Alexandrina de Balasar

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Alexandrina Maria da Costa

Sentimentos da alma

1952

I

4 de Janeiro de1952 – Sexta-feira

A cruz aumenta, os mimos de Jesus são cada vez mais. Digo mimos, porque os desgostos, os sofrimentos, os espinhos recebo-os como carícias e miminhos do meu Jesus. Custa muito, muito e eu sei que não posso resistir a mais dor; mas o amor que eu anseio ter a Jesus e as ânsias de O consolar cegam-me de tal forma que eu não posso deixar de repetir: mais, mais, meu Jesus, mais, seja tudo por Vosso amor e para a salvação das almas. Não posso falar; hoje tenho que abafar a voz da minha alma, que apesar da minha ignorância sem igual, não pode calar-se. Neste dia, tem que ocultar e fazer o sacrifício de guardar para si e sofrer em silêncio. Não posso esforçar-me nem mover os lábios. Vontade do meu Senhor, em ti está a minha ventura e felicidade!

Ontem de manhã imprimiram-se mais ao vivo as chagas de Jesus no meu corpo. Senti como se Ele viesse da cruz para mim e em mim Se imprimisse e nele me transformasse. À noite, a visão do Calvário levou-me ao suor de sangue e à agonia do Horto. Sofri tanto, tanto, de tantas formas! Seja o meu Jesus bendito !

Hoje segui para o Calvário. Eu era a cruz de Jesus. Ele levou-a e nela me levou a mim. Sofri com Ele e Ele comigo. Fomos sempre os dois num só. Ao terminar da montanha, senti-me morrer no leito da cruz. Quando esta (foi?) levantada ao alto, pareceu-me ficar toda dentro do Coração divino do meu Jesus. Era Ele o crucificado. O meu desfalecimento era tanto que não podia bradar; bradava Jesus e era meu e dele o Seu brado. No momento de expirar, Jesus entregou ao Pai o Seu espírito com todo o amor do Seu divino Coração. Foi assim que eu com Ele expirei.

Passado algum tempo, principiei a ouvir os Seus suspiros e a Sua dolorosa voz.

Jesus sofre, chora, suspira profundamente. Vê o mundo, contempla-o, vê o que ele é, o que há-de ser.

Jesus sofre, chora, suspira profundamente. Vê o mundo cruel e pecaminoso, vê a justiça do Seu Eterno Pai prestes a puni-lo, a castigá-lo com todo o rigor.

Minha filha, Minha filha, vítima amada, vítima querida.

Minha filha, Minha filha, esposa querida, esposa fiel e predilecta de Meu divino Coração: tu és sal e sol da terra, tu és pára-raios e salvação da humanidade. Tu és farol, que iluminas com todas as cores do arco-íris. És rica de graça, rica de todas as virtudes. Um ano a mais passou-se para ti. Mais um ano de favores e prova do Meu divino amor para as almas por te ter escolhido para vítima deste Calvário. Coragem, coragem e alegra-te porque o Senhor está contigo, em ti Se alegrou e alegrará sempre. Aceita, Minha filha, um muito obrigado do teu Jesus. Sim, um obrigado Meu, um obrigado divino pelo muito que sofreste, pelo muito que amaste.

— Ó Jesus, ó Jesus, isso humilha-me, as Vossas divinas palavras fazem-me sofrer. Sofro, porque ouvi e senti os vossos suspiros, as Vossas lágrimas caírem no meu pobre coração. Sofro e humilho-me pelo Vosso obrigado, quando eu sinto que nada sofro, que nada Vos amei, que foi só o Vosso divino Coração a sofrer e amar. Eu por mim, Jesus, nada fui, nada sou, nada serei. Morri, morri para tudo.

— Ó minha filha, Minha filha, sim, morreste para tudo o que é do mundo e viverás sempre pata Jesus e para as almas, porque vives só a vida de Cristo, a vida mais imitadora, a cópia mais fiel de Cristo crucificado, de Cristo Redentor. Continua, continua a tua missão: bem curta que ela vai ser agora aqui na terra, mas vais continuá-la no Céu. Aqui, pedindo e sofrendo; lá, pedindo e amando.

Acode, acode às almas e previne-as, avisa-as: a justiça não demora, o castigo aproxima-se. Avisei, avisei, esperei, esperei, pedi como mendigo da terra oração, penitência, emenda de vida.

Não desanimes em pedires, em sofreres com alegria e amor. Haja o que houver, venha o que vier, é sempre de utilidade e salvação para o mundo cruel e ingrato.

Recebe agora a gota do meu sangue ; é sangue de vida, é sangue de amor ; é gota que te leva a paz, a Minha divina paz.

Coragem, fica na cruz. Vêm os Anjos cheios de amor apertar-te os cravos.

— Obrigada, meu Jesus. Bem os vejo baterem as asas, asinhas brancas. Não me batem os cravos com crueldade, mas sim com doçura e carinho.

Obrigada, obrigada. Atendei aos meus pedidos, às minhas grandes intenções que tenho presentes, tomais conta delas, meu Jesus. Confio em Vós.

— Sim, Minha filha, podes confiar. Vai em paz e leva o meu amor que é a força e a alegria da tua cruz.

— Obrigada, obrigada, meu Jesus.

5 de Janeiro de 1952 – Primeiro sábado

Já hoje são oito e eu sem nada poder dizer do que se passou no primeiro sábado. Vou ver se alguma coisa consigo; Jesus e a Mãezinha me ajudem e aceitem o meu grande sacrifício. Pedi, na noite de Natal, quando nasceu o Jesus-Menino, e pedi-Lhe na passagem do ano velho para o ano novo, que fizesse que eu nascesse também para a graça, para a pureza, para o amor; que me desse a Sua caridade, a Sua humildade e doçura com todas as virtudes do Seu Divino Coração. Pedi-Lhe, pedi-Lhe muito e só no primeiro sábado é que conheci que nasceram no meu coração muitas ânsias de amor, de perfeição e de toda pertencer a Jesus. Foi só nestas ânsias consumidoras que eu me preparei, nesta dita manhã, para O receber. Após algum tempo de Jesus entrar no meu pobre e indigno coração, ouvi-O a dizer-me :

— Minha filha, Minha filha, luz e estrela eucarística: tu serás para o mundo o que outrora fui Eu e continuo a ser. Fui Redentor, morri para dar Céu às almas, fiz-me o alimento das mesmas. Criei-te para de tal forma te assemelhar a Mim, escolhi-te para vítima, para continuares a Minha obra redentora. Pus no teu coração o amor, a loucura pela Eucaristia. É por ti, é à luz deste fogo que deixaste atear que muitas almas guiadas por esta estrela por Mim escolhida, levadas pelo teu exemplo se transformação em almas ardentes, verdadeiramente eucarísticas.

Ai do mundo sem a Eucaristia! Ai do mundo sem as Minhas vítimas, sem hóstias comigo continuamente imoladas !

Eu quero, Minha filha, diz que Eu quero um mundo novo, um mundo de pureza, um mundo todo eucarístico.

Diz ao teu Paizinho que sou todo amor para ele, que o fiz hóstia para com ele muitas almas serem hóstias. Diz-lhe que ele não poderá, nem saberá viver sem sofrimentos. É da dor que nascem as almas eucarísticas, hóstias só por amor imoladas. Diz-lhe que há um ano lhe disse que o sol brilhava e hoje lhe digo que brilha ainda mais. Quase todos os obstáculos estão removidos para o triunfo da causa do Senhor e para a realização das Suas promessas.

Diz ao teu médico um muito o brigado de Jesus pela sua firmeza e defesa da Sua causa divina. Diz-lhe que dia a dia exalto os humilhados e humilho os exaltados. Diz-lhe que Jesus triunfa e a vitória está próxima. Dá-lhe a chuva das Minhas graças com todo o incêndio do Meu divino amor por ele e para os que são seus.

Vem, Minha bendita Mãe, mostra a Tua dor, ânsias e sofrimentos iguais aos meus.

Veio a Mãezinha das Dores; vinha tristíssima, cobria-A manto roxo. O Seu Santíssimo Coração estava cercado de espinhos, setas e vazado dum lado ao outro por fortes punhais; escorri-a sangue. Apesar de estar a sofrer tanto, tomou-me para o Seu regaço, abraçou-me e colocou o meu coração de encontro ao dela e disse-Me:

— Minha filha, aceita para o teu coração todos estes sofrimentos. Não te peço licença, vou fazendo que eles passem.

Eu quero que estes espinhos e punhais te levem o Meu sangue para o teu coração, como Jesus to dá gota por gota pelo tubo dourado. Aceita, é sangue virginal: aceita-o para o ficares sempre a sentir. É sangue da Minha dor e da de Jesus: sofremos os dois em uníssono. Sofre a mesma dor, sofre connosco também. Repara a Jesus na Eucaristia, repara-O por tantos e tão horrendos sacrilégios. Faz com a tua dor almas comungantes, puras e abrasadas.

Obrigada, Minha filha, obrigada pelo que tens sofrido, obrigada pelo que vais sofrer. O Meu agradecimento dá exemplo às almas e prova quanto Jesus gosta que Lhe agradeçam as graças e benefícios recebidos.

A Mãezinha falava e Jesus mantinha-se de pé a Seu lado. O Seu Santíssimo Coração ficou livre de todos os instrumentos que O feriam; passaram-se por si para o meu coração. Vinham todos ensanguentados.

Ai, meu Deus, só os Anjos ou os santos saberiam dizer quanto isto me custou e continua a custar ! Sinto o meu coração todo ferido, todo em sangue e parte dele é de Jesus, é da Mãezinha. E parece que não posso consentir que este sangue divino se una ao meu; não sou digna.

Ai, como eu sofro ! Ai, como eu sofro !

Em seguida Jesus aproximou-Se mais e fazendo passar sobre mim uma aragem de fogo, mostrando-me assim o que logo de princípio me mostrou, quando me falava do Paizinho e do médico fazendo-me sentir que era a mor, tudo amor, só amor, disse-me coma Mãezinha, falavam os dois ao mesmo tempo.

— Dá aos que amas, aos que ocupam o primeiro lugar no teu coração este amor também. Também Nós os amamos e ocupam nosso nossos Corações os primeiros lugares. Dá-lhes o Nosso amor, diz-lhes o Nosso obrigado a todos os que amas, a todos os que te rodeiam e são teus e amparam e defendem a Minha divina causa. Distribui, enche-os de Nós, enche o mundo inteiro; pede e sofre por ele.

— Ó Jesus, ó Mãezinha, estou pronta a sofrer, estou pronta a pedir-Vos muitas, muitas graças. Lembrai-Vos, atendei ao que Vos peço.

Nomeei-as, e uma a uma foi-me dada esta resposta :

— Que confiem plenamente em Mim e que sejam fiéis às Minhas graças. Eu porei nos seus caminhos a protecção do Céu. E assim se cumpre a Minha divina vontade, porque muito os amo e quero que se aproximem de Mim.

— Obrigada, Jesus; obrigada, Mãezinha.

10 de Janeiro de 1952 – Sexta-feira

Ainda não posso falar. Só dito umas palavrinhas como prova de que quero obedecer até à morte. Não sei o que me espera. Não sei se o meu coração adivinha alguma coisa. É tal a dor e a agonia que por vezes parece tirara-me esta vida morta que eu vivo. Não tenho para onde virar-me, não tenho quem em socorra. Digo com toda a verdade: no sentir da minha alma, não tenho uma única pessoa que seja por mim, em quem possa confiar. Parece-me que ninguém me acredita, todos duvidam de mim, todos me escarnecem e desaparecem. E eu, pobre de mim, apavorada pelos sofrimentos, parece-me que vou tantas vezes a cair no desespero! E daqui nasce a revolta contra Deus, se é que Ele existe; sem eu querer, é claro, mas tenho momentos de duvidar da existência de Deus. Caso Ele existisse, seria para mim pior que um tirano. Vem-me esta tentação: como pode consentir Deus que eu sofra tanto no corpo e na alma por tão longos anos ! Depois a dúvida da eternidade! Era melhor gozar tudo neste mundo, porque depois desta vida nada mais há. Ai, meu Deus, meu Deus, quando assim luto, atiro-me para Jesus e para a Mãezinha, cham-Os e abandono-me só a Eles. Digo-Lhes : Ó Jesus, ó Mãezinha, não consintais que eu deixe de confiar e esperar em Vós. Valei-me, eu não quero ofender-Vos. Sinta o que sentir, passe pelo meu espírito o que passar, eu abandonada a Vós vou para onde Vós fordes, fico onde me colocardes e convosco serei salva. Parece-me que não acredito na Santíssima Trindade nem em Jesus sacramentado, nem nosso Santos, nem no Céu. Tudo é morte depois desta vida, assim como é morte tudo em mim já nesta.

Continuo a sofrer muito com aqueles instrumentos que passaram do Coração da Mãezinha para o meu. Mas, ai o sangue d’Ela junto ao de Jesus é o que mais me causa mais dor. Como pode juntar-se o sangue divino ao meu ? Parece-me que foi um enxerto no meu coração. E em mim tem que haver raízes bem fortes, bem presas para o fundo, para não deixarem o vendaval atirar o tronco a terra, para que os rebentos possam florir e dar bons frutos. Queria dizer muito deste sentimento, mas a ignorância não me deixa. Sofro, sofro infinitamente, mas não deixo de ansiar os sofrimentos, a perfeição, o amor a Jesus e às suas coisas. Quero ser vítima e só quero o que quer o meu Senhor. Em toda esta angústia passei o meu dia de ontem bradando, bradando uma e outra vez ao Céu. Vi-me no Calvário e este cheio de caminhos e todos tinham que ser regados com o meu sangue. Esta visão transportou-me ao Horto. Cheia de agonia e pavor, suei sangue. Fui presa e transportada para a prisão. Suportei todos os tormentos daquela vil canalha. E hoje, sob a fúria dos mesmos, segui para o Calvário e ainda crucificada na cruz com todo o corpo retalhado a sua raiva e ódio saíam sobre mim. Eu senti que os malvados queriam ver-me desaparecer para sempre. Que ódio, que crueldade ! E o Coração divino de Jesus não deixava em mim de amar. Era dentro do meu coração que Ele amava a Humanidade inteira. E eu não podia deixar de amar a cruz; via e sentia que só ela era a vida. O sangue regou todo o Calvário e era como se regasse o mundo inteiro, todo ali presente, todo cruel a dar a morte a Jesus. Fiquei sem vida, foi como se entregasse o espírito ao Céu, a Deus. Não levou muito tempo que eu voltasse à vida; foi Jesus que ma deu e falou no meu coração.

— Quantos avisos, quantos pedidos do Mendigo Divino, e Jesus vai imolando a sua vítima, Jesus vai-a crucificando contidamente. E o mundo, o cruel mundo continua com os seus desvarios. Continua na opulência, na vaidade, na devassidão.

Minha filha, Minha querida filha, os pedidos de Jesus não são uma coisa vã. É grande, é grande, é urgente a imolação mais dolorosa e permanente. Ai de Portugal sem a vítima deste Calvário ! Pobre Portugal, se não correspondes ! Ai do mundo sem a Santa Missa, sem a Eucaristia, sem as minhas vítimas. Ai do mundo sem a vítima pequenina nos seus olhos, mas grande, muito grande, com toda a grandeza aos olhos de Deus !

Pede, pede, Minha filha, levanta ao Céu as tuas mãos, fixa nele os teus olhares, não duvides da tua prece, não duvides do teu poder com o Todo-Poderoso. Tudo pedes com Jesus, tudo pedes com Maria. Eu quero, Eu quero, sim, Minha filha, que o teu brado seja constante. Tem coragem, tem coragem; os teus sentimentos não são a realidade. Os teus sofrimentos, os teus sofrimentos nascem cada vez mais dolorosos nesses sentimentos aflitivos. A hora é grave, a hora é grave ! O teu esposo Jesus lançou mão a tudo. Quer salvar o mundo, quer salvar sobretudo Portugal. Pede, pede, Minha filha, a misericórdia, a compaixão da santíssima Trindade.

— Ó meu Jesus, ó minha Trindade Divina, como hei-de eu pedir-Vos se duvido de Vós! Como hei-de eu pedir-Vos se é tão grande a minha dúvida ? Bem sabeis, Senhor, que em nada acredito, mas não deixo de combater. Mas já que agora não duvido, já que agora acredito que existe uma eternidade, peço-Vos com toda a lama e com todo o coração: Jesus Sacramentado, Coração Divino de Jesus, Santíssima Trindade, Eterno Pai, quero aplacar a Vossa justiça, quero implorar a Vossa misericórdia. Apiedai-Vos, apiedai-Vos, compadecei-Vos de Portugal, compadecei-Vos do mundo inteiro; todo o mundo é filho do Coração Divino de Jesus.

— Ó Minha filha, ó Minha filha, todos os teus sofrimentos são obra da sabedoria divina. Tu não desgostas nem ao de leve o teu Jesus com as tuas dúvidas. Tudo quanto de ti exijo são meios de salvação. Não percas o teu heroísmo, a tua generosidade. O Senhor conta contigo. Da dor do teu coração hão-de rebentar rebentos novos, como rebentarem da árvore da cruz. Não te tenho dito Eu que em tudo te assemelhei a Mim ? Que alegria para o Meu Divino Coração se os homens compreendessem bem isto ! Tu toda Cristo, toda Jesus. Jesus em toda a vida da Sua vítima.

Vem receber a gota do Meu divino sangue.

Mais uma renovação das maravilhas de Jesus, mais uma gota de sangue divino a correr nas veias da vítima deste Calvário.

Fica, Minha filha, na tua cruz. Fica nesta dor que só Jesus conhece e compreende. Fica nesta vida que Ele te escolheu. Fica com coragem, fica com alegria. Bendiz e sorri sempre à tua cruz que te dá o Senhor.

Coragem, coragem, o Céu é contigo. Pede oração, pede penitência.

— Obrigada, obrigada, meu Jesus.

18 de Janeiro – Sexta-feira

Mais uma vez vou ditar estas linhas com o maior dos sacrifícios; não posso falar, é só para obedecer. Por satisfação minha, nada dizia, mesmo que pudesse. Gostava tanto, meu Deus, de viver escondida, muito escondidinha, onde só Vós soubésseis de mim e conhecêsseis o meu sofrer. Oh! Meu Calvário! Meu tão querido Calvário! Vejo em ti a vontade divina do meu Jesus. É por Ele que eu te amo, é pelas almas que eu te quero e, num abraço mais íntimo, me uno à minha cruz. Ai! Quanto sofro! E sem nenhuma força nem coragem para enfrentar esta vida de sofrimento, esta vida que é só dor, dor e morte. Morte que vive na dor e dor que vive na morte. Tenho medo do sofrimento, causa-me pavor, parece-me que o aborreço e odeio. E não posso com mais ânsias de mais e mais sofrimentos; consome-me a fome de sofrer. Tenho fome da dor da humanidade inteira. E toda, toda para mim essa dor, para mim sem ser para mim. Exige-a de mim a vida divina. Eu, por mim, desalento por não poder sofrer e morro por não saber amar. Quando, mo meio do deserto imenso, o meu coração e a minha alma bradam ao céu a pedir socorro, sem o receber de Deus nem dos homens, fico como que desorientada e perdida. Mas a fome da cruz e do amor a Jesus surgem-me de repente, fazem-me despertar novas ânsias; abraço-me mais fortemente a tudo o que me dá o Senhor e fico-me nestas reflexões: perdoai-me, Jesus, os meus desfalecimentos, perdoai-me tudo quanto Vos possa desgostar, alcançai-me a graça de não Vos ofender. Conheci-Vos tão cedo e ainda não principiei a amar-Vos! Que ingrata eu sou; quero viver vida nova, apiedai-Vos de mim. Tenho tido tantas, tantas saudades de me alimentar! Sem eu querer, levam-me às lágrimas! Tudo faz parte da minha cruz. Bendito seja o Senhor ! O sangue e os instrumentos dolorosos da Mãezinha, que Ela me deu do Seu Santíssimo Coração, continuam a ser para o meu motivo de sofrimento infinito. O meu coração tem que muitos, muitos rebentos e fazer que eles cresçam e floresçam. Mas ai ! Pobre de mim, não sou capaz de nada. Que pena eu tenho de não ser para Jesus e para a Mãezinha aquilo que Eles querem e desejam! Não sei que sinto a mais no coração. Parece que dentro dele há alguém que, à semelhança dos pescadores, deita redes e mais redes para apanhar este mundo imenso de almas. Quantas mais redes saem para fora do coração, mais redes tem para deitar. E que ânsias infinitamente grandes de as possuir todas, todas cheiinhas. Que tarefa, que canseira incessante! Eu habito nas minhas torres, naquelas torres de que há muito não falo. Estou no último andar, atingiu o máximo a sua altura. Tenho medo, muito medo de habitar nelas. Lá não existe luz, tudo se apagou e morreu. Sinto que ninguém sabe que elas existem. Sou ignorante e sou morte; o ignorante nada diz e a morte nada fala. O que me espera, meu Deus! Parece que tenho ouvidos para toda a parte da terra, e de toda a parte ouço a voz de dor e de espanto pavoroso. Todo o meu ser parece estar espicaçado duma chuva de espinhos que o penetra. Chora o coração, chora a alma, cheios de agonia, e a justiça do Senhor enterra-me, leva-me aos abismos, desfaz-me sob o seu peso. Ontem vivi o dia, fitando o Horto, ansiando o Horto. À noite, prostrada em agonia, dele vi o Calvário, a Cruz e os maus tratos que me esperavam. Não me importava o que tinha de sofrer, só ansiava voar para ela, para nela dar a vida. Nestas ânsias deixei-me prender, deixei-me condenar, assumi para mim toda a podridão e dívida humana. Esta manhã, sujeita à cruz, segui o Calvário; curvada sob o peso imenso, o meu rosto quase chegado à terra. Na minha cabeça ia a cabeça sacrossanta de Jesus, cercada de acerbíssimos espinhos. Por todas as feridas caía uma chuva de sangue que regava com abundância os caminhos do Calvário. No cimo fui crucificada, e levantada ao alto a cruz ; continuou a ser a montanha regada. O meu brado de agonia ecoava como a dinamite na rocha, mas o Céu, sim, o Céu, para mim parecia fechado. E a ingratidão dos homens sempre a ferir-me, sempre a levar-me à morte. As setas do coração da Mãezinha passavam para o meu coração, e este segredava-lhe : “minha Mãe, aceita o mundo que é Teu ; é filho do meu sangue e filho da Tua dor. Para o salvar tens de cooperar comigo”. Neste segredo íntimo, com os olhos fitos no Céu, acrescentei : está tudo consumado ; Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito. Tudo ficou no silêncio da morte. Veio interrompê-lo Jesus. Deu-me de novo a vida e disse-me:

― “O Céu abre-se, minha filha, pela tua dor, para aqueles para quem estava fechado. Tu és a chave com que os pecadores abrem a porta da mansão celeste. Tem coragem, minha filha, tem coragem. O mundo não é tão cruel para ti como o foi para mim. Se és perseguida, também Eu o fui. És caluniada, o teu Esposo Jesus foi-o também.  XE "Alexandrina : cópia de Jesus" És a cópia mais fiel de Jesus. É o teu Calvário. A vítima de missão tão nobre tinha de sofrer assim. Coragem, coragem ! Só à custa de dor e sangue as almas podem ser salvas. Sofre, sofre, deixa que Eu te imole. A imolação é o selo das almas vítimas, das almas de eleição, escolhidas por Jesus. Ó minha filha, minha filha, não duvides da tua vida, é a verdade pura, é a verdade tal e qual é a vida de Jesus, só a vida de Jesus em ti. Olha, minha filha, tem presente, sempre presente, aquelas almas que prometeram serem minhas, que se consagraram a Mim, e estão às portas do inferno, já nas garras de Satanás. Só a dor, só o martírio as pode arrancar. Só a tua imolação contínua as pode salvar”.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, não me poupeis, não, meu Amor. Poupai-as a elas às penas eternas. Não me liberteis a mim da cruz, libertai-as a elas das garras do demónio. Vejo que sois todo amor, sinto que sois todo amor, sei e sinto que sois todo perdão e misericórdia ; sede agora, sede sempre Pai compassivo, Pai que tudo esquece e tudo perdoa.

 “Minha filha, minha filha, nada negues ao teu Jesus. Minha filha, minha filha, atende ao mendigo divino, que bate sempre à porta do teu coração generoso.  XE "Portugal : está em perigo" Portugal, o pobre Portugal, o infiel Portugal está em grande perigo. Ele não correspondeu às graças que lhe deu o Céu ; ele não correspondeu ao amor que lhe tem o meu divino Coração e o de minha bendita Mãe. Ora, ora e sofre muito por ele. Escolhi-te para vítima do mundo inteiro, escolhi-te para luz e salvação do mesmo. Mas coloquei-te neste Calvário. No centro da província portuguesa, para seres mais e mais luz, mais e mais farol, mais e mais salvação. Vem receber a gota do meu divino Sangue; é gota que leva nela a tua vida; é gota que te alimenta, que te dá a paz, que te dá a força para a vitória, para o triunfo do teu Calvário. Deixa, deixa que os meus Anjos te apertem os cravos, Anjos que te comunicam a sua pureza, Anjos que te rodeiam e velam por ti. Fica, fica bem cingida à cruz, toda inebriada em amor, deste amor que supera e abunda no meu divino Coração. Todas as riquezas, de que ele está cheio, são tuas. Compra com elas as almas. Salva com elas o mundo em perigo, o mundo em perigo. Pede-lhe oração, pede-lhe penitência, vida nova, vida nova. Vai em paz”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus. Custa-me sair deste oceano de amor, mas saio e vou contente para a minha cruz, lutar sozinha, aparentemente sozinha, bem o sei. Perdoai-me, meu doce Amor.

