A Justiça e o amor de Deus
nas “Cartas ao Padre Pinho”
1
“Escutai: ao passo que Deus se mostra exigente para com os
justos, para com os pecadores não tem senão clemência e doçura”.
(S. João Crisóstomo; 7ª Homilia sobre a conversão)
Estas palavras de S.
João Crisóstomo ilustram perfeitamente o tema que nos fixámos tratar aqui: “A
Alexandrina e a
segunda
guerra mundial”.
Efectivamente, muitos
dos trechos que vamos apresentar poderiam dar de Deus uma imagem de Pai severo e
justiceiro, escondendo um outro aspecto d’Ele que é aquele de Deus-Amor, sempre
“rico em misericórdia”, sempre mais propenso a perdoar do que a castigar.
Isto também nos ensina o mesmo Pai e Doutor da Igreja, quando diz:
“É preciso que tenhamos sempre presente no nosso espírito o
quanto todos os homens são rodeados por tantas manifestações do mesmo amor de
Deus. Se a justiça tivesse precedido a penitência, o universo teria sido
aniquilado.” (S. João Crisóstomo; 7ª Homilia sobre
a conversão)
Muito bem o exprimiu
Monsenhor Mendes do Carmo, aquele sacerdote que assistiu à morte da Alexandrina,
quando diz:
“Os direitos de Deus Infinito são infinitos. Tem direito
infinito à fé dos seus filhos, tem direito infinito ao amor dos seus filhos, tem
direito infinito à obediência dos seus filhos. A violação dum direito é um
crime. Todo o crime, pela sua própria natureza, exige pena, castigo
proporcionado. A violação dum direito infinito é um crime infinito. Um crime
infinito exige uma pena infinita”
.
Para melhor explicitar
o que acima afirma, o mesmo sacerdote diz ainda:
“Subiu Deus ao Inferno do Calvário para que nós, pecadores e
pecadoras, não desçamos ao Calvário do Inferno. Por isso o Amor e a Justiça de
Deus Infinito batem às portas dos corações amantes das Teresas, das Margaridas,
das Alexandrinas, e dalguns santos também, pedindo-lhes que subam ao Calvário
com Ele e com Ele se deixem crucificar, para reparação de tantos crimes e para
que não se condenem eternamente os que O desprezam e crucificam.
Insondável Amor e insondável Justiça que aceitam os
sofrimentos voluntários dos inocentes para não condenarem os culpados. Havendo a
fome do pecado nos apaixonados de si mesmos, há a fome da dor expiatória nos
apaixonados de Deus”
.
O Padre Humberto Maria
Pasquale, sdb, segundo Director espiritual da Alexandrina exprime-se neste mesmo
sentido:
“Deus não salva sem o arrependimento e sem as obras que
aplacam e resgatam. Sob tão justa exigência do Senhor, a alma que livremente se
oferece como vítima apropria-se dos pecados dos outros, pronta a descontar na
alma e no corpo as tremendas consequências da culpa.
Foi isto que a Alexandrina fez.
Deus, querendo poupar a humanidade, preparava-a, havia já
vários anos, para os mais heróicos sacrifícios pela salvação dos pecadores.
A Ela confiava a mensagem da consagração, como meio eficaz
para chamar as nações a voltarem-se para Deus e afastar assim as convulsões
internacionais, causadas sempre, através da história, por paixões desenfreadas.”
Nos “Sentimentos da
Alma”, diário da Alexandrina, encontramos também este tema do amor
misericordioso de Deus, querendo dar-se a todos e a todos receber no seu Coração
«infinitamente amor e
eternamente amor»:
“Vinde a Mim todos os que sofreis e
entrai no meu divino Coração.
Vinde a Mim todos os que ansiais amar-Me e bebei nesta fonte que não se esgota!
Eu sou amor, amor, infinitamente amor e eternamente amor.
Vinde, vinde a Mim Vós todos,
consolai também o meu Coração divino!
Dizei-me continuamente que Me amais e pedi-Me constantemente o meu amor.
O meu divino Coração quer dar-Se,
dar-Se, quer voar para todos os corações.
Minha filha, minha querida filha, faz que Eu seja amado!”
Nas cartas endereçadas
ao Padre Mariano Pinho, sacerdote Jesuíta e primeiro Director espiritual da
Alexandrina, encontramos muitas referências a este trágico período da história
mundial, assim como muitas admoestações — muitas vezes severas — contra a
humanidade pecadora.
Mas, antes de
desenvolvermos esse tema, convém fazer ressaltar um outro que lhe é
estreitamente ligado: Alexandrina e a humanidade.
Quando o Senhor quer
precisar e por isso mesmo pedir a colaboração duma alma no mistério da Redenção,
não o faz dum
momento
para o outro, não porque não possa mas porque quer preparar essa mesma alma para
a missão que lhe vai confiar. Isto mesmo confirma o Padre Humberto Maria
Pasquale na biografia da Alexandrina, onde diz:
“A alma chamada a esta tremenda mas sublime missão ver-se-á
introduzida num mundo novo: um mundo de compreensão da culpa, de ânsias, de amor
ofendido e de dor reparadora; ao mesmo tempo tornar-se-á ela própria um mundo
capaz de recolher em si toda a fealdade e toda a malícia daqueles pelos quais
deve descontar, como se fossem coisas suas”
.
Mais adiante, o mesmo
sacerdote salesiano diz ainda:
“Que o Senhor trabalhava a alma da Alexandrina neste sentido,
descobrimo-lo num colóquio tido com ela: «Pensa só em Mim, já que tão
generosamente te ofereceste como vítima pelos pecadores do mundo. Eu colocarei
em ti como um canal, por onde passarão as graças para as almas, por todos os
géneros de delitos»”.
Em 1935, numa carta
escrita a 10 de janeiro ao seu Director espiritual, a Alexandrina diz o
seguinte:
“Dá-me a impressão que uma onda do mar vem sobre mim. Logo me
inclinei para o lado esquerdo e já me falava Nosso Senhor:
— Anda, minha filha, escuta o teu Jesus. Está no teu coração,
na tua alma, dentro de ti. Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está
contigo. Como Eu te amo! Eu habito em ti e tu nos meus sacrários. Minha filha, o
sofrimento e a cruz são a chave do Céu: Sofri tanto para abrir o Céu à
humanidade e, para tantos, foi inútil. Dizem: quero gozar, não vim ao mundo para
mais nada. Quero satisfazer as minhas paixões. Dizem: não há inferno. Eu morri
por eles e dizem que não me mandaram e contra mim dizem heresias e proferem
blasfémias. Eu, para as salvar, escolho as almas, ponho-lhes sobre os ombros a
cruz e sujeito-me a auxiliá-las e feliz da alma que compreende o valor do
sofrimento. A minha cruz é suave sendo levada por meu amor.
E disse-me Nosso Senhor que se eu sofresse alegre e resignada
por seu amor, todos os sofrimentos que Ele me enviasse, abria o Céu a milhares e
milhares de pecadores. Disse-me também Nosso Senhor, que mandasse dizer a Vª
Revª que nesta quadra eram mais as almas que se perdiam do que as que se
salvavam; que queria guerra aberta contra o pecado da impureza, que era com o
que o inferno estava mais povoado: Disse-me também que tinha pena de me dizer
isto porque sabia o amor que eu tinha às almas.”
Vejamos o que ensina o
grande místico espanhol, S. João da Cruz: o paralelo é surpreendente:
“Ele — o Senhor — expõe-lhe
como foi por meio da árvore da cruz que ela se tornou sua esposa, como debaixo
desta árvore ele a cobriu da sua misericordiosa protecção ao querer morrer por
ela, e a tratou com magnificência, pois usou para a restaurar e resgatar, o
mesmo instrumento que tinha arruinado a natureza humana, a saber, a árvore do
paraíso, que perdeu Eva, nossa primeira mãe (Gn 3,6-7). (...) É sob esta árvore
que o Filho de Deus resgata a natureza humana e se une a ela, e como
consequência, a cada alma. É pelos méritos da sua Paixão que ele lhe comunica a
sua graça e os seus dons.”.
