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ALEXANDRINA
E A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL


Afonso Rocha

A Justiça e o amor de Deus
Nos “Sentimentos da Alma”

Depois das cartas da boa e humilde Alexandrina de Balasar ao seu Pai espiritual, debrucemo-nos agora sobre o seu Diário, cujo valor não deixa dúvidas, tanto do ponto de vista histórico, como do da teologia. Estes escritos, diga-se de passagem, foram oficialmente analisados por grandes teólogos — a quando do processo em vista da beatificação e canonização da Alexandrina —, que nada neles encontraram contrário nem à fé nem aos ensinamentos da Igreja, o que é uma garantia suplementar de veracidade e mesmo de ensino místico para as gerações futuras.

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Entre a ponte e a água...

Não deve o leitor pensar que só escolhemos os textos “terríveis” que o Senhor dirigiu ao mundo através da Alexandrina. Não queremos nem ser pessimistas, nem alarmistas, visto que ao lado desses vaticínios, outras páginas — e mesmo muitíssimas! — nos mostram um Deus cheio de bondade e de misericórdia; um Jesus que muitas vezes nos faz lembrar o Amado do Cântico dos Cânticos, um Jesus que sabe como ninguém expressar o seu carinho e o seu Amor sem igual.

Mas o assunto tratado aqui exige essas inserções, não impedindo de maneira nenhuma as outras que muitas vezes se encontram no mesmo contexto.

Um dos atributos de Deus que mais devemos guardar em nós é aquele da Misericórdia, porque o Senhor está sempre pronto a perdoar a todo aquele que, com verdadeira contrição lhe pede perdão. Para obter de Deus esta graça, algumas vezes nem é preciso falar: basta que o nosso coração sinta a dor sincera, o arrependimento verdadeiro da falta cometida. Quantas vezes um olhar é mais expressivo do que todas as palavras dum grande livro!

Para exemplificar esta Misericórdia infinita de Deus, recordemos um facto ocorrido com o Santo Cura de Ars, padroeiro dos sacerdotes:

Certo dia veio ter com ele uma paroquiana banhada em lágrimas: o seu marido tinha-se suicidado atirando-se de uma alta ponte abaixo.

O Santo olhou-a com carinho e disse-lhe:

— Minha filha, lembre-se que entre a ponte e a água há uma grande distância!... Vá em paz, o seu marido não está no inferno.

O homem tinha tido tempo de pedir perdão a Deus pelo acto repreensível e irreversível que acabava de praticar.

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Parece-nos aqui útil recordar que o Padre Mariano Pinho, primeiro Director espiritual da Alexandrina foi — é bom também prestar-lhe esta homenagem! — um dos operários mais eficazes para que a consagração do mundo a Maria se realizasse: várias vezes escreveu para Roma, não só para pedir ao Santo Padre essa consagração tão desejada por Jesus, mas também para levar ao conhecimento do Soberano Pontífice os acontecimentos de Balasar.

“Já em plena guerra — escreve ele no seu livro No Calvário de Balasar, cap. 26 —, ainda uma vez escrevemos, a 31.7.41, directamente a Pio XII, narrando tudo o que ultimamente se tinha passado e transmitindo algumas passagens que pareciam verdadeiras profecias a respeito da guerra que estava ardendo.”

Mais adiante veremos como estas intervenções oportunas acabaram por ser ouvidas e postas em prática.

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Portugal e a guerra

Para evitar a entrada de Portugal na guerra, Alexandrina não hesitará em oferecer-se como vítima, em sofrer mais ainda se isso fosse possível, para que a sua pátria não entre no conflito mundial.

Mas, antes de falarmos da divina justiça, falaremos da infinita misericórdia de Deus, do infinito Amor de Jesus.

No diário (Sentimentos da Alma) de 7 de Março de 1942 encontramos este trecho que é um elogio e um encorajamento de Jesus à Alexandrina e a todos aqueles que a rodeiam:

“As trevas atingiram toda a altura da terra ao Céu, esconderam-me o azul do firmamento. E eu tão abandonada, perdida em tanta escuridão: a minha dor era mortal. Ainda sem raiar o dia entrastes vós no meu quarto, baixastes ao meu coração. Passei ainda uns momentos na mesma dor; depois raiou na minha alma o vosso Sol divino, gozei da vossa doce paz e ouvi a vossa divina voz:

— Minha amada, ó minha amada, o meu amor consome-te! Em ti há só oiro finíssimo; o meu fogo divino tudo em ti purifica. Que riqueza em teu coração! Tenho nele toda a consolação e delícias. Deste-me tudo, tudo recebi e guardei. Vim ao jardim da minha esposa, nele colhi muitas flores; guardei todo o seu perfume. É para distribuir às almas: é ele que as atrai para mim. Diz, minha louquinha, ao teu Paizinho, que o é e sê-lo-á sempre; não consenti nem consentirei que to tirem; que lhe mando todo o meu amor e da minha Mãe bendita. Basta, basta a experiência dos homens. O golpe que te foi dado teria sido fatal se eu não velasse por ti, se não te amparasse e cobrisse toda a protecção divina.

Eu quero-o depressa com todo o seu cuidado a par com a tua alma. Diz ao Sr. Doutor que tudo quanto a ti faz, a Mim é feito, em ti o recebo. A recompensa é eterna, dou-lhe todo o meu amor, de ti tudo receberá. Todos os filhinhos dele ficam sob a tua protecção; nenhum deles se perderá; todos terão no Céu um lugar de predilecção. Eu quero-o sempre, sempre vigilante junto da planta que lhe confiei; não poderá viver sem todo o seu cuidado. O fim aproxima-se rápido, toda a glória e triunfo são de Jesus.

Deixei de vos ouvir, meu Amor, e quase logo principiou a sangrar de dor o meu coração. No entanto, a vossa força divina fortaleceu-me; sofro, mas com mais vida. Não quero duvidar das vossas palavras, espero ume resolução firme, espero a transformação completa dos corações humanos. Só o poder de um Deus pode renovar tantos obstáculos. Espero em Vós, meu Jesus: não me deixeis morrer de fome, não deixeis que caia de todo no desalento. Deixai-me todo o amor, toda a confiança, todo o desejo de sofrer por Vós.”

