Alexandrina de Balasar |
“Vítima do Vosso Coração”« É árdua a vocação da vítima, porque o lugar da vítima é no Calvário com Jesus e não nas doçuras do amor... As almas consoladoras, as almas reparadoras são vítimas com a grande Vítima do Calvário » [1]. Esta explicação do santo Papa Pio X sobre o que é a vítima, é nela mesma um programa de vida e, um programa de vida que assenta extraordinariamente bem à “Doentinha de Balasar”.
Na Autobiografia da Alexandrina podemos ler, logo a seguir àquele tão belo hino aos Sacrários, esta explicação de suma importância sobre o que deve ter acontecido em 1932 ou 1933: « Nestas ocasiões em que fazia estes oferecimentos a Nosso Senhor, sentia-me subir, sem saber como, e ao mesmo tempo um calor abrasador que parecia queimar-me. Como não compreendia a causa deste calor, ponha-me a observar se estava a transpirar, porque me parecia impossível, sendo dias de grandes frios. Sentia-me apertada interiormente, o que me deixava muito cansada. Não tenho a certeza, mas deveria ser numa dessas ocasiões que eu senti esta exigência de Nosso Senhor: sofrer, amar e reparar ». “Sofrer, amar e reparar” foi o programa de vida escolhido por Jesus para a sua vítima, e assim foi a vida da Alexandrina a partir do momento em que se ofereceu a Jesus. Como acima já vimos, foi durante um tríduo em honra do Sagrado Coração de Jesus que a Alexandrina conheceu o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho. Dizia ela: « Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um tríduo ao Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director espiritual ». Logo a seguir ela nos dá uma informação importante que nos esclarece sobre a sua simplicidade e inocência de alma e sobre os fenómenos místicos de que já beneficia então: « Não lhe falei nos oferecimentos — escreve ela — que fazia ao sacrário, nem nos calores que sentia, nem na força que fazia elevar, nem nas palavras que tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim toda a gente. Só passados dois meses é que lhe falei nas palavras de Jesus e do resto nada disse, porque nada compreendia como coisas de Nosso Senhor ». Ela não lhe falou “na força” que a “fazia elevar”. Ora, esta elevação, em teologia mística chama-se levitação e é um carisma de que beneficiam muitas das almas escolhidas para missões particulares. Tal aconteceu com Santa Teresa de Ávila, Santa Catarina de Sena, Santo Afonso de Liguori, S. Pedro Julião Eymard, S. Miguel Garicoïts e tantos outros, como S. Padre Pio de Pietrelcina e Teresa Neumann, mais perto de nós. Este carisma pode explicar-se como sendo “a suspensão ou deslocamento de um corpo ou objecto no ar, sem o auxílio de forças mecânicas, violando assim a lei da gravidade”. Alexandrina não falou ao Padre Pinho daquelas palavras que ouvira — amar, sofrer e reparar — porque as tomou “como uma exigência de Jesus... pensava que era assim para toda a gente”... Como são belas a simplicidade e a inocência!... Vimos que a Alexandrina tinha uma verdadeira e fervorosa devoção ao Sagrado Coração de Jesus e que regularmente se oferecia a Ele como vítima, e acabamos de ver que o Senhor lhe traçou um “caminho”, um programa de vida explicitado nas três palavras já referidas: sofrer, amar, reparar. No dia 6 de Setembro de 1934, estas palavras vão ter um desenvolvimento inesperado para a “Doentinha de Balasar”: « Quinta-feira, dia 6 — explica ela ao Padre Mariano Pinho —; o Senhor Abade veio trazer Nosso Senhor a uma doente, minha vizinha, e ao mesmo tempo, trouxe também para mim. Depois de comungar, não sei como fiquei, estava fria, parecia-me que não sabia dar as graças. Mas, louvado seja, o meu bom Jesus não olhou para a minha indignidade nem para a minha frieza; parecia-me ouvir dizer: — Dá-me as tuas mãos, quero-as cravar Comigo, dá-me a tua