Dois anos mais tarde,
em carta de 23 de Fevereiro de 1939, encontramos estes pedidos prementes de
Jesus e a aceitação incondicional da boa e humilde vítima do Calvário de
Balasar:
“Nosso Senhor não me tem falado: só ontem me disse estas
tristes palavrinhas com paz mas sem nenhuma consolação:
— Ai, ai, como o meu Divino Coração está triste e amargurado.
Compartilha da minha dor. Eu fui tão, oprimido!
Ó meu Jesus, que Vos posso fazer eu mais para o consolar?
— Deixas cair sobre ti todo o peso dos crimes da humanidade?
Principia a Quaresma. Eu não te vou falar só quando estiveres desfalecida, a
parecer-te que estás perdida, que não tens quem te deite a mão. A tua alma
sofrerá horrorosamente. A paixão será dolorosa, serás açoitada com toda a
violência.
Ó meu Jesus, eu sou vossa, esmigalhai o meu corpo, fazei de
mim o que quiserdes.
— Eu, às sextas-feiras falar-te-ei sempre para te ajudar. Diz
ao teu Paizinho que vos amo muito mas que quero que ele te auxilie, que estejam
unidos e que te ajude na tremenda missão que tens de desempenhar num sofrimento
tão horrível.”
O tom estava dado:
aceitando, ela teria muito que sofrer, sofrer para que milhares de almas sejam
salvas.
Na mesma carta, ela
explica ao Padre Pinho o estado da sua alma após ter aceite a proposta de Jesus:
“Ai, meu Paizinho, meu Paizinho, depois disto caiu sobre mim
um peso que se não explica. Era esmagador.”
Alguns dias mais
tarde, em carta de 27 de Fevereiro desse mesmo ano de 1939, ela escreve ainda:
“Sinto o meu corpo como que esmigalhado: mas o coração ainda
muito pior. Sente-se tanto com estes sofrimentos! Estou quase sem descanso
nenhum. Já depois da meia-noite, quando estava num leve sono, veio como que
despertar-me o peso esmagador, que me consome. Suportei-o o melhor que pude e
dizia: “mais, meu Jesus mais: é por amor”. Sempre em profundos abismos, na noite
escura, fui passando as horas a fazer companhia ao meu Jesus Sacramentado. Bem
me parecia que não estava lá: mas estava. Pela manhã comunguei: redobrou o meu
sofrimento. Mais peso ainda me esmagava. A aflição fez-me rolar pela cama.
Parece-me que posso dizer que é um milagre eu não morrer de dor e de medo. Como
eu vejo a minha alma, meu Paizinho, que horror! Como fico assustadinha, meu
Paizinho.! Eu não sei explicar quanto sofro.
Mas o mundo, o mundo, como eu o vejo! Mas todos os horrores e
tristezas são minhas. Tenho que responder por tudo. Meu Jesus compadecei-Vos
desta pobre filhinha.”
Em 7 de Março de 1939,
escrevendo ao seu Paizinho espiritual, ela conta-lhe o estado da sua alma,
quanto sofre, mas também lhe dá conta das palavras de Jesus, palavras estas que
o leitor deverá, ao longo destas páginas, ter sempre em conta, visto que elas
são de suma importância para uma melhor compreensão da missão confiada à
Alexandrina:
“De repente saiu de mim todo o peso, saí daquela noite e como
que uma luz começou a iluminar-me. E falou-me Jesus assim:
— A minha amada está assustadinha. Mas olha minha louquinha;
não é nada, nada contigo; é o estado da alma do pecador. São os horrores do
mundo. Queres salvá-lo?
Sim Jesus, eu quero sofrer tudo contanto que sejais comigo:
sou a Vossa vítima.”
Passados dias, a 9 de
Março, Jesus confirma o que poucos dias antes lhe tinha já dito:
“Hoje quando comunguei, a aflição da minha alma era tanta! O
peso que sentia era tanto que parecia que me arrancava para fora do meu corpo o
coração. Ele batia tão apressadamente e com tanta aflição que quase me chego a
persuadir que não posso mais. Que noite medonha! E Jesus dizia-me:
— É a noite das almas, é o pecado. Tudo isto é teu ou para
melhor entenderes, tens de responder por tudo.
— Ó meu Jesus fazei de mim o que Vos aprouver, mas dai-me
força, se não desfaleço e caio, meu Jesus.”
E para terminar esta
“preparação” da vítima, não podemos de modo algum deixar oculta esta “confissão”
extraordinária que podemos ler na carta que a Alexandrina, no dia 14 de Março
desse mesmo ano, enviou ao Padre Mariano Pinho, seu Paizinho espiritual:
Eu conheço na minha pobreza e na minha profunda miséria que
mereço o esquecimento e o desprezo de todos. Mas o que será de mim sem ter quem
me ajude a levar a minha cruz e me ensine a amar o meu Jesus de todo o coração?
Eu, se isso me fosse possível, dava a minha vida a quem quer que me desse
amor para amar o meu Jesus. Mas era um amor puro e verdadeiro. Um amor que
me incendiasse toda em labaredas de amor.”
Assim, pela sua
aceitação corajosa, Alexandrina “incorporou” o mundo pecador, a humanidade
revoltada contra o seu Criador.
Uma das primeiras,
senão a primeira alusão ao perigo que corre a pobre humanidade, encontramo-la
numa carta datada de 7 de Junho de 1939. Alexandrina explica ao seu Pai
espiritual o estado da sua alma: é uma verdadeira confissão e um autêntico acto
de sincera humildade:
“Eu bem sei — diz ela — que não
caminho só. O meu Jesus não me deixa um só momento, mesmo que eu não sinta.
Confio na sua Divina Palavra. E o meu Paizinho também não me deixa um só
momento, não é verdade? Ai meu Jesus, se assim não fosse o que seria da pobre
Alexandrina. Eu não confio nem posso confiar em
mim. Como eu temo a mim mesma. Que medo. Vejo-me rodeada e coberta de todas as
misérias; vivo numa incerteza. Parece-me que não adianto nada na virtude nem no
amor a Nosso Senhor, antes pelo contrário, que me vou atrasando cada vez mais.
Será assim como me parece? O meu Paizinho compreende-me bem, não o engano?
Acredite-me, por caridade, que eu não o quero enganar. Tenho ardentes desejos
que o meu Paizinho me conheça bem. Se eu pudesse desenganar todas as pessoas que
se confundem comigo! Julgam-me uma e sou outra. Como eu tenho pena. Se eu
soubesse desenganá-los, dizer-lhes a podridão que tenho em mim, o abismo de
misérias em que estou caída! Que nada, que nada, e julgam-me alguma coisa. Se o
mundo me conhecesse, fugia espavorido e horrorizado.
Alexandrina continua e
dá conta das palavras que Jesus lhe diz:
O meu Jesus faz-me sofrer muito sempre que o recebo. Hoje,
fiquei no estado de morta e Ele também. Por algum tempo não me deu palavra; mas
eu estava muito aflita. Depois disse-me:
— Ó atrevida, tu afliges-te por te sentires como morta e
atreves-te a matar a alma com os teus crimes, com a gravidade da tua malícia? O
mundo está morto, está enlutado.
O meu coração estava tão aflito que parecia-me que me
levantava as costelas para poder palpitar. Mas não tinha ninguém que se
condoesse de mim, da minha morte, do meu luto.”
Aqui está uma das
primeiras alusões em que Alexandrina é implicitamente comparada à humanidade.
Efectivamente, quando Jesus diz: “Ó atrevida, tu afliges-te por te sentires
como morta”, poderia ser traduzido por “Ó humanidade, tu afliges-te por
te sentires como morta”, o que se confirma com a frase seguinte onde Jesus
diz: “O mundo está morto, está enlutado”.
Esta situação vai
durar muito tempo, durante ele a Alexandrina vai “encarnar” a humanidade
e sofrer as consequências desta delicada e difícil “encarnação”.