25 de Janeiro – Sexta-feira

Por amor de Jesus e para o bem das almas, obedecerei até à morte. Não posso falar. Estou com se estivessem a finalizar os meus dias. Meu Deus, quando será o último da minha vida ? São tão longos, os Vossos breves ! Este agravamento do meu mal é talvez só para mais e mais sofrer. Não posso, mas quero, meu Jesus. A vontade está pronta para o sacrifício, para o martírio, para a morte. Fugi do Horto e entreguei-me ao Horto e assumi a mim toda a miséria humana. Entrei nas ruas da amargura e segui para o Calvário. No cimo dele, reguei-o com o sangue. O meu coração desfez-se em amor e fez-se todo podridão. Amou tanto, tanto que se entregou ao Pai como réu de toda a culpa, para repará-la. Amou loucamente, até dar a vida para que nós possuíssemos a eterna vida do Céu. Jesus entregou o Seu espírito ao Eterno Pai. Passei por aquela reparação, pareceu-me morrer também. Pouco tempo depois, uma luz brilhante iluminou a minha alma, e Jesus falou-me:

 “O sol divino brilha. A vida de Jesus vive na Sua vítima, na Sua esposa querida. Sim, sim, minha filha, esposa amada, só a vida de Jesus vive em ti, só o sol divino brilha na tua alma.  XE "Podridão : morte dos pecadores" A podridão, a morte, toda a morte, que tu sentes, é a podridão dos pecadores, é a morte das suas almas. Minha filha, minha filha, as punhaladas rasgam-me o peito, vazam de um lado ao outro o meu Divino Coração. Estas repetem-se aos milhares, aos milhões, a cada momento. Que chuva, que chuva constante de crimes !”

 Não posso, Jesus, não posso sentir no meu peito, no meu coração tantas punhaladas, tantas lançadas. Ai, Jesus, ai Jesus, sabeis por que não posso, meu Amor ? Porque sinto que é o Vosso peito, o Vosso Coração a sofrer isto tudo, e eu não posso, não aguento com a Vossa dor. Eu quero-Vos, meu Jesus, sim, eu quero-Vos dentro do meu pobre coração, mas é só para resguardar-Vos de todos estes sofrimentos e não para Vos deixar ferir.

 “Sossega, sossega, minha filha ; sossega, sossega, flor eucarística ; sossega, sossega, louquinha do meu Divino Coração. És tu, tu, sim, misticamente a sofrer tudo isto. Eu venço, Eu triunfo ; venço por ti e em ti ; triunfo, porque cooperas comigo, porque és fidelíssima à tua missão de vítima. A tua generosidade está pronta, sempre pronta. O que tu sentes, minha filha, todo este sofrimento vinha para Mim, se não fosses vítima, se por Mim não sofresses”.

 Ó Jesus, sois sempre Vós e não eu, pobrezinha ; por mim nada vencia, nada era capaz de sofrer.

 “Tens razão, minha filha, sem mim nada podes. Mas, para eu operar todas as maravilhas nas almas, não posso obrigá-las, têm elas de cooperarem comigo. Sofre, sofre sempre por Mim, aceita todas as lançadas, chora as minhas lágrimas. O mundo, o mundo ! As almas, aquelas almas que me arrancam o Coração ! Eu quero salvá-las ! Faço tudo, mas elas fogem, elas querem perder-se”.

 Não choreis, Jesus, não. Eu choro, eu quero chorar. Dou-me a Vós, a Vós me entrego. Descarregai sobre mim tudo o que for sofrimento, mas poupai o mundo e poupai essas almas; ai! poupai-as ao fogo eterno.

 “A paz, a paz de Jesus seja contigo para tranquilizar o teu coração.  XE "Sangue : recebe a gota" Recebe a gota do Meu divino Sangue, o Sangue que te leva a vida, o Sangue que te leva o amor, todo o amor. É esta vida, filhinha, é este amor que as almas por ti recebem com toda a abundância. Pede-lhes em troca, pede à humanidade inteira o amor ao meu Divino Coração ; pede-lhe oração, pede-lhe penitência”.

 Eu vou pedir, vou, meu Jesus, e peço-Vos também por todos os que me são queridos; coloco no Vosso Divino Coração todas as minhas intenções e por fim o mundo inteiro.

 “Fica na tua cruz, leva a minha paz, o meu amor sorri a todo o martírio”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

1º de Fevereiro

São tremendos os meus dias. É pavorosa a minha existência neste exílio. O corpo, a pobre natureza, não tem força para mais. A alma está na maior das agonias. Brada num deserto imenso, não há quem se compadeça dela. O que será de mim, meu Deus ? Como vencer, se me abandonais ? Vejo perdida toda a minha vida. Sinto como se nada adiantassem tantos anos de sofrimentos. Eu não vou cair no desespero, estou certa que é Jesus e a Mãezinha, mesmo sem eu dar por conta, que me têm amparado.

Na noite de 28 para 29,  XE "Tentação contra a fé" tive uma grande tentação contra a Fé, contra a existência de Deus. E mais, meu Deus, muito mais, o que não explico aqui com temor de prejudicar alguém. Não sei como devo proceder e neste receio mais nada digo. Por várias vezes me veio ao pensamento deixar de comungar. Mas como, meu Deus, se só Jesus é a minha força. E, depois, o receio de dar escândalo por deixar a Sagrada Comunhão ! Ai de mim, pobre de quem está assim tão sozinha ! Não posso mais, continuo a não poder falar. Só Jesus e as almas são a causa do meu indizível esforço. Ainda continua no meu coração o sangue e o ferimento do Coração Imaculado da Mãezinha, unido ao de Jesus. Que dor imensa, que dor infinita ! Os enxertos têm de brotar, crescer e florir no meu coração. A mim parece-me que os não deixo crescer, que os enveneno, derroto e faço desaparecer. O meu Horto de ontem foi de duas formas. O Horto da agonia do que em mim se passou, e o Horto de dor dos meus queridos amigos, o Horto de Jesus e da Mãezinha que tanto me fizeram associar à dor e à agonia dos Seus Santíssimos Corações. Senti muitos sofrimentos da paixão de Jesus, agonizei e suei sangue. A noite foi um doloroso Calvário. Sempre que me foi possível, fiz companhia a Jesus, ora nos sacrários, ora na prisão, sempre prisioneira com Ele. Hoje, segui para a montanha. O coração foi vítima da amargura e dos tormentos de Jesus. Pregada na cruz, todo o meu corpo estava submetido no de Jesus, e as Suas chagas derramavam sangue sobre as minhas ; era o sangue de Jesus que regava todo o Calvário. Quando Ele expirou, eu expirei com Ele e o meu coração expirou todo abrasado em amor que cobriu todo o Calvário. Depois de uns momentos de silêncio mortal, Jesus voltou a dar-me a vida, incendiou-me o coração e disse-me:

 “Hoje, minha filha, peço amor, muito amor, amor puro, semelhante ao meu divino amor. Não posso, não posso mais com os crimes dos homens. Venho pedir amor, muito amor, amor puro, semelhante ao do meu Divino Coração, para suavizar tanta dor, para cicatrizar as minhas chagas. Ó mundo, ó mundo cruel e ingrato, como te atreves a apunhalar e a ferir o teu Deus e Senhor ?”

 Ó Jesus, ó Jesus, não consinto mais ; não posso consentir, nem mais uma punhalada eu deixo ir de encontro ao Vosso Divino Coração. Coloco à frente do Vosso o meu pobre e indigno coração. Estou certa, Jesus, que essas punhaladas tão cruéis, que eu vi cravarem-se no Vosso Divino Coração, não se repetem mais no Vosso, mas sim no meu, meu doce Amor. Jesus, Jesus, ó meu querido Jesus ferido, não consentirei mais, não consentirei mais.

 “Ó minha filha, minha querida filha, heroína sem igual, o mundo é cruel para mim, os pecadores são cruéis assassinos do meu Divino Coração. Mas olha, Eu em ti encontrei o bálsamo que me cura, o remédio que faz desaparecer de mim todas as chagas e arranca deste Coração, que tanto amou e ama, todos os punhais que Lhe foram cravados, todos os espinhos que o cercam. Sofre, sofre, minha filha, minha pomba bela, florinha da Eucaristia. Sofre, porque o teu sofrimento é sofrimento de salvação, é o mais agradável ao meu eterno Pai. A tua dor, minha filha, é um incenso de reparação que vai aplacar a Sua justiça divina. Oh ! Como é bela e agradável aos olhos do Senhor a alma vítima, a vítima de imolação. Escuta, escuta, filha querida; está em paz, enche-te da paz que te dá Jesus. Tudo quanto sofreste foi uma reparação que de ti exigi, para que não fosse, naquela noite e naquela hora, aquela alma cair no inferno. Hás-de dizer tudo, dar-te-ei a coragem. São lições que Eu dou, lições que devem ser aprendidas e bem decoradas para sempre. Vem receber a gota do meu divino Sangue; depois os dois Corações unidos, o da vítima com o de Jesus; passou lentamente o sangue virginal, o sangue que tem sido e será a tua vida, o sangue que é fonte salvação para quantos de ti a quiserem receber”.

 Ó Jesus, dai-me tudo, dai-me tudo para eu sofrer, desde que me deis a Vossa graça, o Vosso Amor, mas atendei às minhas preces, atendei, atendei, Jesus, não olheis a esta pobre, amais pobre e miserável, que Vos pede, mas olhai às Vossas divinas promessas e à Vossa exigência em me mandardes pedir-Vos. Peço, Jesus, peço e confio.

 “Pede, pede, minha filha. Se tu soubesses o que seria se não sofresses, se não pedisses ! Pede-Me, pede-Me, não desanimes. Tem coragem, fica na tua cruz. Pede ao mundo que me atenda, que faça oração e penitência, que se emende dos seus crimes”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus ; muito obrigada, meu doce Amor.

2 de Fevereiro

Depois duma noite angustiosa, tormentosa, ou melhor, pavorosa, sem poder separar-me de tanto sofrer e suavizar a dor daqueles a quem tanto ano, fiz com isto a preparação para a vinda de Jesus ao meu coração, que ainda ardia com o fogo que ontem recebera. Comunguei, o fogo incendiou-se, a nova vida de Jesus fez-me reviver, e logo ouvi a Sua voz divina, que dizia :

 “É tão lindo, tão lindo o Céu ! Só à custa de dor, só à custa de sofrimento é que pode ser essa beleza celestial dada às almas. Minha filha, minha filha, tem coragem, coragem heróica, aquela coragem própria só dos santos. Minha filha, minha filha, o Céu é belo, o Céu é belo. Minha filha, minha filha, as almas fogem. O mundo está em perigo. É necessária, é urgente a imolação. É necessário, é urgente que haja dor, dor profunda, dor que faça sangrar o teu coração e o de todos os que te rodeiam e mais de perto cuidam de ti.

Diz, minha filha, ao teu Paizinho que só no Céu pode ser compreendido o porquê de tantos sofrimentos, de tantos espinhos. Pena tenho, pena tenho, filha querida, que tão poucos dos Meus sacerdotes compreendam a fundo a vida divina, a verdadeira vida de Jesus nas almas. Não a vivem e por isso não a sabem compreender.

E, depois, Jesus sofre e sofre porque não tem almas de eleição, almas vítimas que cheguem a reparar por tantos crimes. Dá ao teu Paizinho todo o meu amor e a certeza de que a luz brilha, as palavras de Jesus se cumprem, as Suas promessas se realizam.

Diz ao teu médico que se abrace à cruz, que se curve reverente, com alegria, à passagem da mão benfazeja do Senhor. Jesus passa e fere, porque muito o ama e muito se delicia no seu jardim florido. Ele tem que compartilhar da imolação e missão da minha vítima. Dá-lhe amor, amor, sempre amor”.

 Ó meu Jesus, ó meu Jesus, perco a coragem para tudo. Lembro-me que sou eu a causa de tantos males, de tantos sofrimentos.

 “És, és, minha filha, a causa de grandes bens, dos maiores bens, dos maiores bens. Pede-me, pede-me, porque tudo o que Eu faço é só por amor e para evitar grandes males. Vem, minha bendita Mãe. Conforta a nossa filhinha. Purifica-a com a tua pureza, limpa-lhe com ela toda a poeira, deixa-a alva, mais alva do que a neve”.

 Ó Mãezinha, ó Mãezinha, Vós sois toda luz, Vós sois toda amor. Só em teus braços e nos de Jesus estou bem.

 “Minha filhinha, minha filhinha, querida esposa do meu Jesus, avivo no teu coração, avivo de novo as feridas que há um mês te produziram os instrumentos que feriram o meu Coração. Tiro um instrumento do teu coração, para vir ao meu buscar mais sangue, para fortalecer mais a enxertia que foi feita em teu coração. É a enxertia das almas. Repara o meu Coração e o Coração Divino de Jesus. Repara-nos continuamente pelos crimes do mundo e pelos sacerdotes desvairados, que estão prestes a cair no inferno. Ai deles sem a tua reparação, ai do mundo, ai de Portugal ! Leva o amor de Jesus e de Maria, leva-o e dá-o ao teu Paizinho, ao teu médico, dá-o a todos os que te são queridos. É amor que dá tudo, é amor que dá coragem, toda a coragem, que vence toda a dor. Coragem, coragem”.

 Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. Depois das Vossas carícias, ó Jesus, ó Mãezinha, mais uma vez Vos peço: atendei, atendei aos meus pedidos, ás minhas preces. Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha.

8 de Fevereiro – Sexta-feira

O mundo está morto, fui eu que lhe dei a morte. Não posso fitar esta mortandade, nem o nojo que tal podridão me causa. É infinita a minha dor. Sinto o meu coração unido aos Corações Divinos de Jesus e da Mãezinha ; está unido a Eles só para sofrer. Chegam ao meu pobre coração todas as coisas que ferem Os d’Eles. É infinita, é infinita, sim, a minha dor, porque é a dor de Jesus. Não posso com ela, não tenho forças nem coragem para mais. Ceguei e não vi mais a luz, caí e não mais me levantei. Parece que fiquei a meio do Calvário. E, agora, sem luz, sem guia e sem vida, não posso chegar ao termo da minha viagem. Brado, brado num bosque imenso; sai da minha morte este brado, não chega ao Céu, e na terra não existe quem me possa valer. Temo e tremo com tudo e diante de todos ; parece que de todos desconfio, e que todos me desprezam, e diante deles me apavoro. Queria viver num lugar solitário, na maior solidão, sem ter quem me fitasse e separasse da união com o meu Deus. Ai de mim! Quantas vezes me parece que Ele não existe. Duvido de todas as coisas de Deus e da Sua existência. Duvido sem querer duvidar. É uma luta, é um combate constante. Quero amar o meu Senhor, não quero separar-me d’Ele e tudo por Ele quero sofrer e não sou capaz de nada, sou inútil para tudo. Sofro, sofro por Jesus, por saber que Ele é ofendido. Sofro, sofro pelos que me são queridos, por sentir que sou eu, só eu a sua ruína, a causa de todos os seus males, que Jesus os castiga por eles me amarem e acreditarem em mim.

 Ó Jesus, ó Mãezinha, compadecei-Vos desta alma triste e atribulada ! Temo-me a mim mesma, não acredito em mim, tenho dúvidas de toda a minha vida, apesar de nada fazer, de nada sofrer, a não ser por Jesus, para O consolar e alegrar. Não faço a mínima coisinha com os olhos no mundo nem nas criaturas. Não quero as suas honras nem louvores para nada. Não me importa de ser sempre humilhada, contanto que eu faça em tudo a vontade do Senhor e do Céu para tudo me venha a força. Toda a humanidade levantou muralhas à volta de mim, tão altas, tão altas que parecem chegar ao Céu. Entre elas estão as minhas torres a desfazerem-se de velhinhas, e eu sozinha a habitar nelas. Sinto o coração e a alma em sangue, e os tais enxertos, que de mim rebentaram e têm que florir, a serem derrotados pelo vendaval. O chilrear das avezinhas, a anunciar a aproximação da Primavera, cheia de flores e encantos da natureza, é para todo o meu ser um outro Calvário que não posso aguentar. O Senhor seja bendito. Foi nestes sentimentos angustiosos que passei o meu Horto de ontem. O mundo caiu sobre mim, eu fiquei toda mundo, e o Céu caiu com todo o rigor da sua justiça sobre mim. Assim esmagada, suei sangue e agonizei. Durante a noite, o meu coração e a minha alma tiveram que sofrer com Jesus. E, nesta manhã, com a cabeça coroada de espinhos, segui para o Calvário. O meu corpo descarnado era como que um esqueleto em sangue. O coração estava ainda mais ferido. A dor era ainda mais violenta. Sentia um tormento indizível. A mesma dor continuou, quando já pregada na cruz. Ai! só o Céu pode ser testemunha de tanta dor! Só Jesus a pode compreender. Só Ele podia resistir no meu pobre corpo. A dor, sim, aquela dor infinita não é capaz a minha ignorância de a fazer compreender. O brado da minha alma ao Céu não podia cessar. Todo o meu ser era coração para amar e se entregar ao Pai. Foi n’Ele que Jesus expirou e foi com Jesus que eu expirei também. Fiquei no silêncio da morte, interrompido pela voz de Jesus, que me disse :

 “Vem, vem, minha filha. Jesus quer abraçar-te, quer estreitar-te ao Seu Divino Coração, quer-te, minha filha, mais que às pupilas dos Seus olhos… Quero-te e amo-te a mais não poder amar-te, apesar de todos os teus desfalecimentos. Anima-te, anima-te, tem coragem. É Jesus sobre ti com dura prova, com a maior de todas as provas. Não sou eu que exijo, minha filha. É o mundo em guerra, é o mundo em incêndio de crimes, são aquelas almas que tu sabes, que Eu te fiz conhecer. São essas que exigem tantos e tantos sofrimentos, uma vez que és a vítima mais amada do Senhor e de maior generosidade e amor. Provo-te assim desta forma. Não és tu que fazes sofrer os que te são queridos. Sou Eu que o quero, sou Eu que o exijo e assim o permito. Sabes porquê, minha filha ? Aqueles, a quem mais amo e estão perto de ti, têm de partilhar da tua imolação, do teu Calvário. A missão é nobre, é a mais sublime… a reparação que o mundo exige não podia ser dada só por ti”.

 Perdoai-me, meu Jesus, perdoai-me. Estou tão triste, em tanta agonia, parece que nem acredito. Não acredito, não, meu Jesus, mas é só em mim. Vós sois a verdade, mas eu sou nada.

 “Coragem, coragem, acredita no que te diz Jesus. Tudo o que em ti se passa, já há muito que Eu te vinha prevenindo ; nem comigo terás luz, nem comigo terás a certeza de que sou Eu, a não ser aquela luz e certeza que te é precisa para resistires à tua imolação, ao teu calvário. Custa muito ao meu Divino Coração e ao de minha bendita Mãe ver-te assim sofrer, fazer-te sofrer assim.  XE "São poucas as almas que se deixam sacrificar" Mas são tão poucas as almas que se deixam crucificar ! E, assim desta forma, com tal generosidade e tal amor, és a primeira, minha pomba bela, florinha eucarística”.

 Ó Jesus, dáveis-me mais certeza de que éreis Vós, se me humilhásseis, se me dissésseis o muito que eu Vos tenho ofendido. É certo que eu me sinto humilhada, muito humilhada, olhando para mim. Se olho para Vós e a Vós atendo, vejo bem claramente que todas as coisas são Vossas, e que é delas que Vós falais. E então permiti-me que eu Vos diga o meu grande obrigada, o eterno obrigada, e abraço no meu coração tudo quanto me quiserdes dar. Com a Vossa graça, todo o sofrimento; estou pronta, estou pronta, Jesus. Agora sinto o meu coração mais forte e sinto mais, muito mais, o Vosso divino amor.

 “Sabes para que é esse amor e essa fortaleza ? É para dizer-te, minha filha amada, que contes com mais, mais sofrimentos daqueles que tanto, tanto te custam e fazem desanimar. Só, assim, aquelas almas infelizes não cairão no inferno. Aceitas, aceitas ?...”

 Aceito, aceito, Jesus. Parece que me tiraram todo o sangue. Eu aceito, mas tudo Vos entrego. Velai, velai, para que Vos não ofenda.

 “Vem então receber a  XE "Sangue : vem receber a gota" gota do Meu Divino Sangue, que vai dar força e vida ao teu sangue. É sangue novo e vida nova que vai correr nas tuas veias, que vai viver em ti. Fica na tua cruz, fica com alegria, encobre com o teu sorriso, o mais que te seja possível, o martírio da tua alma. E com o teu sorriso, ou melhor, o Meu sorriso que está nos teus lábios, que fazes o bem, grande bem, o maior bem, a tão grande número de almas. Eu estou com o Pai e o Espírito Santo, no teu coração. Falo pelos teus lábios e sorrio pelos teus lábios. Vai em paz e pede ao mundo a sério, a sério que atenda aos pedidos de Jesus, que repare bem nas Suas ameaças. A justiça cai, a justiça cai”.

 Obrigada por tudo, meu Jesus, e perdão, e misericórdia para a humanidade inteira. Atiro para o Vosso Divino Coração as minhas intenções. Aceitai-as e atendei aos meus desejos, meu Jesus.

15 de Fevereiro – Sexta-feira

No meio do bosque deste mundo, continuo a bradar. As muralhas que me rodeiam abafam este brado, não o deixam ecoar nem chegar ao Céu, e na terra parece não haver folgo vivo que possa valer-me. Tudo é morte, tudo é morte, e fui eu quem lha dei, fui eu o veneno da pobre humanidade. As minhas torres carcomidas desfazem-se, e tudo sobre a minha morte fica reduzido ao nada. Tremendo, pavoroso abandono ; não tenho ninguém por mim. Parece que todo o amor, amparo e todas as coisas, que por mim eram feitas, agora me são dadas com a maior má vontade e aborrecimento. Sofro, sofro indizivelmente. Até agora parecia chorar eu o bem que fazia, mas agora é mais duro ainda, parecem todos chorar a amizade forçada que me dispensam. Meu Deus, quantas dúvidas do Senhor e de todo o Céu ! Que tremendas tentações ! Quantos segredos eu escondo nelas. Nestes dias foram três que me levaram a todo o receio de pecar, de ofender muito, mas muito, o meu Jesus, e vinha-me a tentação de deixar de O receber. Mas, ai de mim, como resistir sem a Eucaristia ? Uma destas pavorosas tentações principiou quinze minutos depois de eu ter comungado. Parece que não podia acreditar que tal pudesse suceder. Mas a minha alma viu tantas coisas que a fez compreender porque Jesus tal permitiu. Se eu pudesse acreditar sempre, então não sofria. Mas são tão raros e tão escassos os momentos ! Apesar de estar tão desordenada e fora de mim, chamei muitas vezes por Jesus e pela Mãezinha, renovei-Lhe a minha oferta de vítima, mesmo sem saber d’Eles e a sentir que tudo me rejeitavam. A terra abria-se em fendas, as chamas do inferno pareciam juntar-se ao fogo das paixões, e os demónios, por aquelas fendas, por entre as chamas, estendiam as suas negras mãos, tentavam ver se conseguiam arrastar-se para lá. Não me chegaram, nada conseguiram, mas eu reconheci que era digna de todo o inferno, e então dizia : antes quero, meu Jesus, o inferno por toda a eternidade do que ofender-Vos, desgostar-Vos por um só momento. Também já vai há uns dias que eu diviso ao longe, muito ao longe, aquela morte que já por mais vezes tenho divisado e sentido. Esta morte vem de encontro à vida que possuo, que não é minha, mas tenho eu que aceitá-la e sofrer todos os tormentos que com ela me traz. Estou pronta, sim, meu Jesus, dai-me a Vossa força e graça, sou a Vossa vítima. a minha alma não pode deixar de chorar, nem o coração de sangrar. São tantos os punhais, são tantos e tão variados os espinhos ! Meu Deus, meu Deus, valei-me, não tenho força para sofrer. Ontem à noite, a minha alma estava sozinha, no meio do Horto. A dor era infinita e o meu sangue banhava a terra. Foi dali que eu vi o Calvário e o abracei, num abraço eterno, com todo o martírio que ele me mostrava. Recebi o beijo de Judas e fui para a prisão. Velei com Jesus durante a noite. De manhãzinha, o meu coração adivinhava o quanto sofria o Coração da Mãezinha, e com que ansiedade Ela andava à minha procura, ou melhor, à procura de Jesus. Segui para o Calvário, e Ela, lagrimosa, saiu-me ao encontro. Quantas coisas um ao outro disseram os nossos corações ! No alto da cruz, eu estava crucificada com Jesus, e Ela, de pé, sofria a mesma dor e agonia. A sacrossanta cabeça de Jesus, coroada de espinhos, estava unida à minha, rosto com rosto, alma com alma, coração com coração. De dentro do meu, falava o Coração de Jesus ao Coração de Mãezinha, e entendiam-se muito bem. Nesta união, expirou Jesus, eu expirei com Ele. Pouco depois, triunfei da morte. Jesus aqueceu-me o coração, fez-me viver e disse-me :

 “Minha filha, minha filha, é grande e rico, infinitamente grande, infinitamente rico, o meu Divino Coração. E faz grande, rico, infinitamente grande, infinitamente rico, o teu. As minhas grandezas e riquezas são as tuas. A minha vida é a tua vida, sou Eu quem vive em ti. Tu vives a minha vida dolorosa e vives a minha vida de triunfo. Vives a vida dolorosa para Me reparares e consolares; vives a minha vida de triunfo, para me honrares e louvares. Comigo triunfas em tudo e sobre tudo. Minha filha, minha filha, flor mimosa, flor perfumada da Eucaristia, Eu não consenti nem consentirei jamais que tu Me desgostes na reparação que te peço. Confia, confia, minha filha ; se não fora a tua reparação heróica, muitas almas iriam do pecado para o inferno. E, sobretudo, o maior número daquelas que se consagram a Mim, daquelas de quem Eu tudo devia receber, daquelas que deviam ser as primeiras no amor, no sacrifício, na renúncia de si mesmas, daquelas que mais que todas as outras deviam ser puras, santas, para santificar a humanidade. Está triste o Meu Divino Coração, e comigo O de Minha Bendita Mãe. O teu sangra e há-de sangrar sempre, para que os Nossos não sangrem. Tu sentes que morres de dor, para que as almas não morram no pecado, e seja essa morte eternamente”.