cabeça, quero-a coroar de espinhos, como me fizeram a Mim, dá-me teu coração, quero-o trespassar com a lança, como me trespassaram a Mim; consagra-me todo o teu corpo, oferece-te toda a Mim, quero possuir-te por completo e fazer o que Me aprouver. Isto foi bastante para ter ficado muito preocupada. Não sabia o que fazer; calar-me e não dizer nada: parece-me que o meu bom Jesus não queria que ocultasse isto. Isto repetiu-se na sexta-feira e hoje, dia de Nosso Senhora » [3]. Aqui já não se trata do Coração de Jesus, mas do coração da Alexandrina. Esta reciprocidade entre os dois corações será frequente, vindo muitas vezes igualmente juntar-se um outro coração terno e meigo, materno, o Coração de Maria. “Dá-me teu coração, quero-o trespassar com a lança, como me trespassaram a Mim” Ficam aqui bem explicitadas as três palavras ouvidas tantas vezes: « sofrer, amar, reparar ». Um mês mais tarde, escrevendo ao seu novo Director espiritual, ela volta a falar desta união de corações: « Pouco antes de mandar escrever esta carta Nosso Senhor pediu-me o meu coração para o colocar dentro do d’Ele, para que não tivesse outro amor a não ser a Ele e às suas obras. Disse-me que cabiam lá todos, mas que o meu tinha um lugar reservado... escolhi-te para mim, corresponde ao meu amor. Quero ser o teu esposo, o teu amado, o teu tudo; escolhi-te também para a felicidade de muitas almas »[4]. Vemos aqui mais algumas indicações importantes sobre a vida íntima da Alexandrina, vida ela toda de união com Jesus que coloca o coração desta dentro do Seu, que quer ser o seu “Esposo”, o seu “Amado”, o seu “Tudo”, assim como a escolheu “para a felicidade de muitas almas”, das quais fazem parte todas aquelas e todos aqueles que amam a Alexandrina e procuram seguir o seu exemplo. De novo, um mês mais tarde, Jesus volta a falar-lhe do seu Coração, aquele Coração onde lá cabem todos os corações: « Vou continuar a minha tarefa expondo tudo conforme Nosso Senhor me recomenda. Há dias dizia-me Nosso Senhor assim: — Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Estou no íntimo da tua alma e acho-me bem. Não te entristeças com tudo o que encontras em ti. Sou eu para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração »[5]. Alexandrina, como todo o ser humano, não se encontrando digna da solicitude de Jesus para com ela, chega mesmo a duvidar que seja Jesus a falar-lhe. É por isso que Jesus lhe diz de não se entristecer de tudo quanto se passa nela, dando-lhe a explicação: « Sou eu para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração » Uma semana depois, Jesus argumenta, servindo-se dum episódio da Sua vida — neste caso respeitante a Maria Madalena —, antes de voltar a insistir na sublimidade da missão que para ela escolheu: « Disse-me também que me dizia como a Madalena eu que escolhi a melhor parte: — Amar o meu coração, amar-me crucificado é bom. Mas amar-me nos meus sacrários, onde me podes contemplar não com os olhos do corpo mas com os olhos da alma e do espírito, onde estou em corpo, alma e divindade como no Céu, escolheste o que há de mais sublime » [6]. “Escolheste o que há de mais sublime!” Quem poderia resistir a uma alegria indizível ao ouvir uma tal afirmação? Mas Alexandrina quer saber mais, quer saber como fazer para ainda mais O amar, para ainda melhor O servir. « Perguntei eu ao meu Jesus o que havia de fazer para O amar muito e Ele disse-me: — Anda para os meus sacrários consolar-Me, reparar. Não descanses em reparar; dá-me o teu corpo para o crucificar. Preciso de muitas vítimas para sustentar o braço da minha justiça e tenho tão poucas, anda substituí-las »[7]. “Anda para os meus sacrários, consolar-Me, reparar”. Os sacrários serão, efectivamente, durante toda a sua vida, uma preocupação para a Alexandrina: saber Jesus ali tantas vezes só e