A “Doentinha de
Balasar” tudo aceita com humildade e coragem. Por isso mesmo, depois de ouvir
esta severa reprimenda do Senhor, ela grita logo, cheia de fé, de amor et de
santa humildade:
“— Ó meu Jesus, eu não me aflige o sofrimento, bem sabeis que
a minha maior aflição é ver-Vos ofendido, desgostado. Não, não, meu Jesus, não
quero. Mandai-me tudo, mandai-me o sofrimento mais horroroso; eu quero sofrer a
dor, eu quero sofrer a morte, para dar vida ás almas, para tirar o luto do
mundo. E o Vosso Divino Coração, meu Jesus, sempre consolado e amado.
Ouvi, meu Jesus, ouvi meu encanto, o brado da vossa filhinha
mais indigna. Eu quero ser esmagada mas quero amar-Vos. Eu quero dar até à
última gota mas quero ver todas as almas, todos os corações a arder num só amor,
como se fora um só. Meu Senhor e meu Deus aqui me tendes para tudo. Não poupeis
este miserável corpo à dor, ao sofrimento, alegrai-Vos, consolai-Vos e perdoai
às almas.
No dia 8 de Junho
Jesus volta a falar à humanidade “encarnada” na Alexandrina, com palavras duras,
com ameaças não dissimuladas:
“No fim de receber o meu Jesus, fiquei sepultada numa noite
escuríssima. O coração tornou-se-me tão grande e tão duro e escuro, parecia-me
um rochedo do mar: e debaixo de mim estava um medonho abismo. Nosso Senhor
dizia-me:
— Miserável, desgraçada, estás à boca do inferno para te
engolir. Maldita, é a tua sepultura eterna. Não bastam os tormentos do inferno
por toda a eternidade para castigar os teus crimes. Não temes as ameaças, não te
moves à penitência.
Eu nada temia, estava sempre na minha dureza e não tinha quem
se compadecesse da minha dor: a minha morte não causava dó a ninguém. Mas Nosso
Senhor gritava:
— Vingança, vingança!
O peso que sobre mim caía deixava-me esmagadinha; todos os
nervos parece que se me encrespavam. Nosso Senhor com uma foice deixava-me
retalhada. Era grande, mas muito grande a minha aflição.”
É facilmente
compreensível a aflição ressentida pela vítima inocente que revestida do manto
da humanidade pecadora sofria a cólera divina!
A Alexandrina, na
mesma carta faz este comentário ao seu Pai espiritual:
“Não tinha palavras para dizer a Jesus. Como há-de ser
terrível ver Nosso Senhor na realidade a lavrar a sentença às almas que se
condenam.”
Vem a seguir esta
“confissão” surpreendente, mas lógica, porque Alexandrina é a humanidade:
“Ó meu Paizinho, parece-me que todas as misérias são minhas;
que as palavras de Nosso Senhor são para mim. Como eu me vejo coberta de
imundícies! Não há ninguém tão miserável e tão nada como eu.”
Depois, com a
humildade que lhe é natural e o fervor que nunca a abandona, dirigindo-se a
Jesus ela diz:
— Ó meu Jesus, sou toda Vossa, sempre a bolinha nas Vossas
Divinas Mãos. Brincai, Jesus, seja qual for o Vosso jogo, eu aceito tudo. Sei
que ainda que me esmigalheis, tendes poder para fazer de novo a Vossa bolinha
num momento. De repente tudo transformais; nada temo com Vós; se Vos possuo,
possuo tudo, como Vós tenho a força divina em mim. Jesus, tende dó das almas:
tomai este pobre corpo para vítima, desagravai-Vos, dai-me, dai-me sofrimentos
sem fim, para que entretido comigo a fazer-me sofrer, possais esquecer os
pecados do mundo. Jesus, dai-me amor; Jesus, fazei que eu Vos faça amado.
O dia 9 de Junho de
1939 era sexta-feira, dia em que a Alexandrina vivia a Paixão. Na carta que
então envia ao seu Director espiritual, ela começa mesmo por dizer-lhe: “Hoje é
o meu dia...” Depois, dá-lhe conta das palavras que ouviu de Jesus e que, como
nestes últimos dias, são duras admoestações à humanidade que a Alexandrina
representa:
“O meu Jesus está tão queixoso! Parece mesmo que é só comigo.
Hoje, dali a alguns minutos que veio ao meu coração, principiou a dizer-me:
— Ingrata, infame, cruel! És o meu algoz! Não basta o quanto
sofri já por ti; ainda momento a momento, milhões de vezes sem conta renovas a
minha paixão, a minha morte. Vê o quanto sofre o meu Divino Coração. Basta,
basta, basta! Tem dó de mim.
Com que ternura, com que tristeza, o meu Jesus pronunciava
estas palavras. Mas eu não tinha pena, não tinha dó. Sentia o meu coração tão
duro, tão duro; era uma verdadeira pedra, mas pedra que não há nada que a
desfaça.”
Comentar este trecho
parece coisa inútil, visto que Ele fala tão claro ao nosso coração, como falou
ao da Alexandrina, mesmo se ela diz que “não tinha pena, não tinha dó”.
Somente, é necessário notar que esta frase é dita pela humanidade e não pela
Alexandrina.
Algumas linhas mais
adiante ela confessará:
“Agora é que eu sinto a dor de me não ter compadecido do meu
Jesus, mas eu já que mais não podia, nem sabia dizer, prostrei-me com toda a
humildade diante a Sua Santíssima presença e disse-Lhe:
— Meu Senhor e meu Deus sou a Vossa vítima, meu Jesus,
misericórdia!”
Na mesma carta, vem um
momento de acalmia, acalmia essa que precede o momento crucial da Paixão vivida.
Jesus vem e diz-lhe, como para a preparar para os sofrimentos que não serão
poucos:
“— Minha louquinha, minha louquinha, vem cá dar-me a esmola:
sou um mendigo tão necessitado! Se percorresses o mundo não encontravas outro
assim. Dá-ma, preciso tanto! E a tua esmola é de maior valor, de maior
merecimento. Toma coragem! O teu Paizinho é um louquinho por auxiliar-te, estará
a teu lado: e Jesus, outro louquinho por ti, não te pode abandonar.”
Saber que Jesus estará
sempre a seu lado e que o seu Pai espiritual a não abandonará nunca, mesmo se
distante, é para Alexandrina como um bálsamo suave, um encorajamento que a
dinamiza.
A carta prossegue com
o momento da agonia:
“No Horto — escreve ela —, por
uma vez, também me pediu coragem quando o peso esmagador caiu sobe mim: e
dizia-me:
— É o peso da Justiça Divina; também caiu sobre mim que era o
fiador da humanidade assim como tu és agora também. Esta vingança não é contigo.
Tem coragem! Eu sou como o anjo confortante.
Na flagelação disse-me:
— Coragem, o amor é a base do teu sofrer, tem confiança!
Alguns dias depois, na
carta enviada ao Padre Pinho em 13 de Junho de 1939; Alexandrina explica o que
sentiu e ouviu. A
alusão
ao flagelo mundial que breve vai desencadear-se é clara:
“De repente — escreve ela — pareceu-me ouvir o toque
duma trombeta e ouvi Nosso Senhor então dizer-me:
— Ó Justiça, ó Justiça Divina! O mundo está em cima dum
vulcão de fogo o qual só falta dum momento para outro abrir-se e incendiá-lo.
Vingança, vingança dum Deus que já não o pode suportar mais! Desgraçado, não
ouves a voz que te chama! Maldita, maldita!”
Mas logo Jesus nos dá
a “receita” para evitar que esse mesmo vulcão se abra e incendei o mundo:
“Disse-me Nosso Senhor ― continua
a Alexandrina ― em tom mais brando, mais ainda muito severo:
— A trombeta que te chama é a voz da minha Igreja e dos meus
discípulos a convidar-te à oração, à penitência.”