 Ó Jesus, ó Jesus, Vós bem sabeis que sois tudo para o meu pobre coração. Eu queria ser perfeita, o mais perfeita possível no cumprimento do meu dever; eu queria ser pura, o mais pura possível para cumprir a Vossa vontade, para desempenhar a minha missão. Temo e tremo, duvido de mim. Temo e tremo, Jesus, estou receosa de todo o meu viver ; não me falteis com a Vossa Divina Graça. Tudo tenho feito só com os olhos em Vós, só com o fim de Vos agradar e salvar-Vos as almas, todas as almas em perigo, toas aquelas que se afastam de Vós. Mas ai de mim, sinto que não sou capaz de nada e sinto que Vós não podíeis viver sem mim, nem em mim operar tantas graças.

 “Ó minha filha, minha filha, não duvides do poder divino. Eu com a minha sabedoria e santidade preparei-te para esta árdua missão, a missão mais sublime de todas as missões. Aparece o teu nada e miséria, para esconder a minha grandeza e sabedoria. Tudo para ti se esconde nas sombras das tuas faltas. Se não fosses preparada divinamente, Eu não poderia falar-te como te falo, empregar os títulos que tenho empregado, e que alguém duvida por Eu te falar assim. Pobre ignorância e cegueira humana ! Se conhecessem a grandeza de Deus, a santidade e pureza de Deus e a vida divina nas almas, não duvidavam, acreditavam firmemente, procuravam assemelhar-se àquelas que Eu tanto assemelhei a Mim.  XE "Sangue : vem receber a gota" Vem, minha filha, filha querida, vítima generosa, luz e farol do mundo, recebe a gota do divino sangue. Passou a vida de que vives, passou a força, para mais e melhor dares ao teu Jesus a reparação que de ti exigir. Fica na cruz, é sempre nela crucificada que acodes ao mundo em guerra, ao mundo culpado. Pede-lhe reparação e reconciliação comigo, pede-lhe emenda de vida, diz-lhe que tema e trema com as ameaças constantes do Meu Eterno Pai”.

 Aceito, aceito, meu Jesus, que estes cravos me sejam mais apertados ; aceito toda a imolação que Vos aprouver dar-me, mas aceitai também as minhas preces e atendei aos meus pedidos ; sabeis o que eu quero e agora me está presente, mais presente no coração. Não olheis para mim, que nada mereço ; olhai para Vós que sois Todo-Poderoso. Confio, confio, meu Jesus.

 “Confia, confia, minha filha, podes confiar. Tudo o que faço é por amor e para melhor. Vai em paz”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

22 de Fevereiro – Sexta-feira

Está em sangue, todo em sangue, é uma chaga viva, profunda e dolorosa, o meu coração ; não cicatriza um só momento. Tem segredos a minha dor, o meu martírio. Os espinhos, que me ferem, são variadíssimos. Ao sentir-me assim tão ferida, desfalecida e incapaz de resistir a tanta dor, os meus desabafos vão para Jesus e para a Mãezinha, e digo-lhes: ó Jesus, ó Mãezinha, quem poderá resistir a tanta dor ? Mas, lembrando-me logo que é d’Eles, dos Seus divinos Corações que me vem a força, acrescento logo : ai, já sei, é de Vós que eu tudo recebo, é convosco que em tudo venço. Perdoai-me, perdoai-me. E assim passo os dias e as noites numa indizível angústia. A minha ignorância nada sabe dizer. A morte não fala, mostra-se a si mesma, tal qual é. Só sentindo a morte total em todas as coisas, nós sabemos compreender o que é a morte, a morte real. Novas tentações se repetiram em mim. Meu Deus, meu Deus, pavoroso Calvário e por vezes pavoroso estado de alma ! Eu não as digo, tais quais elas são. Tenho medo, muito medo de escandalizar. Eu sou a autora de todos os males, sou um monstro de podridão e de vícios. As paixões desordenaram-me, levaram-me à desvergonha e loucura. Parece-me que as minhas confissões são nulas e as minhas comunhões sacrílegas. No fim de tão tremendas lutas, a dor do meu coração é superior a toda a dor, é infinita. Se por um lado a alma e o coração choram, por outro a loucura dos prazeres é de tal ordem, cega-me de tal forma que não olha à ofensa feita ao Senhor. Não penso nem me importo do Seu perdão, mas sim busco com toda a maldade e veneno tudo quanto possa satisfazer os meus desejos infernais; todo o meu ser é loucura, é prazer e é inferno. E então sinto Jesus a repelir-me. A minha alma vê-O de face voltada, Ele não pode ver em mim tanto crime. Pobre de mim! Nestes momentos, quase lhe podia chamar desesperadores, se não fosse a graça do Senhor. Eu fito a imagem do Coração Divino de Jesus e parece-me que Ele me olha com olhares repreensivos e de justiça. Fito o rosto imaculado da Mãezinha, e, apesar de Ela estar inclinada para mim, parece-me que Ela nem para mim olha e fita os Seus olhos misericordiosos para lugares opostos e não para onde eu estou. O que fazer a isto, meu Deus ? Renovo o meu acto de abandono e a minha entrega de vítima e vou repetindo que amo os Seus Divinos Corações, que Lhes quero e que por Eles tudo aceito, a parecer-me mesmo que nada disto é assim. Vou sofrendo, sofrendo e confiando, sempre sequiosa de mais e mais sofrer, de mais e mais amar. Quero sofrer e nada posso sofrer. A vinha dos enxertos do meu coração é tão grande ! Eu não tenho vida para lhes dar a vida. A tempestade não cessa, a querer destruir, derrotando, deitando a terra os seus ramos verdes e viçosos. A morte lá vem de longe, de encontro ao meu coração. Ele vê-a e estende-se para ela e receber todas as suas crueldades. Ontem, transportada ao Horto, o meu coração fez-se como uma nuvem que, em vez de absorver água, absorvia toda a dor e martírio, dor e martírio estes que se transformavam em sangue que ia regar todo o Calvário e nele a humanidade inteira. Nesta manhã, segui as ruas da amargura; não podiam ser mais tristes e amargas. O meu coração foi sangrando em toda a viagem. Quanto mais caminhava, mais espinhos e lanças o feriam. O corpo, sem poder aguentar o peso da cruz, caiu desfalecido. Jesus parecia que ia ofegante, dentro de mim. No alto da cruz continuei a senti-lo ofegante, mas quase sem vida. O Seu Divino Coração agonizante ia agonizando dentro do meu. Também no meu coração, os Seus divinos lábios balbuciaram : “Tenho sede !” E foi nesta sede de amor que Jesus entregou o Seu espírito e o meu com O d’Ele. Depressa senti como se de cima abaixo se rasgasse um véu, e Jesus apareceu-me com a Sua luz e deu-me a Sua vida. Após uns momentos, falou-me assim :

 “Aqui está Jesus, o mendigo, o pedinte do amor. Aqui está Jesus, o pedinte, o mendigo da dor, daquela dor que repara, daquela dor que dá a vida às almas. Repara o Coração Divino de Jesus, dá às almas a vida da graça, as quais custaram o Seu Divino Sangue. Reparai, reparai bem quem é o pedinte, quem é o mendigo. É Jesus, é Jesus, ansioso de se dar, de se dar todo, com todas as riquezas do Seu Divino Coração. É Jesus, ansioso de possuir inteiramente os corações da humanidade inteira. Reparai e ponderai como é grande, infinitamente grande o amor misericordiosíssimo de Jesus. Reparai! Jesus baixa do Céu à terra, vem ao coração da Sua esposa e vítima pedir, pedir incessantemente. Jesus pede amor e pede reparação. Ó minha filha, minha filha, os pecadores rasgam à espada o meu Divino Peito e atingem cruelmente este Coração que tanto amou e ama. Ó minha filha, minha filha, os meus divinos olhos têm que chorar. Este Coração amorosíssimo não pode cessar de sangrar ; a chaga está aberta. Fazem-Me chagas sobre chagas. São os pecadores, são os ingratos, são os cruéis”.

 Sossegai, sossegai, Jesus. Parem ao longe, muito ao longe, não de mim mas sim de Vós ; longe de Vós para ferir-Vos, mas perto de Vós para receberem o Vosso perdão. Parem e venham todos para mim, para ferirem o meu pobre coração, para não ferirem o Vosso. Parem e venham todos para mim com todas as crueldades, com todos os martírios, para que eu possa, sim, meu Jesus, dar-Vos a Vós toda a reparação necessária. Eu quero chorar e chorar sempre, meu Jesus, as Vossas lágrimas. Eu quero sofrer e sentir sempre as Vossas dores. Parem, parem ao longe os corações ingratos, para não usarem para Vós de mais ingratidão. Venham, venham para mim todos. Estou pronta a imolar-me, a sacrificar-me, para não ver o meu amantíssimo Jesus chorar nem sofrer.

 “Pede, pede, minha filha, pede mais uma vez a Sua Santidade, ao Papa, ao meu representante na terra que a sua voz se faça ecoar na humanidade inteira como trombeta celeste que vem avisar, que vem prevenir, que cai em breve, muito em breve, sobre o mundo culpado, toda a justiça, toda a vingança do Senhor. Que mais uma vez ecoe a sua voz de Pai. Filhos meus, pede-vos Jesus. Fazei oração, fazei penitência. Convertei-vos ! Deixai-vos dos crimes e das iniquidades, minha filha, minha filha, todo o pai que avisa ama. Todo o pai que repreende é correcto e fiel à lei do Senhor, assim como Eu o sou à lei do meu Pai”.

 Ó meu Jesus, ó meu Jesus, estou cheia de medo, estou aprovada. A minha lama vê o mundo destruído, todo em ruínas. E parece que o Céu, revestido de nuvens negras, esmaga a terra e sobre ela deixa cair um fogo, um fogo consumidor. É a chuva, é a chuva da justiça. Bem o compreendo, meu Jesus. Perdoai, perdoai, sou a Vossa vítima. Perdoai por mais tempo. Perdoai, perdoai sempre.

 “Vem, minha filha, minha amada filha.  XE "Sangue : vem, minha filha, receber a gota" Recebe a gota do meu divino Sangue. Uniram-se os corações, O de Jesus com o da Sua esposa. Passou lentamente a gotinha de sangue. É a tua vida, é a tua vida. Jesus to afirma. É a força na tua imolação. É a vida que dás às almas. Vives de Jesus, dás a vida de Jesus. Vives a vida da graça, é a vida da graça que tu dás. Tem coragem, estou contigo. O meu divino Coração não pode separar-se do teu coração sofredor. Coragem, coragem ! Fica na cruz”.

 Obrigada, meu Jesus, obrigada, meu Amor !

29 de Fevereiro – Sexta-feira

Tenho medo de Jesus, tenho medo dos Seus colóquios, e apetece-me dizer-lhe que os não queria. Tenho medo das visitas. Queria-me sozinha, no recolhimento, no silêncio. A presença das pessoas causa-me por vezes tal revolta, quase me levam a impacientar-me. Meu Deus, meu Deus, a minha cruz, o meu martírio! A dor é tanta, tanta e eu sem força para sofrer. Quantas vezes me parece que o meu corpo e a minha alma não têm força para sofrer mais. Tudo o que é dor me apavora, mesmo que o não seja. Continuo a ter medo de todos e a sentir que tudo quanto fazem por mim é chorado. E continuo a sentir que sou a causadora de todo o sofrimento e de todos os males de todos quantos me são queridos. Tenho tido várias tribulações, tremendas tribulações; levam-me o coração e a alma à maior das agonias. Quando estou quase persuadida de que Jesus e a Mãezinha, se existem, não olham para mim, fito as Suas imagens com a maior confiança que me é possível e digo-Lhes : ó Jesus, ó Mãezinha, ainda que seja eu a praticar todas estas maldades, vícios e crimes, é sempre dentro dos Vossos Corações que eu os pratico. Não saio, não há quem me arranque d’Eles para fora. Bem sabeis que antes quero o inferno por toda a eternidade do que só um momento Vos ofender. Sou a Vossa vítima. os enxertos cá estão no meu coração, vão crescendo, crescendo, têm que ser regados e cevados com dor e sangue. A tempestade não cessa, parece que só se satisfaz com a sua completa derrota. Aquela morte mais estranha vem vindo a passos lentos para mim. Traz à sua frente as maiores humilhações, tormentos e barbaridades. Ontem, pela noite, o meu coração fez-se como que uma pomba a descer do Céu; pousou sobre o olival do Horto ; parecia com o seu biquinho passar para si não sei o quê ; como que o suco das folhas, e em si sustentava muitos, muitos raminhos, que colhia como sinal de paz. Queria dar-se, dar-se e receber. E para isso baixou ao solo, louco de amor envolveu-se em toda a terra. Ficou todo manchado e em troca descarregou o mundo sobre ele toda a espécie de sofrimentos. Gostava de dizer tudo quanto senti nesta ocasião. A pureza e o amor do que disse parecer pomba que baixou do Céu, como ficou manchado o meu coração, que significava tudo isto. A ansiedade que ele tinha de se dar, para dar toda a felicidade, que era o Céu. E como ficou, quando se viu envolto no lodo e na lama do mundo. Ficou podre como ele. E, em troca de tudo isto, só ia receber a ingratidão e tudo quanto era sofrer. A minha grande ignorância não me permite dizer mais nada. Destes sentimentos e visão nasceu a agonia e suor de sangue. Depois de uma noite de doloroso martírio, segui nesta manhã para o Calvário.  XE "Missa : celebrada no seu quarto" Foi celebrada no meu quarto a Santa Missa. Ofereci-me à Mãezinha, para ser imolada no altar. Pedi-lhe para assistir, como Ela assistiria, ao Santo Sacrifício. Caminhei para o Calvário. Não tinha nenhuns sentimentos de piedade e de amor. Fiz quase toda a viagem a sentir o demónio sentado no meu coração. Causou-me tal tormento que eu queria arrancar, se pudesse, para fora de mim o coração e atirá-lo ao longe, onde não pudesse mais pertencer-me, nem unir-me a mim. Crucificada na cruz, ainda continuei a sentir a mesma coisa. O maldito estava em mim e parecia-me que estava em terreno que não era meu, que não me pertencia. A Mãezinha estava dolorosa ao pé da cruz. Eu sofri por a ver sofrer. Sentia a Sua dor. Do coração saiu a entrega do espírito ao Eterno Pai. Pareceu-me que morri. Jesus veio e fez-me ressuscitar, não com aqueles sofrimentos, mas sim com a Sua vida, ora dolorosa ora de amor. Falou-me assim :

 “Jesus vem, Jesus manifesta-se, Jesus mostra-se claramente. O que vem Ele fazer ao coração da Sua esposa e vítima? Vem falar pelos Seus lábios, vem pedir, vem mendigar. Reparai, reparai. Estai atentos. É o amor de Jesus. São convites celestes. Venho pedir amor, venho convidar todos a amar o meu Divino Coração. Venho, venho, sim, nestes tempos em que as maldades, os crimes hediondos atingiram toda a altura. Amai, amai o Coração Divino de Jesus. Reparai, reparai por todas as iniquidades. Ó minha filha, minha filha, Jesus está no teu coração. Como prova de que Ele está, e não Satanás, não sentes que o expulsei para longe, muito para longe de ti ?”

 É verdade, ó meu Jesus, não o sinto a ele, e toda aquela impressão, que tinha de o arrancar para fora do coração, desapareceu-me. Que terror ! Que terror, meu Jesus ! Se não fôsseis Vós a resistir em mim, tenho a certeza de que tinha desfalecido, a ponto de Vos ofender. Sofro assim, porque sois Vós que sofreis, sim, sofreis em mim; sois a minha força.

 “Dá-me dor, dá, minha filha. Dá-me toda a reparação que te peço. Tudo o que a tua alma vê, o que te faço sentir, é a realidade. Minha filha, minha filha, sofre tudo, tem pena do Coração Divino de Jesus. Sente bem, compenetra-te de quanto Eu sofro”.

 Mas eu não posso, Jesus. Não aguento com a Vossa dor. Não posso sentir e não posso consentir o Vosso Coração Divino assim tão rasgado.

 “Dá então ao teu Jesus, neste tempo de penitência, toda a reparação que Eu te peço”.

 Custa-me, Jesus, a dar-Vos a resposta. Tende dó de mim. Não me deixeis iludir. Eu só quero reparar-Vos e não ofender-Vos. Não, Jesus, não, Jesus.

 “É Jesus a afirmá-lo : dá-me toda a reparação no género que te tenho pedido, se não queres ver aquelas almas infelizes serem precipitadas no inferno”.

 Primeiro Vós, não Vos quero ver ofendido, e depois elas, por Vosso amor. Sim, aceito. Amparai-me, amparai-me.

 “Conta, minha filha, conta, minha filha, com o amparo e protecção de Jesus e de Maria… Jesus ampara-te e fará que alguém te ampare. Sofre com alegria. Deixa Jesus fazer do teu corpo um farrapo humano, ou pior ainda. O mundo, o mundo, ai o mundo, não teme o Senhor, não teme a Sua justiça. Estou cansado, estou cansado de perdoar e prevenir”.

 Ó meu Jesus, ó meu Jesus, não Vos canseis de prevenir, nem de perdoar. Compadecei-Vos da humanidade inteira.

 “Vem, vem, louquinha de Jesus, louquinha das almas, louqinha eucarística.  XE "Sangue : vem, vem receber a gota" Vem receber a gota do meu Divino Sangue. É a tua vida, é a vida de Jesus a passar para ti. Vives da Eucaristia, vives do Sangue de Jesus. Deixa que te humilhem, deixa que te caluniem; mais te assemelhas ao Mestre do Calvário, mais te assemelhas ao Divino Crucificado.

 Ó Jesus, ó Jesus, queria saber de tudo, mas não queria sofrer. É um sinal do meu amor-próprio, não é, Jesus?

 “Nunca o foi, minha filha, e nunca o será. Sem dor não há reparação.  XE "Amor : não existe sem dor" Sem dor não há amor. Tu sofres com a sensibilidade que Eu pus no teu coração, sensibilidade inigualável. Sabes para quê ? Para maior ser a tua dor e maior a reparação”.

 Está bem, meu Jesus. Confio em Vós. Faça-se tal como quereis. Eu estou pronta a sofrer tudo, contanto que eu Vos ame e não Vos ofenda voluntariamente, meu Jesus, porque por fraqueza estou sempre a ofender-Vos.

 “Fica na cruz, minha filha. Ditoso Portugal por ter em si a maior vítima que Jesus escolheu na humanidade, depois de Maria Santíssima. Ditoso Portugal, ditosa humanidade, ditosas as almas que são salvas aos milhares, aos milhões, pela vítima deste calvário. Vai, minha filha, para o teu martírio, vai dar todo o amor que agora recebeste do meu Divino Coração”.

 Obrigada, meu Jesus. Obrigada, meu querido amor. Lembrai-Vos e compadecei-Vos do mundo inteiro. Obrigada, obrigada, meu Jesus.

1º de Março – Primeiro Sábado

Noite de angústia, pela tribulação da dúvida de todo o meu viver; noite de ânsias de amor a Jesus e à Mãezinha, e de me dar toda, toda sem reserva, inteiramente a Ele. Foi nestas ondas dolorosas e consumidoras que eu me preparei para receber a Jesus, e chegou o feliz momento da Sua entrada no meu coração. Não demorou muito tempo a Ele fazer-me sentir a Sua presença real em mim e a dizer-me estas palavras :

 “Dorme, dorme, minha filha, um sono divino nos braços do teu Jesus. Só assim fortalecida podes aguentar e caminhar com tão pesada cruz. Também Eu, esposa amada, estou no teu coração a deliciar-Me por algum tempo. Estou nele com que à sombra de ramos floridos, todos perfumados. São flores de virtude, são perfumes de graça. Aqui refugiado neste coração, que tanto me ama, Eu quero esquecer por algum tempo os crimes com que sou ofendido. Minha filha, minha filha, sofre pelo teu Jesus; ama sempre com loucura de amor o teu Jesus. Com a dor sou desagravado, com o amor esqueço melhor a maldade, a cruel maldade do mundo, de tantos e tantos que se dizem meus amigos.

Diz, minha filha, ao teu Paizinho que Jesus se mantém mais firme do que a rocha. As Suas divinas promessas não falham nunca. Eu amo-o, Eu amo-o com toda a grandeza do meu divino amor. Ele cumpriu e cumprirá sempre a minha divina vontade, e as minhas promessas a seu respeito hão-de cumprir-se. Diz-lhe que ele é o mestre das almas, escolhido por mim, e por mim foi escolhido para guia e amparo da grande vítima deste calvário. Foi contrariada a minha vontade divina. Mas Eu nada deixo sem recompensa ou castigo. Dou-lhe por ti todo o meu amor, graça e força ; dou-lhe por ti toda a minha paz, aquela paz que só do Céu vem.

Diz ao teu médico que o seu lar é uma bolinha dos meus entretimentos; jogo com ela como prova do meu maior amor e para mais, muito mais, a unir a Mim. Oh! como são belos, infinitamente grandes e insondáveis e insondáveis os desígnios do Senhor ! Diz-lhe que ele é ditoso entre os homens; que o Senhor o escolheu para uma nobilíssima missão. Dá-lhe a chuva das minhas graças, bênçãos e amor. Diz-lhe que veja sempre em todas as coisas a vontade santíssima de Jesus. Vem, minha bendita Mãe, dá à nossa filhinha os teus carinhos e o teu amor”.

 Ó Mãezinha, ó Mãezinha das Dores, eu, assim unida Vós, faço penetrar mais no Vosso Santíssimo Coração essas setas. Não quero, não quero ver-Vos com elas, nem com tantos, tantos espinhos. Passai-os, passai-os todos para mim.

 “É assim, é assim, minha filha, que as ofensas, que fazem a Jesus, me ferem também a mim. É para passar para o teu coração os meus sofrimentos que Eu me apresento diante de ti tão magoada e ferida”.

 Ai Mãezinha, ai Mãezinha, não deixeis nada no Vosso Santíssimo Coração que Vos possa ferir ; passai, passai tudo para o meu.

 “Estás pronta, filha querida, a seguir a Jesus, dorida como Eu O segui, no caminho do Calvário, e O acompanhei na maior agonia até que Ele expirasse e fosse sepultado ?”

 Sim, Mãezinha, estou pronta; dai-me a Vossa graça.

 “Sofre, sofre então, filha querida, filha amada de Jesus e de Maria. Repara os Nossos Divinos Corações, que vão ser cravados por mãos cruéis, corações apodrecidos pelos vícios e paixões. Repara-Nos por tantas confissões mal feitas e comunhões sacrílegas. Ó minha filha, minha filha, como Nós vamos ser ofendidos pelos pecadores do mundo e, sobretudo, por muitos, muitos sacerdotes. Minha filha, filha de Jesus, faz sempre a vontade de Jesus, não Lhe negues nenhuma reparação, seja ela como for. Conta com toda a graça e força do Céu. Passo no teu coração um pouquinho de sangue que correu dos espinhos que feriram o Meu. É mais dor para o teu e ao mesmo tempo bálsamo. Tem coragem! Minha filha, minha querida esposa, unido à Minha Bendita Mãe, dou-te as minhas carícias com toda a graça e amor. Dá tudo o que recebes destes Divinos Corações aos que amas, aos que te rodeiam, aos que te amparam. Ponho no teu coração as predilecções que tem o Meu e O de Minha Bendita Mãe. Estimas e amas com todo o amor todos aqueles que Jesus estima e ama. Sofre, sofre, sofre, vai para a dor, vai para a imolação”.

 Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha, por tanto amor, por tanto conforto, por tudo, tudo o que me dais. Obrigada, obrigada.

7 de Março – Sexta-feira

Se eu, sem desgostar a Jesus, Lhe pudesse dizer que não queria mais os Seus colóquios, não queria ouvir mais uma palavra Sua, de boa vontade o faria. Tenho medo de O ouvir e de comunicar com Ele. Temo e tremo diante de Deus e dos homens. Parece que quero desviar-me de Jesus e não sei como. Vejo ao mesmo tempo e sinto que é impossível esta separação. O que me causa este enfado e temor é eu não me acreditar em mim, nem em nada da minha vida. Minto e iludo-me a mim mesma, minto e iludo a todos os que me são queridos, e ao mundo inteiro. Podendo eu recordar todas as coisas, só não posso recordar o que foi a minha vida com Jesus. Tudo se encobriu e desapareceu com a morte ; neste ponto, parece-me que sei tanto do meu passado como sei do meu futuro. O futuro pertence só a Deus, e o passado morreu. A morte não fala de si, não sabe o que foi a vida. Ai Jesus ! Que ignorância a minha ! Continuo a sentir que tudo quanto me é feito pelos que me são queridos é chorado, é de má vontade. Parece que eles me querem fazer a mim o que eu disse parecer querer fazer a Jesus, separar-me d’Ele por completo. Ai, meu Jesus, não quero, não, essa separação. Queria fugir de todos e ao olhar de toda a gente, só para unir-me a Vós e só a Vossa vida viver. Tive dois combates violentíssimos; eles têm segredos que aqui não posso explicar. Não pude, não, por algum tempo, levantar os olhos para Jesus e para a Mãezinha ; tinha vergonha. Todo o meu corpo era um abismo de podridão, paixões e crimes. Toda a minha vida era uma vida leviana, pensando como e onde ofender a Jesus com as minhas desregradas paixões.