Alguns dias mais tarde, a 13 de Março desse mesmo ano de 1942, Jesus fala-lhe de Portugal, da paz do mundo e dá-lhe a entender que a crucifixão física irá em breve terminar para ela:

“Meu Jesus, ao aproximarem-se para mim os momentos de maior angústia, ouvistes, meu Jesus, a minha voz quase sumida a dizer-Vos que me levásseis para Vós, que já não podia mais? Perdoai-me, meu bom Jesus, perdoai-me, meu Amor. É verdade que o meu desfalecimento era tanto, o meu corpo não tinha forças, não era capaz de mover-me. A vontade queria seguir-Vos, essa estava firme e vós viestes ampará-la, destes-me a vossa vida, fortalecestes-me com a vossa doce voz:

— Minha filha, amada minha, dá a esmola a Jesus que bem poucas vezes te será pedida [1]. Sem ela, morrem de fome os pecadores e milhares cairiam no inferno. Sem ela, Portugal não teria paz e todo o universo não receberia a paz desejada; sem ela não estaria o meu divino Amor em muitos corações, em muitas almas. Coragem! O teu Paizinho ampara-te, auxilia-te com Jesus e a Mãezinha”.

Os sofrimentos da Alexandrina neste período da sua vida de vítima não deverão nunca ser esquecidos, não só porque contribuíram grandemente para a maior glória de Deus e bem de muitas almas, mas também porque lembrá-los é como prestar homenagem e respeitar o desejo da vítima de Balasar, como ela mesma se exprime em 20 de Março de 1942:

“Quero, por todos os caminhos percorridos durante a vida, deixar escrito com o meu sangue o Vosso amor. São caminhos de luta, caminhos de negras trevas; trevas como nunca, abandono como nunca imaginei passar.”

Mais adiante ela acrescenta estas frases de uma encantadora elevação poética:

“Ó como é doce morrer por amor!
Ó como é doce cumprir
a vontade do Senhor!
Jesus,
à medida que se aproxima a crucifixão,
o pavor aumenta,
sinto-me cravada na cruz,
dando de longe a longe um suspiro
até que seja o derradeiro!

A agonia aumenta,
são dados ao meu corp
maus tratos sem piedade.

Ó mundo,
ó mundo que não conheces a dor
nem o amor de Jesus!
Só com ele se abraça a Cruz,
só com ele se caminha para o martírio!”

“Jesus vem beber à tua fonte!...”

Depois deste voo místico, Jesus vem e conforta-a:

“― Minha filha, escuta: é Jesus que se aproxima, vem beber à tua fonte, vem saciar a fome com a tua esmola. É com a tua crucifixão que o mundo recebe paz. Coragem!”

“É com a tua crucifixão que o mundo recebe a paz!”, diz Jesus. Mas esta paz vai tardar a concretizar-se, não só porque o mundo continua nela e no pecado, mas também porque nada ainda foi feito a respeito da consagração desse mesmo mundo pecador ao Coração imaculado de Maria.

Por isso mesmo, mais tarde, nos Sentimentos da Alma, ela escreveu em 26 de Agosto de 1942 — três anos depois do começo da guerra:

Tinha que sofrer, tinha que experimentar o que o Eterno Pai reservava para o mundo culpado, mas sobretudo para Portugal. Sentia tudo em fogo, tudo em ruínas. Eram tais as labaredas que incendiavam Portugal que não deixavam nele pedra sobre pedra, nem se podia descobrir o maior edifício. Com todas as queixas de Nosso Senhor, com todo o peso da justiça divina, fiquei deveras assustadíssima durante dois dias e duas noites. Repetidas vezes todo o meu ser estremecia aterrado de medo. As labaredas continuavam e eu sentia-me no meio de toda esta destruição. Era impossível poder resistir a este sofrimento se ele se prolongasse por muito tempo e se Jesus não tivesse para ele uma atenuante”.

Entretanto, para compensar estes sofrimentos contínuos, Jesus vem, de vez em quando confirmar todo o amor, toda a misericórdia que enchem o seu divino Coração. Não podemos resistir à beleza e encanto desta declaração de amor feita por Jesus à Alexandrina no dia 6 de Junho de 1942:

“— Minha filha, minha filha, Jesus anda como a avezinha que não pode poisar, que não pode descansar. Jesus anda louquinho a pedir amor amor a todos os corações. Que tristeza amar e não ser amado; amar e ser ofendido! Mas ainda bem que a louquinha do amor divino ama-o apaixonadamente, ama-o como Jesus o deseja, ama-o com o amor mais puro e desprendido de tudo o que é terreno; é amor santo, é amor divino. Foi por este amor que Jesus se enlouqueceu pela sua louquinha; é pelo amor da louquinha da Eucaristia que Jesus se apaixona pelas almas que a amam. É por este amor tão puro que Jesus lhe vai dar uma morte de amor, amor, só amor. Jesus está louco de alegria, Jesus está contentíssimo com o Paizinho da sua benjamina querida. São as humilhações por que está a passar que o hão-de glorificar e exaltar. O prémio é grande no Céu e grande será na terra ainda a recompensa. Jesus está louco, louco de alegria com o Sr. Doutor, com o santo cuidado com que ele está a desempenhar tão grande missão. Jesus escolheu-o para velar pela sua crucificada e as almas a quem mais amo. O Coração divino de Jesus está superabundante de graças para derramar sobre todas elas. O mundo, Satanás odeia-as e odiá-las-á. A sua causa é só a soberba e o orgulho: só isso é a razão da sua raiva. Porém Jesus ama-as com sua bendita Mãe, triunfa e vence com elas, e só isso basta”.

O autor poético do Cântico dos Cânticos não escreveu melhor!

“Dou-te tudo para dares à humanidade”

A heroicidade da “Doentinha de Balasar” não deixa indiferente o Coração de Jesus; por isso mesmo, algumas semanas mais tarde — a 2 de Outubro de 1942 — Ele lhe fará uma oferta importante:

“― Dou-te tudo o que é meu para tu tudo dares a toda a humanidade, de quem te nomeio protectora”.