As expressões que
Jesus empregou na mensagem são suficientemente claras; aquilo mesmo irá
acontecer em breve a este mundo que estava então “em cima dum vulcão de fogo”
que podia “dum momento para o outro abrir-se”, deitando cá para fora lava
que tudo queima por onde passa.
A “trombeta” não foi
ouvida, em vão soou, e os povos, sobretudo os cristãos, não ouviram o convite de
Jesus: nem oraram nem fizeram penitência, por isso mesmo, porque foram surdos,
irão sofrer como nunca sofreu provavelmente mundo inteiro desde o Dilúvio.
“O orgulho incha-o — diz Santo
António de Lisboa, num dos seus sermões —, a ambição leva-o para lá dos seus
limites, a tristeza cobre-o de nuvens, os pensamentos vãos lançam nele a
perturbação, a luxúria e a gula fazem-no espumar”.
A entrada do ditador
germânico na Polónia foi o rastilho que originou a chuva de fogo que em breve ia
abrasar toda a
Europa e uma grande parte do mundo.
Mas aqui podemos abrir
um parênteses que nos parece de suma importância:
Quando a Alexandrina
recebeu estas mensagens, os meios de comunicação não eram o que hoje são; por
isso mesmo estas divinas comunicações não poderiam nunca ir mais longe do que o
pequeno Portugal, do que o escritório do bom e santo Jesuíta, o Padre Mariano
Pinho que lendo-os podia comunicá-los aos seus Superiores e pouco mais.
Uma pergunta — ansiosa
esta! — torna-se quase obrigatória: “E se essas mesmas mensagens nos eram
destinadas a nós, nós que agora as podemos ler e divulgar, a nós que vivemos já
no século XXI?”
Só Deus o sabe!
Façamos-Lhe confiança e oremos!
Na carta do dia
seguinte — 14 de Junho de 1939 — Alexandrina diz ainda:
“Nosso Senhor dizia-me:
— A terra move-se e dá urros, o vulcão incendeia-se, ficas
num braseiro do qual passarás ao inferno. Justiça, justiça de Deus cai sobre a
terra pecadora e criminosa! Acorda, acorda, maldita, do sono mortal que te
precipita no inferno!”
Alexandrina acrescenta
logo a seguir:
“Nosso Senhor dizia isto com voz altiva, parecia falar do
alto do Céu. Eu conhecia bem que não havia nada superior a Ele; que era Ele quem
tinha todo o poder. Mas eu morta estava e morta fiquei. Sentia mesmo a frieza da
morte. Não tive palavras para dizer a Jesus.”
Para uma melhor
compreensão dos trechos que se seguem, é aqui necessário lembrar que a
Alexandrina de Balasar, como vítima, está nesta ocasião como transformada na
humanidade inteira; representa-a de uma maneira muito particular aos olhos de
Deus, e por isso mesmo o Senhor a ameaça e lhe “pede contas”.
É bem clara aqui essa
representação, porque Jesus lhe diz, como se se dirigisse à humanidade:
“ficas num braseiro do qual passarás ao inferno”.
Veremos esta situação
particular repetir-se várias vezes, como foi o caso no dia 15 de Junho de 1939,
como Alexandrina conta na carta que nesse dia escreveu ao seu “Paizinho”
espiritual:
“Hoje, alguns momentos depois de O receber, dizia-me:
— Basta! A tua maldade é vergonhosa, é nojenta. Para onde
corres nesta marcha tão apressadíssima? Para o inferno? Maldita: ele espera-te
de portas abertas! Arrepia caminho, é esse que trilhas na corrida desabrida às
paixões, que te conduz lá. Olha quanto sofre o meu coração! Se não temes o
inferno com todos os tormentos para castigar a humanidade, que te comova o meu
amor!
As palavras de Nosso Senhor causam-me muita, muita aflição”.
Compreende-se que as
palavras de Jesus tenham causado à boa Alexandrina “muita aflição”, a ela
que há-de vir a ser proclamada “Mãe da humanidade”.
Na verdade, quando se
sofre por amor de Deus, para a salvação das almas, ouvir dizer: “A tua
maldade é vergonhosa, é nojenta... Maldita... arrepia caminho... se não temes o
inferno com todos os tormentos para castigar a humanidade, que te comova o meu
amor!...” poderia resfriar a fé, causar a ruptura entre o ser criado e o seu
Criador. Mas isso nunca acontecerá, visto que Alexandrina sabia bem que nessas
ocasiões Jesus se dirigia à humanidade que ela representava e não a ela,
“Doentinha de Balasar”, alma-vítima livremente entregue ao bom querer de
Deus.
Isso mesmo confirma
ela nessa carta:
“— Que será de mim, meu Jesus? Seja o que Vos quiserdes, meu
amor; eu aceito tudo de boa vontade e alegremente. Antes a morte mil vezes, meu
Jesus, do que eu negar-Vos alguma coisa.”
Mais adiante, na mesma
missiva, não só ela explica a situação, mas dá conta das outras palavras que o
Senhor lhe dirige,
palavras
destinadas à humanidade inteira:
“É sempre nos momentos mais dolorosos — escreve
ela — que mais ao vivo sinto a morte, que o meu Jesus me fala com severidade.
Hoje, alguns momentos depois de O receber dizia-me:
— Basta! A tua maldade é vergonhosa, é nojenta. Para onde
corres nesta marcha tão apressadíssima? Para o inferno? Maldita: ele espera-te
de portas abertas. Arrepia caminho, é esse que trilhas na corrida desabrida às
paixões, que te conduz lá. Olha quanto sofre o meu coração! Se não temes o
inferno com todos os tormentos para castigar a humanidade, que te comova o meu
amor.
As palavras de Nosso Senhor causam-me muita, muita aflição.”
Mesmo se as ameaças
ouvidas lhe causam aflição, mesmo se ela não sabe explicar o que sente, pois
sente não temer Jesus, ficando como morta, Alexandrina não deixa nem de amar nem
de se oferecer generosamente:
“— Ó meu Jesus, eu corro para os Vossos Santíssimos braços,
seja o Vosso Santíssimo Coração a porta aberta que me espera, a mim e a todas as
almas. Fechai-nos lá para sempre; seja o Vosso Divino Amor os tormentos que me
esperam. Castigai-me com amor, meu Jesus, e seja esse o castigo que mandais ao
mundo: amor para queimar os corações e as almas.”
Na mesma carta,
Alexandrina diz ainda, antes de viver a Paixão:
“Nosso Senhor dizia-me:
— Em que montão de ruínas vai ficar o mundo! É por causa da
gravidade da tua maldade. Converte-te: arrepia caminho: Eu to peço no dia do meu
Divino Coração!
Ó justiça, ou vingança de um Deus! Converte-te, peço-te
contas de tudo!
O peso da Justiça Divina caiu sobre mim”.
A ameaça é clara, tal
como é clara a causa dessa cólera do Senhor: “Em que montão de ruínas vai
ficar o mundo!”
Ouvimos um sacerdote
dizer que estas frases não eram possíveis na boca de Deus, porque “Deus é Amor”.
É verdade,
efectivamente que “Deus é amor”, mas também é verdade dizer que Deus é justo,
porque, se assim não fosse, não seria Deus.
Da mesma maneira que o
amor é inseparável do sofrimento, ele também o é da justiça.
De todo aquele que diz
amar e que não aceita o mínimo sofrimento por aquele que ama pode dizer-se que o
seu amor é vão, fingido, e por isso mesmo interesseiro. De igual modo aquele que
diz amar e que não é capaz de perdoar o mínimo deslize da pessoa amada não só
não ama, mas também não é justo, porque é egoísta, esquecendo que também ele
pode falhar um dia ou outro e que nessa ocasião seria feliz se contasse com o
perdão de quem ama.
