Alexandrina
Maria da Costa
SENTIMENTOS DA ALMA
1947
I
3 de Janeiro de
1947 – (sexta-feira)
Onde estais, meu
Jesus? Para onde fugistes de mim? Eu não posso passar sem Vós, meu Jesus. Vede
que estou sozinha; vede quanto sofre a minha alma. Ela está cega e muda, não vê
nem sabe dizer o que tem. Tremo de pavor e temo vacilar. Não posso dar um passo
que não caia num poço sem fundo; este poço dá-me a morte. Mais um ano é passado,
meu Jesus, e eu não posso olhar para trás, não vejo outra coisa senão treva
atrás e à frente de mim. Como passei o meu tempo? Como o empreguei ao vosso
serviço? Que mal, que mal, meu Jesus! Ó vida, ó vida que eu não soube nem sei
viver! Que pobre, que miserável, e nada sou! Ah, se eu visse, mesmo muito ao
longe, uma luz que me guiasse para vós! Se eu tivesse no meu pobre coração um
pouquinho do vosso amor! Nada, nada, meu querido Jesus. São as trevas a luz que
eu tenho; é o gelo o meu amor; é a morte que fala, é o silêncio da morte a voz,
o brado da minha alma. E o Céu, o Céu, morro de saudades, morro, morro, Jesus.
Nada faço para o merecer, nada sofro por vosso amor. A minha oferta, Jesus, a
minha entrega a Jesus na noite de Natal foi para mim mais um fogo de vistas e
não um amor sincero a Jesus, nem o fim de O consolar. Não sei o que me levou a
fazer tal entrega; nem compreendo o que Jesus quer com estes sentimentos da
minha alma. Seja o que for, lancei-me nos seus braços divinos como a criancinha
sem olhos, sem pernas, sem vontade, sem entendimento. É em espírito, nos seus
santíssimos braços que me conservo, com o coração, a cabeça e todo o corpo em
sangue, dilacerado pelos espinhos. É nele e com Ele que a alma, momento a
momento, vai agonizando. Que me importa não ter luz se a razão e a fé me afirmam
que ela existe? Por vosso amor, meu Jesus, deixo passar sobre mim toda a
tempestade. Ao terminar os últimos momentos do ano com as luzes acesas rezei o
“Te Deum”. Foi o meu acto de acção de graças a Jesus por tudo o que Se dignou
enviar-me que me causasse dor ou alegria; por tudo O bendisse pela grande prova
do seu amor. Que ignorância a minha! Não soube dizer-Lhe mais nada. Principiei o
novo ano tirando à sorte os meus protectores. Calhou-me S. José e Santa
Teresinha. Fiquei contente pela sorte que me caiu. Que eles sejam os meus guias
por entre as trevas que tanto pavor causam à minha alma. Convidei todo o Céu a
interceder por mim e a ensinar-me a amar a Jesus e à Mãezinha. Queria só viver a
vida do amor.
Passou no dia 2 o
quinto aniversário em que Jesus me disse: «Prepara-te para a luta, que tens que
combater aparentemente sozinha». E que luta foi esta, meu Deus! Oh, como esta
data me mostrou, por entre as trevas, os caminhos espinhosos que pisei! Ao
principiar o ano, principiei a sentir cair sobre mim uma chuva torrencial; esta
chuva para desfazer e queimar o meu corpo, sinto-o mesmo como se ele ardesse em
chamas, parece que me deixa toda em cinzas de fogo. Estou cansada de tanto
sofrer. Mas a alma está como de braços abertos para receber tudo o que Jesus
quiser dar-lhe.
Tive um combate tão
grande, tão grande com o demónio! O coração, de aflito, bateu tanto e tão
fortemente que por último acabou por não viver; fiquei quase morta no pecado. E
na morte que me senti não tinha força para sair do pecado nem tinha coração que
me levasse ao arrependimento. Mergulhei-me no lodo e nele tinha que morrer. O
demónio continuava com as suas feias palavras e indecentes lições. Senti dentro
de mim alguém que com todo o rigor lhe fez sinal para se retirar. Retirou-se, ou
retiraram-se, porque eram mais que um; fugiram espavoridos. Eu fiquei abismada
na minha dor. Não há sofrimento que me lembre tanto de dizer a Jesus que não
como os combates do demónio, quando sinto ele a aproximar-se.
Ontem já de noite,
quanto mais me esforçava por desviar do Horto o meu pensamento, mais o coração
dele se aproximava. O solo do Horto e a justiça de Deus eram para mim as pedras
dum moinho. O meu corpo era o grazino de trigo que entre elas era esmagado e
moído. O coração, à semelhança duma nuvem que se abre para descarregar a água,
abriu-se para descarregar amor e receber toda a dor. Aquela dor fez-me sentir
como se o meu corpo suasse água, suasse sangue. Prostrada por terra numa gruta
retirada, senti e a minha alma viu um anjo levantar-se. Fiquei mais forte para o
que me esperava. Hoje, logo de manhã, estava Jesus no meu coração com a sua
santa cabeça cercada de tão agudos espinhos que me feriam também a mim toda
quando Jesus Se inclinava sobre mim. E as carnes divinas de Jesus caíam dentro
do meu corpo aos pedaços. Ele era açoitado dentro em mim; eu era a coluna, eu
fui a cruz. E assim passei o Calvário e cravada nele senti bater brandamente,
mesmo a agonizar, o Coração divino de Jesus. E senti que Ele no alto da cruz, no
meio da mais dolorosa agonia, nos últimos momentos da sua vida espalhava amor,
só amor. o amor estendia-se a todo o mundo como o perfume se espalha. E eu com
Ele, por seu amor e pelas almas, agonizava. Fiquei como morta um bom pedaço.