A Alexandrina, que tinha vivido como se ela mesma fosse a humanidade pecadora, recebia agora, como recompensa, o título de “protectora” dessa mesma humanidade, podendo dispor, segundo o desejo do Senhor, dum importante “arsenal” de graças e de bênçãos que lhe poderá distribuir.

Vamos também encontrar um tema que desde 1936 aparece com frequência nos escritos da Alexandrina: a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, agora não só expresso como um desejo, mas como uma urgência imperativa para se obter o fim da guerra que devasta as nações e os povos.

“Passam quase três anos ― escreve o P. Humberto Pasquale. No mundo domina a agitação e a morte. A vítima de Balasar consome-se na imolação.

Estão interrompidas as comunicações entre os estados da Europa, filhos da mesma civilização.

Parece que as trevas sepultaram a terra e que à terra não desçam mais palavras do Céu. Mas o poder de Deus não está subjugado nem vencido.

Por meio da Alexandrina chega um raio de luz, e ela o comunica aos seus íntimos.

Estava-se no mês de Maria: o Senhor fala-lhe finalmente em tom de festa” [2]:

“― Glória, glória, glória a Jesus!

Honra, honra e glória a Maria!

O coração do Papa, o coração de oiro, está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria!

Que grande dia e que alegria para o mundo, pertencer mais que nunca à Mãe de Jesus!

Todo o mundo pertence ao Coração Divino de Jesus; vai pertencer todo ao Coração Imaculado de Maria!” [3]

No dia 29 deste mesmo mês de Maio, Jesus volta a demonstrar o seu contentamento jubiloso: brevemente o mundo será consagrado a Maria; e Jesus rejubila:

“― Ave Maria, Mãe de Jesus!

Honra, glória e triunfo para o seu Imaculado Coração!

Ave Maria, Mãe de Jesus, Mãe de todo o universo!

Quem não quererá pertencer à Mãe de Jesus, à Senhora da Vitória?

O mundo vai ser consagrado todo ao seu Materno Coração!

Guarda, Virgem pura, guarda, Virgem Mãe, em teu Coração Santíssimo, todos os filhos teus!”

Aparição da Mãezinha

Para culminar, poder-se-ia dizer, estas manifestações jubilosas, a “Senhora vestida de Sol” vem visitar a sua filhinha, a esposa do seu bendito Filho. Ouçamos como no-lo relata a Alexandrina:

“Foi então que no dia 9 de Junho de 1942, pelas 13 horas, me apareceu sobre a cama descendo do Céu a figura deslumbrante de Mãezinha que parece se fixou em minha frente um pouco para a minha esquerda. Vestia ricos vestidos brilhantes, de cores variadas, trazia os pés nus, chegou-se a mim para me acariciar e com sua mão direita apontou para o Céu. Parecia comovida com o meu sofrimento a prometer-me a recompensa e a inspirar-me confiança. O trono em que veio era brilhantíssimo como ouro pálido em que o sol projectava os seus mais brilhantes raios. Foi inefável a consolação que me deixou a primeira aparição. Por uns minutos me tem desaparecido para novamente me aparecer, agora mais junto de mim, do lado direito, e pude ver distintamente que agora era o Imaculado Coração de Maria. Também me acariciou como da primeira vez, porém não fez o gesto de apontar o Céu. A sua presença consolou-me profundamente e essa consolação celeste permaneceu na minha alma, que por alguns dias gozou aquele conforto maravilhoso. Este conforto era como que um íman que me elevava para Jesus, sentindo-me então na bem-aventurança.”

Todavia, as “recompensas” celestes não vão aqui limitar-se, como se Jesus quisesse dar a entender à sua vítima que a causa da consagração do mundo tinha alcançado o seu zénite e que breve, muito breve, ela seria uma realidade planetária. Então, Jesus mostra-se à Alexandrina — em 12 de Junho de 1942, dia da festa do Sagrado Coração de Jesus — como se mostrara pouco tempo antes a Santa Faustina Kowalska, vejamos como:

“De tarde, talvez pelas 18 horas solares, eu vi novamente aquele feixe de raios celestes que me haviam visitado e que tanto me aproximavam do Céu. Agora nova elevação, novo conforto e parece que agora me puseram mesmo juntinho à porta do Paraíso, faltando-me apenas bater e entrar! Deixaram-me umas ânsias devoradoras do Céu, que por vezes me custam a suportar. Parecia-me que tinha duas asinhas para voar e força de voar, mas qualquer coisa me estorvava o movimento das asas; uma pressão sem prisão mo tirava, que eu não vencia, e por isso me angustiava. Todavia a impressão de que essa prisão das minhas asas era qualquer coisa de maldade dos homens contra a vontade do meu Amado que suspirava por me receber e por me possuir no seu amor.”

A Consagração, prevista talvez num primeiro tempo para o mês de Maio, não foi feita, certamente por razões políticas... Jesus insistirá então para que se faça o mais rápido possível. É uma dessas insistências que podemos ler no Diário de 3 de Outubro de 1942:

“― Depressa, depressa a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria!

Jesus já não pede, mas sim lembra aos homens os seus divinos desejos. Jesus já não pede, mas indica aos homens os meios, o caminho de salvar a humanidade.

Depressa, depressa, consagre-se o mundo à Rainha dele! Então virá a paz, raiará o sol em toda a humanidade”.

Jesus “já não pede”, Jesus “só lembra... Jesus só lembra, porque Ele sabe que “o coração do Papa, o coração de oiro, está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria”. O que é necessário é que essa consagração se faça rapidamente, por isso Ele insiste: “Depressa, depressa, consagre-se o mundo à Rainha dele!”

Alexandrina ora e sofre, oferece-se para que os desejos do Senhor se realizem, e a guerra acabe.