Uma prova da bondade,
do amor e da misericórdia de Deus Justiça, é-nos dada na mesma carta, logo a
seguir ao trecho que acima lemos:
“Antes de principiar a paixão o meu Jesus confortou-me um
bocadinho. Bateu ao meu coração e disse-me:
— Alexandrina, minha crucificada, vem ao mendigo que está à
porta: vem dar-Lhe a esmola de tanto valor. Dá-ma, não me negues. Não me
contentam todas as outras esmolas se não me deres a tua: só a tua me satisfaz.
— Entrai, entrai meu Jesus, e tomai tudo que Vos agradar e
despachai-Vos.
— Não temas, meu encanto, terás todas as forças.”
E, como se o Senhor
sentisse o desejo de justificar a situação em que se encontra a sua vítima, Ele
explica-lhe:
“— Estás a fazer as minhas vezes: também sobre mim vinha tudo
isto. Tem coragem, é a Obra Divina que te dá a força, que te move, que faz tudo
isto.
Eu via-me num abismo tão grande — explica
Alexandrina —, tão cheio de imundícies, parecia-me que havia ali todas as
misérias e eram minhas. Nosso Senhor dizia-me:
— Assim como Eu é fiadora: também Eu estava nesse abismo,
coberto com todas as misérias!
E Nosso Senhor dizia-me:
— Coragem: É para fazer o último pedido ao Papa que te faço
assim sofrer.”
Muitos há que não
compreendem que Jesus possa ameaçar, possa anunciar castigos, Ele que é Amor e
Misericórdia. É esquecer que os livros Santos, a Bíblia, contém muitas dessas
admoestações, muitas dessas “santas” cóleras do Pai, tais como os oráculos de
Jesus sobre a queda de Jerusalém e o fim dos tempos...
Tendo saído do templo, Jesus ia-se embora,
quando os seus discípulos se aproximaram dele para lhe mostrar as construções do
templo.
Mas Ele disse-lhes: «Vedes tudo isto? Em
verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra: tudo será destruído.»
Estando Jesus sentado no Monte das
Oliveiras, os discípulos aproximaram-se e perguntaram-lhe em particular:
«Diz-nos quando acontecerá tudo isto e qual o sinal da tua vinda e do fim do
mundo.»
Jesus respondeu-lhes: «Tomai cuidado para
que ninguém vos desencaminhe. Porque virão muitos em meu nome, dizendo: 'Sou eu
o Messias.' E hão-de enganar muita gente. Ouvireis falar de guerras e de rumores
de guerras, mas não vos assusteis. Isso tem de acontecer, mas ainda não será o
fim. Há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino, e haverá fomes,
pestes e terramotos em vários sítios. Tudo isto será apenas o princípio das
dores.»
«Então, irão entregar-vos à tortura e à
morte e, por causa do meu nome, todos os povos irão odiar-vos. Nessa altura,
muitos sucumbirão e hão-de trair-se e odiar-se uns aos outros. Surgirão muitos
falsos profetas, que hão-de enganar a muitos. E, porque se multiplicará a
iniquidade, vai resfriar o amor de muitos; mas aquele que se mantiver firme até
ao fim será salvo. Este Evangelho do Reino será proclamado em todo o mundo, para
se dar testemunho diante de todos os povos. E então virá o fim.»
«Por isso, quando virdes a abominação da
desolação, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo, — o que lê,
entenda — então, os que se encontrarem na Judeia fujam para os montes; aquele
que estiver no terraço não desça para tirar as coisas de sua casa; e o que se
encontrar no campo não volte atrás para buscar a capa. Ai das que estiverem
grávidas e das que andarem amamentando nesses dias! Rezai para que a vossa fuga
não se verifique no Inverno ou em dia de sábado, pois nessa altura a aflição
será tão grande como nunca se viu desde o princípio do mundo até ao presente,
nem jamais se verá. E, se não fossem abreviados esses dias, criatura alguma se
poderia salvar; mas, por causa dos eleitos, esses dias serão reduzidos.» (Mt.
24, 1-22)
Mas Aquele Jesus que
falava à Alexandrina e que a ameaçava por causa dos pecados da humanidade que
ela representava, não se esquecia que ela era também a sua esposa, o seu
encanto, o motivo de tantas “doçuras” representadas por tantos e tão grandes
sofrimentos por amor d’Ele e das almas. Por isso mesmo, entre ralhos e
silêncios, vinham momentos “amorosos”, como oásis no deserto, durante os quais
Jesus se mostra a ela cheio de carinho e de ternura, mesmo se em preâmbulos ou
anúncios de novos sofrimentos. Na carta dirigida ao Padre Mariano Pinho em 19 de
Junho de 1939, podemos ler:
“Meu Paizinho, as últimas horas da tarde de ontem e até à
meia-noite passaram alegremente. Muita coragem, apetecia-me cantar, e cantei
alguma coisa não alto porque não tinha força. Depois das 11 da noite
levantei-me, fui para a janela ver o meu Jesus, e disse-lhe muitas coisinhas,
fiz-Lhe muitos pedidos. Voltei para a cama, claro está, com a força de Nosso
Senhor: e muito humilhada pronunciei estas palavras:
— Ó meu Jesus, quem sois Vós e quem sou eu?
E Nosso Senhor disse-me:
— Queres saber quem Eu sou? Sou Jesus, o louquinho de
Alexandrina. Amo-te tanto e ao teu Paizinho! Diz-lhe que o amo muito, se vos não
amasse, não vos dava esta prova tão clara; ter-te-ia tido em sofrimento porque
me consola muito, mas também me consolou e desagravou muito a tua oração, a tua
prece, os teus pedidos. Vem descansar para os meus braços, para tomares forças,
para poderes levar a tua cruz, o teu doloríssimo sofrimento.
Durante este tempo, Nosso Senhor, por duas vezes me abraçou e
me acariciou tanto que me parecia morrer de gozo.”
Depois destes momentos
deleitosos, vinham de novo os momentos trágicos, momentos durante os quais Jesus
falava de maneira muito dura à humanidade que continuava a ofendê-Lo gravemente.
Eis o que ela escreve ao seu Pai espiritual em carta de 20 de Junho de 1939:
“Mas que monstro eu era! — Escreve ela — Que dureza!
Nada me movia: sentia-me morta, bem morta. Rolei de repente com a aflição e
Jesus dizia-me:
— Hás-de ser esmagada pela Justiça Divina como foi Satanás
pela minha Mãe Santíssima!
Eu parecia-me que sentia Nosso Senhor a esmagar-me com os
seus Santíssimos pés, e dizia-me:
— Que vida horrorosa; mas mais horrorosa será a da
eternidade, a vida dos condenados. Acorda, adormeceste no pecado; morreste no
pecado, levanta-te, ressuscita! Olha a voz que te chama: sai desse abismo de
imundícies, de misérias, de crimes em que tu mesmo te sepultaste!”
O monstro de que fala
Alexandrina não era ela mesma, mas a humanidade que ela representava; por isso,
ela sentia a dureza, o desrespeito obstinado da humanidade que à oração preferia
os prazeres e os mais baixos desvarios, que à penitência preferia as festas e os
bailes, os grandes jantares onde a gula se tornava rainha: preferia Satanás a
Deus. Eis porque a pobre Alexandrina se sentia morta e, mesmo morta, ameaçada de
ser calcada, “esmagada pela divina Justiça, como foi Satanás” calcado e
esmagado pelos pés benditos da Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe.
O mundo está perdido
e, porque está perdido, não ouve, não crê na voz do Senhor que o chama às suas
responsabilidades, que o convida a “sair desse abismo de imundices, de
misérias, de crimes em que ele mesmo se sepultou”. O convite ficará letra
morta, como já muitos séculos antes, quando o Senhor, pela boca de Isaías,
convida Israel à conversão. O apelo não difere muito:
“Ah, nação pecadora, povo carregado de iniquidade,
descendência de malfeitores, filhos que praticam a corrupção! Deixaram o Senhor,
desprezaram o Santo de Israel, voltaram para trás.” (Is. 1, 4)
Certos dias Nosso
Senhor não vem, não lhe diz nada, como para mostrar a sua pena, o seu sofrimento
de ver tantas almas a cair no inferno, tantos dos seus filhos se perderem.