Ao terminar o primeiro combate, vi com os olhos da alma o sagrado vaso com as sagradas partículas ; não de todas, mas de algumas corria sangue com toda a abundância, que banhava as outras, transbordava para fora e corria pelo sacrário, descendo ao altar. No segundo combate, também ao terminar, vi com os olhos da alma dois corações unidos. Soube por graça do Senhor que era o Coração de Jesus e da Mãezinha. Estavam cercados de espinhos, e d’Eles corria muito sangue. O sangue dos dois juntava-se e caía como se fora uma só fonte, mas com a maior das abundâncias. Dizer quanto eu fiquei a sofrer, não posso, é impossível. Sofria por ver Jesus sofrer de tal forma na Eucaristia, e o Seu Divino Coração com O da querida Mãezinha. Sofria por sentir que era eu que assim Os fazia sofrer, com a gravidade e maldade dos meus crimes. Sofri e sofri infinitamente, por ver que eu, sem nenhum arrependimento, queria continuar a mesma vida de vícios, podridão e desvergonha. O meu Horto de ontem foi em todo o dia um contínuo envolvimento em toda a aterra. Todo o meu ser eram cavernas apodrecidas, era uma lepra desfeita. Vi-me presa e maltratada, a caminho dos tribunais. Vi-me no alto do Calvário, a descerem-me da cruz, entregarem-me morta nos braços da Mãezinha. Tudo isto me causava agonia e o suor de sangue. De manhã, depois de açoitada, coroada de espinhos e condenada à morte, caminhei para a montanha. O portador da cruz foi Jesus, eu não podia. O peito arquejava, o coração batia com toda a força. Meu Deus, quanta dor, quantos espinhos variados, fizeram mais dolorosos os meus caminhos! Crucificada na cruz, a Mãezinha permaneceu de pé junto a mim. Os Seus olhares de angústia mais enterneceram o meu coração e o fizeram sangrar. O meu brando moribundo só cessou com o consummatum est, com a entrega do espírito ao Pai. O silêncio da morte reinou no Calvário da minha alma. Jesus veio, não com alegria, mas com a Sua vida fez-me viver e disse-me :

 “Minha filha, minha filha, não podem dormir nem descansar as almas amigas do Senhor. O mundo, o mundo está à boca do abismo, para não dizer à boca do inferno. Alerta! Alerta! Levantem-se, acordem as almas amigas de Jesus. Ó minha filha, ó minha filha, dá-Me o teu amor, a tua reparação. Dá-Me o teu amor e faz que as almas me amem, dá-Me a tua reparação e faz também que elas Me reparem. A tua alma, no auge da dor e da alegria, necessita de amparo, necessita de um coração amigo, terno, compassivo, à semelhança do Meu. Tem coragem e confiança, minha filha. Jesus não te falta e inspirará esse coração amigo a abeirar-se mais e mais de ti. Coragem e confiança, minha filha, na certeza de que Jesus não falta a todo aquele que n’Ele confia. E como há-de faltar à mais querida das minhas esposas e à maior das minhas vítimas? O mundo, o mundo cruel é cruel para Jesus e é cruel para aquelas almas que escolhi para serem a luz e o farol da humanidade. É cruel para aquelas almas que escolhi para serem imoladas à semelhança de Cristo. Dá-Me, dá-Me toda a reparação, sem outra ansiedade, a não ser a de fazer a minha divina vontade. Confia, confia, Jesus to afirma. Faz o que até aqui tens feito. Olha, florinha eucarística, louquinha do Amor divino, acode, acode às almas. Acode, acode ao mundo. O abismo em que estão é de perdição. Leva-o às portas do inferno. Sofre, sofre tudo com alegria, se queres salvar as almas, se queres alegrar Jesus e Maria”.

 Eu quero, quero, Jesus. Primeiro quero consolar-Vos e depois as almas quero salvá-las. Vejo nelas o Vosso sangue. Vejo nelas a Vossa imagem. Sou a Vossa vítima, ó Jesus, sou a Vossa vítima. Não sei se sofro bem, Jesus, mas com certeza não sofro com essa alegria que Vós quereis. Não tenho coragem para mais. Eu alegro-me por sofrer e estou triste na dor. Tenho medo de mim, tenho muito medo de Vos ofender.

 “Alegra-te, minha filha, porque queres a minha divina vontade; sofres, sofres infinitamente porque sofres a minha dor e sofres com o temor de ti mesma. Esse temor agrada-me e comove o Céu. Se o mundo conhecesse o amor do Meu Divino Coração ! Se todos compreendessem quanto me ferem com a gravidade dos seus pecados! Repara-Me, repara-Me. Deixa que o teu Jesus desabafe com esse teu coração amigo. Toda a visão de maldades é tal e qual com sou ofendido. Toda a visão e sentimentos da minha dor são o fruto de tantos e tão horrendos sacrilégios. Leito de paixões, leito de inferno”.

 Perdão, Jesus, perdão, meu Amor. O inferno, o inferno, não, meu Jesus, para nenhum dos Vossos filhos. Crucificai-me, destruí todo o meu ser, mas salvai, salvai as almas.

 “Vem, vem, minha filha, receber a tua vida, receber o sangue do teu Jesus. Passou o sangue virginal, passou a vida do teu Jesus. Passou também a grande infusão do meu amor. Não te deixo sentir o prazer espiritual para reparares por aqueles que os têm carnais e tão desordenados. Pede oração, pede penitência, pede que seja ouvida e atendida a voz do Senhor. Fica na cruz, unida aos sofrimentos de Jesus e aos da tua querida Mãezinha. É para sofreres connosco, compartilhares de toda a nossa dor, que te faço ver e compreender o muito que somos ofendidos e a dor infinita que sofremos. Vai em paz. Coragem, coragem”.

 Obrigada, obrigada, Jesus. Compadecei-Vos de todos os que me são queridos, de todos os que são meus, de todos os que se me recomendam. Obrigada, Jesus, por tudo o que a todos dais.

14 de Março – Sexta-feira

Eu não posso falar, digo só umas palavrinhas, como sinal da minha obediência às ordens de quem pode mandar. Em nada me custa obedecer, só neste sentido me custa imenso. Jesus me aceite tão grande sacrifício. É grande, muito grande, infinitamente grande, a dor e a agonia da minha alma. Parece-me até que não sou eu a sentir esta dor e agonia dentro de mim. Se a minha ignorância soubesse falar, quanto ela poderia dizer ! Estende-se ao mundo, ou melhor, vem-me do mundo tudo isto. E eu não posso consentir que tanta coisa venha ferir o meu querido Jesus, dentro do meu coração. Meu Deus, não posso consentir e Vós consentis que eu Vos ofenda tanto. Ai de mim, ai o que se passa em mim. Perdão, perdão e misericórdia, meu Senhor. A minha vida é sempre uma vida de loucura, até de brutalidade, pelos prazeres carnais. Todos os meus olhares, todo o meu ser são levianos. Dois ataques tremendos levaram-me à maior miséria humana. Não posso, mas também não quero dizer muito, para não escandalizar. Uma força superior a mim obrigava-me a vomitar fora do coração Jesus Sacramentado que tinha recebido. Sentia que Ele antes queria ser dado aos cães. Expulsei-O de mim e, não satisfeita com isso, persegui-O sempre, com o demónio a reinar no trono onde habitava o meu Jesus. Com aquela força infernal não só O persegui, dei-lhe todos os maus tratos, pontapés, açoites e tudo o mais. Ai, como eu vi o meu Jesus! E depois, se por um lado sentia dor infinita, que não podia suportá-la, por outro lado, sem nenhuma pena, queria vingar-me d’Ele, satisfazendo sempre os meus criminosos desejos. Envergonhada de mim mesma, por muito, muito tempo, não fui capaz de levantar os olhos para as imagens de Jesus e da Mãezinha, embora sem que o coração cessasse de Lhes pedir piedade e compaixão. Ai de mim, ai de mim, sozinha, sem ninguém. O dia de ontem foi mais suave para a alma. Só à noite me envolvi toda no solo agonioso do Horto. Revesti-me da podridão de toda a ternura, reguei-a com o meu sangue, enchi-a toda de amor. A noite foi tormentosa para o corpo. O coração e a alma lá se foram unidos a Jesus prisioneiro. Nesta manhã, cedinho ainda, veio Jesus ao meu encontro, de braços abertos, todo ferido e chagado ; imprimiu no meu corpo todas as feridas e coroa de espinhos.com a cruz aos ombros, assim segui para o Calvário. Não era coisa nova o que lá ia sofrer. No decorrer da viagem tudo via, sentia e levava presente. No alto do Calvário, pregada na cruz e esta levantada ao alto, descarregaram sobre mim toda a espécie de insultos. A dor parecia arrancar-me do peito o coração, mas o amor estendia-se a todos e a todos dava o perdão. O meu brado doloroso ecoou tanto, fez tremer toda a montanha, e a cruz estremeceu, escondeu-se o sol, fez-se noite, e, neste momento, com Jesus entreguei ao Pai o meu espírito. Veio depressa a mim com a Sua nova vida e falou-me assim :

 “Vinde a mim todos os que sofreis e entrai no meu Divino Coração. Vinde a mim todos os que ansiais amar-me e bebei nesta fonte que não se esgota. Eu sou amor, amor, infinitamente amor, eternamente amor. Vinde, vinde a Mim todos, consolai também o meu Divino Coração. Dizei-me constantemente que Me amais e pedi-Me constantemente o Meu amor. O Meu Divino Coração quer dar-se, dar-se, quer voar para todos os corações. Minha filha, minha querida filha, faz que Eu seja amado. Sofro tanto, tanto, recebo ofensas sem cessar. Sou cruelmente mal tratado, sacrilegamente ofendido. Dá-Me, dá-me, minha filha, a reparação que te tenho pedido. Faz com os teus sofrimentos que o mundo se conquiste para Mim. Eu quero almas, todas as almas. Eu quero os corações fugitivos, Eu quero as almas que se afastaram de Mim. Vê, esposa minha, o mar de sangue que corre do meu Divino Coração. Ou me dás a tua reparação, ou Eu tenho constantemente este sofrimento”.

 Não, não, meu Jesus, essas lanças como serras dentro do Vosso Divino Coração não posso, não posso consentir em tal. Sim Jesus, dou-Vos toda a reparação contanto que tudo isso cesse e desapareça. Desapareceu o sangue, já vejo Jesus ; a Vossa divina chaga cicatrizou. Em vez de um mar de sangue, vejo um mar de amor, uma infinidade de fogo.

 “É, minha filha, o amor do meu Divino Coração, que até agora estava tão ferido e tanto sangrava. É este amor que Eu quero dar, é todo o amor que Eu quero receber. Não sofro agora, porque cedeste a reparar. Foste, como sempre tens sido, generosa, generosa ao excesso. Só para Mim, só para consolares este Coração, que tanto amas, podias usar de tal generosidade. É verdade que Eu te peço a mais honrosa reparação, mas também é verdade que te dou todas as graças, toda a protecção divina. Nada podias sem Mim. Eu nada posso fazer sem o teu consentimento. Sofre, sofre, se queres ver consolado, muito consolado, deliciado em ti, o teu Jesus. O mundo é ditoso! Portugal é ditoso! Ai dele, ai dele, sem este Calvário. Eu não te digo, não, minha filha, que ele é poupado aos castigos, aos rigores da justiça divina, porque ele é ingrato, ingratíssimo às graças que de Mim recebe, mas prometo, sim, prometo que as almas são salvas aos milhares, aos milhões. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Passou a gotinha pura, a gotinha virginal. Uniram-se os nossos corações. Ela passou lentamente. É a vida da tua alma, mas não o é menos do teu corpo. Vives da Eucaristia, vives do sangue de Cristo. És esposa, és vítima, a cópia mais fiel da mesma vítima, do mesmo Cristo. Fica, fica na cruz a reparar-Me dia e noite com a tua crucifixão. Fica, fica na cruz, pois só com ela as almas podem salvar-se. Vai em paz. Pede, pede sempre que a voz do Santo Padre se faça ouvir, ecoar estrondosamente. Emendai-vos, filhos meus. Fazei oração, fazei penitência, Jesus o pede. Vai em paz, vai em paz. Tem coragem, tem coragem. Consola o meu Divino Coração e o da minha bendita Mãe”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

21 de Março – Sexta-feira

A vida passa, todos os momentos são morte. Quanto mais me esforço por procurar a Jesus e O servir com perfeição, mais Ele se ausenta de mim, mais me envolvo no lodo imundo, numa podridão sem igual. Sinto até que nenhum esforço faço para amar a Jesus, para O servir fielmente, e eu tudo faço para O ofender e condenar-me. Sem a graça e a força do Senhor, o meu viver era desesperador. Não tenho o mais pequenino mérito, porque a morte a tudo me leva, e sou e tenho em mim toda a qualidade de crimes; todo o meu ser é horror, é inferno, é paixão desordenada. Levo a vida a calcar aos pés o meu Senhor, levo a vida a crucificá-Lo, a renovar-Lhe toda a paixão e morte, levo a vida a pensar em leviandades e como e com quem e onde hei-de praticar os meus horrorosos crimes. Ai o que sofro ! Ai, quanto sofre a minha pobre alma! E eu não quero, nem por sombra, desgostar o meu Jesus. É tremenda a reparação que Jesus me pede. Se fosse pelo mundo, ainda que ele me fosse oferecido inteiramente, eu não queria, nem por um só momento, passar por tal. Mas, como é por Jesus e pelas almas, aceito, sim, aceito, custe o que custar. Depois de uma luta tremenda, a qual não explico aqui, eu vi que Jesus era vomitado, e era eu a vomitá-Lo ; vi que Ele era perseguido, e era como se fosse eu a persegui-Lo. Atirei-me a Ele com a maior fúria e loucura, dei-Lhe todos os maus tratos, vi-O todo em sangue e caído por terra. Quando eu, cansada de pecar, de O perseguir e maltratar, O vi levantar-se e, de rosto e olhar tristíssimos fitos em mim, dizer-me :

 “Também os meus amigos me tratam assim. Também aqueles, a quem Eu escolhi para mim e lhes obedeço, Me ofendem desta forma”.

E, num brado, em tom de quem grita muito ao longe, mas penetrando-me toda com os Seus olhares divinos, disse :

 “Também tu, também tu, a quem tanto amei, de quem tanto esperava, Me feres assim ?”

E, chorando, e, soluçando alto, desapareceu. Foi infinita a dor do meu coração, mas o pensamento, o meu espírito criminoso a nada disto cedeu, continuou na mesma. Sem poder sofrer mais, fiquei tristíssima e envergonhada diante de Jesus e da Mãezinha.

Tenho dentro de mim, no coração, uma seara de trigo imensa. As espigas estão louras, mas a tempestade tenta destruí-las, tenta queimá-las, tenta reduzi-las ao nada. E o mesmo se dá com os rebentos fortíssimos, que crescem dos enxertos. Quero sustentá-los, para que não caiam por terra, para que nada sofram com tal fúria tempestuosa. Mas não faço nada, sou uma inútil para todo, para todos. Custa-me tanto o sentimento de tudo o que me dão e fazem por mim. É chorado, dado e feito de má vontade. Seja tudo por amor do meu Jesus. Está mais próxima aquela morte diferente da morte de tudo e de sempre. Tenho tanto medo dela ! Apavoram-me os sofrimentos que ela consigo traz. Foi muito doloroso o meu Horto de ontem. Fiz-me um canal de sangue, a regar toda a terra, o outro que absorvia da mesma terra toda a miséria que ela continha. A Mãezinha das Dores pôs-se em mim e ao meu lado. Vi-me no caminho do Calvário, com o rosto deformado, todo banhado em sangue. Tudo o que ia sofrer me ficou presente. Durante a noite, não podia recordar que a sexta-feira se aproximava. De manhã segui para o Calvário com a cruz aos ombros e com a Mãezinha das Dores no andor do meu peito. Íamos tão unidas que as nossas dores eram uma dor só. No alto da cruz, continuei a ser altar da Mãezinha das Dores. Ela estava no meu coração, e eu sentia o que Ela sofria. Estava de pé, junto da cruz, e eu vi que as lágrimas Lhe regavam o Seu santíssimo rosto. Por mais que eu me esforce, não sou capaz de exprimir aqui a Sua dor e agonia. O Seu santíssimo Coração mirrava, estalava, e tudo se vinha reflectir no meu, assim como as palpitações do Coração Divino de Jesus agonizante. Entreguei com Ele ao Pai o meu espírito. Reinou por um bom intervalo de tempo o silêncio da morte. Jesus demorou-se a dar-me de novo a vida, mas, quando veio, falou-me assim :

 “Escutai, escutai bem: está à porta o mendigo. Jesus bate, Jesus pede, Jesus quer entrar nos vossos corações. Deixai, deixai que Ele entre, deixai-O, deixai-O tomar o trono de realeza. Eu sou Rei, minha filha, e, como Rei, quero reinar em todos os corações. São tão poucos os que me deixam reinar, são tão poucos os que Me amam e são tantos a repelirem-me do seu coração ! Como são cruéis e ingratos ; não querem possuir o seu Deus, não querem amar-Me nem receber o meu amor. Ó minha filha, minha filha, quanta dor, quanta mágoa para o meu Coração Divino ! Dá-Me a reparação que te peço. Atendei, atendei. Jesus imola, Jesus sacrifica a Sua vítima. É o mundo ingrato, é o mundo cruel a exigi-lo. Minha filha, florinha eucarística, faz que Eu seja amado na divina Eucaristia. São tantos e tão graves os sacrilégios ! Dá-Me reparação, minha filha. Ama-Me e faz que Eu seja amado, faz que Eu seja consolado. É um Deus que chama, é um Deus que pede, é um Deus que quer salvar. Coragem, coragem, ó esposa minha. É grande, muito grande, infinitamente grande a tua missão. É grande, é infinita, é a missão de Cristo crucificado. Assemelha-te, minha filha, o mais possível, a Mim, porque te escolhi para a missão a que Eu vim à terra. O mundo, e mais ainda Portugal, é ditoso. O mundo, e mais ainda Portugal, é cruel, é ingrato. É ditoso pelas vítimas que lhe escolhi, e mais ainda pela vítima deste Calvário. É cruel, porque paga o meu amor com ingratidão, não corresponde às graças que de Mim recebe. Quero almas, quero almas, dá-Me as almas”.

 Como, meu Jesus, como, meu Senhor ? Eu que sou uma inútil. Vede que não sou capaz de coisa alguma. Quero e não posso, Jesus, quero e nada faço. Não quero pensar, Jesus, não quero pensar o que Vos vejo sofrer. Pedis-me reparação, dou-Vos reparação e vejo-Vos ferido cruelmente. Não tenho coragem, meu querido Jesus, para Vos ver sofrer tanto. De cada vez sinto ainda mais, Jesus, que sou inútil, e que nada vale a minha reparação.

 “Escuta, minha filha, ouve com atenção o teu Jesus. Eu não sofro como me vêem sofrer. Sofreria assim, se não Me reparasses por tão grandes crimes. Imolo-te desta forma, mostro-Me mais sofredor, para que as almas saibam como sou ofendido. Eu quero que tudo isto se saiba, filha querida. Vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Ó mistério ! Ó prodígio ! O Coração de Jesus unido ao coração da Sua vítima. Tornou-se a gotinha do sangue a vida da tua alma e também do teu corpo; passou a vida divina, vives dela; é esta mesma vida que quero que comuniques às almas. É por ti que elas recebem as maiores graças, o maior amor. É por ti que eu convido os pecadores a virem ao Meu Divino Coração. É por ti que o mundo recebe o convite da oração, penitência, emenda de vida. Sou Eu, Jesus, a convidar os filhos Meus a virem a Mim, convido-os pelos lábios da Minha esposa e vítima. Tem coragem, fica na cruz, sofre com alegria. O Senhor é contigo, sempre contigo”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus. Obrigada, obrigada, por tanto amor que me dais.

28 de Março – Sexta-feira

Não posso, mas quero obedecer para provar o meu amor a Jesus ; é a razão por que eu, com todo o sacrifício, digo alguma coisa do muito que me vai na alma. A minha pobre natureza está cansada, geme dia e noite, sob o peso da cruz. Causa-me verdadeiro horror tudo quanto é sofrer. Mas a alma tem uma sede ardentíssima, sede infinita de se dar e a Jesus dar todas as almas. Ela compreende, porque Jesus a faz compreender que é a dor, a cruz, o grande meio de salvação. Eu não posso, ainda que não possa mais, mas confiada na força e graça do meu Senhor, quero tudo e tudo aceito por Seu amor. Se a minha ignorância soubesse dizer o quanto eu suspiro por me dar a Jesus, por sofrer por Ele e Lhe dar todas as almas ! Ah ! Se eu possuísse todos os corações abrasados no mais puro amor para amarem a Jesus, e todos os corpos, o mais dolorosamente martirizados, para Lhe dar toda a reparação, só isto me satisfaria. Pobre de mim, não sou capaz de dizer nada do que me vai na alma, tal é a minha ignorância. A seara imensa que tenho no coração, derrubada pelos ventos, poisa na terra as suas espigas loiras. Envoltas na lama, ficaram quase apodrecidas. Sinto a necessidade infinita de levantá-las e purificá-las de toda a impureza. Tenho que dar-lhes toda a cor e brilho. O mesmo se dá com a vinha já crescida e bem florida. Meu Deus, que tremenda tempestade que tenta destruí-la e arrancá-la pela raiz ! O meu coração cuida dela, rega-a toda com o seu sangue, para mais fundo penetrarem as suas raízes. Continuo a dar ao Senhor a reparação que penso ser Ele que ma pede. Custa-me tanto ! É pavorosa a luta. Todo o meu ser é vício e é maldade. Todos os meus olhares têm o veneno dos mais horrorosos crimes. Gasto quase todos os momentos da vida a pensar a forma mais horrorosa e maldosa de satisfazer os meus criminosos desejos e a calcar aos pés a Lei do Senhor. A minha dor é infinita, e só com a graça d’Ele eu posso vencer tal sofrimento ! Ver o meu querido Jesus a fugir de mim, depois de eu O ter expulsado, e corro, corro atrás d’Ele, com a maior crueldade, a açoitá-Lo, a coroá-Lo de espinhos, a arrastá-Lo pelas cordas ! Sou a carrasco mais bárbara. Calco-O com os meus pés, e parece que tento tirar-Lhe a vida. Jesus grita tanto com tal afronta ! Eu nada digo de quanto O faço sofrer, de quanto O vejo sofrer ! Mas, se eu soubesse exprimir aqui a dor que sinto que Ele tem e o quanto me custa descrever isto, que nada significa e nada mostra do que Jesus sofre, quanto bem podia fazer às almas. Que pena de morte ! Tudo queria poder e saber dizer, por amor a Jesus e para o bem das almas. Foi tristíssimo o meu Horto de quinta-feira. Chorei, chorei, ou melhor, chorou a minha alma, sobre a cidade de Jerusalém. As minhas lágrimas eram lágrimas de pai. Eram um incessante convite ao arrependimento. Era a hora da graça, que não mais voltava ! Já pela noite dentro, repetiu-se a sina do meu coração : ser pomba branca e inocente que percorreu todo o solo do Horto, não poisou no olival, mas envolveu-se na terra. Tinha uns olhares penetrantes, que viam e perscrutavam tudo o que nela encerrava. Cega pelo amor, não se poupou a manchar-se e a entregar-se ao Pai, para pagar e responder pela mesma terra. Neste momento, toda esta se transformou em feras que apavoravam. Todo o meu ser era por elas devorado. Fiz-me agonizar e suar sangue. De manhã, caminhei para o Calvário. Saiu-me ao encontro a Mãezinha e acompanhou-me, longe na aparência, mas unida na realidade. Os nossos corações sofriam num só coração. As nossas lágrimas tinham a mesma amargura, a mesma dor e sentimentos. No alto do Calvário, Ela ficou firme, ao pé da cruz. D’Ela para mim havia um canal de salvação. Tudo passava do meu coração para o d’Ela, ou antes, do Coração de Jesus que estava em mim, e por Ela todas as almas recebiam as graças e os frutos da redenção. Entreguei ao Pai o meu espírito, com as setas d’Ela a atravessarem o meu coração. Depois dum bom intervalo do silêncio da morte, ouvi Jesus a falar-me com toda a ternura e amor.

 “Escutai, Jesus vai falar, Jesus vai chorar, Jesus vai desabafar com a Sua vítima. Venho fugitivo, minha filha. Atacaram-Me, feriram-Me os maus. Entrei no teu coração, nele me refugiei; quero entrar e refugiar-Me em muitos, muitos corações. Ah ! Se pudesse ser, queria entrar, queria refugiar-Me, queria possuir todos os corações. Escutai, escutai o mendigo do amor. Jesus mendiga amor, Jesus mendiga dor, muita dor. Nestas horas, neste tempo angustioso para o Meu Divino Coração, eu quero, sim, eu quero que toda a reparação me seja dada. Eu quero, sim, minha filha, apresentar ao meu Eterno Pai a reparação que me dás e a reparação que por ti me dão muitas almas. A tua vida, minha filha, é uma escola de amor, é uma escola de dor. Eu quero, eu quero, brado bem alto que na tua vida aprenda toda a humanidade. É uma escola sábia, é uma escola sublime, é uma escola toda, toda da vida divina”.

 Oh ! Jesus, Vós sois o Senhor, tocai, movei os corações, para que todos Vos amem e nenhum Vos ofenda. Quantas vezes, meu Jesus, eu sinto em mim grandes desejos de Vos negar a reparação que me pedis. Sabeis muito bem, meu Amor, não é por não querer sofrer, mas é sim o temor, o pavor de Vos ofender. A minha vida, tão duvidosa, leva-me a tudo isto. Perdoai-me, Jesus, perdoai-me.

 “A tua vida, a tua vida, minha filha, foi a luz que caiu do Céu. Vives de Cristo e para Cristo ; vives a vida graça ; vives a vida divina. Dez anos são passados, que eu mudei a tua crucifixão, que eu aumentei mais, muito mais, a tua cruz. Estás cheia, sempre cheia, à Minha semelhança. Eu estou cheio, cheio de ser ofendido. Todas as transformações da tua alma têm o seu significado. Sentes-te cheia e tens saudade da alimentação. Eu estou cheio de ser ofendido e sinto a saudade infinita de possuir todos os corações dos que Me ofendem”.

 Não chores, Jesus, não chores ; quero chorar eu as Tuas lágrimas, meu Amor. Não chores, Jesus, não chores, eu farei todo o possível ; eu quero sofrer tudo, tudo, para Vos dar as almas, todas as almas. Aceito tudo e tudo estreito ao meu coração, mas cessai as Vossa lágrimas; não me poupeis e dai-me a graça e força.