“Na véspera do solene acto ― é o Padre Humberto Pasquale que escreve ―, feito por Sua Santidade Pio XII em língua portuguesa e ouvido em Fátima, onde se encontravam mais de meio milhão de fiéis, Jesus fala novamente à Alexandrina com expressão de júbilo divino:

«O Céu, o Céu cheio de glória! O Céu cheio de triunfo!” E, a seguir, fiel à promessa feita à Alexandrina em 1937, acrescenta: “Uma coroa encantadora, mais esplêndida que o sol e que as estrelas, está preparada para a louca de Jesus. Jesus é tudo para a sua crucificada. Jesus dá-lhe tudo para receber dela tudo!»” (30-10-1942) [4].

Enfim, a consagração

O grande dia chega enfim!

Em radiomensagem, e em português, o Santo Padre vai realizar uma primeira vez os desejos de Jesus. Eis o texto dessa mensagem que foi o prelúdio da consagração geral que se fará pouco tempo depois:

 

« Veneráveis Irmãos e amados Filhos: [5]

BENEDICITE Deum, caeli, et coram omnibus viventibus confitemini ei, quia fecit vobiscum misericordiam suam” (Tob. 12, 6).

Bendizei ao Deus do céu e glorificai-o no conspecto de todos os viventes, porque E1e usou convosco das suas misericórdias”.

Mais de uma vez neste ano de graças subistes em devota romagem à montanha santa da Fátima, levando convosco os corações de todo o Portugal crente, para aí, nesse oásis embalsamado de fé e piedade, depositardes aos pés da Virgem Padroeira o tributo filial do vosso amor acrisolado, a homenagem da vossa gra­tidão pelos imensos benefícios ultimamente recebidos, a súplica confiada de que se digne continuar o seu patrocínio sobre a vossa Pátria de aquém e de além-mar, e estendê-lo à grande tribulação que atormenta o mundo.

Nós, que, como Pai comum dos fiéis, fazemos Nossas tanto as tristezas como as alegrias de Nossos filhos, com todo o afecto da Nossa alma Nos unimos convosco para louvar e engrandecer ao Senhor, dador de todos os bens; para bendizer e dar graças Àquela por cujas mãos a munificência divina nos comu­nica torrentes de graças.

E tanto mais gostosamente o fazemos, porque vós, com delicadeza filial, quisestes associar nas mesmas solenidades eucarísticas e impetratórias o Jubileu de Nossa Senhora da Fátima e o vigésimo quinto aniversário da Nossa Sagração Episcopal: a Virgem Santa Maria e o Vigário de Cristo na terra, duas devoções profundamente portuguesas e sempre unidas no afecto de Portugal fidelíssimo, desde os primeiros alvores da nacionalidade, desde quando as primeiras terras reconquistadas, núcleo da futura nação, foram consagradas à Mãe de Deus como Terra de Santa Maria, e o reino, apenas constituído, foi posto sob a égide de S. Pedro.

1. Gratidão

O primeiro e maior dever do homem é o da gratidão” (S. Ambrosii: De excessu fratris suit Sat. 1. I. n. 44-Migne PL t. 16 col. 1361).

Nada há tão aceito a Deus, como a alma reconhecida, que dá graças pelos benefícios recebidos” (cfr. S. Ioannis Chrys. Hom. 52 in Gen.-Migne PG t. 54 col. 460). E vós tendes uma grande dívida para com a Virgem, Senhora e Padroeira da vossa Pátria.

Numa hora trágica de trevas e desvairamento, quando a nau do Estado Português, perdido o rumo das suas mais gloriosas tradições, desgarrada pela tormenta anticristã e antinacional, parecia correr a seguro naufrágio, inconsciente dos perigos presentes e mais inconsciente dos futuros, — cuja gravidade aliás nenhuma prudência humana, por clarividente que fosse, podia então prever, — o céu, que via uns e previa outros, interveio piedoso e das trevas brilhou a luz, do caos surgiu a ordem, a tempestade amainou em bonança, e Portugal pôde encontrar e reatar o perdido fio das suas mais belas tradições de Nação fidelíssima, para continuar, — como nos dias em que “na pequena Casa Lusitana” não faltavam “cristãos atrevimentos” para “a lei da vida Eterna dilatar”, (Camões, Os Lusíadas, canto VII, oitavas 3 e 14), — na sua rota de glória de povo cruzado e missionário.

Honra aos beneméritos, que foram instrumento da Providência para tão grande empresa!

Mas primeiro glória, bênção, acção de graças à Virgem Senhora, Rainha e Mãe da sua Terra de S. Maria, que tem salvado mil vezes, que sempre lhe acudiu nas horas trágicas, e que nesta, talvez a mais trágica, o fez tão manifestamente que já em 1934 Nosso Predecessor Pio XI de imortal memória, na Carta Apostólica Ex officiosis litteris, atestava “os extraordinários benefícios com que a Virgem Mãe de Deus acabava de favorecer a vossa Pátria” (Acta Ap. Sedis, a. XXVI., 1934, p. 628). E ainda àquela data não se pensava no Voto de Maio de 1936 contra o perigo vermelho, tão temerosamente próximo e tão inesperadamente conjurado.

Ainda não era um facto a maravilhosa paz de que, apesar de tudo, Portugal continua gozando e que, com todos os sacrifícios que exige, sempre é imensamente menos ruinosa do que essa guerra de extermínio que vai assolando o mundo.

Hoje, que a tantos benefícios acresceram mais estes, hoje que a atmosfera de milagre que bafeja Portugal se desentranha em prodígios físicos e em maiores e mais numerosos prodígios de graças e conversões, e floresce nessa primavera perfumada de vida católica, prometedora dos melhores frutos, hoje com bem mais razão devemos confessar que a Mãe de Deus vos acumulou de benefícios realmente extraordinários; e a vós incumbe o sagrado dever de lhe renderdes infinitas graças.

E vós tendes agradecido durante este ano, bem o sabemos.

Ao céu devem ter sido gratas as homenagens oficiais; mas devem-no ter comovido os sacrifícios das criancinhas, a oração e a penitência sincera dos humildes.

