Capítulo 10
MÍSTICA
IDENTIFICAÇÃO COM CRISTO
Quando duas pessoas
se amam profundamente acontece um processo de transformação porque cada uma
deseja tornar-se semelhante à outra. Verifica-se uma união que tende à
unidade.
S. João da Cruz
diz: “Cada uma parece ser a outra e todas e duas não são senão uma”.
Isto pode acontecer
entre Cristo e uma alma que O ama com o máximo amor consentido a uma criatura
humana: a sua humanidade chega a identifica-se com a Humanidade de Cristo.
Alexandrina e o seu
Jesus são disso um exemplo.
O facto
extraordinário de que a Alexandrina sobreviva alimentando-se unicamente de Jesus
(Eucaristia e transfusão de Sangue), tem por fim “mostrar ao mundo o valor da
Eucaristia” (c 9), mas é também o sinal de que Jesus quer estabelecer com ela
uma união particularmente forte, uma união completa. Alexandrina, por seu lado,
corresponde com um amor total, oblativo, quer “perder-se”, quer “desaparecer” no
seu Esposo, no seu Tudo, anulando o próprio “eu”. Eis que a união se torna
unidade.
É belo pensar em
duas gotas de chuva que escorrem nas vidraças da janela: se se aproximam a ponto
de se tocarem, tornam-se uma única gota: uma desaparece na outra.
Os primeiros
começos deste caminho encontram-se já em 1928, quando a Alexandrina sente uma
forte analogia entre a sua condição de paralisada, prisioneira na cama, e a de
Jesus no sacrário (vd c. 2).
Desde 1942, o
reviver a Paixão intimamente (C. 11), do modo mais completo e não só à
sexta-feira, leva-a a atingir a condição favorável para chegar à unidade. Eis
que Jesus lhe diz:
— Minha
filha, amor, amor, amor! O teu coração e o meu é um só: estás toda
transformada em Mim. Eu sou a tua vida: não tens a vida humana, tens a vida
divina. Não tens vida da Terra, vives a vida do Céu.
A tua vida terá sempre espinhos, um espinho penetrará outro espinho e, assim
crucificada à minha semelhança, passarás ao Céu, cravada na cruz por amor de
Mim. S (18-9-43)
Naturalmente a
transformação é mútua.
— A
tua vida é vida de Cristo: vive Cristo transformado em ti.
Sobes o Calvário, porque não posso subi-lo Eu agora. Levas a cruz, porque
não posso levá-la Eu também.
És um cordeirinho sacrificado e imolado. Dás a vida na maior das agonias,
porque agora não posso Eu sofrer assim. S (16-2-45)
A Alexandrina está
bem consciente de não ser ela, criatura humana, capaz de cumprir sozinha a
grande missão da salvação das almas.
A minha vontade
está pronta, mas à natureza, à pobre natureza, repugna tanto sofrimento;
tenta muitas vezes dizer: não posso, não posso mais!
E é verdade,
Jesus, que eu não posso. Mas podeis Vós! Sois Vós que sofreis, sois Vós que
caminhais, sois Vós que levais e amais a cruz que me dais.
Eu não posso, eu
não vivo, não sofro, não amo – eu não existo.
Mas sim existe o
sopro da vossa vida que por mim passa. S (8-7-49)
A propósito deste
“sopro”, chegados a 1955, dizer-lhe-á Jesus:
— Tem
coragem! Repete sempre o teu “creio!”. (…)
Este sopro já
correu todo o mundo; por ti já (a humanidade) recebeu o sopro da graça, o
sopro do amor.
Continuam ditosos os que se aproveitam dele. S (20-5-55)
Voltemos a 1949.
Jesus recorda-lhe o valor salvífico da sua vida tão extraordinária.
— Está
Cristo nos teus olhares, está Cristo nos teus lábios, está Cristo nos teus
pensamentos, no teu coração e na tua alma: é Cristo a viver, a agir em todos
os teus movimentos, em todo o teu viver.
Coragem, minha filha! É Cristo revestido, é Cristo estampado em todos os
teus membros, em todo o teu corpo, para que a obra redentora, a obra de
salvação continue. Cristo não pode sofrer agora, mas é necessário que a obra
salvadora continue. S (8-4-49)
— Vives
em Cristo e para Cristo. Todo o teu viver é Cristo.