Sentia uma vida vinda muito do alto como que a contemplar a morte do meu corpo,
mas não era a vida que a ele pertencia. Veio o meu Jesus.
― Minha filha, aos
corações que se amam com o amor puro e santo nada há que os separe. Os nossos
corações estão unidos: o meu e o teu, no maior amor, no amor divino, no amor de
Deus. Não há nada, querida filha, não há nada que nos separe. Mas Eu quero, ao
principiar do ano, na primeira sexta-feira, dedicada ao meu divino Coração,
uni-los e enleá-los novamente. Quem vem deitar-lhes esses novos enleios é a tua
e minha bendita Mãe.
Jesus tomou em suas
mãos divinas o seu divino Coração e o meu; uniu-os tanto, tanto! Veio a
Mãezinha, enfaixou-os, enleou-os bem com fios finíssimos doirados e conservou-se
ao nosso lado. Jesus continuou:
― É um só coração,
é um só amor nos nossos corações. É como uma sala com dois compartimentos com a
entrada livre. Ambos têm o mesmo poder, o mesmo encanto, o mesmo Céu. Passei
para o teu toda a riqueza que o meu contém. Queres saber, filha querida, o
significado disto? Entreguei-te o mundo e hoje mesmo renovo a entrega. É por ti,
pelo poder e missão que te confiei que este mundo vem a Mim. Passa livre do teu
coração para o meu. Tui não podes ver, minha filha, nem sentir com consolação as
graças e maravilhas com que te enriqueci; não convém à tua alma e é mais
proveitoso para as almas dos pecadores. Enriqueci-te, elevei-te tanto as alturas
como é alta a missão que te dei. Enchi-te do eu divino amor e da minha vida
divina, para venceres e suportares todos os espinhos que ainda hão-de ferir-te.
Não esperes consolações e alegrias: és a minha vítima. Não esperes luz, mas sim
conforto e toda a abundância de amor, com a certeza de Eu sempre estar contigo e
sempre em ti vencer. Sou o teu Jesus, confia em Mim. Tem coragem, que depressa
vai acabar na terra a tua missão. Estou contentíssimo, minha filha, afirmo-te:
foi grande a consolação que Me deste, foi grande o número de almas que salvaste
com o amor com que suportaste todo o sofrimento que te dei no ano que terminou.
Aqui não podes sabê-lo, no Céu o verás.
― Meu Jesus, tudo
isso me humilha, mas ainda quero ser por Vós mais humilhada; falai-me dos meus
pecados, porque até aqui só falastes do que é vosso. O que tenho eu de bom que
não fosse vindo de Vós?
― Eu não quero
falar dos teus pecados, porque nas tuas faltas escondo a grandeza e a riqueza
que só no Céu será conhecida e verdadeiramente compreendida. E não falta na
terra quem te humilhe. Mas coragem, essa humilhação exalta-te e também Eu fui
humilhado. Não quero, minha filha, terminar este colóquio sem te prevenir, sem
dar ao mundo este aviso: a chuva de fogo que sentes sair sobre ti é por seres a
minha vítima; é a chuva que depressa cairá sobre o mundo, se ele não se
converter; é o castigo que apenas deixará um pequeno número dos seus habitantes.
― Ó meu Jesus, e
não haverá remédio? Que posso eu fazer por ele, para o salvar?
― Sofre, sofre, não
é as almas que queres salvar? Os corpos nada vale. Eu te prometo: com os teus
sofrimentos e o poder da minha bendita Mãe, as almas serão salvas; os corpos, a
sua emenda de vida o fará. Se a vida for pura, se fizerem penitência, são
poupados ao castigo. Diz, diz, minha filha, que é Jesus que chama, que é Jesus
que pede, que é Jesus que convida: é o Pai que quer salvar os seus filhos. Vem,
minha bendita Mãe, cingir os espinhos e a cabeça da vossa vítima.
Vi a Mãezinha com
uma coroa de espinhos em suas santíssimas mãos; não sei de onde pegou nela. Em
todo o tempo que esteve com Jesus não A vi com ela. Colocou sobre a minha
cabeça, senti-me quase morrer.
― Coragem, minha
filha, sou Mãe de Jesus, sou tua Mãe também. É com estes espinhos que ainda
falta ferir-te que vais acudir às almas. Eu quero estar unida ao Coração do meu
Jesus e ao teu, quero comunicar-te o meu amor, a minha ternura e doçura, para
melhor poderes atrair as almas a Jesus.