Ao vosso activo estão consignadas nos livros de Deus:

a apoteose da Virgem Nossa Senhora na sua romagem do Santuário da Fátima à Capital do Império, durante as memorandas jornadas de oito a doze de Abril passado, talvez a maior demonstração de fé da história oito vezes secular da vossa Pátria;

a peregrinação nacional de treze de Maio, “jornada heróica de sacrifício”, que, por frios e chuvas e enormes distâncias percorridas a pé, concentrou na Fátima, a orar, a agradecer, a desagravar, centenas de milhares de peregrinos, entre os quais se destaca, cintilante de beleza renovadora, o exemplo da briosa Juventude católica;

as paradas infantis da Cruzada Eucarística, em que as criancinhas tão mimosas de Jesus, com a confiança filial da inocência, podiam protestar à Mãe de Deus que “tinham feito tudo quanto ela pedira: orações, comunhões, sacrifícios.., aos milhares!” e por isso suplicavam: “Nossa Senhora da Fátima, agora é só convosco; dizei ao vosso divino Filho uma só palavra, e o mundo será salvo e Portugal livre e inteiramente do flagelo da guerra”; a preciosa coroa, feita de ouro e pedrarias, e, mais ainda, de puríssimo amor e generosos sacrifícios, que a treze do corrente no Santuário da Fátima oferecestes à vossa augusta Padroeira, como símbolo e monumento perene de eterno reconhecimento.

Estas e outras belíssimas demonstrações de piedade, de que, sob a zelosa actuação do Episcopado, tem sido fértil em todas as dioceses e paróquias este ano jubilar, mostram bem como o fiel povo português reconhece agradecido e quer satisfazer a sua imensa dívida para com a sua celeste Rainha e Mãe.

2. Confiança

A gratidão pelo passado é penhor de confiança para o futuro. “Deus exige de nós que lhe rendamos graças pelos benefícios recebidos”, não porque precise dos nossos agradecimentos, mas “para que estes o provoquem a conceder-nos benefícios ainda maiores” (cfr. S. Ioannis Chrys. Hom. 52 in Gen.-Migne PG t. 54 col. 460). Por isso é justo confiar que também a Mãe de Deus, aceitando o vosso rendimento de graças, não deixará incompleta a sua obra e vos continuará indefectível o patrocínio até hoje dispensado, preservando-vos de mais graves calamidades.

Mas, para que a confiança não seja presumida, é preciso que todos, conscientes das próprias responsabilidades, se esforcem por não desmerecer o singular favor da Virgem Mãe, antes, como bons filhos, agradecidos e amantes, conciliem cada vez mais o seu materno carinho  —  é preciso que, escutando o conselho materno que Ele dava nas bodas de Caná, façamos tudo o que Jesus nos diz (cfr. Io. 2,) e Ele diz a todos que façam penitência, poenitentiam agite (Mat. 4, 17); que emendem a vida e fujam do pecado, que é a causa principal dos grandes castigos com que a Justiça do Eterno penitencia o mundo; que em meio deste mundo materializado e paganizante, em que toda a carne corrompeu os seus caminhos (Gen. 6, 12), sejam o sal e a luz que preserva e ilumina: cultivem esmeradamente a pureza, reflictam nos seus costumes a austeridade santa do Evangelho e desassombradamente e a todo o custo, como protestava a Juventude católica em Fátima, “vivam como católicos sinceros e convictos a cem por cem”! Mais ainda: que, cheios de Cristo, difundam em torno de si ao perto e ao longe o perfume de Cristo, e com a prece assídua, particularmente com o Terço quotidiano, e com os sacrifícios que o zelo generoso inspira, procurem as almas pecadoras a vida da graça e a vida eterna.

Então invocareis confiadamente o Senhor e Ele vos ouvirá; chamareis pela Mãe de Deus e Ela responderá: eis-me aqui! (cfr. Is. 58, 9). Então não vigiará debalde o que defende a cidade, porque o Senhor velará com ele e a defenderá; nem será mal segura a casa reconstruída sobre os alicerces de uma ordem nova, porque o Senhor a cimentará (cfr. Ps. 126, 1-2). Feliz do povo cujo Senhor é Deus, cuja Rainha é a Mãe de Deus. Ela intercederá e Deus abençoará o seu povo com a paz, compêndio de todos os bens: Dominus benedicet populo suo in pace (Ps. 28, II).

3. Súplica

Mas vós não vos desinteressais (quem pode desinteressar-se?) da imensa tragédia que atormenta o mundo. Antes quanto mais assinaladas são as mercês que hoje agradeceis a Nossa Senhora da Fátima, quanto mais segura é a confiança que n’Ela depositais relativamente ao futuro, quanto mais perto de vós a sentis, protegendo-vos com seu manto de luz, tanto mais trágica aparece, pelo contraste, a sorte de tantas nações dilaceradas pela maior calamidade da história.

Temerosa manifestação da Justiça divina! Adoremo-la tremendo; mas não duvidemos da divina Misericórdia, porque o Pai, que está nos céus, não a esquece nem sequer nos dias da sua ira: Cum iratus fueris, misericordiae recordaberis (Hab. 3, 2).

Hoje, que o quarto ano de guerra amanheceu mais sombrio ainda, num sinistro alastrar do conflito, hoje mais que nunca só nos resta a confiança em Deus e, como medianeira perante o trono divino, Aquela que um Nosso Predecessor, no primeiro conflito mundial, mandou invocar como Rainha da Paz.

Invoquemo-la mais uma vez, que só Ela nos pode valer! Ela, cujo Coração materno se comoveu perante as ruínas que se amontoavam na vossa Pátria e tão maravilhosamente a socorreu; Ela que, condoída na previsão desta imensa desventura, com que a Justiça de Deus penitencia o mundo, já de antemão apontava na oração e na penitência o caminho da salvação, Ela não nos há-de negar a sua ternura materna e a eficácia do seu patrocínio.

Rainha do Santíssimo Rosário, auxílio dos cristãos, refúgio do género humano, vencedora de todas as grandes batalhas de Deus! ao vosso trono súplices nos prostramos, seguros de conseguir misericórdia e de encontrar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades, não pelos nossos méritos, de que não presumimos, mas unicamente pela imensa bondade do vosso Coração materno.