abandonado, causa-lhe dor... o seu amor sofre desta situação e, sempre procurará remediar a este abandono indo ela mesma, em espírito, velar sobre todos “os lugares onde Jesus está e habita sacramentado”. “Não descanses em reparar”, diz-lhe Jesus e, Alexandrina nunca descansará, nunca abandonará a sua missão de alma-vítima; a sua resposta inalterável será sempre um “Sim” corajoso, quaisquer que sejam as circunstâncias e o pedido de reparação que Jesus lhe fizer. Ainda no mesmo ano, encontramos esta informação que nos demonstra, se isso fosse necessário a sua coragem e o seu desejo de perfeição: « Renovei, também, por toda a minha vida o voto de virgindade e de pureza consagrando-me toda à minha querida Mãe do Céu, pedindo-lhe que me purificasse de toda a mancha e depois me consagrasse toda ao meu querido Jesus e me fechasse dentro do Seu Sagrado Coração » [8]. Uma vez mais aqui fica demonstrada a sua atracção para o Coração de Jesus, a sua vontade de nele se fechar e de nele viver assim muito unida ao Esposo que a ama com um amor exclusivo e eterno. A união íntima entre o Coração de Jesus e o da Alexandrina é um tema contínuo nesta espiritualidade que não sofre modificações, quaisquer que sejam as situações que se apresentem, quaisquer que sejam os sofrimentos pedidos e livremente aceites, quaisquer que sejam as consequências que ela nem quer nem deseja calcular: a vontade de Jesus é suprema e prima sobre a sua: Alexandrina que “é a bondade em pessoa”, não pode sofrer que Jesus espere, que Jesus repita, que Jesus sofra sem contrapartida, sem auxílio, sem uma prova de amor da sua parte. No dia 10 de Janeiro, escrevendo ao seu Paizinho espiritual ela diz: « No dia 3, pelas 9 horas da noite, depois de fazer a visita ao Santíssimo Sacramento, que a não tinha podido fazer de dia e, se não fossem as muitas dores e o mal-estar que tinha, não as faria, pois tinha muito, muito sono, de repente, senti o que quase sempre sinto quando Nosso Senhor me vem falar. Nessa mesma noite veio-me à lembrança a comparação que lhe havia de dar. Dá-me a impressão que uma onda do mar vem sobre mim. Logo me inclinei para o lado esquerdo e já me falava Nosso Senhor: — Anda, minha filha, escuta o teu Jesus. Está no teu coração, na tua alma, dentro de ti. Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo. Como Eu te amo! Eu habito em ti e tu nos meus sacrários. Minha filha, o sofrimento e a cruz são a chave do Céu: Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e, para tantos, foi inútil. Dizem: quero gozar, não vim ao mundo para mais nada. Quero satisfazer as minhas paixões. Dizem: não há inferno. Eu morri por eles e dizem que não me mandaram e contra mim dizem heresias e proferem blasfémias. Eu, para as salvar, escolho as almas, ponho-lhes sobre os ombros a cruz e sujeito-me a auxiliá-las e feliz da alma que compreende o valor do sofrimento. A minha cruz é suave sendo levada por meu amor » [9]. Quantos ensinamentos nestas palavras de Jesus! Jesus “está no teu coração, na tua alma, dentro de ti”, tal como Ele mesmo o prometeu aos seus Apóstolos e a cada um de nós: « Eu e o Pai viremos a ele e nele faremos a nossa morada » (S. João. 14, 23). Jesus está sempre em cada um de nós, mesmo quando a nossa “casa” não está limpa, não está em estado de “receber visitas”, Ele está sempre presente, porque é fiel ao que prometeu. Evidente é, claro está, que não poderá estar sorridente no coração daquele que está habitado pelo pecado... mas Ele lá está, por graça de misericórdia. “Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo”, e, “se Deus está por nós, quem pode estar contra nós?” (Rm. 8, 31). Ou ainda, como diz o evangelista S. Lucas “virá sobre ti a força do Altíssimo” (Lc. 1, 35) e então, como diz S. Paulo aos romanos : “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?” (Rm. 