― Vai em paz, disse
Jesus. Leva contigo toda a confiança: nada temas: Eu não te falto. Leva a minha
riqueza, leva o meu amor, leva as riquezas da tua Mãezinha querida e vai salvar
o mundo. Coragem! Avizinha-se o Céu.
― Obrigada, meu
Jesus; obrigada, Mãezinha. Vinde comigo, sede a força da minha alma.
4 de Janeiro de 1947 – (1º sábado)
Durante a noite
senti-me atormentada pelo medo pavoroso com o receio dos sofrimentos que virão
de encontro aos meus caminhos. Sentia que sofria, senti ao pavor, mas não via
outra coisa a não ser um mundo de trevas ladeado todo de espinhos, o meu corpo
rolava neles doidamente, quase desesperadamente estava louca pela dor. Aqueles
espinhos punham-me o corpo e a alma numa só chaga e em sangue. De hora para hora
ia desfalecendo e morrendo como uma lâmpada a apagar-se. Veio o momento da
Sagrada Comunhão. Tinha sido grande o meu esforço para preparar-me bem, para bem
receber o meu Jesus. Não me foi possível afervorar-me, nem abrasar-me de amor.
Recebi-O friamente. Passaram-se uns minutos e eu no mesmo abatimento, na mesma
cegueira e dor. Falou-me Jesus:
― Coragem, minha
filha! Pouco depois de raiar o dia, vem o sol com os seus raios a espalharem-se
pela humanidade, para aquecerem a terra. O dia já raiou: os raios do sol, sol
doirado, vão aparecer, não para aquecerem a terra, mas sim as almas; não para te
consolar e alegrar, mas para honra e glória minha e grande triunfo da minha
divina causa. Tem coragem, não te atemorizes! A vida da vítima tem sempre
espinhos. Os teus espinhos, as tuas trevas são a salvação do mundo, são a luz
das almas. A nova redentora assemelha-se ao seu Redentor. Os espinhos, as
chagas, o sangue e a dor acompanharam-Me até ao último momento. Assim serás tu
também. Eu estarei sempre contigo; a tua morte será de amor.
Coragem! O teu
temor, o temor de to mesma não Me desgosta. Pelo contrário, consola-Me, contanto
que ao temor juntes sempre a confiança em meu divino Coração, que é louco de
amor por ti.
Confia, confia. Vem
comigo, minha bendita Mãe, levantar do seu desfalecimento a nossa filhinha. Vem
com as tuas ternuras, vem com o teu amor. Neste desfalecimento o seu coração não
pode bater asas, não pode levantar para Nós o seu voo de amor. Vem já, vem já,
Mãe bendita, dar-lhe comigo a nossa vida divina.
Veio a Mãezinha,
tomou-me em seus braços; oh, como Ela me acariciou e me apertou ao seu peito.
― Tem coragem,
minha filha! Eu serei contigo na hora da tua dor até ao último alento; expirarás
em meus braços. Qual é a mãe que não cuida da sua filha, quando a vê com o seu
corpinho em sangue, numa só chaga? Eu cuido de ti, para que possas salvar os
filhos meus.
Com as carícias da
Mãezinha eu fiquei quase a dormir. Jesus, à volta de mim, como quem queria
acariciaram-me, caminhava, pé ante pé, como se não quisesse acordar-me.
Passou-se assim algum tempo; a minha alma enfortaleceu com este descanso suave e
doce. Jesus continuou:
― Diz, minha filha, ao teu
Paizinho, diz-lhe, quero que lho digas: que a alvura da sua alma não se mancha;
o que é branco, branco fica por mais que teimem deitar-lhe nódoas, manchá-lo. É
com essa alvura e com a abundância do amor do meu divino oração que Eu derramo
sobre ele que ele há-de atrair para Mim as almas e levar ao mais lato grau d e
perfeição algumas das que lhe confiei. Criei-o para as almas; pelas almas tem de
sofrer. Ele bem depressa retomará o seu posto. A sua inocência e a brancura da
sua alma mais se justificarão com os acontecimentos dos factos.
Eu não queria que os homens assim, mas permiti-o para maior glória minha, grande
brilho e triunfo da minha divina causa e bem das almas.
Dá ao teu médico os
agradecimentos de Jesus pela defesa que tomou pela causa divina. Diz-lhe que
quando ele escrever alguma coisa em defesa dela, tomará a sua mão e a guiarão a
mão de Jesus. O divino Espírito Santo iluminará a sua inteligência com a sua luz
divina. Eu o encherei de Mim, do meu divino amor e farei que ele o comunique aos
seus como doença que a todos contagie, como veneno que tudo envenena. Farei que
ardam de amor por Mim.
Dá o mesmo
agradecimento a todos os que te rodeiam e amparam e grande lugar ocupam em teu
coração. Todos os que estão elevados em teu coração também o estão no meu.
Elevo-os às alturas no amor, assim como os elevas tu. Dá-lhes, dá-lhes por Mim
os meus agradecimentos.