A Vós, ao vosso Coração Imaculado, Nós como Pai comum da grande família cristã, como vigário d’Aquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (Mat. 28, 18), e de quem recebemos a solicitude de quantas almas remidas com o Seu sangue povoam o mundo universo, a Vós, ao Vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a santa Igreja, corpo místico do vosso Jesus, que pena e sofre em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de suas próprias iniquidades.

Comovam-Vos tantas ruínas materiais e morais; tantas dores, tantas agonias dos pais, das mães, dos esposos, dos irmãos, das criancinhas inocentes; tantas vidas ceifadas em flor; tantos corpos despedaçados numa horrenda carnificina; tantas almas torturadas e agonizantes, tantas em perigo de se perderem eternamente!

Vós, Mãe de misericórdia, impetrai-nos de Deus a paz! e primeiro as graças que podem num momento converter os humanos corações, as graças que preparam, conciliam, asseguram a paz! Rainha da paz, rogai por nós e dai ao mundo em guerra a paz por que os povos suspiram, a paz na verdade, na justiça, na caridade de Cristo. Dai-lhe a paz das armas e das almas, para que na tranquilidade da ordem se dilate o Reino de Deus.

Estendei a vossa protecção aos infiéis e a quantos jazem ainda nas sombras da morte; dai-lhes a paz e fazei que lhes raie o Sol da verdade, e possam connosco, diante do único Salvador do mundo, repetir: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade! (Lc. 2, 14).

Aos povos pelo erro ou pela discórdia separados, nomeadamente àqueles que Vos professam singular devoção, onde não havia casa que não ostentasse a vossa veneranda ícone (hoje talvez escondida e reservada para melhores dias), dai-lhes a paz e reconduzi-os ao único redil de Cristo, sob o único e verdadeiro Pastor.

Obtende paz e liberdade completa à Igreja Santa de Deus; sustai o dilúvio inundante de neo-paganismo, todo matéria; e fomentai nos fiéis o amor da pureza, a prática da vida cristã e o zelo apostólico, para que o povo dos que servem a Deus, aumente em mérito e em número.

Enfim, como ao Coração do vosso Jesus foram consagrados a Igreja e todo o género humano, para que, colocando n’Ele todas as suas esperanças, lhes fosse sinal e penhor de vitória e salvação (cfr. Litt. Enc. Annum Sacrum: Acta Leonis XIII, vol. 19, pág. 79), assim desde hoje vos sejam perpetuamente consagrados também a Vós e ao vosso Coração Imaculado, ó Mãe nossa, Rainha do Mundo: para que o vosso amor e patrocínio apresse o triunfo do Reino de Deus, e todas as gerações humanas, pacificadas entre si e com Deus, a Vós proclamem bem-aventurada e convosco entoem, de um pólo ao outro da terra, o eterno Magnificat de glória, amor, reconhecimento ao Coração de Jesus, onde só podem encontrar a Verdade, a Vida e a Paz.

Na esperança de que estas Nossas súplicas e votos sejam favoravelmente acolhidos pela divina Bondade, a vós, dilecto Cardeal Patriarca e veneráveis Irmãos, e ao vosso Clero, para que a graça do alto fecunde cada vez mais o vosso zelo; ao Ex.mo Presidente da República, ao ilustre Chefe e aos membros do Governo e mais Autoridades civis, para que o Céu nesta hora singularmente grave e difícil continue a assisti-los na sua actividade em prol do bem comum e da paz; a todos os Nossos amados Filhos de Portugal continental, insular e ultramarino, para que a Virgem Senhora confirme o bem que em vós se há dignado operar; a todos e cada um dos Portugueses, como penhor das graças celestes, damos com todo o amor e carinho paterno, a Bênção Apostólica. »

Assim foi feita portanto a primeira consagração. A segunda virá mais tarde, a 8 de Dezembro do mesmo ano.

As promessas de Jesus vão realizar-se

Todavia, este primeiro “passo” parece ter tocado o Coração amante de Jesus, visto que logo a seguir, em 7 de Novembro — um mês antes da Consagração geral — Alexandrina transcreve o que Jesus lhe diz:

“― Jesus vai fazer que os homens terminem a guerra”.

No dia 5 de Dezembro, três dias antes da Consagração, podemos ler nos Sentimentos da Alma as palavras que Jesus transmite à sua dócil vítima:

“― Dentro em pouco termina a guerra; vão ser dias de glória e de triunfo”.

“A mesma fórmula da consagração —  escreve o Prof. José Ferreira —  será depois repetida, em língua italiana, na Basílica de S. Pedro, no dia 8 de Dezembro seguinte.

Alexandrina soube da notícia imediatamente, por um telegrama que o Padre Pinho lhe enviou de Fátima, onde se encontrava naquele dia juntamente com os Bispos portugueses, com muitos sacerdotes e uma grande multidão de povo. Foi, de facto, um dia muito feliz para ambos”.

Alexandrina rejubila, como é fácil de compreender, mas os tempos de Deus não são os nossos e, a guerra não terminará logo após a Consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria: serão para isso necessários três anos mais de sofrimento e de medo; medo de que Portugal tenha de integrar o círculo infernal que continua a devastar o mundo inteiro, medo de que até o próprio Papa seja vítima da bestialidade germânica, que nada respeita.

No dia 13 de Dezembro, como recompensa pelo seu zelo, amor, sofrimento e empenho na Consagração do mundo a Maria, Alexandrina beneficia duma visão extraordinária. Ela conta:

Na manhãzinha do dia 13, quando estava a rezar à Mãezinha “Ave Maria” com jaculatória por várias intenções, vi a Mãezinha de Fátima em tamanho natural elevada a grande altura, suspensa no ar. Em baixo à volta dela um universo de povo para quem ela se inclinava e olhava com todo o carinho. O meu coração parecia não caber dentro do peito; batia com tanta força! Senti-me atraída para Ela, pareceu-me sair fora de mim e ser transportada para outra região e já não vivia na terra. Não sei o tempo que me demorei lá”.