És a alegria e a glória do Altíssimo. Confia, confia, minha filha:
Eu trabalho e opero em ti grandes maravilhas para minha glória e para tudo
reverter em favor das almas. S (30-12-49)
A Alexandrina teme
sempre enganar-se sobre os seus fenómenos místicos, que não compreende e teme
que sejam fruto de sua imaginação. Jesus assegura-lhe:
— Não
estranhes se não compreenderes a tua vida, porque é impossível à criatura
humana compreender tal e qual é a vida divina: no Céu a compreenderás. No
Céu verás sem dúvida que só de Mim viveste. S (4-2-50)
— Minha
filha, minha filha, que união a dos nossos corações! Nada há que nos separe.
Sofremos na mesma dor, amamos no mesmo amor: Eu sou um contigo. Vivo em ti a
mesma vida que vivo com o Pai e como sou um com Ele.
Vim pelo Pai, em nome do Pai, à Terra a resgatar o mundo.
Tu, em Meu nome, em Mim e por Mim, continuas a Minha obra salvadora. S
(1-7-50)
Contemplemos agora
um êxtase de amor, com a transfusão de sangue:
Fiquei com a
cabeça pousada no regaço de Jesus. Parecia-me estar no centro de uma
fogueira imensa, infinita de amor.
Estas labaredas,
este fogo penetrou em todo o meu ser. O meu coração e a minha alma tomaram
uma nova vida.
Eu já não era
eu: era só Jesus.
Senti-me como se ali
adormecesse... (segue-se a
transfusão).
Qual
dilatação eu senti (no coração)! O meu pequenino coração ficou grande como o
Céu.
Não tive força
para aguentar tanta grandeza.
— Jesus,
Jesus, não posso! Não resisto à grandiosidade do vosso amor.
— Eu
estou aqui, minha filha: comigo nada podes temer. Eu venço, Eu sofro, Eu amo
em ti. Estás transformada em Cristo, vives a vida de Cristo, dás às almas a
vida de Cristo. S (15-9-50)
— Dois
corações num só coração –
diz Jesus
– incendiados numa só chama, enleados numa só cadeia de amor. S (26-12-52)
Segue-se um breve
diálogo no qual se evidencia a generosidade do amor da Alexandrina para o seu
Jesus.
— O
meu divino Coração sofre através do teu coração; o meu divino Coração ama
através o teu amor. Amo Eu e amas tu; tu amas com o meu amor, tu dás-te por
meu amor; tu gastas-te, consomes-te pelo amor a me e pelas almas.
Tu sofres e Eu sofro em ti. (...) Sofro em ti sem sofrer. Sou em ti a tua
força. Tu sofres para que Eu não sofra. Tu amas para que Eu mais e mais seja
amado.
Toda a dor fica no teu coração, e a consolação e a alegria vai para o meu.
— Está
bem, está certo, Jesus. Com isto estou contente. Sofrer o meu coração para
que não sofra o vosso são os meus desejos. Amar-vos e consolar-vos são as
minhas ânsias. Gastar-me por Vós, fazer tudo e tudo sofrer por Vós sem um
momentos e perder, meu Jesus. Não tenho, não, não tenho outra ansiedade.
Perdoai-me, meu Amor, tanto desfalecimento, tanto, tanto, meu Jesus. Fazei
que a minha vida seja perfeita, tanto quanto Vós o desejais.
— Ó
farol, ó sol brilhante, ó continuadora da obra de Jesus na terra! É perfeita
a tua missão e com toda a perfeição a desempenhas. S (18-9-53)
Agora, para
concluir, sempre sobre a unidade alcançada, eis dois fragmentos fortes e
incisivos pela sua brevidade. Jesus diz:
Eu
sou
a luz dos teus olhos,
o movimento dos teus lábios,
o amor e o Senhor do teu coração.
S (3-9-48)
E a Alexandrina, no
Horto das Oliveiras, revive assim a Paixão:
Eu
era Jesus e Jesus era eu:
nós dois éramos
a mesma oferta ao Céu.
S (15-8-45)
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