8, 35). Não, porque “o sofrimento e a cruz são a chave do Céu”. Como não seria assim? Jesus, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, teve “de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, teve de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” (Lc. 9, 22), de maneira que “aquele que se mantiver firme até ao fim seja salvo” (Mt. 24, 13). “Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e, para tantos, foi inútil”. Ó verdade incomensurável! Ó verdade que nos deixa perplexos!... Ó verdade que nos interpela e nos faz lembrar aquelas palavras de Jesus aos seus discípulos: “Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc. 18, 5). Mas, esta outra palavra de Jesus, palavra de esperança e de amor, deverá animar-nos sempre, como ela animou a Alexandrina: « O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.» (Lc. 19, 10). “A minha cruz é suave sendo levada por meu amor”, esclarece Jesus a Alexandrina, como outrora tinha dito aos que o cercavam: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. (Mt. 16, 24), prevenindo todavia os recalcitrantes: “Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim”. (Mt. 10, 38) Como podemos verificar, os escritos da Alexandrina são, nem mais nem menos, do que apelos ao Evangelho, apelos às almas para que se lembrem das palavras de Jesus, dos ensinamentos que Ele nos deixou, se queremos alcançar a vida eterna e gozar eternamente das belezas e dos bens celestes. Na carta seguinte ao seu “Paizinho” espiritual, a boa Alexandrina diz: « No dia 4, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor e dizia-me: — Queres encontrar-me, minha filha? Procura-me no teu coração e na tua alma. Habito lá a penetrar em ti mais o meu amor e a santificar-te mais. O teu coração é o meu sacrário e a ti é sempre nos meus sacrários que te quero encontrar a pedir-me pelos pecadores e quero que me digas muitas vezes que és toda minha. Se soubesses como me consolas! E como acodes aos pecadores só em me dizeres que és minha vítima! A minha paga é o meu amor e um lugar no Céu, tão lindo, muito pertinho de mim, muito unidinha a mim. Se tu pudesses vê-lo! Seria o bastante para a tua morte, morrerias de alegria. Não penses em nada deste mundo, que não és dele. Ama-me muito, olha o que te confio: os meus sacrários e os pecadores » [10]. Quatro dias depois, ao mesmo Director espiritual ela confia ainda: « Sentindo-me, outra vez, muito acariciada, Nosso Senhor disse-me: — Minha bem fiel esposa, vem com o teu amor e com a tua reparação curar as feridas que, com os crimes, me vão ser feitas. As dores são mais horríveis do que as do calvário. Quantos cravos! Quantas coroas de espinhos e quantas lanças! Vai passar parte da noite, com muito amor e fervor nos meus sacrários. Eu ajudar-te-ei. Estou contigo no sacrário do teu coração e tu estás nos meus por esse mundo além » [11]. Aqui não se trata do Coração de Jesus, mas do coração da Alexandrina, onde Jesus vive e permanece como num sacrário, sacrário este onde a adoração é perpétua, onde o amor é sincero e contínuo até ao sacrifício total e voluntário de todo o seu humilde ser. No coração da Alexandrina Jesus sente-se bem, sente que ela com os seus sacrifícios e com o seu amor O desagrava de tantos cravos, de tantas coroas de espinhos, da tantas lanças e de tantas dores horríveis com que é ofendido pelos pecados de toda a humanidade rebelde e insensível. Mas Jesus, sofrendo e amando os homens rebeldes, não deixa o coração da sua vítima tal como ela não abandona os sacrários do mundo inteiro, como a abelha que de flor em flor vai sugar o néctar com que fará o doce mel. Um pouco mais de três meses depois, ela conta ao seu Director espiritual as visões que teve de Nosso Senhor, do menino Jesus, e acrescenta : « Também me pareceu