Alexandrina sente-se então como abandonada de tudo e de todos, mas nem por isso
deixa de amar, deixa de se oferecer corajosamente. Ouçamo-la a dizer e a
escrever no dia 21 de junho desse mesmo ano:
“Sinto a necessidade de rasgar o meu peito para ir numa
carreira doida acudir ao meu coração como quem acode a um fogo. Parece-me que
morre de dor: está esmagado, aniquilado. Se não fosse o meu Jesus não resistia.
Ele, hoje, não me disse nada; ficamos na agonia da morte. É para mim um dos
maiores sofrimentos: e eu a ser a sepultura de toda a mortandade. O abandono em
que estou é tremendo: não tenho para onde me voltar, estou perdida, e em cima
dum abismo imenso. O coração cansa-se com medo de cair nele. Como necessito de
gritar alto, de pedir socorro. Com certeza, Jesus está à espreita, não me deixa
cair. Confio Nele. Caminho como o ceguinho confiado no seu guia. A noite é
escuríssima, não tenho prática do caminho. Ai meu Jesus, ai meu Jesus, guiai-me
ou então morro de medo. Afigura-se-me que tenho tido uma vida tão escandalosa!
Está todo o mundo escandalizado comigo. Que dias de tanta amargura. Eu aceito
tudo; só tenho em vista o meu Jesus e as almas”.
Mas Jesus continua a
pedir e até mesmo a explicar que jamais o mundo estivera tão mal, como escreve a
Alexandrina no dia seguinte, 22 de Junho de 1939:
“Meu Paizinho, no fim da Sagrada Comunhão, ao princípio
sentia a morte, depois um abandono tremendo. A aflição era tão grande que pedi
socorro ao Céu. Disse:
— Jesus, compadecei-Vos de mim.
E Nosso Senhor principiou a falar-me muito zangado.
— Parece-te não poderes mais com este abandono. O que direi
Eu do abandono em que me deixam na Santíssima Eucaristia? Mas mais ainda:
ofendem-me tão horrivelmente, com tanta maldade! Paga-me tudo. Não me tens dito
tanta vez que és a vítima da Eucaristia? A abóbada do firmamento está aberta,
está Deus de braço erguido para deixar cair com o peso de toda a Sua Divina
Justiça.
— Ó Jesus, aceitai os meus sofrimentos e o meu corpo para
sustentar o braço da Justiça Divina: salvai o mundo.
Quando pronunciei estas palavras já tinha rolado com a
aflição.”
E mais adiante, na
mesma carta:
“Nosso Senhor disse-me mais:
— Nunca em século nenhum do mundo fui tão ofendido como
agora! Não pode haver maior malícia!
E conservava-se como que o Céu aberto e Nosso Senhor a
castigar-me com toda a Sua Divina Justiça: levava-me ao maior aniquilamento, e
bradava-me:
— Vingança!”
Seria talvez bom
voltar a frisar aqui aquelas palavras de Jesus: “Nunca em século nenhum...”
e a última frase em que Ele diz: “Não pode haver maior malícia!”
É verdade que o século
XX foi um século muito particular e particularmente paradoxal.
Efectivamente, quando
pensamos que ele começou por uma guerra mundial, aquela de 1914-1918, e pela
Revolução russa cujos “estragos” ainda hoje são bem visíveis; factos estes
contrabalançados pelas aparições da Virgem Maria em Fátima; quando vemos que a
meados mo mesmo século o mundo se abrasou novamente noutra estrondosa e
mortífera guerra e que esta originou uma maior expansão da doutrina comunista e
do ateísmo, temos direito de ficar perplexos, sobretudo quando nos lembramos que
no fim desse mesmo século foi notável e espectacular a caída desse mesmo
comunismo ateu, “intrinsecamente perverso”, como o chamou o Papa Pio XI.
Foi também a partir da
segunda guerra mundial que o número de sacerdotes começou a baixar, o que teve
por efeito de reduzir, pouco a pouco, o número de cristãos, muitos sendo
tentados pela adesão a novas seitas e a novos «dogmas».
Por fim, e ainda nesse
mesmo século paradoxal, devemos lembrar os anos 60 e as consequências
desastrosas do ponto de vista espiritual que tiveram sobre os povos de quase
todas as nações todas aquelas manifestações libertárias que tiveram a sua origem
em França e que todos conhecem: querendo instaurar a liberdade deram origem à
maior anarquia de sempre.
E quem veio procurar
equilibrar a balança?
Maria, como sempre! A
“Mãezinha” do Céu que tanto ama os seus filhos da terra!
Akita, no Japão,
Betânia, na Venezuela, Kibhéo, na África, aparições reconhecidas pela hierarquia
eclesiástica e muitos outros lugares espalhados pelo mundo e sobre os quais a
Igreja ainda não se pronunciou.
Uma pergunta nos vem
ao espírito: Terão sido mesmo para esse século aqueles frases de Jesus?
Como já frisamos
acima, os meios de comunicação no tempo da Alexandrina não eram os mesmos de
hoje e, por isso mesmo aquelas palavras que ela ouviu então não poderiam ter
grande eco no mundo e efeitos nas almas dos pecadores que todos nós somos.
Não seriam para nós
aquelas afirmações categóricas de Jesus?
O século XXI começa
apenas... Que vai ele trazer-nos como “surpresas”?
Façamos confiança e,
como a Alexandrina, digamos simplesmente:
“Senhor, seja feita
Vossa vontade assim na terra como no Céu!”
As palavras do Senhor
referidas acima, lembram-nos o voz do mesmo Deus quando se exprimiu pela boca do
profeta Isaías quando lançou semelhantes anátemas ao povo escolhido:
“Por que seríeis ainda castigados, porque persistis na
rebeldia? Toda a cabeça está enferma e todo o coração fraco. Desde a planta do
pé até à cabeça não há nele coisa sã; há só feridas, contusões e chagas vivas;
não foram espremidas, nem atadas, nem amolecidas com óleo.” (Is. 1,5-6)
Mais adiante, na mesma
carta, Alexandrina escreve ainda, dando-nos um claro exemplo da sua heroicidade
e do seu amor a Jesus e às almas:
Eu disse:
— Mais, meu Jesus, mais. Sou Vossa, a Vossa Vítima. O Vosso
Amor, meu Jesus, obriga-me a sofrer tudo. É por Vós, pedi-me o que quiserdes. Se
há mais algum sofrimento que eu possa sofrer, dai-mo, dai-mo, meu Jesus. Mas as
almas, as almas, não as deixeis perder; salvai-as Jesus.”
Numa carta de 23 de
Junho desse mesmo ano de 1939, a Alexandrina continua a explicar ao seu Director
espiritual os sentimentos que lhe vão na alma e as queixas dolorosas de Jesus
relativas à humanidade pecadora:
“Nosso Senhor disse-me:
— Retira-te, não te aproximas de mim, não estás preparada
decentemente! Vai lavar-te, vai vestir-te de pureza e de amor. Prepara-te se não
queres ser maldita, ter a vida dos condenados, do inferno eternamente.
Jesus dizia isto com severidade. Mas depois apertava-me
contra o seu Coração e soluçava e ia dizendo:
— Que tristeza, que amargura, que dor pungente para o meu
Divino Coração, proferir aos filhos meus estas palavras; quanto custa ao coração
dum Pai!”
Alexandrina
compadece-se da tristeza de Jesus e prontamente responde:
“— Meu Jesus, sou Vossa, toda Vossa. Mas agora digo eu:
quanto custa dizer-Vos que sou toda Vossa, eu que nem sou toda nem sou nada; e
nestes tristes momentos me parece Vós que não sois nada para mim. Perdoai-me,
tende piedade de mim: fazei deste nada alguma coisa para Vos poder ser útil.
Nosso Senhor disse-me mais terno:
— Repara bem que és Vítima e o que é a tua missão.”