 “Coragem, coragem, Minha vítima amada. Não duvides da tua vida; é só obra Minha, é só obra Minha. Eu choro, Eu choro, porque não posso, não posso com tantos crimes; não há reparação que chegue para aplacar a justiça de Meu Pai. Quero vítimas, quero vítimas, quero amor, quero corações cheios de amor. Dá-me, Minha filha, reparação, esta reparação que te repugna, que te apavora. Aquelas almas, aquelas almas, sem falar do mundo inteiro, sem falar do pobre Portugal ! É ditoso, porque te possui. É pobre, porque não corresponde. Aquelas almas, aquelas almas, ai aquelas almas, Minha filha! Como não hei-de Eu chorar ? Ocupavam um grande lugar no Meu Divino Coração. Fugiram-Me e agora reina nelas Satanás. Renovam, dia e noite, a Minha Sagrada Paixão. Repara-Me, repara-Me com heroísmo e alegria”.

 Sim, Jesus, tudo por Vosso amor, tudo para a salvação das almas.

 “Vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Levou-te a vida, levou-te a paz, levou-te amor”.

Uniram-se os corações das duas vítimas. A vítima de há vinte séculos, com a vítima de hoje. Parece, Jesus, que me fez adormecer. É verdade, é verdade. O meu coração ficou mergulhado em paz e amor e ficou com mais vida.

 “Fica, fica então na tua cruz, nesta cruz que te vai conduzir ao Paraíso. Nesta cruz que é a salvação de milhões e milhões de almas. Fica em paz. Já que tudo Me dás, pede-Me sempre o que quiseres”.

Jesus, Jesus, tenho no meu coração todas as minhas intenções, tudo quanto desejo. Vede e atendei aos meus pedidos e às minhas preces.

 “Coragem, coragem e confiança, confiança no teu Senhor”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

4 de Abril – Sexta-feira

Continuo no meu Calvário, na minha vida sem mérito. Nada há em mim que tenha o mínimo merecimento. Eu quero, sim, eu quero sofrer, mas não tenho coragem para levar a cruz. Todas as coisas me deixem tímida e apavorada. A vontade está acima de tudo. Quero amar, louca e apaixonadamente, a Jesus e não O ofender; quero abraçar-me à cruz, para não mais a deixar, por Seu amor e para bem das almas. Tudo me parece perdido, mas não me importo, abandonei-me a Jesus e à Mãezinha. Vou para onde me levarem os Seus Divinos Corações. Estou segura; vivo confiada de que sou bem conduzida e de que não Vos hei-de ofender, apesar de me parecer que não faço outra coisa senão pecar. Digo que confio e sinto que nem tão pouco sei que seja a confiança. Parece-me que nunca amei Jesus, nem compreendo o que seja o Amor. A minha ignorância não me permite exprimir os sentimentos tão dolorosos e profundos da minha alma. Penoso martírio, pavoroso Calvário ! Gasto todos os momentos da minha vida, pensando no mal, nas variadíssimas formas de como hei-de pecar, calcando sempre a meus pés os direitos e a Lei santa do Senhor. E sempre a vomitá-Lo para fora do meu coração! Perdi a Jesus e sinto tê-Lo perdido para sempre. Numa hora de mais tremenda reparação, em que me pareceu ofender a Jesus mais horrivelmente, eu ia mesmo, mesmo a cair no inferno. Cheguei a gritar. Fui salva não sei por quem. Uns braços se lançaram aos meus e arrancaram-me daquele tremendo abismo de demónios, feras e fogo. Parte do meu corpo já estava nele. Quando me parecia pecar tão sacrilegamente, via que todo o meu ser era inferno, e que não podia dar nem um único passo à frente, porque logo ficava sepultada em horrorosos tormentos e fogo. Foi quando escorreguei e fui salva só pelos braços e não sei por quem. Fiquei fora, mas tanto à beirinha que ao mais pequenino movimento voltava a cair. Sem pensar nisso, sem nenhum temor, continuei na mesma vida leviana e criminosa. Se por um lado sentia uma dor infinita, por outro revoltava-me contra essa dor e tentava aumentá-la ainda mais, com os meus loucos desvarios. Jesus fora do meu coração, perseguido por mim, que Lhe renovava toda a Paixão e Morte, chorava, e fitando-me com os Seus olhares terníssimos, mas o mais doloroso que se possa imaginar, bradou-me :

 “Ainda não estás satisfeita ? Não acabas de Me ofender ? Pensa quanto te amei, quanto sofri por ti e para a missão que te escolhi”.

E, sempre perseguido por mim, foi fugindo, fugindo. A Sua divina Voz perdeu-se, como que num bosque, soluçando, suspirando profundamente. Depois, meu Deus, como ficou a minha alma ! Quanto sofri, por me parecer ter pecado e maltratado assim o meu Senhor ! E quanto sofri por sentir que não tinha compaixão d’Ele e só ansiava a continuação da minha vida de prazeres e de crimes. E agora neste momento, sofro horrivelmente por sentir que nada disse, e a alma sente a necessidade de ter um apoio, de se expandir, de desabafar. Dentro, em meu peito, continuo a ter a seara loira, a vinha florida, com mais, muito mais, encantadores arbustos, cheios de cima abaixo, das flores mais belas e delicadas. Mas tudo isto, derrubado pelos ventos e por aquela pavorosa tempestade, beija a terra, envolve-se e esconde-se na lama, à semelhança das ondas do mar, que beijam as areias e nelas se escondem. Estou nas minhas torres carcomidas; estão tão desfeitas e disfarçadas que não se sabe que elas existem. A luz que elas tinham amorteceu tanto que não pode ser vista. A morte, aquela morte cruel vem a chegar junto de mim. Tenho que entregar-me a ela.

Ontem, quinta-feira, é impossível dizer o que senti e quanto sofri. Um fogo devorador queimou todo o meu interior, atingindo-me os lábios, que estavam secos e mirrados, tal era o fogo que os devorava e me abrasava. Este fogo era de amor, era de entrega total, era de vida. Sentia pavor por ser quinta-feira e aproximar-se assim a sexta. A minha pobre natureza queria que desaparecessem estes dias.

À noite fiquei no Horto. Foi pomba outra vez o meu coração; espetou no solo o bico, demorou-se a remover a terra. Em seguida vieram muitas mãos cruéis, abriram-lhe o peito, arrancaram-lhe o coração, apertaram e esmagaram-no tanto, transformando-o num chafariz de sangue. Toda a terra foi regada e a pombinha, de asas abertas, que eram os braços da cruz, de cabeça levantada para o céu, pelo seu biquinho, ao Pai oferecia tudo.

Durante a noite fiz companhia a Jesus no Sacrário e na prisão. Hoje de manhã, ouvi a sentença de morte. Segui para o Calvário, o coração fez-se outra vez pomba. Foi ela quem levou a cruz, foi ela que levou as setas do coração da Mãezinha, que A acompanhava. Viagem dolorosa, sempre as setas a ferirem-me, eu não podia consentir que a Mãezinha sofresse tanto ! O coração d’Ela, os sues lábios, a sua dor, todo o seu ser era o meu. No alto do Calvário, foi essa pombinha na cruz crucificada. Com o peito aberto e o coração a sangrar, era-lhe por toda a humanidade avivada a chaga, dolorosa profunda, do coração. Sabia bem que sempre assim seria, até ao fim dos séculos. Aquela dor, unida sempre à dor da Mãezinha, que, lacrimosa, e atravessada por cruéis setas, se mantinha junto à cruz, levou a pombinha a bradar tanto que fez estremecer todo o solo. Fez-se noite, e a pombinha, como que se batesse as asas, deu-se toda ao eterno Pai expirou. A morte reinou em mim.

Veio Jesus com a sua vida encheu-me dela e falou-me assim :

 “Nova vida, novo triunfo de Jesus na tua alma. Eu triunfo e reino no teu coração, como outrora triunfei e reinei no Calvário. Triunfei e reinei sobre a morte. Triunfo e reino nos teus sofrimentos, na tua cruz. Coragem, coragem, minha filha. Jesus escolheu a tua vida, os anjos escreveram-na. Toda a tua missão está escrita no livro divino. Eu quero, Eu quero trabalhar sempre na tua alma. Eu quero operar nela um conjunto de todas as maravilhas divinas. A nobreza da tua missão condiz com os prodígios maravilhosos que Jesus em ti operou. Eu quero reinar e triunfar em ti. Sabes para quê, esposa minha, vítima predilecta do Meu Divino Coração ? Para que, por ti, reinem e triunfem milhões e milhões de almas. Triunfem do pecado, reinem sobre Satanás. As almas, as almas, se te conhecessem, tal qual és, tal qual Eu te enriqueci ! Devoravam-te de amor, como se fossem feras”.

 Ó Jesus, ó Jesus, não sabem elas quem Vós sois ? Não conhecem elas tudo quanto sofrestes por elas ? Ai, pobrezinhas, nem por isso Vos devoram com amor puro e louco. Eu não queria, não, meu Jesus, que elas me amassem e se enlouquecessem por mim, mas queria, sim, oh! Se queria, meu Jesus, que Vos amassem com a maior pureza e loucura de amor ; que cessassem de Vos ofender. E, por isso, é com esse fim que eu sofro, que aceito a cruz que me dais. Mas não quero, Jesus, não quero deixar de Vos confessar que tenho estes desejos, mas sou a maior de todas as pecadoras. Só tenho a vontade de Vos não ofender, Jesus, e nada mais. Perdoai-me, Jesus, perdoai-me.

 “Minha filha, minha louquinha de amor, a tua humildade alegra o Céu, os anjos e os santos estão jubilosos. A humildade é própria das almas grandes aos olhos do Meu Eterno Pai. Tu és a Sua vítima mais querida e amada. Tens as tuas faltas ; também elas são necessárias e proveitosas à tua alma. Com elas humilhas-te diante do Senhor. Com elas escondes toda a grandeza de Deus. Não duvides, não duvides, não duvides das Minhas Divinas palavras. Não duvides que foste criada para desempenhar a missão mais alta e sublime. Não duvides, tem sempre presente que foi Jesus a escolher-te para tudo isto. O teu coração, vítima eucarística, é um abismo de amor, no qual Eu habito, no qual Eu me delicio e com o qual se incendeiam os corações e as almas. Dá-Me, dá-Me a reparação. Não te importes, minha filha, da forma como ela te é pedida. Eu vejo, na minha sabedoria infinita, que só desta forma o Meu Eterno Pai pode ser reparado. Só, só com esta reparação, evitas de caírem no inferno tantas almas, tantas, tantas, minha filha, loucas pelos prazeres, esquecidas dos seus deveres para comigo. Tu não caíste no inferno, não, mas evitaste, naqueles momentos, que lá caíssem certas almas que, pelo seu pecado, haviam de ser condenadas eternamente”.

 Senhor, Senhor, fazei em mim e de mim quanto Vos aprouver. Livrai-me de Vos ofender.

 “Vem, minha filha, recebe a gota do Meu Divino Sangue. É a gota infinita dum Deus infinitamente amável e misericordioso. É sangue que te dá a vida, para tu dares vidas. Tu és canal de vida eterna, canal de salvação. É por ti que Eu me dou, é por ti que as almas recebem toda a graça e vida divina. Ai das que as rejeitam, ai das que as desperdiçam ! O mundo, o pobre mundo, o Portugal, o ingrato Portugal ! Diz-lhe, diz-lhe que Jesus o chama e o quer. Diz-lhe que calque aos pés todas as maldades e vícios. Que faça oração, que faça penitência. Fica, fica na tua cruz, para salvares as almas. Conta com a graça divina, a graça do teu Senhor”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

5 de Abril – Primeiro Sábado

Nesta noite, o meu coração estava bem magoado e ferido. Não era preciso recordações do sofrimento do dia anterior. O coração tudo vivia e sentia. Jesus e a Mãezinha estavam nele bem gravados. Sentia necessidade de bradar e bradar muito, pedir socorro ao Céu. Nesta angústia, preparei-me para a vinda de Jesus ao meu coração. Ele veio e suavizou-me a dor. Abrasou-me no Seu amor e, pouco depois de entrar em mim, falou-me :

 “A tua cruz, minha filha, é astro luminoso, é estrela polar. A tua cruz é sinal de vitória e de salvação. Eu faço, minha filha, do teu coração o palácio mais nobre, de maior realeza que Eu tenho na terra. Habito nele, nele me delicio, no aroma perfumado de tão variadas flores. Estou aqui, estou aqui, digo-o com júbilo, digo-o com a maior consolação e alegria. Estou aqui e estou bem, não sou chagado, não sou crucificado como em tantos corações que se dizem meus amigos e deles tudo esperava”.

 Ó Jesus, ó meu doce Amor, dizíeis que estáveis em mim, e eu confio. É só nestes momentos que mo parece, e não sempre; quantas vezes, quantas vezes, mesmo nos Vossos colóquios, não me parecíeis ser Vós. Estais tão longe, tão longe de mim!

 “Não estou longe, não, estou sempre em ti, mas tu és vítima e vítima em primeiro lugar. Longe de mim e fora de mim, e Eu fora deles, estão os pecadores, e é por eles que Eu estou a imolar-te, a sacrificar-te assim. Salva-os, salva-os, porque eles são Meus filhos. Consola-Me, dá-mos todos, porque eles são Meus filhos, por todos morri. Olha, minha filha, diz ao teu Paizinho que o Meu Divino Coração está sempre aberto, a derramar sobre ele as maiores efusões de amor e todos, todos os tesouros que nele estão encerrados. Diz-lhe que são provas de amor, que é sinal certo de ele ser todo Meu, todo, e de por Mim ser criado e escolhido para as almas de maior eleição e missão mais sublime. Diz-lhe que dê todas estas riquezas a essas mesmas almas, a quantas forem ao seu encontro. Diz-lhe que confie em Mim, sempre em Mim, que não falto às minhas promessas divinas. Diz ao teu médico que sou para ele sempre amor, e mais amor quando o provo, quando o visito com o sofrimento e desgostos. Diz-lhe que Eu cuido dele e do seu formoso jardim, assim como ele cuida da Minha causa, da Minha grande causa, da Minha maior causa. Eu cuido e defendo do mal todas as suas florinhas, assim como ele cuida da Minha vítima e defende a grande obra que nela opero. Cuidar de ti é cuidar de Mim. Defender a causa é defender os direitos do Senhor. Dá-lhe todo o amor para ele e para quantos lhe pertencem. Vem, minha bendita Mãe, Mãe das Dores, vem à Nossa filhinha sempre dolorosa, sempre sofredora, por amor aos Nossos corações e às almas”.

 Ó Mãezinha, ó Mãezinha, vestis de tanta tristeza ! O Vosso semblante é de tanta dor ! Deixai-me, permiti-me que Vos abrace e Vos estreite ao meu pobre coração, assim como Vós me abraçais e estreitais ao Vosso. Ó Mãezinha, ó Mãezinha, como foi cheio de amor este abraço ! Deixaste-me a arder o coração, confortaste-me, Mãezinha. Bendita, bendita sejais.

 “Sabes, minha filha querida e filha amada de Jesus, para que é este amor e este conforto ? Para sofreres mais, sempre mais; não mais do que o que sofres, mas sempre, continuamente. Eu venho triste e Jesus está triste com tantos, tantos crimes que comete a humanidade. Os meus santíssimos braços e os de Jesus não podem sustentar, por mais tempo, os braços da justiça do Eterno Pai. Fica com todas as minhas setas e espinhos. Fica com as lanças, punhais e espinhos, que ferem o Coração Divino de Jesus”.

 Sim, Mãezinha, sim, Jesus, fico com tudo; dai-me graça, dai-me força, para tudo vencer.

 “Recebe, filha amada, as carícias de Jesus e de Maria, louquinhos de amor por ti. Recebe toda a abundância de amor, dá tudo aos que amas e te rodeiam. Também nós os amamos. Dá tudo aos que sofrem e estão aflitos, distribui pelo mundo inteiro, pede-lhe oração, pede-lhe penitência. Avisa-o de que é Jesus e a Mãe do Céu a pedir-lha. Fica na tua cruz e vai em paz”.

 Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha.

11 de Abril – Sexta-feira

Amo a obediência, a santa obediência; é a razão que me leva a dizer umas palavrinhas do indizível que me vai na alma. Estou num mundo de sofrimentos. Não posso falar, parece que todo o meu ser está em grelhas, sobre brasas vivas. Se eu soubesse falar da dor, o quanto esta consola a Jesus, e quanta necessidade tenho de mais e mais sofrer ! Eu não posso sofrer mais e sinto necessidade de mundos e mundos de sofrimento! Tenho momentos em que me parece só faltar comparecer na presença de Jesus e dar-Lhe contas, e a minha pobre natureza apavorada ! De tanto sofrer, repugna-lhe já a dor, e fica quase com que a odiá-la. Ao mesmo tempo, amo-a tanto e não sei quem dentro em mim quer mundos, mundos de dor, mundos de martírio. Não posso resistir à dor de Jesus. Não posso, não, consentir em que Ele sofra assim ! Ai, meu Deus, que agonia a da minha alma ! Depois de todas estas necessidades e exigências, ainda sou eu a crucificar a Jesus!... a pecar com a maior gravidade, com todas as palavras, com todo o conhecimento do que é a ofensa a Nosso Senhor ! Não O temo, não me compadeço d’Ele. Não retribuo amor com amor. Amá-Lo, não O amo, o que eu quero é satisfazer os meus desejos e paixões infernais. Numa hora de luta pavorosa, de crimes inexplicáveis, passou por mim uma onda de fogo, fogo só de vícios. Vícios e paixões desordenadas! Louca, louca pelo prazer, atirei-me a ele e, de braços abertos, precipitei-me no inferno. Já quase assim, mergulhada nas suas chamas, uns abraços de misericórdia e amor arrancaram-me, levaram-me daquele fogo eterno, que já estava a atingir-me, e tiraram-me para fora. Vi claramente a desgraça em que estava, mas quis continuar à boca do abismo. E Jesus, do outro lado dele, perseguido por mim, chorava, gemia, bradava e fitava-me ainda com compaixão, bondade e amor infinito ! Oh ! Que pena de ver assim Jesus ! Que dor, que dor infinita! Sinto a inutilidade da minha vida, que é só morte, mas nestes dias mais, muito mais ainda. Foi tal o martírio da minha alma que me levou a dizer comigo mesma : onde estou eu ? Não sou da terra nem do Céu. Onde está pois a minha vida ? Na noite de quarta para quinta-feira, já a minha alma chorava sobre a cidade de Jerusalém. Não eram minhas as lágrimas, eram lágrimas infinitas. Eu vi o que a cidade era e o que ia ser para mim. E chorava pelo que a esperava e por ela não se aproveitar da hora da graça que lhe era dada. Ontem, continuou a chorar. Eu encobria a dor, mas ela chorava e fitava a humanidade inteira. Penetrava tudo e em todos os corações que nela haviam de existir.

Veio a noite, e esta já muito adiantada. De dentro do peito saiu meu coração. Bateu asas, voou, voou e foi parar sobre o solo do Horto. Não pousou nele. Salientou-se no ar, batendo asas e deixando cair, de longe a longe, copiosas gotas de sangue. Eram como gotas de orvalho, que refrescavam e alimentavam a terra. Parecia ter levado a vida inteira a proceder assim. Quantos segredos traziam aquelas gotas fecundantes ! De repente desceu, pousou na terra ; vieram logo mãos brutais, com lanças e punhais, abriram e retalharam este coração. Calcaram-se, desfizeram-se a seus pés. Vi então todo o que ia sofrer. Principiei a agonizar e a rolar pelo solo duro. Fugi para a solidão. Falara a sós com o Pai, enquanto os Apóstolos dormiam. Vim ao seu encontro, chamei-os, convidei-os a falarem comigo. Veio Judas e os soldados; fui presa. Durante o resto da noite, num martírio de alma e corpo, fiz companhia a Jesus e, nesta manhã, mal  tinha aparecido o dia, já eu estava a ser açoitada, cruelmente açoitada e coroada de espinhos. Recebi a sentença de morte, caminhei para o Calvário. O meu corpo dava sangue, como um chafariz. Regava os caminhos por onde passava. A Mãezinha saiu-me ao encontro. Avivou-me as feridas das setas que já tinha no coração. Os nossos corações falaram sempre. A morte avizinhava-se, mas eu ansiava esse momento. Tinha fome insaciável de dar a vida ao mundo. Cheguei ao Calvário quase morta, os olhos do corpo já mal viam. Fui crucificada. É impossível dizer a dor que senti com a Mãezinha junto ao pé da cruz. Os nossos corações eram uma só dor, uma só chaga. A agonia dela era a minha. Senti que ela tinha as mesmas ânsias do meu coração: dar a vida para fazer viver as almas. O corpo estava feito num cadáver, mas a alma tinha uma vida que não era deste mundo. Parecia que um fio eléctrico a ligava à vida do Eterno Pai. Esta vida era a mesma vida d’Ele. Num brado profundamente doloroso, expirei. Vi-me ainda descer da cruz e ser depositada nos braços da Mãezinha. Senti ainda o Seu martírio. Momentos depois, Jesus deu-me de novo a vida. Saí das trevas da morte, reinei sobre ela, fui iluminada com a luz de Jesus e ouvi a Sua divina voz :

 “Minha filha, Minha filha, Jesus está vivo, Jesus não morreu hoje, como outrora morreu no Calvário. Minha filha, minha filha, tens a Jesus no teu coração, real como está no Céu. As trevas de hoje são as trevas do pecado. O Meu brado de hoje é o brado agonioso de ver meus filhos fugirem-Me. Eu choro e brado, porque o pecado atingiu o seu auge. As ondas negras dos vícios subiram à maior altura. Eu choro e brado, e é do teu coração, pelos teus lábios, que Eu venho convidar todos os que me amam, para Me amarem mais; aos que andam fugidos, para se aproximarem de Mim. É do teu coração que Eu mendigo : filhos Meus, filhos Meus, pede-vos Jesus, não pequeis mais, não pequeis mais, o Céu foi criado para vós. Tu és, filha querida, o porta-voz de Jesus. Esta mensagem vai correr o mundo, esta mensagem vai levar a todas as almas a certeza do perdão. Oh ! se ela não fosse rejeitada ! Que alegria para o Céu, que alegria para os corações divinos de Jesus e Maria. O Céu está triste, tristes estão estes amantíssimos corações. O mundo não atende, as almas não escutam a voz divina do Senhor. Triste cegueira ! O Pai quer perdoar, os filhos não querem ser perdoados. O Pai chama e quer junto de Si todos os filhos Seus ; os filhos revoltosos escarnecem estas ânsias, estes desejos divinos. Eu choro, Eu choro, minha filha, e quero sempre, sempre a tua dor ; não ma negues”.

 Não vo-la nego, não, meu Jesus, mas não choreis, não, não, meu Jesus; eu quero sofrer tudo, para que as almas se salvem, e não Vos quero ver chorar, meu Amor. Vou pedir, vou pedir muito a todos os corações, a todas as almas que se abeirarem de mim, para que Vos não ofendam, meu sumo Bem.

 “Está bem, está bem, minha filha. Espero sempre a tua generosidade e heroicidade, minha filha, e como recompensa os anjos descem do Céu. Vais comungar, vais receber o teu Jesus Sacramentado. É o teu Anjo da Guarda que traz nas Suas mãos a Hóstia Santa. É o Anjo de Portugal que conduz a taça que contém a gota do Meu Divino Sangue : Corpus Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam. Ámen. Ó Mistério, ó Prodígio ! Jesus Sacramentado reina no teu coração. A gotinha do Seu Sangue Divino já corre em tuas veias. Os Anjos voam de novo para o Céu. Só O da tua guarda fica na tua companhia. É inseparável”.

 Ó Jesus, que silêncio, que silêncio ! Vejo-Os subir, vejo-Os a bater as suas asinhas brancas. As luzes, que conduziam, desapareceram com eles. Ficastes Vós, meu Sumo Bem. Estou mais quente, estou mesmo a arder, mais forte e com mais luz. Bendito seja o Vosso amor e misericórdia para comigo. Estreito-Vos ao meu coração e peço-Vos, meu Bom Jesus, que dentro do Vosso estreiteis aqueles que eu amo, a todos os que me rodeiam e me pertencem e a todos os filhos Vossos. Estreitai, Jesus, a humanidade inteira, perdoai, perdoai-lhe sempre.

 “Fica na cruz, minha filha. Tudo o que recebeste foi um conforto. Não contes com ressurreição para a tua alma. Fica para o Céu o gozo inefável, gozo indizível, que jamais poderás perder. Enquanto estás neste exílio, sofre, sofre sempre. Atrai com o íman dos teus sofrimentos o mundo, o mundo culpado, para Jesus”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus. Atendei sempre os meus pedidos. Sou a Vossa vítima.