ver virado para mim, no tamanho de um homem, o Sagrado Coração de Jesus todo cheio de raios dourados à volta do seu Coração » [12]. Jesus aparece-lhe mostrando o Seu Coração sacratíssimo envolvido em raios luminosos, tal como se mostrou e se mostrará ainda a Santa Faustina Kowalska, a apóstola da Divina Misericórdia. Como esta Santa polaca, beatificada e canonizada pelo Papa João Paul II — que foi o primeiro Postulador da sua causa —, a Alexandrina terá dito de certo muitas vezes a Jesus: “Jesus, tenho confiança em Vós”. Em 18 de abril de 1935, uma quinta-feira, Alexandrina escreve ao seu Pai espiritual e, depois de lhe confiar que “está a desabituar-se de comer”, conta-lhe em pormenor tudo quanto o Senhor lhe disse nesse mesmo dia: « Depois de me confessar, recebi Nosso Senhor e senti uma paz muito, muito grande. (...) Passados uns momentos falava-me Nosso Senhor: — Anda cá, ó minha filha, anda cá, ó meu amor. Escuta o teu Jesus. Estou contigo. Eu venho-te pedir para me acompanhares em toda a minha paixão e para não dormires quase tempo nenhum esta noite. Vai para o Cenáculo: medita o que Eu já lá sofri; mas não quis deixar-vos sozinhos estabeleci o meu grande sacramento. Acompanha-me no Jardim das Oliveiras: vê o que Eu lá sofri. Num quadro meus sofrimentos e noutro os pecados do mundo. E para tantos os meus sofrimentos inúteis. Desprezam-nos, não os aproveitam. Participa em toda a minha paixão. O suor de sangue e o beijo de Judas. Acompanha-me a casa da Anás e de Caifás, que mau trato tiveram comigo. De manhãzinha cedo acompanha-me a casa de Pilatos, na rua da amargura, enfim, ao Calvário. Mas, no meio de toda a minha paixão, não te esqueças dos meus sacrários; diante de mim, pede-me pelos pecadores que andam desregrados, entregues às paixões e não pensam em deixar de me ofender. Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro dia te alcançarei o que me pedires. Terás coragem para tanto? Para este sacrifício que te peço? Eu respondi a Nosso Senhor: eu sem Vós nada posso, mas com o vosso auxílio prometo ser fiel ao que me pedis. Disse-me Nosso Senhor: — Eu estarei sempre contigo e, se assim fizeres, aumentarei muito a tua glória no Céu. Uma força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor: — Une-te toda a mim, mete-te no meu Coração que lá te fecharei para sempre. Vive para mim e para me salvar as almas. Eu vou vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a minha » [13]. Desta visita do Senhor à Alexandrina, podemos destacar vários pormenores: primeiramente a maneira amorosa como Jesus se dirige a ela; depois, o pedido que lhe faz para essa noite, seguidamente o pedido de ir para o Cenáculo — não esqueçamos que esse dia é quinta-feira — e de meditar sobre o Sacramento de amor que nesse dia já longínquo Ele instituiu; convida-a ainda a meditar sobre a sua agonia no Jardim das Oliveiras, no beijo traidor de Judas, na sua comparência diante dos tribunais de Anás e de Caifás, e de igual forma no dia seguinte em que foi apresentado a Pilatos; no caminho do Calvário, em toda a sua Paixão, em suma. Depois destes pedidos, uma promessa seguida de duas perguntas acessórias: « Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro dia te alcançarei o que me pedires. Terás coragem para tanto? Para este sacrifício que te peço? » Sem se preocupar com a promessa, Alexandrina, como sempre está pronta a fazer tudo quanto Jesus lhe pede, por isso, sem hesitar ela responde: « Eu sem Vós nada posso, mas com o vosso auxílio prometo ser fiel ao que me pedis ». Como para a serenar, Jesus diz-lhe que sempre estará a seu lado, que sempre a ajudará, prometendo-lhe o Céu como recompensa da aceitação do pedido que lhe faz. Como para lhe dar um antegosto desta promessa, Jesus abraça-a com ternura, como o confirma a Alexandrina: « Uma