Disse a Mãezinha:
― Une, minha filha,
aos de Jesus os meus também e leva-lhes, junto ao de Jesus, o meu amor com a
minha ternura e protecção.
― Obrigada, meu
Jesus; obrigada, Mãezinha. Parece-me tão humilhante Jesus e Maria Agradecerem a
umas criaturas suas! Mas faça-se como quereis e, custe o que custar, eu obedeço,
meu Jesus; sou a vossa vítima.
― Se soubesses,
minha filha, se pudesses compreender aqui na terra o que é defender a minha
divina causa e o que é amparar a maior vítima que tenho na terra, vias que eram
justos e louváveis os meus agradecimentos. Bem depressa tudo verás no Céu, tudo
compreenderás, e então sem prejuízo da tua alma. Se soubesses as riquezas que te
dei no ano que terminou, para por ti serem dadas às almas, que alegria e
consolação sentirias! Não te preveni Eu, no princípio dele, da mistura de dor e
alegria, mas essa alegria não seria para ti? O mesmo te digo hoje. As tuas
alegrias ficam para o Céu, que está próximo. Foram e serão alegrias para aqueles
que estudam a minha divina causa e a compreendem ao saberem como te enriqueci.
Foram e são alegrias para as almas que vieram e hão-de vir por ti ao meu divino
Coração. Coragem! Os Anjos levam aos braçados as flores das tuas virtudes,
formam com elas a mais rica, a mais formosa coroa. Que bela que está e adornada
por todos os pecadores que por ti são salvos! Vai para a tua missão, para a
nobilíssima missão que te confiei. Vai dar às almas, vai semear pelo mundo a
pureza e o amor. Coragem! A minha paz, a minha força é contigo.
― Obrigada, meu
Jesus.
10 de Janeiro de
1947 – (sexta-feira)
Perguntam-me se amo
a Jesus. Não sei se O amo, mas sei que O quero amar; não sei falar-Lhe nem sei
como Lhe falo; se que tudo se mergulha nas trevas e aí desaparece e morre. São
tantos os meus sofrimentos! É tanta a minha amargura! Todos os meus caminhos
parecem ser de sangue, mas as minhas trevas engolem tudo mas rápido que furiosas
feras. O meu corpo é como o grãozinho que nunca acaba de ser moído; não cessa de
moer, não falha a levada que o moinho toca. Vivo assim abandonada, sem na terra
encontrar conforto. Nem nas minhas confissões que procuro serem frequentes, para
mais enfortalecer a minha alma com a graça do sacramento, nem nesse encontro
alívio e conforto. Seja o pároco, seja o que está a fazer o lugar de meu
director espiritual, estou sempre tímida, assustadíssima e a sentir sempre que
não sou compreendida. Será minha a culpa, meu Jesus? Ou sois Vós que assim o
permitis? Bendito sejais! Ai de mim, de quantos desabafos precisava e minha
pobre alma! Quando me sinto quase perdida, a cair no abatimento e desespero,
rompo por entre as trevas em espírito e lanço-me nos braços de Jesus. É dele e
da querida Mazinha que eu espero auxílio, conforto e paz. Nesta angústia, sem Os
ver, sem sentir que estou em seus braços, sinto-me acariciada e estreitada a um
peito todo bondade. E, neste momento, sinto-me respirar, libertada de todo o
peso que me esmaga; com a alma tranquila, volto bem depressa para as mesmas
amarguras.
Foi no dia 7 o
quinto aniversário da proibição do meu Pai espiritual vir junto de mim. Tudo
recordei, cena por cena, passo por passo. A Santa Missa que no meu quarto
celebrou, ó meu Deus, que saudades! As lágrimas que chorei por saber que alguém
tinha publicado o que tinha observado da paixão, e eu, que tanto ansiava viver
escondida, ver-me assim com as minhas coisas íntimas espalhadas. Mal eu sabia
que não voltaria, em tantos anos, a ter o meu Pai espiritual, que tão bem
compreendia a minha alma e em tanta pureza a queria, a dar-me os seis santos
conselhos e a luz que tanto precisava! Meu Jesus, sou a vossa vítima: faça-se em
tudo a vossa divina vontade.
Continuo a sentir o
meu corpo a desfazer-se em cinzas de fogo com a chuva queimadora que sobre ele
cai. Cansa-me ao máximo, deixa-me sem vida. Combati com o demónio; aproximou-se
de mim furioso. Veio como quem vem vestido e logo ao pé de mim se despiu.
Principiou com as suas feias cenas e tremendos conselhos. Invoquei os nomes de
Jesus e da querida Mazinha, muitas vezes. Terminou este combate e eu fiquei como
se estivesse morta. Não sei dizer a perda de vida que senti em meu coração. Não
combatia, mas sabia que estava debaixo do seu poder. E ele, desviado um pouco,
ria-se e lambia-se de contente. Travou-se logo a seguir outro combate. Meu
Jesus, sou a vossa vítima; aceitai-me todo este sofrimento para o que Vos
aprouver, para os vossos fins divinos. Ai, quanto me custa! E se eu soubesse,
Jesus, se eu soubesse, Mãezinha, que não Vos ofendia! No meio do grande perigo,
gritei bem alto, de alma e coração: ante o inferno que pecar. Senti-me libertada
sem ver fugir o maldito; fiquei na minha posição, com a alma em grande
tranquilidade e paz. Este conforto foi a vida para novos sofrimentos. Vieram as
dúvidas, veio o Horto.