18 de Abril – Sexta-feira

Vivo, não vivo, estou no mundo, não estou ? Não é, mas quase poderia ser uma pergunta contínua a mim mesma. Todo o meu ser foi como que um sopro, que se espalhou no espaço. Nada em mim tem vida nem valor. Jesus ressuscitou. Em mim nada houve que ressuscitasse; fiquei morta para a vida, para a graça, para tudo quanto é do Senhor. Só o pecado, só as maldades, crimes hediondos, esses nascem, esses ressuscitam em mim, de momento para momento. Parece que tenho em mim sempre invenções novas para pecar e calcar aos pés toda a Lei santa de Jesus. A minha maldade também de mim se comunica ao mundo inteiro. Não sou só eu veneno e ódio, faço que toda a terra e todos os corações o sejam. Se a minha ignorância soubesse, quanto ela não podia dizer ! É horroroso, é pavoroso este sentimento de maldade. Tudo são invenções na terra e no ar, só para ofender a Nosso Senhor. Eu dou-Lhe todos os maus tratos, crucifico-O, dou-Lhe a morte dentro em meu coração. O brado dorido e doloroso de Jesus parece estar nos meus ouvidos, e a Sua dor infinita no coração. A dor é d’Ele, do muito que O ofendo, não é minha pelo muito que O tenho ofendido. Os meus instintos são piores que os das feras ; o coração é mais duro do que o rochedo; reina o demónio nele. Não posso, nem sei dizer mais nada, mas tinha muito que dizer, mundos de coisas para dizer. A vinha, de que tenho falado, floriu e cresceu tanto, formou ramada nas alturas. Mas a tempestade não cessa a querer derrubá-la, destruí-la com a seara loira e os arbustos floridos. Ah ! Se a minha alma soubesse mostrar o cuidado que tem em sustentá-la e não deixar que caia por terra e ao beijá-la que nela se manche ! Os olhos interiores não podem ver no perigo em que está tudo. Todo o meu ser foi enclausurado, está preso em negras torres. O mundo levantou muralhas, com fortes grilhões, à volta de mim ; não deixa que nesta morada haja luz ou entre um raiozinho de sol. Posso gemer, posso bradar, não sou ouvida. No andar superior destas torres, no andar que toca o Céu, há uma sabedoria infinita, há uns olhares que tudo penetram ; penetram e perscrutam no mais íntimo de todos os corações, penetram em todos os lugares da terra, mar, ar e céus. Tem uma grandeza superior a todas as grandezas, um amor infinitamente mais elevado ao amor dos corações dos homens. Esta grandeza, esta grandeza, não sei dizer mais nada dela, eu nem verme sou junto de tal grandeza, superior a tudo o que existiu e existirá. Passou no dia catorze e vigésimo sétimo ano da minha prisão no leito. Tanta dor, tanta dor, tanta amargura, e eu de mãos vazias, sem a mínima migalhinha para oferecer ao Senhor. E eu tanto queria amá-Lo, tanto queria ter vivido e sofrido só por Ele. Ai pobre de mim ! A minha quinta-feira de ontem foi para a alma um pouco mais suave. Com os olhos fitos no Horto, só o amava e por ele ansiava. Era já de noite, o meu coração fez-se pomba, e o mundo uma pequenina bola. Esta entrou toda dentro do coração. E a pombinha, com o bico enterrado na terra apodrecida, começou a remexê-la e a cortar pela raiz toda a árvore ruim e venenosa. A bolinha do mundo foi tão amada e abraçada num abraço eterno! Porém certas árvores não se deixaram destruir por completo. As suas raízes venenosas cresceram, estenderam-se. E daí vem para Jesus o suor de sangue, os açoites, a coroa de espinhos e a morte. Mais ainda : Jesus não ia ter o Calvário dum só dia, ia-o ter de muitos e muitos séculos. Tudo isto se passou em mim, e eu tudo sofri com Jesus. Nesta manhã, segui para o Calvário; levava aos ombros a cruz. A viagem foi muito espinhosa, triste e silenciosa. E a pombinha mansamente voava e sobre mim batia as asas. Acompanhou-me até ao cimo da montanha. Dela recebia toda a força. No alto do Calvário, pousava-se a mesma pombinha nos braços da cruz, mudando-se ora para um, ora para outro ; e de vez em quando dava-me com o biquinho como que uma injecção no coração. O corpo sem sangue, já quase moribundo, a nada podia resistir; era aquela pombinha que me dava a vida. Eu via o que o mundo era, o que viria a ser. Bradava tão profundamente, fazia estremecer toda a terra. Ao entregar ao Pai o meu espírito, ao pronunciar a última palavra, ainda sentia aquele biquito dar-me no coração o último retoque. Expirei com aquela mesma vida. Pouco depois, veio Jesus, deu-me a vida, mas deixou-me nas trevas. Senti-O muito de longe a falar-me assim :

 “Reparai e vede com sangra o Coração Divino de Jesus. Reparai e ponderai, não pode deixar de sangrar. Os crimes, os crimes, são o cúmulo das desordens e dos desvarios. Quem é o ferido, quem é o ofendido? É Jesus, só Jesus, minha filha. Minha filha, a tua vida não é vida inútil nem de ilusões. A tua vida foi e será a vida mais proveitosa, a vida de maior reparação. Dá-Me dor, dá-Me dor, repara-Me, repara Meu Eterno Pai. A tua prisão no leito é a Minha prisão no Sacrário. Eu vivo para Me dar às almas, tu vives para as conduzires a Mim. Como é bela, como é bela, como é encantadora a tua missão, minha filha”.

 Não sei, não sei, meu Jesus. Não lhe vejo nenhuns encantos. Eu quero viver para amar-Vos e reparar o Vosso Divino Coração e não para encontrar ninguém. Encanto sois Vós, encantos tem a Vossa Lei, a Vossa doutrina, a Vossa Divina Vontade, meu Jesus. Que mar, que mar agitadíssimo, meu Jesus ! Que vida de dúvidas e de temores! Duvido enganar-me e enganar. Temo ofender-Vos com o meu viver. Ai, Jesus ! Custa tanto viver assim !

 “Minha filha, minha filha, encanto do Paraíso, tem sempre, sempre presente, a palavra vítima, a tua entrega total ao Senhor. Em tudo te assemelhas à verdadeira vítima do Gólgota. Faço-te saber e compreender o muito, a gravidade com que sou ofendido, mas é nada em comparação dos crimes que se praticam. O teu coração, tão frágil e tão sensível, não resistia a tanta dor. Não aguentavas com o sentimento e visão total das ofensas feitas ao teu Jesus, a quem tanto amas”.

 Eu sei, eu compreendo, meu doce Amor, que a nada resistiria, se não fôsseis Vós. Se eu não contasse convosco, se não fosse essa a minha confiança, eu repetia-Vos a cada momento : não quero sofrer, Jesus, não quero ser a Vossa vítima.

 “Tu és, minha filha, a violeta florida que apareces em toda a vida de Jesus. Adornas a Eucaristia, o Sacrário, a Cruz e o Meu Divino Coração. A alma humilde é grande, é poderosa, alegra e consola a Jesus”.

 Meu Jesus, meu Amor, mais uma vez me entrego a Vós, mas quero ir pela Mãezinha. Mais uma vez me ofereço como vítima, mas pelos Seus lábios. Mais uma vez me submeto à Vossa Divina Vontade, mas sempre com Ela. Quero viver com Ela, quero sofrer com Ela. Com Ela quero fazer a Vossa Divina Vontade e ser imolada como Vos aprouver. Só agora, Jesus, só agora fizeste luz na minha alma. Estava em tanta escuridão e Vós faláveis-me de tão longe !

 “És vítima, minha filha; na escuridão vivem as almas pecadoras; longe estão elas, e muito longe, do Meu Divino Coração. Longe, porque Me expulsaram, longe, porque Me perseguiram, longe, porque cruelmente Me crucificaram. Vem receber a gota do Meu Divino Sangue”.

 Ó Jesus, ó Jesus, ao unires ao meu o Vosso Divino Coração, parece que a gotinha do sangue caiu fora e não em mim.

 “Não caiu, não, minha filha, porque é a tua vida, é o teu alimento. Sabes o que quer significar ? Sem o teu sofrimento, sem a tua imolação contínua, esta gota de sangue era inútil para muitas, muitas almas. Esta gota, que significa todo o Meu Sangue derramado no Calvário, sem a tua imolação é a perda de milhões e milhões de almas. Tem coragem, fica na cruz. Acode, acode ao mundo perdido, ao mundo desvairado. Apaga com a tua dor o incêndio das paixões. Coragem, coragem, que o Senhor é contigo”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

25 de Abril – Sexta-feira

 “Em Deus não há inutilidades. Tudo o que o Senhor fez foi bem feito, de grande utilidade e proveito para as almas. E, se assim é, quanto mais não faria Jesus neste Calvário das Suas maravilhas. Jesus tem os Seus fins, os Seus desígnios sobre as almas. Jesus fez tudo e tudo faz para o bem das mesmas. Cuidado, cuidado, atenção, atenção, atenção. Este Calvário prodigioso foi, e continua a ser, a repetição do Calvário de há vinte séculos. Jesus escolheu neste Calvário a Sua vítima amada, para bem de Portugal, para bem de toda a humanidade. O mundo é ingrato, Portugal mais, muito mais ainda. A humanidade inteira não conhece esta vítima e a sua obra, que é a obra e a vida de Jesus. Mas Portugal que em grande número a conhece – ó responsabilidade, ó responsabilidade, ó contas rigorosas ! Jesus dá-Se às almas, Jesus a Elas Se  comunica pela vítima heróica deste Calvário. Eu quero almas, muitas almas; ide, ide à sua procura e conduzi-as todas, em grande número, ao Meu Divino Coração. Imolei-Me, dei a vida para as salvar. Imolo e faço que a cada momento se imole esta vítima do Meu Divino Coração, e momento a momento a vá perdendo, para dar a vida às almas. Reparai e vede bem a loucura de Jesus pelas Suas vítimas. Reparai e vede bem a loucura de Jesus pela humanidade. Depois de Jesus amar, louca, loucamente, a vítima deste Calvário e a imolar assim e fazê-la sofrer desta forma, é amor, amor, só amor, amor de salvação”.

 Jesus, Jesus, vejo, compreendo bem por que me fazeis compreender essas ânsias que Vos devoram. Sinto, sinto que, se não fôsseis Deus, não aguentáveis, morríeis. São as almas, é o mundo que quereis no Vosso Divino Coração. Lembrai-Vos, Jesus, que eu sou humana, sou uma grande pecadora, sou a maior miséria, e o meu coração não aguenta com as Vossas ânsias. Sede a minha força, Jesus, mas não choreis. Eu queixo-me, o meu queixume é sinal de fraqueza, não o é de recusa. Foi por eu Vos falar assim que Vós chorais?

 “Não, não, minha filha, florinha do Sacrário, violeta florida no meio da humanidade. Eu choro, eu choro, porque as almas recusam virem a Mim. Eu choro, Eu choro, porque elas fogem, fogem loucas para o caminho da perdição, para o abismo da condenação eterna. Eu sei que nunca me deste uma recusa. Já te disse, já te prometi que nunca ma darás. És poderosa, possuis a graça e o poder divino. Nas tuas horas de desalento, naqueles momentos, em que pareces ir a fraquejar, vem o Céu, vêm os Anjos, vem Maria Santíssima, a Mãezinha que tanto amas. Não digo que venho Eu, porque Eu estou sempre, mas faço que sintas, mais profunda e intensamente, a graça, a vida, o poder do teu Senhor”.

 Ó Jesus, como sois bom ! Eu não duvido da Vossa bondade, nem do Vosso Divino Amor para comigo. Só duvido de mim, só temo a minha fraqueza, mas confio em Vós, e alcançai-me a graça de eu confiar mais, sempre mais, tanto quanto é preciso, meu Jesus.

 “Dá-Me, dá-Me a tua dor e deixa que Eu conclua em ti a minha obra, e para isso vem receber a gota do Meu Divino Sangue. Jesus ligou ao teu coração o tubo dourado. Por ele faz passar do d’Ele a gotinha do Seu Divino Sangue. Dois corações num só coração. Duas vidas numa só vida. Dois amores num só amor. Em suma, Cristo e a Sua crucificada, a Sua crucificada e Cristo. Dai-Me almas, dai-Me almas. Atendei bem, Jesus pede muitas almas. O mundo, o mundo desafia constantemente a Justiça Divina. Fica na cruz, sorri, sorri, minha filha. Esconde, esconde a dor do teu sorriso. Tem coragem, o Senhor é contigo. Jesus vive em ti. Jesus fala em ti, Jesus pede por ti oração e penitência e emenda de vida. Não cesso, não posso cessar de a pedir, porque o mundo não cessa de pecar. Coragem, coragem, sorri, sorri à dor. Transforma-a num mar de Paraíso. Não te falta a protecção do Céu”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

2 de Maio – Sexta-feira

 “O Meu Divino Coração é amor, amor, só amor para com os homens. A retribuição destes é de ingratidão, maldades e crimes. Sou amor e amor venho pedir. Sou amor que consome e na mesma intensidade quero ser consumido. Como a borboleta louca ao redor da chama, anda o Meu coração ao redor, a bater à porta dos corações. A borboleta ama tanto, tanto, chega a consumir-se, a dar a vida. Eu amo mais, muito mais, infinitamente mais. E, por não serem abertas as portas dos corações, por não Me darem lugar em suas moradas, sofro, sofro tanto ! Se não fosse Deus, morreria de dor. Uns recusam-Me, porque estão pervertidos ; as suas consciências calejadas rejeitam-Me por completo; outros não Me atendem ainda, porque querem continuar nas suas paixões desordenadas. O inferno, o inferno, está aberto para eles. Outros recusam-me, porque não Me conhecem. Ainda mais outros não Me dão entrada, porque não querem sofrer. Querem flores, mas sem espinhos. Querem alegrias sem serem intercaladas pelas tristezas. Eu sou Jesus e como Jesus venho pedir-vos, venho mendigar; escutai e atendei a este mendigo divino. Venho a tiritar de frio, quero aquecer-Me nos vossos corações. Dai-Me amor, fazei com que Eu seja amado. Minha filha, minha filha, Jesus está no teu coração, à sombra de arbustos floridos. Jesus está no teu coração, como jardineiro cuidadoso, cuidando e deliciando-Se com as flores. Aqui estou bem, aqui estou bem. Eu não Me delicio na tua dor, delicio-Me no fruto do teu sofrimento. Eu não quero fazer-te sofrer, mas quero salvar os filhos Meus. Dá-Me, dá-Me a tua dor. Deixa que eu faça de todo o teu ser uma bolinha dorida, uma bolinha ferida, em cada momento do dia e da noite. Já que te deste a Mim, com toda a generosidade e com todo o heroísmo, deixas de sofrer enquanto estiveres na terra, quando o homem deixar de pecar”.

 Está bem, meu Jesus, está bem. Tudo o que fazeis é bem feito e é por amor. Vós sois o Senhor, e eu uma criatura Vossa. Vós sois tudo, e eu sou nada. Mas, ó meu doce Amor, tudo Vos entrego e aceito e estreito ao meu pobre coração. Entrego-Vos todo o meu viver, aceito toda a dor que me dais. Aceito-a, abraço-a só por Vosso Amor. Vede, Jesus, que não tenho nenhuma força para sofrer. Conto convosco, é de Vós que espero toda a graça.

 “Vem, vem então receber a gota do Meu Divino Sangue. O Coração Divino de Jesus, unido ao da Sua vítima, formou um só coração. A gotinha do sangue correu. Levou para ti a vida, a vida divina, a graça divina, o amor divino. És forte, nada temas; tens contigo a força divina. Onde está a vida divina, está a verdadeira vida. Onde está o poder supremo, está a vitória e o triunfo de todas as coisas. Fica na cruz, minha filha. O mundo louco, o mundo perverso, desafia, desafia a justiça de Meu pai. Fica na cruz, o mundo louco, o mundo desvairado, não é salvo sem a tua imolação, sem a tua reparação. Não quero queixar-Me mais, por hoje, para não ficares em maior dor. Coragem, coragem. Alegra o teu Jesus”.

 Obrigada, obrigada, meu Amor.

3 de Maio – Primeiro Sábado

 “Minha filha, minha filha, o bom jardineiro, de manhãzinha, quando aparece o sol, cuida a sério das suas flores. Limpa-as de todos os vermes. Rega-as para o sol ardente não as queimar. Eu estou aqui, Eu estou aqui a cuidar deste jardim formoso; a prepará-lo mais e mais para as Minhas delícias, para o Meu lugar de contínua habitação. O sol sou Eu, o jardineiro sou Eu, o mendigo sou Eu. Venho aquecer-te, venho fortificar-te, venho pedir-te. Quero queimar-te com os raios do sol fortíssimo, que é o Meu amor. Quero fortificar-te para mais, sempre mais, poderes resistir á dor. Quero pedir-te reparação, reparação. Um martírio doloroso e contínuo. A tua cabeça não pode deixar de sentir os dolorosos espinhos. O teu coração deve estar sempre deles cercado. As lanças, as setas e punhais não podem sair dele. Tem que ser completa a tua cruz, todo o teu calvário. Os pecadores ferem-Me muitíssimo, mas os desertados e milhares, milhares de almas consagradas a Mim, ah! essas ferem-me muito mais ainda. Nunca se pode esperar coisa boa dos grandes inimigos, mas quando vêm as afrontas dos amigos, as ofensas mais cruéis e dores mais pungentes, ah! então o coração sangra, sangra, não pode deixar de sangrar, e tu, que és a minha vítima mais amada, não podes deixar de sofrer comigo. Dá-Me dor, dá-Me dor. Minha filha, és vítima do mundo, do mundo inteiro, mas és mais, muito mais, dos sacerdotes, que, às dezenas, às centenas, aos milhares, renovam a minha Sagrada Paixão. Diz ao teu Paizinho que se associe sempre, sempre, à tua dor. Que repare tais crimes, tais crueldades, praticados com a maior loucura, com a maior malícia que se pode imaginar.

Diz, diz ao teu Paizinho que se não importe da forma como o faço sofrer. Que atenda bem, que esta reparação é precisa, e que o Mestre se tem de adaptar aos seus alunos, assim como eles ao seu Mestre. Diz-lhe que só escolho para esta reparação, para reparação tão delicada, as almas puras, as almas fortes, as almas enamoradas de Mim. Dá-lhe, dá-lhe o Meu amor divino. Dá-lhe, dá-lhe toda a minha força e graça e a certeza de que Jesus está sempre nele e ao seu lado; de que Jesus caminha com ele e fala nos seus lábios. Diz-lhe, diz-lhe todas estas verdades.

Diz ao teu médico que ele é o querido do Meu Coração Divino, e queridos são todos os seus rebentos. Os espinhos de hoje, que são as rosas de amanhã. As tristezas presentes são as glórias da eternidade. Ele tem que sofrer, e sofrer muito, porque o amo, porque é nobre a sua missão. Dá-lhe a certeza do amparo e protecção do Céu. Dá-lhe a certeza de que está com todos os seus. Ao abrigo do manto de Jesus e de Maria. Dá-lhe amor, dá-lhe amor, com toda a abundância. Vem, minha Bendita Mãe. Está exausta a Nossa filhinha. Vem enriquecê-la, para que fique mais forte. Vem acariciá-la, para que suporte com mais coragem a sua dor. Minha filha, minha filha, dá-Me as tuas mãos, quero colocar nelas as minhas graças. És a mensageira de Jesus e de Maria. És a distribuidora das riquezas do Nosso amor. É por ti que as almas são enriquecidas”.

 Ó Mãezinha, ó Mãezinha, já estou outra. O sol apareceu, o sol brilhou; o peso das Vossas graças é tanto que só convosco posso aguentá-lo.

 “Fica com elas, minha filha, e distribui-as. Fica com elas e enriquece a todos. Dá-as, em primeiro lugar, a quem te rodeia, a quem amas com todo o coração, com toda a tua alma. Todo o teu afecto e amor a esses corações é fruto do Nosso afecto e do Nosso amor. Ama-as, porque também Nós as amamos. Dá a todos os que te pertencem, dá a todos os que se aproximam de ti, espalha-as em espírito pelo mundo inteiro. Sê sempre a semeadora de todas as riquezas celestes. Já o és na terra e, em breve, muito em breve, continuas a ser no Céu. És a semeadora do Rei do amor e da Sua Bendita Mãe. Sou, sou, minha filha, a tua querida Mãe do Céu. Recebe, minha querida filha, todas as carícias do Céu. Nada negues a Jesus, faz sempre tudo o que Ele te pedir. Sê sempre generosa; a tua querida Mãezinha é contigo. Repara os Nossos Divinos Corações, consola-os. Repara o Eterno Pai, continuamente ultrajado. Escuta agora Jesus; repara-Me, minha filha, na Eucaristia. Ai ! tantos crimes, tantos crimes, tantas comunhões sacrílegas ! Repara-Me, repara a Santíssima Trindade. Três Deuses num só Deus. Três amores num só amor”.

 Vou reparar-Vos, Jesus, vou sofrer tudo, se eu puder, com a maior perfeição, mas não fiqueis triste, não choreis, meu Jesus, porque eu amo-Vos e sou Vossa, sempre a Vossa vítima. Obrigada, Jesus. Obrigada, Mãezinha, pelas Vossas carícias, pelas Vossas graças, pelo Vosso amor. Ai, Mãezinha, queria ir convosco para o Paraíso.

 “Tem coragem, minha filha, não demora muito. Venho buscar-te, levo-te em meus braços, envolvida no manto”.

 Obrigada, Mãezinha, obrigada, Mãezinha, obrigada, Jesus, meu terno e doce amor.

9 de Maio – Sexta-feira

 “Escutai, escutai. Oh ! como é eterna e doce a voz que Vos chama. Escutai, escutai, é Jesus que Vos chama, é Jesus que vai pedir-Vos. Eu sou ternura, doçura e amor. Escutai, escutai, depois de tanto amar, depois de tanto bater e pedir, não sou atendido, não cedem às instâncias do Meu Divino Coração. Dai-Me amor, dai-Me amor. Reparai este Divino Coração, que todo Ele é riqueza. Riqueza infinita, riqueza que quer dar-Se para enriquecer todas as almas, todos os corações. A guerra das paixões desencadeou-se. O mundo, o cruel mundo não deixa de ofender-Me. A desonestidade, as paixões, a ambição, a avareza, os bailes, os cinemas. Ai, minha filha, ai, minha filha, não posso dizer mais, nem quero entristecer o teu coração, tão sofredor. Basta, basta, sou Eu que digo que basta. Não podes ser crucificada com maior intensidade”.

 Ó Jesus, ó meu querido Jesus doloroso, Vós não quereis entristecer-me, Vós não quereis aumentar mais o meu sofrimento, e eu sinto que mais não posso sofrer, meu Jesus. Eu não preciso de maiores desabafos, já compreendo tudo. O meu pobre coração tem o sentimento e a visão da Vossa dor infinita. Não posso, não posso, Jesus, sentir mais a Vossa dor; morro, se não me valeis, morro, se não me amparais. O Vosso amparo, Divino Jesus, levantou-se. Eu estava caída. Nas Vossas santíssimas mãos, inclinada no Vosso santo lado, sinto-me mais forte, mas a dor não cessa. Não sou eu a sofrer, sois sempre Vós, por mim eu não resistia. A vontade está pronta, e eu sou sempre a Vossa vítima.

 “Coragem, minha filha, fica mergulhada neste abismo infinito da dor. Fica nesta noite tenebrosa, nesta amargura sem fim. É o sofrimento do teu Jesus. É este o estado a que os homens O reduzem. É esta a retribuição que Me dão por tanto amor. Sofre, sofre. Compra-Me as almas com a moeda dador, que é a moeda mais cara e agradável aos olhos do Senhor. Sofre, sofre, conquista para Mim as almas. Eu faço que aos milhares elas venham junto de ti, porque és a depositária das minhas graças e riquezas. Quero que lhas comuniques, é por ti que elas tudo recebem. É encantadora, é nobilíssima a tua missão. Vem, florinha eucarística, receber a gota do Meu Divino Sangue. Recebe, violeta florida, recebe, estrela e farol do mundo, é esta ávida que te faz viver com a Eucaristia. Faz com que muitas almas Me amem, naquele sacramento de amor, Me amem e Me desagravem. Faz que o Meu Divino Coração seja amado com O da minha Mãe bendita, amados e não ofendidos. Fica na cruz, fica com alegria; pede, pede sempre oração e penitência, pede para que Eu não seja ofendido. Vou pedir-te nestes dias mais reparação, aquela reparação que tão custosa é à tua alma e ao teu coração. Dá-Ma, dá-Ma com alegria, é pelas mesmas almas que estão na boca do leão, às portas do inferno. Tem coragem, o Senhor é contigo. Fica com a minha paz, dá a minha paz”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus. Atiro para Vós as minhas intenções, como uma chuva de flores. Aceitai-as, meu Amor. Obrigada, meu Jesus. Sou sempre a Vossa vítima, atendei às minhas preces.

16 de Maio – Sexta-feira

Parece que o meu coração tem que dar o sangue para ditar estas linhas, tal é o meu sacrifício. Tornou-se por completo inútil todo o meu viver. É um horror o sentimento da minha alma. Não sei, não sei, porque não tenho caído no desespero; Nosso Senhor dá o martírio, imola-me, como Lhe apraz, mas vem ao mesmo tempo sustentar-me, vencer em mim, fazer por vezes que todo o meu sofrer seja gozo. É gozar sem consolação, mas é gozo, porque não sei nem posso viver fora do sofrimento. O coração e alma sangram, e, ao mesmo tempo, toda a minha felicidade está na amargura, está no meu Calvário. Esforço-me por encobrir quanto sofro com o sorriso, mas este meu sorriso, esta minha alegria, não vai de fora para dentro, mas sim vem de dentro para fora. O amor, a alegria pelo sofrimento estão ligados aos muitos sofrimentos, ao doloroso martírio que em mim se passa. Mas este sofrer todo é inferior à loucura de amor que tenho pela dor. Não posso viver sem dor, embora sinta que caminho de rasto, que abandonei a cruz, que sou inútil para tudo, tudo o que é de Jesus, para toda a vida do Céu. Tenho tido as minhas lutas, para dar a Jesus a reparação que Ele tem pedido. Todo o meu ser é crime, matéria e podridão. Tudo em mim é maldade e ânsia de pecar. Depois de um horroroso combate, em que mais parecia o inferno do que outra coisa, senti ainda como que se Jesus viesse muito triste, com o Seu Divino Coração a sangrar, a sangrar muito, mas cheio de amor e misericórdia, buscar-me para os Seus santíssimos braços. Louca pelos prazeres, tentei fugir-Lhe e Ele dizia-me :

 “Não me fujas, vê para o que te escolhi, não calques aos pés a minha Lei. (Sem nada mais poder ditar, segue-se o êxtase). Jesus fala do tabernáculo das suas delícias. Dá a Sua paz e dá o Seu amor. Vou queimar-te, vou consumir-te, minha filha, nas chamas, no fogo do Meu Amor Divino. Tem coragem, tem coragem, porque o Senhor é contigo. Confia que foste criada para grandes coisas. A tua missão tão nobre e tão bem desempenhada é o encanto, é a alegria do Paraíso. Todo o teu viver é permitido por Jesus. Não duvides, não duvides. O teu Calvário é o mais semelhante ao Calvário de Cristo crucificado. A tua vida de cada momento do dia e da noite é a renovação, é a cópia mais fiel da vida de Jesus, da Sua origem dolorosa para o Calvário. Continua, continua com alegria a minha obra redentora. Os crimes do mundo fazem eclipsar-se o sol e esconderem-se as estrelas. O coração do teu esposo Jesus não pode mais, não pode aguentar tanta dor. O Eterno Pai quer destruir, quer deixar cair a Sua justiça vingadora”.