força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor: — Une-te toda a mim, mete-te no meu Coração que lá te fecharei para sempre. Vive para mim e para me salvar as almas ». Uma vez mais Jesus lhe oferece o seu Coração como abrigo seguro, como um Céu particular e exclusivo, para que aí vivendo ela viva só para Ele e para lhe salvar almas. Terminando o relato que faz ao seu Pai espiritual, ela assegura-o da sua obediência total aos desejos do Senhor: “Eu vou vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a minha”. Para que esta obediência não pareça letra morta, tanto a Nosso Senhor como ao seu Paizinho espiritual, poucas semanas mais tarde ela escreve de novo e afirma: « Eu tinha por costume oferecer todos os dias o meu coração a Nosso Senhor dizendo-lhe assim: ― Ó meu bom Jesus, eu vos ofereço o meu coração neste momento como prova de meu amor para convosco e vos peço que, neste momento, o coloqueis em todos os lugares onde habitais sacramentado. É pobre, muito pobrezinho, mas enriquecei-o com o vosso divino amor e com vossos divinos tesouros. Incendiai-o todo em fortes labaredas de amor e colocai-o muito unidinho a Vós em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde habitais sacramentado a servir de lâmpada amorosa e luminosa para vos alumiar. Prendei o meu coração aos sacrários com grossas cadeias de amor » [14]. Como sempre, ou quase sempre, Jesus vem-lhe falar logo após a comunhão. No dia 6 de Junho de 1935, diz-lhe Ele: — « Ó filha, tu não te cansas de me dizer que habite em ti, e Eu não me canso de em ti viver. E como me hei-de cansar se tu és o meu anjo, a companheira fiel dos meus sacrários! Continua a tua missão que dentro de pouco acabará. Deixa-me que te diga que o teu fim está próximo. Vive nos meus sacrários; pede-me pelos pecadores. O meu Coração está angustiado nos sacrários. Eu chamo-os por todos os modos: infelizes. Estão surdos à minha voz divina, estão cegos à luz do seu Deus. Sofre, minha filha, que os teus sofrimentos e aflições transformar-se-ão, dentro em pouco, em rosas cobertas de pérolas preciosas. Minha filha, à volta de ti é o paraíso. Os anjos, os querubins, e os serafins e a minha Mãe Santíssima. Como Eu sou bem louvado por eles! Queres voltar a vê-los? » [15] “O meu Coração está angustiado nos sacrários”, diz-lhe Jesus. Qual a razão desta angústia senão o abandono em que O deixam os pecadores que se recusam a ouvir a sua divina voz, e preferem fechar os olhos à luz divina que a cada instante os ilumina? Ao mesmo tempo que Jesus lhe fala, ela teve uma visão na qual viu o Céu e uma multidão de Anjos que louvavam a Deus... Mas, deixemos que ela mesma nos conte: « Do meio [dos Anjos] saiam à moda de uns raios dourados e dizia-me Nosso Senhor que era o amor com que eles O amavam, via também à moda de um altar em ponto grande e no meio parecia-me uma pombinha branca. Por cima tinha muitos, muitos anjinhos; estavam em torno sobre a Santíssima Trindade. Passados alguns momentos voltei a vê-los; já os divisava melhor. Eram mais bastos do que moinhos. Parecia que estavam aos montes. Via mais outras coisas, eram os querubins e os serafins »[16]. Alexandrina fica extasiada diante de tanta beleza, diante daquele amor com que os Anjos amam o Senhor. Então Jesus diz-lhe: — « Vê-los? Há-de ir a tua alma para o Céu cercada deles ». Quem recusaria uma tão deliciosa oferta? « Eu disse que sim ao meu Jesus — continua a Alexandrina. Principiei, então, a ver tantas coisas! Um movimento tão grande! Pelo meio tinha tantos, tantos parecia fios dourados entrelaçados uns nos outros! E dizia-me Nosso Senhor: — É o amor em que eles ardem por mim. Sentia um calor tão forte e uma força a abraçar-me! E dizia-me Nosso Senhor: — Amo-te tanto! Faz que eu seja amado que, dentro em pouco, amar-me-ás e contemplar-me-ás