Era de tarde, o sol
luminoso entrou no meu quarto. Este sol era a luz para todos, era a luz para o
mundo, menos para mim que só via trevas. Senti o coração, não o copo prostrado
no Horto duro. Eram tais os arrancos que ele dava que parecia obrigar o corpo a
rolar pelo chão e a suar sangue.
Veio a noite e
então senti-me em corpo e em espírito lá. Era moída, esmagada. Era tão grande o
peso da justiça divina que me pareceu que se virou o solo do Horto com o de cima
para baixo, e eu, nele infundida, fui mais aniquilada. Vi depois a prisão de
Jesus, o trocar de espadas, as armas dos soldados. Que grande combate, se Jesus
com os seus olhares divinos e o levantar da sua mão não acalmava e fazia tudo
serenar.
Hoje, no caminho do
Calvário, senti Jesus curvado dentro de mim, com a sua grande e pesada cruz. As
bagadas de suor que corriam do seu santíssimo rosto caíam dentro em meu peito. E
eu sentia o seu divino Coração ofegante pelo cansaço. Os seus lábios iam
serrados, o amor O arrastava. No alto da cruz sentia todas as chagas, mas mais
vivamente a do ombro e a cinta ainda parecia ser cortada pelas cordas. A pouco e
pouco todo o Calvário ficou em silêncio: só os suspiros de Jesus se ouviam, só a
dor reinava aumentada com o rancor de muitos corações que, abafados não sei pelo
quê, já não falavam. Eu no meu coração sentia como se todo o mundo maltratasse e
apedrejasse Jesus mesmo ao vê-Lo assim a agonizar. Uni-me tanto às dores da
Mãezinha; ansiava com Ela tê-lo em meus braços para curar o seu divino corpo tão
chagado. Que dó, que compaixão por Jesus! Que mútua união de amor e agonia! Veio
o meu Jesus e logo transformou a minha alma.
― Minha filha, a
cruz é vida, é amor, sinal de redenção. Eu serei contigo, sofro, venço em ti. Os
teus caminhos de sangue, os teus espinhos, orvalho doloroso que cai sobre ti,
são o bálsamo, a consolação e reparação do meu divino Coração. A tua vida é
amor. Assim como não cessam um só momento os crimes do mundo, não cessam também
de cair sobre ti, que és a minha vítima, a chuva da imolação, do sacrifício, do
martírio. Tem coragem, é contigo, em ti está o teu Esposo Jesus. O Céu
espera-te, aproxima-se; bem depressa receberás a glória, o prémio do teu
martírio. Vês, minha filha, como os pecadores tratam o meu divino Coração?
Repara na minha sacrossanta cabeça, tão cheia de espinhos! O que seria do teu
Jesus sem a reparação que Lhe dás? Vês esta chaga? Trespassa dum lado ao outro o
meu Coração: foi um sacerdote. Com que maldade ela foi feita! Repara por ele.
Sabes quem foi?
― Meu Jesus, se é
do vosso divino agrado, se não Vos entristeço com o que vou dizer-Vos, deixai-me
falar.
― Fala, minha
filha, diz-me tudo.
― Pedi-me a
reparação que quiserdes, aceitai por ele todos os sofrimentos que Vos aprouver,
mas sem que eu saiba quem ele é, sem me dizerdes o seu nome. Não posso eu
reparar-Vos desta forma?
Jesus alegrou-Se
tanto e transformou logo o seu divino Coração em amor, em fortes labaredas.
Aquela ferida que o vazava dum lado ao outro desapareceu: tudo era luz. A sua
santíssima cabeça ficou sem espinhos e sem sinais de ferida. E aquele amor de
Jesus abrasou-me a mim também.
― Que transformação
tão grande, meu Amor? Para onde foi aquela chaga tão profunda e todo o
ferimento, todo o sangue que o Coração continha e a vossa santa cabeça?
― Foi o teu amor,
foi a tua generosidade no sofrimento: deixares-te imolar sem saber por quem.
