Alexandrina de Balasar |
PremíciasVimos na introdução qual foi a primeira referência que encontrámos nos escritos da Alexandrina sobre o Sagrado Coração de Jesus. A partir daquela época remota, muitas outras coisas se vão passar na vida da jovem camponesa de Balasar. Irá servir para casa de lavradores e trabalhar nos campos, onde trabalha como um homem e por isso mesmo é paga como estes; guardará o gado até altas horas da noite, porque o seu patrão de então vai “divertir-se” na Póvoa. Por volta dos dezasseis anos cairá duma árvore e assim começará a sofrer da coluna, o que foi uma das origens, e não a única, do seu acamamento para sempre; mais tarde, numa Sexta-feira Santa, atirar-se-á pela janela para fugir aos ardores dum homem — seu antigo patrão — que queria atentar à sua pureza e, esta queda foi a origem principal do acamamento de que falámos acima.
Depois, já
aleitada, a jovem de Balasar pensará diversas vezes neste caso estranho e
sentirá saudades daquela época em que podia deslocar-se à igreja
Mas ela mesma nos conta: «Tinha muitas saudades de Jesus, da nossa igreja e, quando havia festas do Sagrado Coração de Jesus ou Missas cantadas, eu chorava amargamente». (Autobiografia) O mal que a atormenta é feroz e ela desejaria ser curada e poder viver como todos as jovens da sua idade. Como isso acabou por lhe parecer impossível, salvo milagre do Senhor, ela acabou por se resignar e pedir a Jesus que a guiasse, que lhe mostrasse o que deveria fazer, o caminho a seguir: «Quando me encontrava sozinha e presa no meu leito, voltava-me para o quadro da entronização do Sagrado Coração de Jesus, pedia-lhe que me libertasse de tal sofrimento, que me desse luz para conhecer o que havia de fazer, enquanto ia chorando muitas lágrimas».(Autobiografia) “Voltava-me para o quadro da entronização do Sagrado Coração de Jesus”, diz-nos ela, o que significa que esta entronização fora feita no lar da família Costa e que tinha sido bem compreendida de toda a família. Assim se pode demonstrar que as recomendações do “Apostolado da Oração”, fundado em França pela Jesuíta Henri Ramière, já eram bem conhecidas e praticadas em Portugal [1]. Mais adiante, na sua Autobiografia, Alexandrina explica-nos como eram as suas orações matinais e, de novo vamos encontrar uma referência ao Sagrado Coração de Jesus, mesmo uma oferta de si mesma. Ouçamo-la: «Pela manhã principiava a fazer as minhas orações, começando pelo sinal da Cruz e logo me lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a Comunhão espiritual e dizendo esta jaculatória: — Sagrado Coração de Jesus, este dia é para Vós. Repetia-a três vezes e depois continuava: — A vossa bênção, Jesus; eu quero ser santa. Ó meu Jesus, abençoai a vossa filhinha que quer ser santa. (...) Depois oferecia as horas do dia assim: “Ofereço-Vos, ó meu Deus, em união…”, Pai-Nosso, Ave-Maria e Glória ao Pai… “Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais…” e o Credo». (Autobiografia). Vemos aqui um simples e humilde acto de entrega ao Sagrado Coração de Jesus, uma oferta de tudo quanto se passaria naquele dia: “Sagrado Coração de Jesus, este dia é para Vós”. Quando a referência na é directa, encontramo-la como nesta oração: — «Ó meu Jesus, vinde ao meu pobre coração. Ah, eu desejo-vos, não tardeis. Vinde enriquecer-me das vossas graças; aumentai-me o vosso santo e divino amor. Uni-me a Vós, escondei-me no vosso sagrado Lado. Não quero outro bem senão a Vós. Só a Vós amo, só a Vós quero, só por Vós suspiro. Dou-Vos graças, Eterno Pai, por me haverdes deixado a Jesus no Santíssimo Sacramento. Dou-Vos graças, meu Jesus, e por último peço-Vos a vossa santa bênção. Seja louvado a cada momento o Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!» (Autobiografia). Já não se trata do “Coração”, mas do Lado, aquele Lado do Senhor que foi trespassado pelo lança e do qual jorraram o Sangue divino e por fim — porque já não havia mais Sangue — a Água, aquela Água que “lava os pecados do mundo”. O grande amor da Alexandrina será Jesus Eucarístico, mas o Jesus que ela muito invoca no princípio da sua vida “predestinada”, é aquele que um dia, mostrando o seu Coração a santa Margarida Maria, lhe disse: «Eis o Coração que tanto amou os homens...» Alexandrina sente uma atracção particular ao Coração do Senhor e, nas suas orações, encontraremos, sob diversas formas, este atractivo que lhe é particular... Dirigindo-se à Mãezinha, ela diz então: «Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a crucificar-me, para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada por crucificar. Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor, consumi-me toda nas chamas do amor de Jesus» (Autobiografia). Outras vezes, não será o Coração ou o Lado, mas todo o Corpo do Senhor, aquele Corpo que sofreu a Paixão e que para sempre vive nos sacrários das nossas igrejas, mesmo se muitas e muitas vezes abandonado. Dirigindo-se uma vez mais a Maria, a sua “Mãezinha” extremosa, Alexandrina pede: « Ó Mãezinha, eu quero formar um rochedo de amor em cada lugar onde Jesus habita sacramentado, para que não haja nada que possa intrometer-se entre o amor e ir ferir o Seu Santíssimo Coração, renovar as Suas Santíssimas Chagas e toda a Sua Santa Paixão. Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos ». (Autobiografia). Encontramos aqui todos os “ingredientes” — perdão pelo termo empregado! — do seu amor sem limites a Jesus: «Jesus sacramentado» — portanto a Eucaristia — «o Seu Santíssimo Coração», as «Chagas» e por fim «toda a Sua Santa Paixão»: o seu Jesus, sob todas as formas como Ele se apresenta a ela, escondido sob as espécies do pão e do vinho; mostrando aquele “Coração que tanto amou os homens”; ou sob a forma do servo tal como o descreve o profeta Isaías: “aos que me feriam, apresentei as espáduas, e as minhas faces aos que me arrancavam a barba: não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam” (Is. 50, 6). A amor da Alexandrina pode dizer-se um amor insatisfeito, um amor que não se contenta de pouco ou de muito: é um amor que aspira sempre mais e mais unir-se ao Ser amado. Isso mesmo podemos deduzir da última frase da sua bela oração a Maria: « Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos ». (Autobiografia). E, como se tivesse medo que a Mãezinha esquecesse o pedido que acabava de lhe fazer, voltando-se para Jesus exclama cheia de fé e de amor a jamais insatisfeito: « Ó meu querido Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o vosso santíssimo Coração. Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa fornalha ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom Jesus, deixai-me toda dentro do vosso santíssimo Coração; deixai-me dar aí o último suspiro, embriagada no vosso divino amor. Não me deixeis separar de Vós na Terra, senão para me tornar a unir a Vós no Céu, por toda a eternidade ». (Autobiografia). Entrar no Coração de Jesus e aí se esconder, aí viver para sempre é o seu desejo mais ardente, assim como lá morrer de amor, daquele amor então satisfeito e completo, porque abrasada nas chamas ardentes e devoradoras do Amor de Deus. E, como lhe parece tal não conseguir sozinha, Alexandrina solicita de novo a ajuda de Maria. Ouçamo-la dirigir-se à Mãezinha: « Ó Mãezinha, abri-me os Vossos santíssimos braços, tomai-me sobre eles, estreitai-me ao Vosso santíssimo Coração, cobri-me com o Vosso manto e aceitai-me como Vossa filha muito amada, muito querida, e consagrai-me toda a Jesus. Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a crucificar-me, para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada por crucificar. Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor, consumi-me toda nas chamas do amor de Jesus » (Autobiografia). A preocupação da Alexandrina é de ser santa, de viver em Jesus, de Jesus e para Jesus, toda ela diluída num amor sem limites mas exclusivo, num amor apaixonado mas puro, num amor ardente mas queimado só nas chamas do Coração divino do seu Amado! Este desejo só poderá ser realizado com uma ajuda celeste: o da Mãezinha, a Mãezinha que ela ama dum amor terno, indizível, cândido e filial. Por isso mesmo, a “Doentinha de Balasar” volta uma vez mais a sua ardente súplica na direcção da Mãe de Deus e nossa Mãe; suplica e pede ajuda: «Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-Lhe que é o filho pródigo que volta a casa do seu bom Pai, disposto a segui-Lo, a amá-Lo, a adorá-Lo, a obedecer-Lhe e a imitá-Lo. Dizei-Lhe que não quero mais ofendê-Lo. Ó Mãezinha, obtende-me uma dor tão grande dos meus pecados, que seja tal o meu arrependimento que eu fique pura, que eu fique um anjo! Pura como fiquei depois do meu Baptismo, para que pela minha pureza mereça a compaixão de Jesus de O receber sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último suspiro» (Autobiografia). Desejo intenso e fervoroso “de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último suspiro”! E assim será: até ao último suspiro ela amará Jesus de todas as suas forças, de todo o seu coração, de toda a sua alma, tanto nas alegrias como nas penas, tanto nos dias serenos como naqueles em que a tempestade soprava em seu coração determinado, mas humilde e puro. Alexandrina, ao escrever a sua Autobiografia recorda o tempo do seu primeiro encontro com aquele que seria o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho e, coisa extraordinária: ela conheceu-o quando este veio à paróquia de Balasar pregar um tríduo... Mais, deixemos que ela mesmo no-lo conte: « Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um tríduo ao Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director espiritual. Não lhe falei nos oferecimentos que fazia ao sacrário, nem nos calores que sentia, nem na força que fazia elevar, nem nas palavras que tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim toda a gente. Só passados dois meses é que lhe falei nas palavras de Jesus e do resto nada disse, porque nada compreendia como coisas de Nosso Senhor ». (Autobiografia). O bom Padre Pinho tinha vindo pregar “um tríduo ao Sagrado Coração de Jesus”... Tinha ela então 29 anos e “nem sabia o que era um Director espiritual”, explicou ela depois. E isso aconteceu porque se festejou o Sagrado Coração de Jesus... no mês de Agosto! Nas visões que teve, aconteceu-lhe também ver o Coração do Senhor, como ela no-lo explica: « Umas vezes, via Jesus como jardineiro a cuidar das florinhas, regando-as, guiando-as, etc.; passeava pelo meio delas, mostrando-me variedade de flores. Noutras vezes, aparecia-me em tamanho natural, mostrando-me o Seu Divino Coração cercado de raios de amor ». (Autobiografia). Esta comparação de Jesus com um jardineiro faz-nos lembrar o que explica santa Teresa de Ávila no seu livro da Vida, no capítulo 17: O Senhor é o Jardineiro da alma e nela planta muitas variedades de flores odoríferas e belas que Ele depois vem colher. Mas a Alexandrina também viu algumas vezes Jesus mostrar-lhe o seu divino Coração “cercado de raios de amor”, como o mesmo aconteceu a santa Faustina Kowalska, sua contemporânea. Um dia, estando só — a mãe e a irmã tinham ido à igreja — Alexandrina vai fazer um acto de completo abando a Jesus: oferece-se como vítima: « Sem saber como — explica ela —, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava » (Autobiografia). Esta acto heróico será repetido por ela muitas vezes, por diferentes causas, como a seguir podemos verificar um exemplo: « Ó Jesus, eu quero ser vítima dos Sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do vosso amor, da minha família, da vossa santíssima Paixão, das Dores da Mãezinha, do vosso Coração, da vossa santa Vontade, a vítima do mundo inteiro! Vítima da paz, vítima da Consagração do mundo à Mãezinha! » (Autobiografia). Nesta curta oração estão patentes diversas intenções, a primeira das quais os sacerdotes. “Lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes”, dirá ela na sua Autobiografia, quando explica a sua estadia na Póvoa, a quando da sua curta escolaridade. “Quando estava sentada à porta da rua — continua ela —, só ou com a minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim”. Mais tarde, será mesmo vítima expiadora por um sacerdote de Lisboa, cuja vida não era nada exemplar. Este, depois do sacrifício da vidente de Balasar, reconciliar-se-á com Deus e morrerá santamente em Fátima, depois duma confissão sincera e reparadora. “Vítima do Vosso Coração”, diz ela mais adiante, depois de ter enumerado outras intenções. Aqui se vê uma vez mais que Jesus, sob o vocábulo de Sagrado Coração lhe está sempre presente no coração e na mente. E por fim, uma intenção muito especial: “Vítima da consagração do mundo à Mãezinha”. Estava-se então em plena Segunda Guerra mundial e Jesus queria que o mundo fosse consagrado à sua Santíssima Mãe: Alexandrina será o « instrumento » dessa consagração que o Papa Pio XII realizará em 1942. Em 1943, de 10 de Junho a 20 de Julho, para obedecer ao Arcebispo de Braga, foi internada no Hospital, "Refúgio de Paralisia Infantil", na Foz do Douro, onde foi observada, pelo Dr. Gomes de Araújo, no respeitante ao “jejum total e anúria”. Esta partida para o Porto, foi para a Alexandrina um grande sacrifício, mas como sempre, obedeceu. Conta ela: « Então começaram as despedidas. Só Nosso Senhor sabe quanto me custou esta separação, pois todos os meus vieram abraçar-me e beijar-me cheios de dor. Eu só olhava para o Sagrado Coração de Jesus e para a querida Mãezinha a pedir-Lhes que me dessem coragem e forças ». (Autobiografia). Uma vez mais encontramos aqui referência ao Sagrado Coração de Jesus: “Eu só olhava para o Sagrado Coração de Jesus”, representado naquela imagem que no seu quarto lembrava a cada instante a entronização efectuada anos antes e a consagração de toda a família Costa ao Sagrado Coração de Jesus, que se tornara o fulcro, o centro, à volta do qual se harmonizavam as orações quotidianas das três mulheres: Maria Ana, a mãe, Deolinda, a irmã e a própria Alexandrina. “Coração de Jesus que tanto nos amais, fazei que vos amemos cada vez mais”. Quantas vezes não terão repetido esta jaculatória! Quantas vezes a terão recitado com as lágrimas nos olhos, naquelas ocasiões de grandes dificuldades em que a família esteve prestes a perder tudo, até mesmo a própria casa! Então outra jaculatória terá igualmente feito parte dessas orações em família: “Sagrado Coração de Jesus, venha a nós o vosso Reino!” E para terminarmos com estas citações que tiramos da sua Autobiografia, recordemos que ela escreveu igualmente uma espécie de “testamento” onde dá indicações, não só sobre a maneira como deverá desenrolar-se o seu enterro, mas também como deseja a sua campa. Ouçamo-la: « Quero que a minha campa seja rodeada de plantas chamadas martírios, para assim mostrar que os amei na vida e os amo depois da morte. A entrelaçar com os martírios quero roseirinhas de trepar, mas daquelas que têm muitos espinhos. Amo e amarei durante a vida os martírios que Jesus me dá e os espinhos que me ferem e amá-los-ei depois da morte e quero-os junto de mim, para mostrar que é com espinhos e com todos os martírios que nos assemelhamos a Jesus, que consolamos o Seu Divino Coração e que salvamos as almas, filhinhas de todo o Seu Sangue. Que maior prova de amor podemos dar a Nosso Senhor senão sofrendo com alegria tudo o que é dor, desprezo e humilhações?! Que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a vida?! » (Autobiografia). A conclusão deste “testamento” é um exemplo mais daquilo que vimos tratando até aqui: a sua devoção e o seu amor para com Jesus na sua invocação de “Sagrado Coração”. Efectivamente, “que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a vida?!” [1] Lembre-se que na Póvoa de Varzim, sede do concelho a que pertence Balasar, desde finais do séc. XIX se estava a construir a Basílica do Sagrado Coração de Jesus e que aí também, ao tempo em que decorrem os acontecimentos que a Alexandrina menciona, já os jesuítas publicavam o Mensageiro do Coração de Jesus
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