A mais da visão, podemos constatar que houve também bilocação: Alexandrina encontrou-se em Fátima, junto aos peregrinos, aquele “universo de povo para quem  — a Virgem Maria — se inclinava e olhava com todo o carinho”.

A “Doentinha de Balasar” não pode dizer ter estado em Fátima, porque ela não conhecia Fátima: nunca lá fora. Por isso ela diz apenas que foi “transportada para outra região”, região que evidentemente ela não conhecia, mas que lhe deu a impressão que “já não vivia na terra”. Ir a Fátima é partilhar um pouco do Céu!...

Mas a humanidade continua avessa a arrepiar caminho. A consagração, aos olhos de muitos, parece não ter dado o resultado esperado... O mundo continua em guerra e os homens continuam a ofender o Senhor... Jesus queixa-se, mas as suas palavras já não são tão duras como antes, já não exprimem aquela santa cólera que causava à Alexandrina um grande medo, uma grande aflição.

“Salva comigo Portugal!”

Quase um ano após o acto solene de Pio XII — em 4 de Setembro de 1943 —, Jesus diz à Alexandrina que continua a ter receio que Portugal entre naquela guerra:

“— Filhinha, filhinha, salva a humanidade comigo, salva comigo Portugal! És a esposa mais querida de Jesus, és a filha mais amada do meu santíssimo Coração.

Ó Mãezinha, ó Mãezinha, aceitai as minhas dores, salvai com elas a humanidade, salvai com elas o nosso querido Portugal.

― É salvo, é salvo, é salvo com dor e amor.

Muito obrigada, Mãezinha! Agradecei por mim a Jesus”.

A confidente de Jesus acredita, tem agora a certeza de que Portugal será poupado. Quando pessoas que a visitam duvidam, ela continua firme na sua esperança e a afirmar que Portugal não sofrerá os horrores que no mundo inteiro se verificam: Jesus disse que Portugal seria salvo, isso lhe basta!

A este respeito, o segundo Director espiritual da Alexandrina escreve:

“Depois, à medida que os anúncios de futuros cataclismos se tornavam mais claros e ameaçadores, ofereceu-se como vítima a Deus pela paz do mundo. Mas só a sua oferta não bastava. Naquele tempo, Jesus lamentou-se muitas vezes com a Alexandrina de não encontrar no mundo outras almas vítimas. Infelizmente a guerra começou, e ainda a consagração tardava. Foi então que a Alexandrina, num ímpeto arrojado, quis abrir brecha no Coração de Deus, e, embora não esquecendo o mundo em geral, pediu ao menos a paz para Portugal, e obteve-a” [6].

Mas muitos são aqueles que desejam conhecer os sentimentos da Alexandrina, saber o que ela pensa sobre a guerra.

No seu diário de 9 de Novembro podemos ler a sua resposta a estas repetidas perguntas:

O que penso sobre a guerra e a minha confiança em Deus.

Quando me falam da guerra e do perigo em que Portugal está, sorrio a tudo, pois o meu coração redobra de confiança chegando a dizer a Jesus: Jesus, confio em vós! E digo para quem me fala: Não será tanto assim, Nosso Senhor é de infinita misericórdia! Não é porque nós merecemos mais do que as outras nações. Não têm os pais muitas da vezes as sua predilecções para com um dos seus filhos? Assim acontece com Nosso Senhor”.

Naqueles tempos difíceis, corriam não só más notícias mas também boatos alarmistas. Dizia-se que o Papa tinha sido preso...

No mesmo Diário e com a mesma data, podemos ler:

Chegou-me aos ouvidos de que o Santo Padre tinha sido preso, e eu não me convenci disso, tomei por confusão do povo. Desde pequenina que rezo pelo Santo Padre, mas desde há muito que venho rezando mais, compadecida do muito que ele sofria. Agora que ouço isto, rezo mais. Apoderou-se de mim uma dor tão grande e uma compaixão por ele que por vezes me parecia não resistir. Sentia na minha alma um luto, como quando morre um pai de família que deixa todos os seus filhos órfãos. Os dias foram passando e nesta luta constante não me canso de oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos e por eles peço a paz. Queria aliviá-lo e confortá-lo, libertá-lo de todo o seu sofrimento e não sabia como”.

Carta ao Santo Padre

Mas, pouco depois, Alexandrina soube como fazer para “aliviar e confortar o Santo Padre”. No já citado Diário de 9 de Novembro de 1943, ela dita:

Um dia, depois de comungar, senti um grande desejo de escrever a Sua Santidade. Sem poder resistir a ele, disse para minha irmã: Vou escrever ao Santo Padre. Dá-me a caneta e o papel. E tratei de o fazer, pedindo a Nosso Senhor toda a luz e força e de novo ofereci o sacrifício que fazia. Escrevi o Seguinte:

 

“Santíssimo Padre:

Sei que nestas horas trágicas que passam pela humanidade, depois de Jesus o coração que mais sofre é o de Vossa Santidade. Jesus sofre porque é ofendido, e Vossa Santidade sofre por ver o mundo em guerra, em ódios, em crimes. Ai, quanto sofre também o coração da mais pobre, da mais miserável e indigna das vossas filhas por não livrar o Coração divino de Jesus dos crimes da humanidade, para não ser mais ferido, e por não poder aliviar dor tão dolorosa e profunda que aniquila e trespassa o coração do meu querido Pai espiritual e pai de todo o mundo.

Ó meu querido Paizinho, eu nada valho, eu nada posso, sou pobrezinha e miséria, mas Jesus pode fazer-me forte e poderosa e é com Jesus e com a querida Mãezinha que estou ao lado de Vossa Santidade para com os meus sofrimentos o ajudar a levar tão pesada cruz.

Queria beijar a terra onde Vossa Santidade põe os pés, queria andar de rasto por onde quer que passasse o meu querido Paizinho como sinal da minha dor por o ver sofrer e do meu profundo respeito.