Dá-Me então a reparação que te pedir, dá alguns combates do demónio. Não tos
pedirei muito tempo. Quando estiver próximo a deixar de te falar, quando a
cegueira não te deixar exprimires a tua dor serás libertada dele: não permitirei
que ele volta a atormentar-te de tal forma. Tu ficarás como se não tivesses
inteligência para não compreenderes a tua dor, mas não deixarás por isso de
sofrer menos: sofrerás amargamente. Hás-de sentir como se nunca ou quase nunca
Me possuísses, e não deixarás por isso de Me possuir inteiramente, o mais que é
possível possuir-Me uma criatura humana. Eu farei a graça de muitas almas verem
em ti inteiramente a Mim com toda a minha riqueza, com os tesouros inesgotáveis
do meu divino Coração. Tu és, minha filha, e serás depois da tua morte, para
cada alma em pecado, um pára-raios a atrair a si o peso da justiça divina. E
serás para cada alma em graça um íman atraente a traí-las a ti, a buscarem o
amor que em depositei. Prometo-te isto, minha filha: seres toda vida, toda amor,
toda graça para as almas. Promete seres luz para toda a humanidade. A chuva de
fogo que sentes cair sobre ti era para já ter caído sobre ela: és vítima, sofre
alegre, o teu peito é um jardim divino, porque nele habita, no trono do teu
coração, o Jardineiro celeste. És o cofre, és a depositária das riquezas e toda
a graça e poder do Senhor. Vai, pomba querida, vai para a tua cruz, cruz de
amor, cruz de salvação. Vai dar ao mundo, vai dar às almas o que te dá Jesus.
Vai, corajosa, vai mãe das almas! Vai, leva contigo a minha força divina, a luz
do Espírito Santo. Vai depressa, para não demorarmos este colóquio.
― Obrigada, meu
Jesus; obrigada, meu Amor. Dai-me o que quiserdes e como quiserdes. Eu não busco
a minha honra e glória, mas sim a vossa; eu não sofro com os olhos no prémio
para mim, mas sim com o fim de Vos salvar as almas.
Quando Jesus disse
que o meu peito era um jardim, eu possuí tanta luz que me mostrou que todo o meu
peito era um vasto jardim de encantadoras flores. Mas já tudo desapareceu. Perto
de terminar de ditar tudo isto, o meu espírito ficou como que encerrado numa
negra prisão de ferro ou bronze onde não podia entrar luz, entendimento nem
vida. Em que trevas estou já mergulhada!
Meu Jesus, sou a
vossa vítima. O vosso amor, o vosso amor, só Vós, Jesus: outra coisa não quero,
só o vosso amor em basta.
17 de Janeiro de
1947 – (sexta-feira)
A dor desfaz o meu
corpo e tão desfeito que me parece que não existe, que só ela vive. Eu já nem
sou um trapo podre; não sou nada. Oh, como eu sofro! E tão oculta; só Jesus
conhece. E por amor d’Ele e por amor às almas, eu escondo o mais possível. Sofro
com Ele; basta que Ele o saiba. Queixo-me, gemo, quando sinto que mais não
posso. Mas a alma, a pobre alma, alastra-se, estende-se mais ainda o seu
sofrimento. A dor faz a alma desaparecer tanto que já nem é um pouco de fumo que
no ar desaparece.
Ó meu Jesus, não
tenho a vida da alma nem do corpo, sustenho só a dor; e é ela e é com ela que
estou a viver dentro de mim. É a dor a companheira inseparável da vida interior,
da vida íntima com Deus.
Digo a Jesus: Quero
viver dentro deste corpo que não existe, quero viver lá tão dentro a vida
interior, a vida íntima com Deus Pai, Filho, Espírito Santo que não quero sair
cá fora cuidar do exterior sem deixar de viver sempre no interior.
Ó meu Jesus, meu
Jesus, não deixeis que o mundo me separe de Vós!
Mas eu não sei
viver e sinto que nunca aprenderei a viver aquela vida perfeita, aquela vida do
alto que tanto anseio viver. Perco-me à procura desta vida que não sou capaz de
possuir; mas são tais as ânsias que tenho de a viver que por vezes parece cair
no abismo dessa vida e, na realidade, deixar de aqui viver. Não é a vida: parece
uma nuvem vaga que me absorve e leva não sei para onde. Nada disto é visto aos
olhos do corpo, nada disto é palpável; são coisas da alma, e nada mais sei
dizer, pobre de mim; sinto que não amo, sinto que não sou perfeita.
Quantas mais e
maiores ânsias de perfeição, mais podridão, mais horror, mais miséria! É o que
me mostra e faz ver a minha cegueira, por vezes tão aterradora.
Tive com o demónio
dois ataques violentíssimos; foi mais tempo, mas não sei quanto. Creio que
chamei uma vez alta por Jesus e pela querida Mãezinha que viessem acudir-me em
tão grande perigo. Não fui ouvida, a não ser por estes amores queridos. Durante
a luta queria sair dela só para não pecar. Via-o satisfeitíssimo por me obrigar
a pecar. Fiquei por um espaço de tempo a dizer: não quero o gozo, não quero
pecar, não quero ofender-Vos, Jesus; não, não, não quero.
Quando isto repetia
muitas vezes, ouvi uma voz doce que me disse:
― Não queres não,
Minha filha; sei que não queres e não pecas; sossega, vem descansar.
Tomei a minha
posição e o demónio fugiu. A minha cabeça, o meu corpo, a minha roupa estavam
ensopadas em suor. E o meu coração sem vida e sem poder resistir à dor do pecado
disse a Jesus:
Aceitai todas as
gotas deste suor como actos de amor para os vossos sacrários e cada uma delas
sejam prisões que prendem as almas ao Vosso divino Coração e as arrastam das
garras de Satanás.