O Coração de Jesus
enternece-se então e as palavras que dirige à sua esposa são meigas e cheias de
reconforto: é o Deus Amor quem fala:
“Bateu à porta do meu coração — escreve
ela — e chamava:
— Minha benfeitora, minha benfeitora: vem dar-me a esmola!
Por mais que digas que não tens nada que me dar, sou como o mendigo teimoso, vou
teimando sempre, e sempre vou encontrando coisa que me possas dar.
— Jesus, entrai e tomai tudo o que tenho e possa vir a ter;
distribui como Vos agradar. Mas vede, eu não tenho forças.
— Tem coragem, não te hão-de faltar. O teu Paizinho lá de
longe esforça-se comigo para te auxiliar. Ouviste, minha louquinha?”
Depois destas
palavras, outras vêm que são conselhos. Ouçamos Jesus:
“— Oferece-te ao Eterno Pai, pede-Lhe pela tua crucifixão que
salve o mundo; seja esta a tua oração que também foi a minha.
— A tua paixão é uma fonte aberta para os pecadores onde eles
se lavam e purificam para virem a mim.
— Os judeus que te crucificam são os pecadores. É a fúria das
paixões que açoita.”
Nessa mesma carta ela
diz ainda, não falando das queixas de Jesus mas daquilo que ela vê e sente em
si, ao ouvir as “santas cóleras” do Senhor:
“Não sei bem, mas parece-me que seriam das 2 às 3 da manhã:
meu Deus que horror! Não sabia o que era, mas, como o meu Paizinho vai ver, era
a destruição do mundo; tudo se arrasava, casas, árvores, te-lhados: ficava tudo
nos montões de ruínas: caso assustador! Atulhado em tudo isto, via número sem
conta, parecia-me gente remexer-se debai-xo daqueles estilhaços e por cima deles
medonhas serpentes tão gran-des, tão feias! Mas não vi nem uma só pessoa sair
daquelas ruínas para fora”.
Necessário é notar que
esta carta é de 23 de Junho: a guerra ainda não tinha começado, mas Alexandrina
via já a sua força destruidora, como se a estivesse a presenciar: e via mesmo!
Mais adiante, Jesus
repete as ameaças já proferidas nesse mesmo dia, mas vai também fazer um pedido,
que lembra o que fizera em 1936: a consagração do mundo ao Coração Imaculado de
Maria. Ouçamos as palavras divinas:
“Nosso Senhor falou-me não a ralhar, mas com profunda dor:
— Vou destruir o mundo, vou precipitá-lo no inferno; vou
destruí-lo, não posso sofrer mais tanta malícia, tanta maldade e crime. Diz, diz
ao teu Paizinho que não te enganas, o que viste é a destruição dele. É o que ele
é sem a minha Mãe querida e o que é com Ela. Consola-me, desagrava-me. Se me
amas, entrega-te a Mim, deixa-Me matar-te, deixa-me fazer-te sofrer!”
Maria é Rainha do
universo, mas o universo não se lembra disso, não quer honrar a melhor de todas
as mães, eis porque vai sofrer, eis porque só terá paz quando arrepiar caminho
e, voltando-se para Maria, a aclamará Rainha das Vitórias e Rainha da Paz.
No dia 25 de Junho,
Alexandrina escreve de novo ao Padre Pinho e dá-lhe conta das novas palavras de
Jesus, palavras duras e terríveis para a humanidade, mas também lhe dá a
conhecer a sua oferta total e sincera, assim como o seu estado de morte e de
dureza de coração:
“Hoje, recebi o meu Jesus e fiquei em grande aflição com a
morte que sentia, e não sabia dizer palavra. Depois de um bom bocado de tempo,
principiou Nosso Senhor:
— Dá-me contas, de todos aqueles que te encarregaste de
pagar, de responder: é do mundo inteiro. Mas ele adormeceu num sono mortal de
prazeres, de maldades e de crimes. Tens que viver neste estado de morta. Se não
fosse este teu sofrer dificilmente algum ressuscitaria para a graça, para mim.
— Ó meu Jesus, fazei que eu viva sempre como se estivesse
morta para que Vos ressuscitem todas as almas. Maior será o número que Vos ama,
Vos louva e Vos bendiz por toda a Eternidade. Não quero outro viver na terra até
que chegue a morte real em que eu possa voar para Vós. Então, meu Jesus, não
cessarei um momento de Vos amar: sentir-me-ei saciada: aqui parece que morro com
ânsias de Vos amar. Sou Vossa vítima, não cesseis um momento de me imolar.
Ai meu Paizinho, palavras leva-as o vento, parece que nada me
sai do coração. Que pedra de gelo, não há nada que o derreta!”
A carta escrita no dia
seguinte, 26 de Junho, é um autêntico paradoxo: Jesus ralha e chora, chora
porque a humanidade não faz caso dos seus divinos apelos:
“Hoje, disse-me assim:
— Vou pôr termo à tua ingratidão, vou chamar-te a contas para
te condenar ao inferno.
A minha paixão foi dolorosíssima, o meu Divino Sangue
derramado até à última gota. E para quê? Inútil.
Não vês que te amei até ao excesso, até à loucura?
Nosso Senhor chorava, mas chorava muito no meu coração: e a
dor que nele sentia parecia-me que mo arrancavam fora. Rolei pela cama e Nosso
Senhor em tom ainda mais forte dizia-me:
— Hei-de esmagar-te, hei-de vingar-me em ti em vez daqueles a
quem me abonaste.
O meu coração era-me fortemente atravessado por uma lança,
parecia-me que não dava vez a tirá-la fora para tornar a espetar. E Nosso Senhor
dizia-me:
— É assim que os pecadores me fazem continuamente.
Eu fico sem poder dizer palavra ao meu Jesus. Mas passado
algum tempo, disse:
— Vingai-Vos, meu Jesus, vingai-Vos no meu corpo para
perdoares aos que Vos ofendem. Satisfazei a Vossa Divina Justiça em mim que sou
a vossa vítima, mas salvai o mundo: salvai-o, meu Jesus; perdoai sempre e
fazei-me sofrer tudo e por todos. Imolai-me a cada momento.”
Quando nos debruçamos
mais atentamente sobre todas as cartas e sobre o Diário da Alexandrina, neles
encontramos fontes de água viva, remédio para a nossa pouca fé, remédio para a
nossa vida interior, exemplos que nos podem ajudar a sermos melhores filhos de
Deus...
Que coragem demonstra
aqui a nossa querida Alexandrina! Que heroicidade no oferecer-se e no suportar
tudo e todos os males, desde que estes sirvam para a maior glória de Deus e a
salvação das almas!
“Satisfazei a Vossa
Divina Justiça em mim que sou a Vossa vítima!”
Quantos de nós seríamos capazes duma tal oferta, duma tão grande entrega entre
as mãos de Deus?
Mas é verdade também
que nem todos são chamados a este estado de vítimas!
Mas a Alexandrina
pensava como São Paulo, que na sua Carta aos romanos explica:
“Estou convencido de que os sofrimentos do
tempo presente não têm comparação com a glória que há-de revelar-se em nós”
(Rm. 8, 18).
Por isso mesmo, ainda
com o mesmo São Paulo e; falando da Alexandrina, podemos afirmar:
“Àqueles que Ele de antemão conheceu,
também os predestinou para serem uma imagem idêntica à do seu Filho, de tal modo
que Ele é o primogénito de muitos irmãos. E àqueles que predestinou, também os
chamou; e àqueles que chamou, também os justificou; e àqueles que justificou,
também os glorificou” (Rm. 8, 29-30).
A descrição que faz a
Alexandrina numa outra carta datada de Junho de 1939, é duma realidade
surpreendente. Ouçamo-la e meditemos:
“Esta noite passei-a sempre alerta; poucos minutos tive de
descanso. Não sinto consolação, mas gosto tanto de não dormir, para estar
alerta, sempre alerta com o meu Jesus nos Sacrários! Não sei bem, mas parece-me
que seria das 2 às 3 da manhã: meu Deus que horror! Não sabia o que era, mas
como o meu Paizinho vai ver, era a destruição do
mundo; tudo se arrasava, casas, árvores, telhados: ficava tudo nos montões
de ruínas: Caso assustador. Atulhado em tudo isto via número sem conta,
parecia-me gente remexer-se debaixo daqueles estilhaços e por cima deles
medonhas serpentes tão grandes, tão feias! Mas não vi nem uma só pessoa sair
daquelas ruínas para fora...”