 Que peso, Jesus, que peso que me esmaga! Todo o meu ser parece desaparecer dos olhares do Senhor. Jesus, Jesus, fica sem vida o meu coração. Se não fosse o amor, o fogo, que no princípio lhe colocaste, já não vivia, já não vivia, meu Jesus.

 “Eu sabia bem, minha filha, tudo o que te ia dar, tudo o que te ia fazer deles. É Jesus a viver em ti, é Ele a falar, a sofrer e a operar tudo em ti. O inferno, o inferno, minha filha, é horroroso, mas é mais horroroso ainda, mais, muito mais, a maldade com que o Senhor é ofendido. Aquele Senhor que amou tanto, até dar a vida! Dá-Me a reparação, dá-Ma toda, minha filha. Confia em Mim, confia nas palavras daqueles que te confortam por Mim”.

 Quase não posso, Jesus. Pode haver maior inferno do que aquele que por vezes se passa no meu corpo e na minha alma? E depois as minhas dúvidas, ai, as minhas dúvidas! Ai! tanto temor!

 “Não há maior inferno, não, minha filha, é esse mesmo, tudo quanto sentes são tormentos do inferno. Não é outra coisa senão a tua missão de vítima. Não é outro o fim, senão evitar as almas de caírem lá. A inutilidade que sentes de todo o teu viver é a inutilidade de milhares e milhares de almas, inúteis para o bem, inúteis para a vida do Senhor. Úteis ao mundo, aos prazeres, às vaidades, a tudo o que é pecado, a tudo o que são vícios, úteis a Satanás. Sofre, sofre, que bem depressa vens receber a recompensa”.

 Não é isso, Jesus, que me dá mais força para sofrer. Sofro por Vosso amor, sofro por amor das almas, porque Vós as amais. A recompensa, meu Amor, perdoai-me, mas não me ilude. Sois Vós, sois Vós, e tudo é por Vós. Só tenho pena de não saber sofrer melhor. Só tenho pena de não prender todas as almas, todos os corações, dentro do Vosso Divino Coração. Queria roubá-las a Satanás.

 “Faz o que fizeste até aqui. O inferno, Satanás, está raivoso. Que ódio, que ódio infernal ! Não temas, não temas, não te deixo pecar. Nunca, nunca serás por ele derrotado. A tua missão nobre, nobilíssima, continua no Céu. Lá não sentirás os efeitos da sua raiva. De lá, todas as almas, que tanto amas, vão ser por ti orvalhadas com orvalho celeste, que vem fecundar, que vem penetrar em todo o meu ser. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Passou a gotinha divina, juntou-se ao incêndio de amor. Sem este alimento não vivias. Sem este conforto não resistias a tanta dor, não aguentavas o peso da cruz. Fica nela bem crucificada. Aperto-te bem os cravos. Brada por Mim só com o coração. Pede-Me quanto quiseres. Muito te peço e muito te dou”.

 Jesus, vede todas as minhas intenções, que neste momento tenho presente. São muitas, não são, Jesus ? Despachai-as, despachai-as todas, Vós sois infinitamente rico, dai-nos a Vossa riqueza. Dai-nos a Vossa graça e amor.

 “Faça-se como queres, vai em paz”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

23 de Maio – Sexta-feira

Por não ter podido, não tenho falado do muito que me vai na alma. Hoje, por não poder ainda, quase nada vou dizer. Digo muito e afinal sinto que não é nada, e apenas a minha inutilidade em todas as coisas do Senhor, em tudo quanto podia repará-Lo, consolá-Lo e amá-Lo. Sinto como se esta inutilidade fosse para sempre. Parece que foi para mim inútil a vinda de Jesus à terra. A Sua vida, o Seu Calvário. Não tenho para Lhe dar a mínima coisinha. Nas quintas e sextas-feiras era inútil todo o meu sofrer. Eu ia forçada a acompanhar Jesus; ia pior do que se fosse de rasto a acompanhar os Seus passos. Ele ajudava-me a levar a cruz, e eu atirava-a fora dos meus ombros. Aborreci-a, odiava-a e não queria a ajuda de Jesus. É do nascimento à morte do Senhor que se manifesta a minha inutilidade. E, depois da morte, o meu ódio contra Ele. Parece-me que os meus lábios, olhos e ouvidos, todo o meu ser há-de faiscar fogo, e o meu coração não saberá fazer outra coisa a não ser odiar e com os lábios amaldiçoar a Deus. Não sei se nunca saberei dizer o que sofro. A minha ignorância nada conhece e nada pode manifestar saber. Não soube assistir às Santas Missas que no meu quarto se celebraram. Pedi à Mãezinha, de alma e coração, que Ela suprisse toda a minha falta e deficiência, porque eu era a filhinha mais pobre, mais doentinha de alma que Ela tinha. Uma só coisa me resta, Mãezinha : o abandono, mas sim um abandono confiado. Senti, sexta-feira, uma humilhação tão grande, no meio da minha inutilidade e aborrecimento, se não era ódio a todo o Calvário, ver-me rodeada de pessoas. Dava-me a ideia e o sentimento de que eu era bruxa, sem nada disso conhecer. Mas tudo queria, aceitava e amava por amor de Jesus e às almas. Num brado dolorosíssimo, com o coração sem sangue, entreguei ao Pai o meu espírito. Neste momento, com a vida, pareceu-me entregar-lhe a humanidade. Pouco tempo depois, com a nova vida de Jesus ouvi a Sua voz :

 “Procurai a Jesus, as Suas coisas, a Sua Lei. Deixai o pecado, deixai o mundo, deixai Satanás. Ide ao encontro de Jesus, porque à vossa busca anda Ele. Ide ao encontro de Jesus. Ele anda, corre sempre, sempre à vossa procura. Jesus avisa, Jesus fala dentro do coração e pelos lábios da Sua vítima. está entre vós, como outrora entre os Apóstolos. Enchei-vos das Suas graças, dos Seus tesouros, do Seu amor. Estou triste, triste, choro com dor, estou ferido com os pecados do mundo. Sangra, sangra tanto o Meu Divino Coração. Fala-se tanto do amor de Jesus, da Sua doutrina, de toda a Sua obra ! Mas amá-Lo, observá-Lo, cumprir fielmente os preceitos do Senhor !... Não é coisa tão basta, tão frequente como parece. É piedade infecciosa, é amor nojento, é amor criminoso, criminoso, criminoso, minha filha”.

 Oh ! Jesus, ó Jesus, vejo que a Vossa sacrossanta cabeça está cercada de grandes e penetrantes espinhos. Dela cai uma chuva de sangue. Os Vossos divinos olhos são dois regatos de lágrimas. Como poderei eu ficar indiferente a tudo isto ? Não, Jesus. Não posso deixar de sofrer. Ai que dor, ai que dor no meu coração ! Que noite tempestuosa e negra na minha alma !

 “São assim, minha filha, são assim os corações, as consciências de muitas almas que se aproximam de Mim. De muitas, de muitas, bem Me compreendes, que vão mais além do que isso. São os corações, são as consciências de milhões e milhões de pecadores. Não se convertem, não deixam de pecar. Não aceitam a cruz”.

 Jesus, Jesus, meu amor. Estreito-Vos ao meu coração. Derramai sobre ele esse sangue e essas lágrimas. Fazei, Jesus, que eu seja um depósito seguro de tudo isto. Eu não quero que se perca uma só gota do Vosso sangue divino, nem uma só lágrima derramada dos Vossos santíssimos olhos. Eu quero, sim, Jesus, que seja de proveito para as almas, para que todas se convertam, para que todas Vos amem com amor puro e santo, para que todas sejam salvas.

 “Tu és, minha filha, mais que um depósito, tu és cofre riquíssimo, tu és tabernáculo do Rei do Céu. É por ti que as almas são enriquecidas, é por ti que elas recebem a sua felicidade. Dei-te tudo, para que tudo lhes dês. Dá-Me, dá-Me a tua reparação. É com ela, com os méritos da minha Bendita Mãe e da minha Santa Paixão que Eu sustento o braço do Meu Eterno Pai. Ele pende, pende, esmaga, quer cair sobre a terra culpada. O mundo, pobre mundo ; o Portugal ingrato, ingrato e cruel ! Vem, vem, minha filha, recebe a gota do meu Divino Sangue. Uniram-se, uniram-se nas minhas veias. O sangue que trouxe do ventre de minha Mãe. O sangue que te dá a vida, o alimento que te faz viver. É a força, é a vitória da tua cruz”.

 Ó Jesus, com a gotinha do Vosso sangue desapareceu a dor, desapareceu a noite. Tem luz, tem vida, sente agora o meu coração. Muito obrigada, Jesus. Estou mais forte.

 “Foi para isso, filha querida, foi para que ficasses mais forte que ta dei. Fica na cruz. A dor vem já. A noite aparece. Os crimes do mundo fazem a noite, roubam a luz ao sol, o brilho às estrelas. Fica na cruz, dá-Me a tua reparação. Dá-ma, dá-ma sempre, por bem pouco tempo ma dás. Do Céu continuas a tua missão, a missão para que foste escolhida, para que foste criada. Fica na cruz, pede sempre oração, penitência e emenda de vida. Fica na cruz. Coragem”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

30 de Maio – Sexta-feira

Tenho medo, fico por vezes apavorada com a minha inutilidade. É um tormento de more e morte desesperada. Invoco com os lábios, e o mais das vezes com o coração, o nome de Jesus e O da Mãezinha. É com Eles que eu conto; é o amor e força dos Seus Divinos Corações que eu combato. Confio n’Eles e com Eles espero não cair no desespero. Só tenho inutilidade para o pecado. Estou sempre louca pelos prazeres, pelas paixões. A minha alma sente e tem por vezes visões horrorosas de todas as maldades. E tem o conhecimento da gravidade de todos os actos. Não quero pecar, digo que antes quero o inferno do que por um só momento ofender a Jesus. E ao mesmo tempo tenho pena quando não satisfaço os meus desejos, quando não peco com aquela maldade, com aquela satisfação a que me leva a paixão desordenada, a malícia infernal. Parece que quero pecar e por várias circunstâncias sou interrompida no pecado, fico desorientada e a pensar só naquilo que tentei e não pude conseguir. Parece que tudo quero, mas na realidade não quero. Oh ! não, isso não, pecar contra o meu Senhor ! Já dentro da novena do Espírito Santo, no meio desta tormenta, a minha alma teve um conforto com a visão do Paraíso. De cima, por entre uma nuvem branca, sobressaía uma pomba de asas abertas, com a alvura da neve. Dela saíam uns raios finíssimos, doirados, que vinham pousar sobre o meu coração. Esta visão foi lindíssima, mas pouco demorada. Fiquei mais forte para triunfar no meu Calvário. A minha inutilidade continua, a minha ignorância nada sabe dizer, e as minhas forças nada me permitem. O meu coração não deixará de bradar e de pedir auxílio ao Céu. Só para a maldade sou útil. Inútil para viver para Jesus, inútil para o Horto e para o Calvário. Hoje, quando seguia para o cimo da montanha, sentia-me de tal forma inútil e separada do Calvário, que me parecia que umas muralhas, levantadas da terra ao Céu, me separavam de Jesus, da cruz, do Calvário, com todos os méritos que nele alcançou Jesus. Foi inútil o Seu sangue e a Sua morte para mim, assim como foi inútil para tudo. Expirei fora d’Ele, e como que a amaldiçoar a Sua Lei e os meus dias. Momentos depois, desceu até mim, transformou a minha alma, deu-me luz, deu-me paz e falou-me assim :

 “Jesus, como pomba branca, esvoaça, entra e sai fora do tabernáculo da Sua esposa, sem nunca se ausentar dele. É este coração tabernáculo do Rei Divino, tabernáculo do Rei de amor. Eu quero permanecer aqui, minha filha, não posso separar-me. Sou Jesus, não posso viver sem as delícias deste coração”.

 Dizei, Jesus, dizei tudo.

 “Não posso, não, minha filha, viver, passar sem esta sombra deliciosa, sem este perfume de tão variadas virtudes”.

 Falais bem, Jesus, falais como Deus, sois a sabedoria infinita. Vós sois as delícias, Vós sois a sombra, Vós sois as virtudes onde desejais esconder-Vos. Não Vos ausenteis, não, meu Jesus. Ai de mim, sem Vós.

 “Nunca, nunca me ausentei de ti, desde o momento do teu baptismo. Aqui vivi, aqui permaneci. Aqui continuo a minha morada até ao último momento. Sempre aqui vivi como afirmo. Como poderia agora deixar de viver, nas horas mais dolorosas, na fase mais aflitiva da tua vida? É aflitivo, é pavoroso o estado da tua alma. Lembra-te, recorda sempre, mina filha, que é aflitiva a hora que passa, que é pavoroso o viver das almas, o viver do mundo. Os crimes, os crimes! Que mar, que mar agitadíssimo! Sofre, sofre, se não queres ver sangrar o Coração do teu Jesus. Se não O queres ver chorar, se não queres ver correr o sangue da Sua sacrossanta cabeça”.

 Não quero, não, meu Jesus, não quero ver-Vos sofrer. Nada posso por mim, mas convosco tudo venço. Quero sofrer, quero sofrer até à última. Mas ai! Se eu pudesse passar sem voltar a ver as Vossa lágrimas, nem o Vosso Divino Coração a sangrar!

 “Coragem, coragem, minha filha. Quando te mostrar o meu sofrimento, é para o evitar em mim, é para te levar à compaixão! É para te firmar mais e mais na tua missão sublime. Sou a sabedoria que tudo compreende. Sou o Rei que tudo governa. Instruo-te com a minha ciência, faço-te reinar com o meu reinado. És grande, és bela aos olhos do Senhor. És poderosa com o poder supremo. Tem coragem. São os crimes do mundo a exigir tão dura reparação. Tem coragem sê sempre fiel, fidelíssima ao teu Senhor. Eu quero as almas, as almas, minha filha. Não as deixes fugir. O inferno ameaça submergir, como mar tempestuoso. Satanás quer levá-las consigo, quer engoli-las. Acode-lhes, acode-lhes”.

 Senhor meu, Senhor meu ! Meu Jesus, meu doce Amor, que quereis que eu faça? Com a Vossa graça não desistirei nunca, sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima.

 “Dá-me a tua dor, a reparação, minha filha; dá-me o teu martírio, dá-me a tua crucifixão sem cessar. Deixa cair sobre ti, e não sobre as almas, a justiça do meu Pai. Ai delas, se Ele descarrega como merecem. Perdem-se eternamente. Deixa, deixa que ela pese sobre ti, que és vítima para as salvar”.

 Ó Jesus, ó Jesus, já não sou eu, parece que com tal peso desapareci. O meu ser foi esmagado, mas a alma, essa foi iluminada e viveu para Vós, meu Jesus, mais, muito mais.

 “Fica certa de que és útil para as almas. És útil para as coisas de Deus. És utilíssima para tudo. Tem coragem, tem coragem. O Céu espera-te. É grande, infinitamente grande, a recompensa. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Passei o meu Divino Coração para dentro do teu. Nele deixei a gotinha do meu. Já corre nas tuas veias. É a tua vida. É a vida divina que te faz viver. Vives com o alimento celeste. Fica na cruz. Fala às almas, fala ao mundo. Fala das tristezas de Jesus. Fala dos seus queixumes. Diz-lhes quanto sofre o coração que tanto amou e tanto ama. Pede oração, penitência e emenda de vida. Fica na cruz, pede tudo ao teu Jesus. Não desanimes nas tuas preces. Jesus não falta, Jesus não falta”.

 Lembro-Vos aqui tudo. Está aberto o meu coração. Lede o que lá está presente. Ficai comigo para sempre, meu Jesus. Obrigada, obrigada, meu Jesus.

6 de Junho – Sexta-feira

O meu sacrifício, enorme sacrifício que faço em ditar estas linhas, inclui-se também na minha inutilidade. Mesmo assim, não quero deixar de provar o meu amor a Jesus. Esforço-me até sentir com que se me arrancassem do ventre as entranhas e do peito o coração. Não quero sentir, não quero saber se sou útil ou inútil. O que eu quero é obedecer e fazer em tudo a vontade do meu Senhor, custe o que custar. Sou útil para a podridão, sou útil para o veneno, porque todo o meu ser se desfaz e chega a envenenar o mundo; sou útil para os prazeres e para uma vida contínua de todos os vícios de toda a variedade, dos mais horrorosos crimes. Depois de uma tremenda luta e pavorosos sentimentos, visão de alma como se ofende horrorosamente ao Senhor, e a classe de pessoas que O ofendem, embora seja eu a culpada de todo o mal, não me explico mais; pedi muito a Jesus e à Mãezinha que não queria ofendê-Los. Sem sentir os efeitos da Sua protecção, fiquei como que embrutecida, embriagada, fora de mim, tal foi a loucura desordenada a que me entreguei. Não pensava no arrependimento, nem emenda de vida. E então, neste momento, uma dor infinita me invade o coração. Era para morrer, se não fosse Jesus ser a minha força. Ele dentro, em mim, falou-me e fez-me compreender que era Sua aquela dor, e que eram os crimes que assim O faziam sofrer. Todo cheio de ternura, bondade e amor, mas com uma tristeza profunda, infinitamente profunda, falou assim :

 “Não me ofendes, vem cá, arrepende-te, quero perdoar-te. Sabes a quem feres? É a Jesus, aquele Jesus que te escolheu para O servires, aquele Jesus que te obedece. Não peques mais, não renoves tão cruelmente a minha Sagrada Paixão”.

Fiquei envergonhada diante do Senhor, não podia fitar o meu amado Jesus. Ele deixou-me a alma mais forte, mas eu é que não me comovi; fiquei da mesma forma embrutecida e embriagada no mal. Eu só queria saber mostrar e fazer sentir a todos os corações a dor e a tristeza infinita de Jesus. A minha ignorância e inutilidade não me deixam. Meu Deus, meu Deus, o que é o mal, o que é o pecado? É grande como Vós a ofensa feita à Vossa Majestade infinita. Sou inútil para todo o Horto, fujo dele, só forçada a ele me uniria; sou inútil a toda a paixão de Jesus, não aceito os Seus méritos, desperdiço o Seu sangue divino, derramado por amor de mim; sou inútil a toda a luz do Divino Espírito Santo, não deixo que ela me ilumine e penetre em mim. E nesta inutilidade caminho para o Calvário, mas vou muito por longe. Mas a minha alma vê no cimo dele Jesus, de braços abertos, crucificado na cruz. Sinto que Ele quer que eu vá ao Seu encontro e que me quer fazer a entrega da entrada do Seu reino. Mas eu sou inútil, mesmo para esta oferta. Ele espera-me e chama-me. Oh! se eu pudesse abraçá-Lo! Vivi as três horas de agonia, como que se fosse uma vida inteira, sem pensar no Senhor. Ele expirou, e eu expirei, mas fora d’Ele. Era eterna a nossa separação. Passou-se bastante tempo nesta morte que jamais poderia ter vida. Veio então Jesus. Deu vida e fez luz na minha alma. Falou-me assim :

 “Dei a vida na cruz e triunfei sobre a morte. Eu anseio, minha filha, sim, eu anseio que na minha cruz sejam crucificadas muitas, muitas vítimas. Há tão poucas que se deixam imolar e crucificar! O mundo, os pecadores têm necessidade de almas reparadoras. Eu, o Senhor misericordioso, o Senhor que quer perdoar, vou bater à porta de muitas almas a pedir-lhes essa imolação, essa crucifixão. Mas olha, minha filha, quantas recusas, quantas negativas ! Aqui, aqui, à porta do teu coração, nada me foi negado, nada me será negado. Esta cruz, esta cruz, que tenho em minhas mãos, posso distribuí-la por todas as almas, todas, todas do mundo inteiro, e todas numa só cruz, todos os sofrimentos num só sofrimento não chegavam, ficavam longe, muito longe da minha cruz, do que nela sofri. Está aqui, está aqui, filha querida, atravessada sobre o teu peito. Quero colocar no cimo dela o teu coração. Quero que o teu sangue a regue. Quero que ele corra sobre ela, assim como correu o meu”.

 Ó Jesus, ó Jesus, meu querido Amor! Não foi preciso nenhum esforço. O meu pobre coração, tímido de tanta dor, mas sequioso de mais e mais sofrer, voou voluntariamente para ela. Beijo e abraço esta cruz, meu Jesus. Eu não quero, não quero deixar de beijar e abraçar a oferta riquíssima do meu Senhor. Estou pronta a derramar todo o meu sangue. Quero com ele regar esta cruz. Sois Vós, Jesus, são as almas a causa da minha imolação, a razão por que quero regar a cruz, derramando até à última gota todo o meu sangue. Quero tudo porque Vos amo, amo as almas por Vós, vejo nelas a Vossa sagrada imagem, o preço infinito do Vosso Divino Sangue.

 “Então, minha filha, o teu corpo toma o lugar do coração ; o coração retoma o seu lugar e tu ficas crucificada por mim. É o teu Jesus que vai fazer de carrasco. É o teu Esposo que vai bater-te os cravos”.

 Crucificai-me à vontade. Oh ! como é bela, como é bela e encantadora esta cena misteriosa do Senhor.

 “Crucifiquei-te, crucifiquei-te, mas não são exigências minhas. O mundo, o mundo, os pecadores cruéis foram que o exigiram. Isto é mais uma prova do meu infinito amor. Infinito amor e eterno perdão”.

 Ó Jesus, ó Jesus, nada me custou deixar-me crucificar. Se fosse sempre assim! Não digo bem, meu doce Amor. Se assim fosse sempre, não custava a vida, não custava a crucifixão, nem a morte. Vós agora estais comigo e eu sinto que Vos amo. O mal todo é quando eu estou sozinha, neste mar imenso de crimes, nesta noite tenebrosa, nesta inutilidade de todas as coisas.

 “Coragem, coragem, filha querida. Nunca estás sozinha. O teu Jesus está contigo, guia a tua barquinha, não a deixa naufragar. A tua inutilidade tem toda a utilidade. A tua cruz, com todo o teu sofrer, é a continuação da minha Paixão. Está-se a completar neste Calvário a obra do meu Calvário. Tem coragem, confia em Mim. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Da chaga do meu Divino Coração para a chaga do teu passou a gotinha do sangue. Ela já corre em tuas veias, e os nossos corações ainda se conservam unidos. É sinal duma união inseparável. Todo o teu corpo é Cristo, e todo o teu coração é de Cristo, e Cristo está nele. Tem coragem, tem coragem. Só à custa de dor e sangue é que as almas se podem salvar. Tem coragem, tem coragem. És a vítima mais querida do meu Divino Coração, mais predilecta do Meu Eterno Pai. Vai em paz, dá a minha paz. Pede amor, amor, amor ao meu Divino Coração. Faz que Eu seja sempre amado. Se Eu for amado, não sou ofendido. Coragem, coragem. Sempre sorridente à tua cruz. Vai em paz, vai em paz”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus.

7 de Junho – Primeiro Sábado

 “Minha filha, minha filha, fugir é porte dos fracos. Eu sou forte. Eu sou Senhor. Eu sou o Rei de todas as coisas. Mas fugi, fugi e vim refugiar-Me no teu coração. Sabes porque fugi? Sabes porque quero refugiar-Me no teu coração? Fugi, fugi, porque Me foram dadas muitas lançadas. O Meu Divino Coração não pode receber mais feridas. Todo ele é amor e uma só chaga. Todo ele é amor e está numa só ferida. Todo ele é sangue, sangue. Nem parece o coração. Minha filha, minha filha, aqui te apresento Jesus. Como Mãe d’Ele e tua Mãe, quero mostrar-te o Seu Coração Divino”.

 Eu vejo, eu vejo, Mãezinha; o vaso que contém é o peito santíssimo de Jesus. Vejo e sinto. Todo Ele é dor. Todo Ele é amor. Como é, meu Jesus, que Vos deixastes ferir assim? Como podeis consentir, Mãezinha, que os filhos, que Vos foram dados no Calvário, tratem desta forma o Filho Jesus, que Vós destes à luz? Fico sem força e fico sem vida. Não sei, não sei como se possa tratar assim Jesus!

 “São os crimes do mundo, dos grandes pecadores, mas sobretudo os crimes desta manhã. Quantos sacrilégios e quantas iniquidades! Sofre, sofre, minha filha. Está mas minhas mãos a mão do Meu Jesus. Coloca-a entre as tuas”. (Fez o gesto de colocar qualquer coisa)

 Não quero só a de Jesus, Mãezinha, quero as Vossas também.