Sentia a paz da
alma, mas sentia a dor e temia com aquela dor receber Jesus, que não demorava
muito a vir. Quando Ele veio e deu entrada em mim esqueci-me por completo da
luta enquanto Lhe dei graças.
Depois voltei à
dor, à pena, ao receio de ter pecado.
Na tarde de ontem,
de um momento para o outro, senti cair sobre os meus ombros um peso esmagador. A
alma viu que era o Céu que descia, era a justiça de Deus. Pouco depois, e sem
pensar nisso, senti-me quase nua, presa à coluna e em público, em lugar onde
todos podiam ver-me.
Já à noite, dentro
dumas muralhas, à saída do portão que dava saída para o Horto, senti que Jesus
chorava dentro de mim, chorava escondido, chorava de dor; essa dor abriu-Lhe o
coração e fez como se Ele no mesmo momento desse ali todo o sangue. Com a
Coração aberto vi dali toda a viagem do Horto. Para lá puxava-O o amor e para cá
empurravam-no os maus-tratos de toda a humanidade atrás de Jesus representada.
Que grande dor, que doloroso martírio sentir e ver tanta ingratidão!
Fui levada logo por
umas grandes escadarias à presença dos Juízes. Como eu sofri, ao sentir Jesus,
grandeza sem igual diante deles, ser tão pequenino, ser mesmo um nada! E eles,
os verdadeiros nadas, cheios de orgulho e vaidade, cheios de grandeza sem nenhum
poder. Abateu-se o Poderoso, e elevaram-se no seu orgulho, aqueles que nada
tinham. Como Jesus sofria caladinho!
Hoje, com o coração
retalhado, segui com a cruz, em marcha apressada, os caminhos do calvário.
Uniam-me os pedaços do coração, ligavam-nos uns aos outros fios finíssimos de
amor. Só o amor era a vida. Quanto mais caminhava e subia, mais alto se me
atravessava a montanha. As golfadas de sangue eram quase contínuas e o
desfalecimento levava-me à terra.
Que segredos
indizíveis a alma via em tão grandes sofrimentos, em tão dolorosa viagem e por
último no Calvário. As trevas negras da noite não impediram que a alma pudesse
pressentir todos aqueles segredos, segredos que só a sabedoria dum Deus pode e
sabe revelar. Foi unida a essa sabedoria, de quem eu nada sei dizer, que eu me
senti obrigada a sofrer e a agonizar. Quantas lágrimas de Jesus, e eu não uni as
minhas às d’Ele; não uni as dos olhos, mas sim as do coração, e tanto mais
chorava, quanto mais ouvia e sentia o Seu brado agonizante.
Meu Jesus,
disse-Lhe eu, como é doloroso, quanto me custa este calvário; mas amo-o!
E assim fiquei, até
que Ele veio; e toda a noite desapareceu.
― Minha filha, a
dor é para a tua alma o que o cadinho é para o ouro; é ela que a purifica e faz
grande aos meus divinos olhos. Tem coragem! A tua alma é pura, é grande, grande
para Mim. À medida que ela se tem feito pura e grande, Eu te tenho acumulado das
Minhas graças. És grande para Mim, és grande para as almas. Os Anjos escrevem o
teu sofrimento, todo o teu martírio, e Eu vou-te enriquecendo com Meus tesouros,
as Minhas maravilhas.
Meu Jesus, quero
ser pequenina, para só ser grande com as Vossas coisas, com aquilo que é Vosso.
Quero ficar vazia, de todo vazia, para só Vós me encherdes. Quero em mim Jesus,
Jesus, só Jesus.
Quero ser grande,
por Vosso amor e para Vos consolar; quero ser grande para salvar-Vos as almas; e
para mim pequenina, sempre pequenina. Não é para glória minha que busco a
grandeza do céu, mas sim para Vós, só por Vós. Tende dó de mim, sinto-me tão
fraca, incapaz de nada, sem saber sofrer e sem saber amar-Vos.
Coragem filha
querida; tudo em ti é amor, mesmo assim entremeado com as imperfeições,
imperfeições que Eu permito. Quanto mais Me ansiares, mais Me possui; quanto
mais sofreres, mais Me amas e mais almas Me salvas; quanto mais te sentires
desaparecer e morrer, mais em ti aparecem as Minhas obras e mais vida dás às
almas. Coragem! Vem a Mim levantar o teu desfalecimento. Neste momento, Jesus
ficou na cruz todo chagado, coroado de espinhos e do Seu divino Coração nascia
constantemente uma fonte de sangue. Eu não chegava a Jesus, mas senti como se
uma força me elevasse e sustentasse junto a Ele. Minha filha vem à chaga do Meu
divino Coração, não beber, porque não podes aguentar tanto sangue, mas sim
refrigerar nele os teus lábios, saciar a tua sede e amor.
Uni à chaga de
Jesus os meus lábios e sem beber o sangue senti o meu coração abrasar-se em
fogo. Passado algum tempo, Jesus fez com que eu retirasse dele os lábios e,
elevando-me acima um pouquinho, uniu os Nossos dois corações, deixando cair no
meu uma gota do Seu sangue divino, continuou:
― É o Meu sangue
que é a tua vida; é esta vida que dás às almas; é vida de salvação.