Coragem, coragem, Santíssimo Padre, Jesus não falta, a força vem do Alto, a guerra acaba, a paz reinará entre os homens, mas sempre com dor e sacrifício e o reinado de Vossa Santidade continuará sempre por entre espinhos, mas Jesus nunca faltará com toda a sua graça e amor para o meu querido Paizinho poder subir alegre tão doloroso calvário. Foi ele quem escolheu tão terno filho para pai de tos nós, para nos dar as santas luzes do divino Espírito Santo. É triste o reinado na terra, por causa da malícia dos homens, mas será alegre e glorioso no Céu, como prémio de tanta dor e de tanto amor a Jesus.

Santíssimo Padre, sou uma filha vossa, doente há vinte e seis anos e paralítica há quase dezanove. Esta minha carta representa um enorme sacrifício, pois estou deitada na cama, com o meu pobre corpo trespassado das mais agudas dores, mas é uma prova de amor, santo amor ao meu querido Santo Padre.

Ai meu Pai, se fosse possível eu dizer quanto sofro no corpo e na alma! Que triste e dolorosa tem sido a minha vida! É só alegre com os olhos em Jesus. Pai, meu Pai, dai-me a vossa bênção apostólica, suavizai a minha dor, tende dó de mim e perdoai-me o meu atrevimento. Eu não tomei conselho com ninguém, pois já vai para dois anos que não tenho director. Manda quem pode e obedece quem deve. A bênção, a bênção, meu Pai, e o perdão para o mal escrito, mas eu não sei escrever melhor.

Nunca esqueço Vossa Santidade, nem na terra, menos no Céu. Eu não sei falar para o meu querido Paizinho. Perdão, perdão!

Sou a pobre

Alexandrina Maria da Costa”.

 

Quanta ternura, quanto amor nesta carta despretensiosa!...

Mas os boatos sobre o Chefe da Igreja Católica continuam alarmistas. Mesmo se Alexandrina confia cegamente nas palavras divinas, ela continua a orar e a pedir que nada seja atentado contra a vida do Vigário de Cristo.

“Portugal é livre, não entra em guerra”

Portugal continua a preocupá-la, visto que muitos que a visitam teimam em dizer que o nosso país corre o risco de participar naquela guerra...

Ó meu Jesus — escreve ela no seu diário de 11 de Novembro de 1943 —, libertai o Santo Padre, dai paz ao mundo inteiro, dai, meu Jesus. E Nosso Senhor respondeu-me:

― Sim, sim, minha filha, dou a paz, dou a paz, e em breves dias. Confia, Jesus não te engana.

E depois continuava eu: Ó meu Jesus, meu Jesus, livrai Portugal da guerra! Nós não o merecemos, mas compadecei-vos de nós! Livrais, meu Jesus, livrais Portugal?

― Sim, minha filha, Portugal é livre, não entra em guerra; não tenho eu a crucificada deste calvário ao lado da minha bendita Mãe a sustentar o braço do Eterno Pai?

Passada cerca de uma hora, ouvi dizer que estaríamos entregues aos franceses e mataram o Santo Padre. Ao ouvir esta notícia, senti tão grande dor que o meu coração pareceu estilhaçar-se; fiquei sem poder respirar, sem poder falar e sem poder orar. Com os olhos fitos no Coração de Jesus, dizia com o pensamento: Valei-me, Jesus, valei-me. Mãezinha, não me deixeis vacilar. Oferecia a Nosso Senhor todo o sofrimento para que o Santo Padre fosse libertado, persuadida de que não tinha morrido e que não era verdade o que se dizia do nosso querido Portugal.

Nosso Senhor veio confortar-me dizendo:

― O Santo Padre não morreu! Vive ainda, a sua missão continua.

Repetiu-me por várias vezes muito no íntimo do meu coração:

― Confia, confia; Jesus não te engana!”

O grande efabulador

E como se os efabuladores não chegassem para a atormentar, o rei deles — Satanás — vem também atormentá-la sugerindo e amplificando aquilo que os visitantes afirmavam.

Porém —  escreve ela no mesmo dia —, o demónio, não satisfeito de me ver sofrer sem do meu sofrimento tirar resultado, enraivecido, repetia-me frequentemente:

― Portugal em guerra, Portugal em guerra!

Dizia-me com tanta raiva que me fazia sentir pavor. Figurava-se-me que ouvia tocar vários sinos pelo Santo Padre; qualquer ruído, pareciam-me já peças de artilharia em Portugal”.

Neste mesmo ano de 1943, Alexandrina, para obedecer ao Arcebispo de Braga, foi internada no Refúgio da Paralisia Infantil da Foz, no Porto.

Certo dia, o Doutor Gomes de Araújo, para testá-la, teve uma longa conversa, conversa de que ela mesma nos dá conta na sua Autobiografia:

Querendo tirar-me a confiança em Deus, propôs-me o seguinte: se para salvar os pecadores fosse necessário perder a própria alma, que faria? Eu tinha toda a confiança que no fim de salvar as outras, a minha seria salva também; mas, se no fim perdesse a minha, então, não, pois nem Nosso Senhor seria capaz e pedir uma coisa dessas... E ainda digo mais: prometi a Nosso Senhor os meus olhos, que é o que tenho de mais querido no meu corpo, se isso fosse necessário para converter Hitler, Estaline e todos os outros causadores da guerra”.

Como vemos aqui, a Alexandrina estava pronta a sacrificar-se ainda mais para que a guerra terminasse: ela estava pronta a dar os seus olhos, “que é o que tenho de mais querido no meu corpo”, tendo em vista a conversão do Hitler e do Estaline, assim como “todos os outros causadores da guerra”. Que heroicidade! Que coragem! Que amor capaz de tão inaudito sacrifício!...


[1] Deolinda explicou ao Padre Humberto : “Nosso Senhor deu a entender à Alexandrina que estava para acabar a crucificação física”.
[2] P. Humberto Pasquale, sdb: Alexandrina, cap. 6 – 6° Edição.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho datada de 22 de Maio de 1942.
[4] P. Humberto Maria Pasquale, sdb: Alexandrina; cap. 6 – 6ª Edição.
[5] Texto português e italiano em Osservattore Romano do dia 1 de Novembro de 1942.
[6] P. Humberto Maria Pasquale: Alexandrina, cap. 6 – 6ª Edição.

   

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