 “Aqui estão, são ímanes que te atraem mais e mais a Nós. Por elas te é dado todo o meu amor, todas as graças, todas as riquezas. Entesoura tudo no teu coração; tudo hás-de distribuir e tudo hás-de sempre possuir. Não se esgotam as nossas riquezas. Dá-as e ficas sempre rica. Repara, repara, fica a sofrer, minha filha, a sofrer sempre, para que o teu Jesus não sofra mais. Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Diz ao teu Paizinho que ele está todo absorvido dentro do Meu Coração Divino. É n’Ele que ele sofre, é n’Ele que ele trabalha, é n’Ele que ele vive. Diz-lhe que as grandes imolações e as grandes crucifixões são próprias dos santos. Ele será contado no número dos meus eleitos. Ele há-de ser coroado com a auréola dos santos. Dá-lhe todo o meu amor com toda a minha paz, na certeza de que a sua vida dolorosa foi permitida por Mim. Se ele soubesse o proveito da sua dor! No Céu tudo vai saber e compreender. Dá-lhe amor, amor com toda a minha riqueza. Dá-lhe amor, amor com toda a riqueza de minha Bendita Mãe. Diz ao teu médico que todos os meus tesouros divinos com todas as suas graças e amor caem sobre ele e sobre o seu formoso jardim, como um maná e orvalho celeste. Diz-lhe eu o escolhi para grandes coisas. A sua missão é nobre. É a missão só própria dos eleitos do Senhor. Diz-lhe que a sua firmeza é o encanto do Céu. Ele é forte na sua fé e na defesa da minha divina causa. Esta luta renhida há-de ser coroada com o triunfo e a vitória de tudo. Os humilhados exaltam-se. Os pequenos são grandes, muito grandes aos olhos do Senhor. Dá-lhe todas as graças, fortaleza e bênçãos do Céu. Dá-lhe amor, amor, todo o amor para ele e para todos os eu lhe são queridos. Minha filha, minha querida filha, vem uns momentos para os braços da tua querida Mãezinha. Viste o coração do teu Jesus? Repara agora para o meu. Vês quanto Ele sofre, quanto Ele ama ?”

 Ó Mãezinha, quero fitá-Lo bem, não quero ter a minha cabeça inclinada sobre o Vosso peito. Ele tem tantas setas, tantos espinhos!... e sangra tanto!... Sinto e compreendo quanto amais, quanto sofreis! Ó Mãezinha, ó minha querida Mãezinha, Jesus sofre tanto! Vós sofreis tanto! Ao pé de Vós eu nada sofro, e parece-me que não posso sofrer mais. Como eu sou fraca, Mãezinha! O que eu sofro nada vale, vejo-Vos a Vós sempre a sofrer, sempre a sofrer!

 “Amo como Jesus ama, minha filha ; sofro como Jesus sofre. Amamos num só amor, sofremos numa só dor. Sofre, sofre com heroicidade. Sofre, sofre com alegria. Já sabes que estas visões são para te fazer compreender a necessidade de reparação, a necessidade da tua imolação contínua. Deixa-te crucificar. Deixa-te crucificar. Jesus e a tua querida Mãezinha não te faltam. Amamos-te com todo o amor. Estamos sempre ao teu lado, nem um só momento te falta o amparo celeste. Repara, repara pelos sacerdotes. Repara, repara pela humanidade inteira. Não cesses, não cesses de dizer aos homens como está triste Jesus, como está triste a Mãe Santíssima! Leva o amor de Jesus e da Mãezinha. Dá-o todo a todos os que amas, a todos os que te são queridos. Pede para todos quanto quiseres. Recebe as carícias de Jesus, recebe as carícias da Mãezinha. Pede oração, penitência e emenda de vida. Diz que são dois corações a pedir tudo isto, Jesus e Maria. Coragem. Vai em paz”.

 Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha.

13 de Junho – Sexta-feira

O mundo todo está em noite escura, em densas trevas. É nelas que eu vivo com a minha ignorância e a minha inutilidade. Sou inútil para tudo o que é do meu Senhor, inútil para O servir e amar, inútil também para mim são todos os frutos e méritos da Sua santa Paixão. Sou útil para o pecado, para toda a variedade de maldades e crimes. Sou útil para Satanás e para todas as suas obras; piso as pisadas dele, sigo os caminhos do inferno. Numa tremenda luta, quando me debatia, embriagada nas paixões, ia mesmo a cair no inferno. Não sei como houve alguém que se lançou a mim e não me deixou cair lá. Fez-me lembrar o quadro do pecador moribundo condenado ao inferno, com esta diferença: quem me acudiu, chorava, com o Anjo junto da alma perdida, mas não ficou só nas lágrimas; em vez de vendar os olhos para não me ver cair no inferno, atirou-se fortemente e arrancou-me já das chamas infernais e das garras de Satanás. Terminada esta pavorosa cena, senti a dor infinita de Jesus, senti as Suas lágrimas e suspiros, ouvi os Seus queixumes :

 “Vomitas-Me fora do teu coração. Que mal te fiz, para que Me ferisses assim ? Foi só o meu amor que te levou a tal maldade e ingratidão. Arrepia caminho. O meu Divino Coração quer possuir-te, quer perdoar-te”.

Foi preciso a força de Jesus e a protecção da Mãezinha, a quem invoquei, a quem chamei com toda a minha alma. Se assim não fosse, eu nunca poderia ter resistido. A dor infinita, tão grande como Deus, tirava-me a vida. Neste momento, o meu coração assemelhou-se a um ninho de numerosos e famintos passarinhos, com os seus biquitos abertos, e eu, não sei com quê, alimentava-os, cuidava deles com todo o amor e a nenhum sacrifício me poupava. Desapareceram estes sentimentos, como nuvem que se desfaz, e eu fiquei de novo no meu doloroso sofrimento, na minha pavorosa inutilidade. Não tenho coisas grandes ; aproveito todas as migalhinhas de mortificações e sacrifícios para oferecer a Jesus pelas mãos, lábios e Coração Imaculado da Mãezinha, por muitas, muitas coisas e para Sua glória e bem das almas. Mas sempre, sempre entra em tudo a minha inutilidade. Fito os olhos no Céu e, abandonada na Mãezinha e em Jesus, deixo-me levar por Eles e n’Eles espero e confio, mesmo a parecer-me que nada confio, que nada posso esperar. Foi inútil o meu Horto e Calvário. É diferente, muito diferente agora o sofrimento da quinta e sexta-feira. É a visão de toda a vida dolorosa de Jesus, mas sempre, sempre a minha inutilidade e sempre fugitiva dos caminhos de Jesus. Fui posta no Calvário, não fui eu que caminhei para lá. Quando me senti no cimo da montanha, foi que os méritos de Jesus, da Sua Santa Paixão, tiveram utilidade. O coração voltou a ser ninho de passarinhos e alimento deles. Eu fui inútil, mas foi útil Jesus. Era Ele quem alimentava e dava a vida. Neste momento, na minha inutilidade, expirei com Ele. Jesus, todo o amor e vida, perdão! Eu, toda miséria, inutilidade e nada. Jesus não me desprezou, fez que morresse com Ele. Depois de um espaçozinho de tempo, senti uma nova vida e, ressuscitada para o Senhor, ouvi a Sua voz divina a falar-me docemente, assim :

 “Jesus está aqui real, real como está no Céu. Jesus está aqui, vai falar, vai mendigar no coração da Sua esposa. Dai-Me amor, amor, eu quero ser amado. Vinde a Mim, vinde a Mim sem temor. Quero abraçar todos os pecadores, quero perdoar-lhes todos os seus pecados. Vinde a Mim, vinde a Mim, estou de braços abertos, quero abraçar-vos”.

 Ó Jesus, ó Jesus, como é bela a posição em que Vos vejo! Sinto, vejo, compreendo bem que os Vossos braços santíssimos podiam abraçar a humanidade inteira. Oh! como eu sinto a ternura e o amor do Vosso Divino Coração! Quem me dera, Jesus, ai! quem me dera fazer um molhinho de todos os corações; prendê-lo dentro dos Vossos santíssimos braços, muito unidinho ao Vosso santíssimo Coração. Ó Jesus, fazei que todas as almas compreendam o Vosso amor e essas ânsias, essas ânsias infinitas de a todos abraçar, de a todos estreitardes ao Vosso Coração Divino.

 “Minha filha, minha querida filha, é grande a minha pena, é infinita a minha dor. Dou às almas, dou ao mundo todas as provas de amor. Mostro claramente a minha misericórdia infinita e o quanto quero perdoar. O mundo odeia-Me, os corações esquecem-se de Mim. Não aceitam as minhas manifestações de amor. Não querem viver para Mim, não querem compreender quanto o Meu Coração sangra. É grande a minha tristeza, é infinita a minha dor. Eu vim ao mundo mostrar, pregar a caridade. Sou o Senhor, sou Jesus, sou impecável. Se assim não fosse, não usava agora a minha caridade, aquela caridade que Eu quero e anseio seja praticada. Quantas almas, quantas almas !...”

 Não chores, não chores, meu Jesus. Eu não sou digna de ter a Vossa sacrossanta cabeça pousada em meus pobres braços. Mas também não sou digna de Vos receber e recebo-Vos sempre em meu pobre coração. E então estreito-Vos com amor, com muito amor, meu Jesus, e quero enxugar as Vossas lágrimas. Não posso enxugá-las de outra forma, a não ser com o frio amor do meu coração. Não choreis, Jesus, não choreis, meu Amor. Sou a Vossa vítima, vítima para tudo.

 “Choro, choro, minha filha, por milhões e milhões de almas, choro, choro por aquelas almas que não merecem ter a caridade do Senhor, aquelas almas por quem te peço tão dura reparação; aquelas almas a quem o inferno quer engolir. Aquelas almas que se aproximam do Senhor e são demónios vivos e têm o inferno no coração. Eu quero perdoar, quero perdoar, mas quero emenda de vida, não quero mais ser ofendido. Diz, diz ao mundo, minha filha, que Meu Eterno Pai quer cair sobre ele com todo o rigor da Sua justiça. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Ó maravilha prodigiosa ! Jesus dá a gotinha do Seu sangue ; o sangue que correu no Coração de Jesus, entrou no coração da Sua vítima e corre agora nas suas veias, em todas as veias do seu corpo. É alimento divino, é alimento de que tu vives. Coragem, coragem, minha filha, muita coragem, fica na cruz. Sorri com alegria. Coragem, coragem, cantarás dentro em pouco as glórias do Senhor. Em breve serás contada entre o número dos meus santos. Coragem, coragem, vai em paz e dá a minha paz”.

 Ó meu Jesus, meu querido amor, lembrai-Vos das minhas grandes intenções. Atendei a todas e despachai-as.

20 de Junho – Sexta-feira

São indizíveis as amarguras e torturas da minha alma. Custa-me imenso falar. A cada movimento, parece que é fora de mim arrancado com toda a violência o coração e, em seguida, as entranhas. Digo pouco, por não poder e por a minha ignorância nada saber dizer, mas sofro e sofro muito por não poder e não saber. Pois sinto uma fome, uma necessidade, posso dizer infinita, de desabafar. Eu não quero de forma alguma queixar-me, não quero entristecer o meu Jesus. O esforço que faço, o nada que digo, é para obedecer. É Jesus, é a glória do meu Senhor e o bem das almas que me levam ao máximo do sacrifício. Vi-me, senti-me nas garras do demónio ; ouvi os uivos do inferno, o desespero das almas. Meu Deus! Como é desesperador ! Se eu pudesse dizer a forma provocadora, descarada e maldosa, com que são praticados tantos e tantos crimes. Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim. Que maldade infernal ! Parecia-me que era em mim, e era eu a praticar crimes tão hediondos. Era eu a cair no inferno, era eu a entregar-me toda à devassidão e prazer, sem nada me satisfazer, mas sem poder naqueles momentos pecar mais; não tive um momento de arrependimento, não tive um olhar para Jesus a pedir-Lhe compaixão. Corri logo à busca de novos instrumentos, de novos lugares e ocasiões, para poder continuar a minha obra infernal. Que horror, meu Senhor, que horror! Disse que não tive um momento de arrependimento, nem um olhar para Jesus, mas tive. Pedi-Lhe bem que não queria pecar. Mas isto foi como se não fosse eu. Foi tudo e tudo é inútil para mim. Não sei como encontrar Jesus, não sei como dar-Lhe as minhas lágrimas, os meus suspiros, os meus sofrimentos, tristezas e amarguras. Tudo morre, tudo é inutilidade, tudo é perdido para mim. Passam-se os dias grandes, os dias festivos da Santa Igreja, e a minha alma não encontra um favozinho de doçura ; tudo é perdido, tudo é morte. Estou a comemorar o aniversário da minha estadia na Foz. Sem querer recordar, surge-me de repente uma e outra cena. Fica-me o coração cercado de espinhos, e a cruz atravessa-o dum lado ao outro. Tudo sofro por amor de Jesus, sem sentir que O amo, sem saber que Ele se consola em mim. O abandono é o meu lema. Confio que sou conduzida ao porto de salvação. Nesta imensidade tempestuosa, em que só prevalece a inutilidade, a minha alma conserva-se em paz, a não ser de longe a longe uns momentos de agitação, dúvidas de toda minha vida, tentações contra a Fé, que me levam quase que a cair no desespero. Para que vim ao mundo ? Para que serve tanto sofrer e uma vida presa no leito ? Isto é sem eu querer, sinto mesmo serem tentações do demónio, ser ele a querer roubar-me a paz. O meu Horto, tão diferente do já foi, não teve outra coisa senão a inutilidade. Eu fui morte para ele, e ele morte para mim. Foi assim, porque eu não quis aproveitar da vida que ele me oferecia. E Jesus, que via infinitamente, aos Seus olhares tudo era presente, sofria, sofria dor infinita, e fez-me sentir a mesma dor, ao mesmo tempo que se mostrou e fez sentir o quanto me amava, o quanto amava as almas. Neste momento afoguei-me n’Ele, perdi-me n’Ele, desapareci como gotinha de água perdida no universo. Hoje, na Sagrada Comunhão, não digo que tive consolação ; perdi-me novamente neste Oceano, como gota de orvalho, que com o sol desaparece. A alma ficou mais forte. Foi com esta fortaleza que venceu a inutilidade do Calvário. Na viagem para lá, ao sentir-me desfalecer com tão pavorosa inutilidade, espontaneamente o coração bradou : valei-me, Jesus, ai de mim se não vindes em meu auxílio. Pude chegar ao cimo ; mesmo assim, inútil, fiquei na cruz crucificada. O coração continuou a bradar constantemente; eu sou inútil, Jesus, mas sois Vós útil para todos nós. Meu Pai, meu Pai, vinde em meu auxílio. E foi neste brado que eu caí no sono da morte. Senti como se a alma morresse na maior escuridão. Passou-se algum tempo, e Jesus fez-me ressuscitar. Rasgou no meu peito o véu preto da morte e fez aparecer um véu de luz, de paz e amor ; deu-me a Sua vida e falou-me assim :

 “Tenho sede, sede que me abrasa, sede que me consome. Tenho sede de amor e de ser amado, de possuir e ser possuído. Tenho sede, sede, minha filha, e é no teu coração que Eu vou saciar-me. Tenho sede, sede, sede e é no teu coração que Eu venho pedir amor. O mundo, as almas, não me amam. É tão pequenino o número que Me ama com aquele amor íntimo, com aquele amor que anseio e pelo qual suspira o meu Coração. Dei-Me todo às almas, e na maior parte tudo Me negam essas almas. Ama-Me, ama-Me, minha filha, e faz que Eu seja amado. E hoje, neste dia do meu Coração divino, do meu Coração todo amor, que Eu peço, peço como um mendigo faminto amor, sempre amor”.

 Ó Jesus, ó Jesus, se eu pudesse dar-Vos esse amor! Se fosse possível eu saciar-Vos a Vossa sede !... se eu pudesse fazer que todos, todos os corações Vos amassem! Se eu pudesse fazer subir ao Céu um turíbulo cheio, todo cheio do amor da humanidade inteira, e que esse amor subisse como incenso, sem parar, noite e dia, meu Jesus.

 “Ó minha filha, minha filha, sofre, sofre, leva com alegria toda a cruz que te dá o Senhor. Tem confiança. Eu sou o teu Cirineu. A minha Santíssima Mãe, que tu tanto amas, está em uníssono comigo. Subimos contigo a montanha árdua e dolorosa do teu Calvário. Pega, aceita, recebe a oferta do meu Coração. Abri o meu peito, tirei-o, coloquei-o dentro do teu. Leva todo o meu amor divino e riquezas infinitas. Eu quero que as distribuas. Eu quero que espalhes estas riquezas divinas por todos os que amas, rodeias, esperas ; por todos aqueles, cujo lugar Eu fiz que ocupasses no teu coração. Dá-as em seguida a todos os que de ti se aproximam e faz que elas se espalhem pelo mundo inteiro. Faz, faz que o fogo se ateie, e que todas as almas se enriqueçam”.

 Ó Jesus, que hei-de eu dizer-Vos à vista de tanta misericórdia que tendes para comigo, para com todas as almas ? Obrigada, meu Jesus, obrigada, o meu eterno obrigada. Fazei que em tudo faça a Vossa santíssima vontade.

 “Tu és, minha filha, a mensageira de Jesus, a mensageira de Maria. Sou Eu a dizê-lo, sou Eu a afirmá-lo neste dia do meu Divino Coração. Tu és a luz e o farol mundial. Pede ao mundo, pede ao mundo que venha ao meu Deus, que venha reconciliar-se com o meu Divino Coração. Eu sou todo ternura. Eu sou todo amor, mas não posso deixar despercebido : sou justiça, sou justiça. Sou Pai que ama e castiga quando ama. Castigo sempre, porque sempre amo. Castigo sempre, porque os meus filhos sempre me fogem. Sou Pai que ama e, porque muito amo, muito faço sofrer as minhas vítimas e muito faço sofrer as almas minhas esposas, as almas escolhidas por mim. É bem pequenino o número das minha eleitas. É-me fiel, sede-me fiéis, almas eleitas e amadas do meu Divino Coração. Os sofrimentos, os espinhos, a cruz, são as grandes, as infinitas riquezas dos meus santos. Vem receber a gota do meu Divino Sangue; é dentro do teu coração que do meu passa para ti a gotinha do sangue. É o teu alimento. É a tua vida. É a força da tua cruz. Vive nela com alegria. Vai em paz, florinha eucarística. Vai em paz e dá a minha paz a quantos dela necessitem. Vai em paz, e a certeza do meu amor, da minha protecção. Vai, vai, minha filha, diz ao mundo quanto o ama o Coração Divino de Jesus e quanto suspira e chora por ele. Vai trabalhar, vai dar as minhas riquezas, vai incendiar o meu amor, o meu amor”.

 Obrigada, obrigada, meu Jesus; neste dia bendito do Teu Coração, atiro para Vós, para ser atendida, as minas intenções. Vede as mais urgentes. Atendei-me por quem sois. Obrigada, obrigada, meu Jesus.

27 de Junho – Sexta-feira

Em vez do Céu, tenho o inferno no meu coração. No lugar em que havia de reinar Jesus, é o demónio quem reina. Todo o meu ser é inferno, uivos, ódios, gritos, desespero e fogo. Eu sinto tudo isto, e os meus ouvidos tudo escutam. É um pavor e, por momentos, parece que vou lançar-me no desespero. Tenho medo de mim. Tenho medo do mundo. Eu sou o inferno e o mundo vem meter-me nele. Mergulha-me nele e nele se perde. Se eu pudesse gravar, onde todos pudessem ver, os sentimentos e a figura do inferno, quereria fazê-lo, para que todos os pecadores compreendessem o que os espera na eternidade, se não arrepiam caminho. Eu tenho tanta pena das almas ! Quero acudir-lhes a todo o custo. Mas como, meu Jesus ? Se eu sou o inferno e faço tudo para as perder! Corro o mundo à busca delas para as matar, à semelhança do caçador. Se eu me fizesse compreender, se a minha ignorância me permitisse ! Levo a minha vida a envenenar toda a humanidade, sossego com os meus gestos e olhares maliciosos, à procura de lugares e pessoas com que eu possa pecar e satisfazer os meus desejos ! Sou o inferno, inferno, pavoroso inferno. Calco aos pés os meus vestidos, não digo quais são, e toda a Lei do Senhor. Escarro no rosto do Senhor, cravo-Lhe no coração a lança, na cabeça os espinhos. Açoito-O, renovo-Lhe toda a Sua Paixão. É para isto que eu vivo e tenho inutilidade. Para o bem, para Jesus, sou inútil, inútil. Todo o meu viver foi e é inútil. Ai, pobre de mim, pobre da minha alma, que tanta necessidade tem de desabafar, e não pode nem sabe. Pobre do meu coração, que tantos espinhos o ferem, tanto em silêncio sem ele o poder dizer como está ferido. Bendita seja toda a cruz que Jesus me dá. Eu quero viver para Ele e só quero o que Ele quer. O que seria de mim, se, no meio deste sofrimento, desta inutilidade, eu não possuísse a Sua santa paz. Sou inútil, é certo, mas tenho saudades do Céu, saudades que me matam. Quero voar para Jesus. Não posso estar neste exílio. Abandonada nos braços de Jesus e da Mãezinha, espero confiada, sem sentir confiança, esse dia grande, esse dia feliz. Sinto-me tão esmagada com o peso das humilhações ! Sofro indizivelmente com o sentimento de que todos os meus amigos se enfastiaram de mim, e quanto me fazem é só para não lhes ficar mal. Tinha tanto que dizer, mas mais nada digo, porque não posso. Jesus me aceite o sacrifício. Passei indiferente e sempre inútil o meu Horto de ontem. Só ao cair da noite, senti como que a abóbada do Céu poisasse sobre a terra. Esmagava-me contra ela; o Céu pareci que era eu, e em mim absorvia toda a terra. Esta mistura era à custa de toda a dor, todo o sacrifício, de todo o meu sangue, da própria vida. Que pavor, meu Deus, que pavor a justiça do Eterno Pai sobre esta mistura! A vida divina com a vida terrena: podridão, lama e lodo! Eu, inútil a tudo, fiquei a sentir a dor infinita de Jesus. Não era minha, não, era d’Ele, compreendia bem. E foi Jesus que a ela resistiu. Eu por mim nada podia. Hoje segui para o Calvário, na mesma inutilidade no percurso da viagem. Sofri, sofri muito com a reparação que Jesus de mim tem exigido. Muito tímida e com muito esforço, fitei os olhos nas imagens de Jesus e de Maria. Pedi-Lhes auxílio e disse: bendito sejais, Jesus; aceito, já que quereis que seja assim a minha cruz. Na mesma inutilidade fui seguindo a montanha, a sentir sempre no meu coração mais tristeza e dor infinita. E a continuação da inutilidade foi o tormento da cruz. No tempo da agonia, a minha alma via o sangue divino de Jesus sair do Seu Santíssimo Coração e regar toda a terra com tal abundância, como se fora um chafariz. E eu, sempre na minha inutilidade, em vez de me aproveitar dele, recusei-me a recebê-lo. Quando o sangue caía, eu, por querer, teimava a esconder-me dele. mergulhava-me num mar de misérias e de podridão. Sobre tal podridão, o sangue de Jesus caía, mas não penetrava em mim. Assim expirei nesta inutilidade, separada do Senhor. Por algum tempo continuou esta separação, numa morte total. Jesus veio ressuscitar-me e encheu-me da Sua vida e disse-me :

 “Alerta, alerta, escutai, escutai : Jesus desceu do Céu e vem falar no seu tabernáculo, doce morada, deliciosa morada ! Escutai, estai alerta, escutai: quem vai falar é Jesus, é Ele que vai pedir, é o mendigo do amor. Jesus tem sede das vossas almas, Jesus quer possuir os vossos corações. Quero corações puros, quero corações de amor. O mundo, os pecadores, estão cegos. O mundo, os pecadores, estão cegos e surdos à voz do Senhor ; escutai, é o mendigo divino, é Pai que vos ama, é Pai que vos quer. Deixai o pecado, deixai o pecado e as falsas ilusões do mundo. Fiz-me vosso irmão, fiz-me como vós, vivi como vós, morri numa cruz, para vos dar o Céu. E, em troca, qual a recompensa que recebeu o meu Divino Coração ? Numa lança, a renovação da minha Paixão, ingratidão contínua ! O meu peito foi rasgado, o coração trespassado. Foi assim, no alto do Gólgota, o mesmo continua a ser a cada momento”.

 Já vi tudo, Jesus, já vi tudo, meu Amor, não quero ver mais. Sou eu com certeza, com as minhas maldades. O cabo da lança está nas minhas mãos. Sou eu a lancear continuamente o Vosso Coração Divino. Ainda tive coragem, Jesus, de colocar na Vossa sacrossanta cabeça o capacete de espinhos! Ai, Jesus, como corre o sangue, como corre o Vosso sangue divino com toda a abundância! Vós já não sois Jesus, sois um cadáver de dor e de amor, e eu um cadáver de pecado e crueldade. Não quero ver mais, Jesus; o meu coração, fraco como é, não pode com tanta dor.

 “Não és tu, minha filha, não; tu és a minha vítima; o teu quadro, a tua cena representa a do pecador. É o mundo, são milhões, milhões, milhões de pecadores. O pecado não cessa, o incêndio de vícios, as ondas de maldades subiram, subiram, atingiram toda a altura. Eu chamo do coração, falo pelos lábios da minha esposa, da florinha eucarística. Não pequeis mais, não pequeis mais, vinde a Jesus que vos chama, que vos quer, anseia e por vós suspira. O mundo não escuta a voz do Senhor; os pecadores não temem as terríveis ameaças do Meu Eterno Pai; a justiça vai puni-los; mesmo castigando, é sempre o meu amor, o meu amor infinito. Vinde a Mim, vinde a Mim, assemelhai-vos ao Meu Divino Coração. Segui os caminhos de Jesus, segui os caminhos das mortificações, dos espinhos. São eles que vos conduzem ao Céu. Minha filha, minha filha, avante, avante na tua missão, avante, avante na salvação das almas. Avante, avante, a espalhares as minhas divinas graças, os tesouros do Meu Divino coração. Vem, minha filha, vem receber a gota do Meu divino sangue. Dois corações num só coração, e a gotinha do sangue passou. Passou do Coração Divino de Jesus para o coração da Sua esposa, que é a vida, força, paz e amor. Coragem, minha filha, coragem a tua cruz é vitoriosa; coragem, coragem, farol luminoso. Coragem, coragem, tens toda a vida de Jesus. Vives a vida de Jesus. Fica em paz e dá a minha paz. Não cesses, minha filha, não cesses, brada sempre. Jesus está triste, Jesus está triste, reconciliai-vos, reconciliai-vos e emendai-vos. O Eterno Pai vai castigar”.

 Obrigada, meu Jesus. Lembrai-Vos de todos os filhos Vossos. Lembrai-Vos das minhas intenções. Ficai comigo para sempre, Jesus.

A SEGUIR

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