para sempre no Céu ». Dois dias mais tarde Jesus volta a falar-lhe e, como sempre, pouco após a comunhão. Alexandrina escreve: « No dia oito, depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor: — Minha filha, queres consolar o meu Coração tão ferido? Queres com a tua reparação curar as minhas chagas tão horrorosamente agravadas? A minha Santíssima Cabeça escorre sangue da coroa de espinhos, como quando pela primeira vez me foi cravada. Tem pena do teu Jesus! Hoje e amanhã vou ser muito ofendido. Pede-me pelos pecadores teus irmãos que andam desregrados e entregues às paixões. Pede-me pelas ovelhas tresmalhadas para que voltem ao meu rebanho. Oh! Tantos vão ser sepultados para sempre no inferno! Derramei por eles todo o meu sangue. Vive unidinha a mim o mais que possas de dia e de noite: oferece-te toda a mim, os teus sofrimentos, sacrifícios e orações. Prostra-te à frente dos meus sacrários; tem mão com a tua reparação nos crimes que vêm sobre mim, que são as pancadas que vêm agravar as minhas chagas e toda a minha paixão. És a esposa da minha Eucaristia, és a rainha do Rei sacramentado. Manda dizer ao teu pai espiritual que é assim que Eu te trato » [17]. Diz-nos o segundo Director espiritual da Alexandrina, o Padre Humberto Pasquale, que os títulos dados por Jesus à Vítima de Balasar são mais de trezentos. Nós não os contámos, mas confiámos no zeloso sacerdote salesiano. Temos aqui dois exemplos claros: “És a esposa da minha Eucaristia”; “És a rainha do Rei sacramentado”. Mas, logo no início da comunicação celeste, Jesus é bem explicito no pedido que faz à Alexandrina, pedido esse feito em modo interrogativo: “Queres consolar o meu Coração tão ferido?” Alexandrina aceita imediatamente consolar o Coração de Jesus e sem demora a ele se consagra, protestando só a Ele pertencer e querer em tudo fazer a sua Santa vontade. No dia dez do mesmo mês, recebida a comunhão, Jesus vem de novo visitar a sua esposa e depois de a convidar a entrar no seu Coração, diz-lhe: — « Filhinha, ó filhinha, ó amor de meu amor! Anda falar um pouco com o teu Jesus, anda aprender na minha escola. Filha, ouve, estou abandonado em tantos sacrários! Manda dizer ao teu pai espiritual que procure saber todos os sacrários do mundo pobres e abandonados e que arranje um número de gente para cada um para me amar, me desagravar, me visitarem em espirito, e mandarem as suas esmolas. Eu estou como o mendigo sujo e esfarrapado: que façam que Eu esteja limpo e asseado » [18]. “Anda aprender na minha escola!” E que lhe vai Jesus ensinar? Se lermos bem a mensagem, não é verdadeiramente a Alexandrina a aluna, mas o Padre Mariano Pinho, visto que Jesus diz: “Manda dizer ao teu pai espiritual que procure saber...”; a “Doentinha de Balasar” não sendo aqui mais do que o “canal” por onde passam os convites ou as ordens... Árduo trabalho é aqui pedido ao bom Jesuíta: procurar saber de todos os sacrários do mundo pobres e abandonados... e, constituir um grupo capaz de em espírito, velar sobre esses mesmos sacrários, para desagravar o Coração de Jesus. E como para justificar uma tal empresa, Jesus diz à sua confidente: “Eu estou como o mendigo sujo e esfarrapado: que façam que Eu esteja limpo e asseado”. Não pensamos que o valoroso sacerdote tenho conseguido esse inventário, o que seria só isso já um milagre, mas estamos persuadidos que o pedido não caiu em terra pedregosa. Efectivamente o Padre Mariano Pinho tinha um importante número de filhos e filhas espirituais e, estamos persuadidos que a todos deverá ter transmitido este pedido de Jesus. As linhas que vêm a seguir lembram o Cântico dos Cânticos e aquelas palavras tão cheias de amor entre o Amado e Esposa. É o dia da festa do Sagrado Coração de Jesus; Ele vem visitar a sua esposa e ensinar-lhe uma pequena oração, oração esta