É talvez oportuno
recordar aqui aquelas palavras proféticas da Virgem Maria em Fátima, quando em
1917 confiou aos Pastorinhos:
“Se fizerem o que Eu vos
disser, salvar-se-ão muitas
almas e terão paz. A guerra vai acabar (1914-1918).
Mas, se não deixarem
de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começará outra pior”.
Mas como depois da
tempestade vem a bonança, a visionária prossegue, na mesma carta, com uma nota
de esperança,
como
se isso quisesse mostrar-nos que logo a seguir — ou pouco tempo depois — da
desejada consagração do mundo a Maria, tudo seria diferente. Eis como ela
prossegue a dita carta:
“Passou-se um bocado, principiei a ver ao longe a querida
Mãezinha do Céu. Vinha alta, não sei em quê, vestida de branco, cabeça baixa, ar
triste; vinha caminhando para a frente; todas as ruínas desapareceram, ficou
tudo plano. O que até aqui eram medonhas ruínas estava agora iluminado. Não me
disse nada, demorou-se pouco e desapareceu. Senti paz e a aflição, o medo que
aquilo me tinha causado desapareceu. Passado algum tempo tornou a repetir-se a
destruição, as ruínas, mas não a vista da querida Mãezinha. Fiquei sem saber o
que significava, mas aqueles momentos pareciam-me não ser ilusão minha.”
Isto que ela ouve ou
vê é para ela motivo de preocupação e de dúvidas. Será verdade que ela ouve ou
vê todas estas coisas que lhe causam não só medo mas também sofrimento e
dúvidas? Assim se exprime ela no fim da carta desse dia 28 de Junho:
“Meu Paizinho, isto seria verdade? Duvido muito; não acredite
nas minhas palavras. Sou uma tontinha que para aqui estou. Acredite sim, no
estudo que fizer de tudo isto diante do nosso Jesus. Perdoe-me tudo. Eu não o
quero enganar.”
Que exemplo de
humildade!...
Dois dias depois, a 30
de Junho, Jesus mostrar-se-á mais terno. Bate à porta do coração da Alexandrina
e diz-lhe, momentos antes e durante a paixão:
“Nosso Senhor bateu no meu coração — escreve
ela — como de costume, e chamava:
— Alexandrina, minha Alexandrina: dá-me a esmola: dá-me tanta
consolação, dá a vida aos meus filhinhos, salva a humanidade perdida. Não pode
ter maior merecimento. Coragem: não te há-de faltar a força do teu Jesus e do
teu Paizinho.
Durante o tempo do Horto, sentia tanto abandono e
desfalecimento do corpo! Nosso Senhor disse-me:
— Coragem, minha filha, quanto maior for o teu sofrimento,
maior é a minha consolação, e mais almas me salvas!
Mais adiante, disse-me:
— Coragem! Eu também com a aflição rastejei pelo chão e rolei
pela terra a grande distância.
E ainda me disse mais, quando as dúvidas me afligiam:
— Confia que sou Eu. Se és tu quem fazes levanta-te agora.
Mas eu não me podia mexer, parecia-me que tudo o mundo estava
sobre mim. Na flagelação disse-me:
— Tem coragem, é pelos pecadores: sofre tudo se não queres
que o teu Jesus sofra.
No dia 1º de Julho
Jesus volta a encorajá-la com palavras ternas mas explícitas:
“— Minha filha, minha filhinha, em nome do meu Divino Sangue
que principiei a derramar pouco depois do meu nascimento e para tantos tão
inútil, peço-te confiança e coragem para o teu doloroso martírio e prolongado
calvário. Tu és o paraíso finíssimo onde vem cair todos os raios da Justiça
Divina que deviam castigar o mundo.”
Esta comparação da
Alexandrina com um pára-raios aparecerá diversas vezes nos escritos da
Alexandrina, como a comparação a um canal por onde passarão as graças.
Dois dias mais
tarde — em 3 de Julho de 1939 —, a divina justiça não desarma: Jesus continua a
ameaçar o mundo, a humanidade inteira personificada na Alexandrina. Eis o que
ela escreve ao Padre Mariano Pinho:
“Nosso Senhor disse-me assim:
— Não temes a Deus nem os horrores do inferno. Maldita, já
não me temes! Ouve-Me: é a voz do teu Deus que te chama. Ressuscita, quero que
ressuscites! Olha que talvez seja para ti o último chamamento. Dá-me contas, é o
teu Deus que tas pede.
Que aflição tão grande! Nosso Senhor parece que me fuzilava
uma e outra vez”.
Com docilidade e amor,
Alexandrina oferece-se de novo. Ela exprime isto numa oração de dom total:
— Ó meu Jesus, sou vítima do Vosso Amor e da Vossa Divina
Vontade, é por isso que aceito o estado de morte, porque Vós assim o quereis: só
a Vós quero ouvir, só a Vós quero seguir. Inventai, Jesus, inventai todos os
sofrimentos para este nada que com Vós é tudo, para poder salvar as almas, para
Vos fazer conhecido e amado por todos. Vede Jesus as minhas aspirações: não
quero que reine na terra senão o Vosso Amor em todos os corações. É por isso que
quero sofrer tudo e não ter outro viver senão a dor.
Outrora, pela boca de
Isaías, o Senhor disse ao povo de Israel palavras semelhantes:
“Na verdade a terra está contaminada debaixo dos seus
habitantes, pois transgridem as leis, mudam os mandamentos e quebram a aliança
eterna. Por isso a maldição devora a terra, e os que habitam nela sofrem por
serem culpados; por isso são queimados os seus habitantes, e poucos homens
restam.” (Is. 24,5-6)
Ao mesmo profeta disse
ainda Deus:
“A terra está de todo quebrantada, a terra está de todo
fendida, a terra está de todo abalada. A terra cambaleia como o ébrio, e
balanceia como a rede de dormir; e a sua transgressão se torna pesada sobre ela,
e ela cai, e nunca mais se levantará.” (Is. 24,19-20)
Mas Israel não quis
ouvir a voz do seu Senhor e por isso mesmo incorreu na sua santa cólera: pouco
tempo depois foi aniquilado e sofreu a desonra da deportação.
Naquele tempo — ainda
tão próximo de nós — em que viveu a Alexandrina, a humanidade não quis ouvir a
voz do Senhor; Jesus continuava a queixar-se de tanta ingratidão, e ameaçava; é
o que ressalta de uma carta de 5 de Julho de 1939:
“Nosso Senhor disse-me assim:
— Maldita! não deixas de Me ofender, também Eu não deixo de
te castigar! Ingrata, infiel! Não paras com a tua maldade, com a tua malícia,
também Eu não paro de vingar em ti com a minha Divina Justiça. Dá-Me contas,
insensata, tenho que lavrar-te a sentença de condenação!”
E uma vez mais Alexandrina vai curvar a cabeça, cruzar as mãos
no peito e, humildemente dizer a Jesus:
“— Ó meu Jesus, vingai-Vos em mim, mas em vez de lavrardes a
sentença de condenação, lavrai sempre a do perdão: é essa a que eu exijo de Vós:
Perdoai ao mundo culpado, esquecei as suas ofensas, lembrai-Vos de mim para
fazerdes sofrer todas as dores e penas, sou a vítima do mundo inteiro. Com Vós
não temo a cruz, é doce levá-la por Vosso Amor; quero salvar-Vos as almas e
dar-Vos toda a consolação, desagravar, reparar o Vosso Divino Coração tão
ofendido. Alegro-me, meu Jesus por me fazerdes sofrer no meu a dor que o Vosso
Divino Coração sente.”
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