-me então para vós; não se pode viver assim; que ao menos me reste esta esperança: a minha agonia consola o seu divino Coração ». E ainda: « Doce Jesus, que dor imensa para o vosso divino Coração ser tão maltratado pelas almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão pavoroso que transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! » O Coração de Jesus continua a ser o abrigo preferido da Vítima de Balasar: Alexandrina quer aí se repousar e ouvir o bater do Coração do Amado: « Na flagelação inclinei-me a vós, foi o vosso divino Coração o meu abrigo, nele recebi a vida que estava quase perdida. Resguardada por vós, olhava todos os sofrimentos, mas enquanto descansava não os temia. O vosso divino abrigo dava-me força, suavizava-me a minha dor » [7]. No dia 20 de Março deste ano Alexandrina vive pela última vez a Paixão, sinal que a consagração estava próxima. Nesse mesmo dia escreve: « Na flagelação fui descansar ao vosso Coração divino. Era grande como o Universo, podia percorrê-lo todo, mas não, estava muito ferida; inclinei-me para vós, descansei até que de novo voltassem os algozes » [8]. Depois o seu estado piora e, piora ao ponto de lhe serem administrados os últimos sacramentos a 27 do mesmo mês de Março. Nesse mesmo dia tinha mandado escrever no seu Diário: « Na flagelação, ao ser resguardada em vosso divino Coração, via à minha frente os algozes preparados com os açoites para mais castigarem o meu corpo. Eu coberta com o vosso divino Amor não os temia ». E mais adiante: « Na segunda queda, obrigou-me a obediência a entrar de novo no vosso divino Coração » [9]. Possuir uma alma como a Alexandrina é uma glória, uma glória para o país em que nasceu mas também para o mundo inteiro. Sofrer por mor de Jesus é igualemente uma glória, mas uma glória que só no Céu poderá ser contemplada pelos eleitos do Senhor. « Que glória para Portugal, para o mundo inteiro! Que alegria e triunfo para o Paraíso! » Depois, como se fizesse referência ao bom Padre Pinho, Jesus diz à Alexandrina: « Bem-aventurados os humildes e perseguidos pelo amor de Jesus. Esses é que são os eleitos do Senhor e os santos do seu divino Coração » [10]. A consagração do mundo vai ser feita. Jesus, vem, a 22 de Maio, anunciar a grande novidade à Alexandrina. O tom das suas palavras é emotivo, jubiloso:
No dia 29 do mesmo mês de Maio Jesus jubila e anuncia de novo à sua esposa do Calvário de Balasar:
***** O Coração de Jesus atrai a si as almas puras e, para que elas cresçam sempre e cada vez mais em amor e santidade, desse Santíssimo Coração dardam raios celestes que, envolvendo-as, as ajudam a crescer nesse amor e nessa santidade em que Jesus as quer. Assim sucede com a “Doentinha de Balasar”: « Pouco tempo depois — escreve ela — vi e senti descer do Céu à terra para o lugar do meu coração raios de luz mais brilhante que o sol, pareciam vindos do Coração do meu Jesus, ligando-se e reflectindo-se para sempre no lugar do meu coração. Tinha que me embeber toda naqueles raios de amor, o que dia a dia me vão embebendo cada vez mais, deixando-me transformada neles. Esses raios vão-me levantando da terra para o Céu » [11]. Alguns dias mais tarde a Alexandrina volta a falar do Coração do seu Amado e explica: « Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino Coração com toda a simplicidade e amor. Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino Coração, da sua ternura, da sua compaixão, do seu perdão. Jesus é louco por todos os filhos seus. Jesus ama-os apaixonadamente e a todos quer dar os tesouros inesgotáveis do seu amável Coração » [12]. Como prelúdio à consagração do mundo que agora não demorará muito, a vidente de Balasar beneficia duma aparição de Nossa Senhora, aparição que lhe procura uma grande consolação. Eis como ela a descreve: « Foi então que no dia 9 de Junho de 1942, pelas 13 horas, me apareceu sobre a cama descendo do Céu a figura deslumbrante da Mãezinha que parece se fixou em minha frente um pouco para a minha esquerda. Vestia ricos vestidos brilhantes, de cores variadas, trazia os pés nus, chegou-se a mim para me acariciar e com sua mão direita apontou para o Céu. Parecia comovida com o meu sofrimento a prometer-me a recompensa e a inspirar-me confiança. O trono em que veio era brilhantíssimo como ouro pálido em que o sol projectava os seus mais brilhantes raios. Foi inefável a consolação que me deixou a primeira aparição. Por uns minutos me tem desaparecido para novamente me aparecer, agora mais junto de mim, do lado direito, e pude ver distintamente que agora era o Imaculado Coração de Maria » [13]. No dia 1 de Agosto, Jesus fala-lhe, parecendo encorajá-la. Ele fala-lhe igualmente do seu Paizinho espiritual: — « O Coração de Jesus com o de sua Santíssima Mãe alegram-se e enchem-se de regozijo com os sofrimentos da louca, louca de Jesus, da crucificada do calvário e com os sofrimentos do seu Pai espiritual, que o tem sido é e será por toda a eternidade » [14]. Quinze dias mais