que O consola muito. A Alexandrina escreve: « Renovei a Nosso Senhor algumas coisas que lhe tinha prometido. Ouvi, por fim, a voz de Nosso Senhor: — Minha filha, ó minha querida filha, ó meu lindo amor! Como me consolas com os teus colóquios: és toda minha e Eu sou todo teu. Não há amor como o meu, não há paz como a minha: o mundo não dá paz. Minha filha, vais hoje passar o dia em silêncio muito unidinha a mim em colóquios; rezando assim: « Amo-vos muito Jesus, sou toda vossa, Senhor, sou vossa vítima Jesus ». Oh! Assim consolar-me-ás muito. Hoje, no dia do meu Santíssimo Coração, que dia de graças para os pecadores! Minha filha, manda dizer ao teu pai espiritual que dentro em pouco vais para o Céu e de lá vais ser missionária com ele na terra: que o vais acompanhar em todas as pregações; que vais ser um poderoso e valioso auxílio para o ajudares na salvação das almas. Vou-vos conceder esta graça. Minha filha, manda-lhe dizer, também, que Eu quero que o Santo Padre saiba da minha união contigo e de tudo quanto te tenho dito, sobretudo acerca da minha Eucaristia. Quero que isto seja espalhado pelo mundo; é o único remédio para tantos males » [19]. Jesus quer que a devoção à Eucaristia seja espalhada e promovida no mundo inteiro, para que daí em diante Ele se sinta menos abandonado, menos desprezado pelos pecadores; mas Ele deseja igualmente que o Santo Padre seja informado, de maneira que esta devoção encontre melhor acolhimento e maior eco junto de todos os povos unidos a Pedro. Alexandrina, ela mesma faz na mesma carta um comentário a esta mensagem de Jesus: « Eu era acariciada por Nosso Senhor. Que união a minha! Que paz sentia! Eu só queria que todas as criaturas da terra a experimentassem: certamente que não haveria ninguém tão louco que quisesse voltar a ofender a Jesus. E como Nosso Senhor ficaria contente se não houvesse mais ninguém que o ofendesse! Eu queria sofrer todas as dores que houvesse no mundo e conseguir isto para Jesus. Parecia-me não me poder separar de Nosso Senhor ». Na mesma carta ao Padre Mariano Pinho, Alexandrina conta o que se passou no dia 30 do mês de Junho. Ouçamo-la: « No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Passei algum momento em colóquios com Ele, mas não ouvia a sua divina voz. Contudo, sentia alguma coisa em mim; era a sua divina presença. Por fim, ouvi que me diziam: — Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Eu vou, hoje, ser tão ofendido! Oferece-te a mim, hoje, muitas vezes, mas oferece-te assim: “eu ofereço-me como vítima toda a vós Senhor, mas dum modo particular pelos pecadores que, hoje, mais vos ofendem”. Busco este meio para lhes acudir. Mas para tantos que não há cura, já passam muito além da medida dos pecados. Que aflição para o meu Coração Divino! Ver o meu sangue derramado no meio de tantas dores e de tanta aflição minha filha! Está o inferno cheio de almas que me foram queridas. Infelizes! Deram ouvidos ao mundo e à carne, satisfizeram-se renovando tantas vezes, toda a minha paixão. Desgraçados! Arderão no inferno toda a eternidade. Tive as carícias de Nosso Senhor, que me dizia assim: — Vai filhinha, da minha Eucaristia, prostra-te à frente dos meus sacrários, vive lá e repete-me muitas vezes: “eu vos desagravo e vos consolo, Senhor, das ofensas que recebeis nessas prisões de amor” ». Mais tarde, a 25 de Julho de 1935, Alexandrina sente-se feliz: Jesus continua a visitar a sua alma e a mostrar-se carinhoso para com ela. Ela explica: « Eu sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Tão unida a Ele! Sentia um calor tão forte! E uma força tão grande! Mas era uma força só no interior. E dizia-me Nosso Senhor: — Amo-te tanto minha filha! Mas estou contente contigo porque tu correspondes ao meu amor ».
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