tarde, na festa da Assunção da Virgem Maria, Jesus volta de novo a falar-lhe e confirma o que quinze dias antes tinha dito: — « É com os laços mais firmes e do mais puro amor que Jesus enleia ao seu divino Coração e de sua Santíssima Mãe a sua louquinha de amor, a vítima de maior imolação, a maior alegria e glória do Altíssimo que tem e poderá ter na terra. É com os mesmos laços de amor que Jesus prende aos mesmos divinos Corações o Pai espiritual da sua benjamina, o médico e almas amadas que por ela se sacrificam » [15]. No mesmo dia, Jesus anuncia à Alexandrina que ela, pela sua pureza, pela sua abnegação e pelo seu amor, se tornou o sacrário, o “cofre riquíssimo” onde Ele e a Trindade Santíssima gostam de repousar... — « A Santíssima Trindade inclina-se, o divino Espírito Santo estende os seus raios, irradia-os sobre este cofre riquíssimo do Santíssimo Coração de Jesus » . No dia 3 de Outubro, Jesus confia à Alexandrina uma mensagem de esperança e de carinho para o seu Pai espiritual que continua impedido de a visitar, mas que pode receber as cartas que lhe escreve a sua dirigida: — « Escuta, filhinha. Diz ao teu Pai espiritual que o Coração divino de Jesus está aberto para ele, que o ama louca e apaixonadamente. A prova mais clara que Jesus lhe dá é fazê-lo passar por tão grandes humilhações e sofrimentos, assemelhando-o tanto a Ele » [16]. Chega o dia da consagração tão desejada por Jesus e pela Alexandrina. Pio XII, Papa tão mariano, vai enfim realizar o acto que o mundo espera, e que o espera porque trará consigo a paz... « A primeira Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria― escreve o professor José Ferreira ― foi feita em português, aos microfones da Emissora Pontifícia, pelo Papa Pio XII, em 31 de Outubro de 1942, na conclusão do Jubileu das Aparições de Fátima, e repetida no dia da Imaculada Conceição, a 8 de Dezembro, do mesmo ano, na Basílica de S. Pedro. A Emissora Nacional retransmitiu para Portugal a alocução de 31 de Outubro » [17]. O mesmo autor, no mesmo artigo, falando do impacto que teve na imprensa portuguesa o acto solene de Pio XII, escreve mais adiante: « Esta consagração não terá tido significativo impacto imediato nas comunidades católicas portuguesas (que não viviam os horrores da guerra), como se deduz do que sobre ela noticiaram o Diário do Minho, da Arquidiocese de Braga, e dois jornais portuenses de circulação nacional, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias ». A notícia da Consagração foi dada à Alexandrina nesse mesmo dia 31 de Outubro, pelo seu Pai espiritual, o Padre Mariano Pinho, então em Fátima. Enviou-lhe um telegrama onde dizia: “Em Roma, o Santo Padre Pio XII fez, finalmente, a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria, em língua portuguesa, com especial menção à Rússia” [18]. Assim, a consagração tendo sido feita após a intervenção dos Bispos portugueses reunidos em Fátima, o mundo inteiro ficou convencido que esta mesma consagração teria sido pedida por Nossa Senhora aos Pastorinhos... esquecendo, ou ignorando a verdadeira origem desse mesmo pedido feito por Jesus em 1935 à Alexandrina de Balasar. No seu excelente artigo sobre “A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa”, o professor José Ferreira constata judiciosamente ao terminá-lo: « À data da Consagração, as forças do Eixo estavam no máximo da sua expansão. Curiosamente, a sorte começa na altura a ser-lhes claramente desfavorável. Lembrem-se a campanha do Norte de África, o desastre alemão em S. Petersburgo, mais adiante o Desembarque da Normandia ou o começo do fim do expansionismo japonês. “Só ela (a sua Mãe) lhe (ao mundo) poderá valer”: afirmara Jesus à Alexandrina. O terrível castigo infligido ao mundo chegaria ao fim apenas três anos depois, deixando atrás de si um rasto de violência e morte como não havia memória » [19].
[17] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa. [18] Deve-se aqui recordar um passo duma carta que o P.e Abel Guerra SJ escreveu ao P.e Humberto Pasquale, que lhe perguntava como tinha podido o P.e Pinho escrever à Alexandrina, apesar da proibição que sobre ele impendia: ele, responde este jesuíta, «não lhe escreveu em todo esse tempo, a não ser excepcionalmente um simples cartão de visita, a felicitá-la pela Consagração do mundo Imaculado Coração de Maria, e isto com a minha aprovação (era seu Superior)». Mas vale a pena ouvir um pouco mais da carta: «Estava satisfeito o pedido da Alexandrina ao Santo Padre, pedido que ela fizera por meio do P.e Pinho, e o acontecimento era tão jubiloso que o coração não se podia conter. Nunca me há-de esquecer o júbilo que então sentimos. O caso era absolutamente extraordinário; e por isso entendemos que nem ele nem eu desobedeceríamos à ordem dada, com duas frases apenas de congratulação». [19] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa. http://alexandrinabalasar.free.fr/consagracao_do_mundo_2.htm
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