Ó meu Jesus, sofro
tanto e de nada valem os meus sofrimentos. Onde está a representação que Vos
dei? Em que estado estais Vós? Eu não posso ver-Vos assim sofrer: exigi tudo o
que quiserdes de mim; fazei que eu sofra o que Vos aprouver, mas saí dessa cruz
e não Vos deixeis chagar assim.
― Minha filha, este
sofrimento ainda não tem reparação; se queres reparar-Me, dá-Me mais
sofrimentos; se não queres que as almas caiam no inferno. Que loucura e maldade
é a do mundo! Como Eu sou ofendido!
Já sabeis, meu
Jesus, que sou sempre Vossa vítima; quero a vossa consolação, quero almas.
― Basta, basta,
nada mais é preciso; vem tu tirar-Me da cruz e curar-Me as Minhas chagas.
Pude tirar os
cravos das mãos e dos pés sacrossantos de Jesus; cada cravo que eu Lhe tirava,
logo a chaga cicatrizava. Tirei-Lhe, com toda a cautela, a coroa de espinhos e,
com os meus lábios, ou não sei com quê, cicatrizei a chaga do Seu divino
coração; deixou de escorrer sangue; a cruz desapareceu. Jesus ficou
Formosíssimo, sentado no trono, coroado de Rei e cheio de glória. Tudo n’Ele e à
volta d’Ele era amor; por toda a parte se irradiava.
― Olha a tua
generosidade, a tua reparação, a tua aceitação do martírio. Não sofro senão em
ti, revestido em ti, sozinha não sofro. Vai, pérola de Jesus, jóia preciosa; vai
confiada em Mim, vai dar ao mundo a Minha vida, vai convidá-lo à penitência, vai
pedir-lhe pureza, graça e amor; vai sofrer por ele. Leva a minha paz. Tem
coragem, confia sempre que Eu sempre em ti vencerei.
― Obrigada, meu
Jesus. Guardai-me só para Vós. Sede a minha força; não me deixeis ofender-Vos.
Não morre a minha vontade, não desaparece o meu eu. De vez em quando vou a
querer dizer: não quero escrever mais, não quero aparecer diante dos meus nem
dos meus grandes amigos; de todos tenho medo. Em tudo aparece o meu querer. Ó
minha cruz, eu quero-te, eu quero-te.
24 de Janeiro de
1947 – (sexta-feira)
Não posso falar e
tenho que falar. Sofro horrivelmente e não compreendo a minha dor. Caí num tal
abismo de cegueira que nada vejo nem sei compreender. Apesar do meu viver ser
dor, sempre dor, mergulhei-me nela e nem um só momento posso libertar-me. Perdi
toda a vida; só a vida do sofrimento ficou, e, sem fim de toda a espécie de
sofrimento contínuo, estou louca a querer viver, a vida para onde o meu coração
e a minha alma batem as asas, levantam voo, lá vão voando noite e dia à procura
daquela vida que não conseguem viver. Tão sequiosa e faminta, por vezes me
parece cair das alturas à terra; é o desfalecimento de não encontrar aquilo por
que tanto suspiro. Quando estou caída e triturada de toda a dor, a sentir ir
quase a naufragar, a desesperar-me por completo eu chamo pelo meu Jesus, pela
querida Mãezinha: vinde em meu auxílio, vinde acudir-me, eu sou Vossa
inteiramente Vossa, eternamente Vossa, sou a Vossa vítima, não me deixeis
ofender-Vos. Neste duro martírio logo o meu coração e a alma são transportados
para um enlevo, para uma vida que os absorve e parece tirar da terra. E logo
posso levantar-me e caminhar abraçada à minha cruz, louca, de amor por ela.
Estes momentos de enlevo são raros, mas alimentam a alma; fico mais forte, por
algum tempo; posso melhor resistir à dor. Tenho passado noites de tormentosos
sofrimentos. E a Mãezinha, a querida Mãezinha do Céu tem vindo junto de mim,
mostrando-me o Seu coração como Mãe do Perpétuo Socorro, e, ainda outras vezes,
trazendo consigo um Menino Jesus muito pequenino. Estas visões são rápidas, mas
confortam-me; sinto-me outra, por algum tempo. Ora confortada, ora desfalecida,
vou passando as horas e os dias, vivendo dentro em mim a adorar a Trindade
divina, a quem tanto amo. Unida a Jesus, unida à Mãezinha, balbuciando os Seus
Santíssimos Nomes, vou sentido sempre contra mim a grande tempestade, a grande
derrota, mas com o coração fito no Todo Poderoso e os olhos fitos no Céu,
saudosa Pátria por que tanto suspiro, espero levar ao cimo da montanha a minha
cruz. Foram dois os ataques do demónio na noite que passou. Antes da luta andou
horas a sondar à minha volta. Parecia que eu mesma era o inferno e que pedaços
do inferno caíam sobre mim. Que bichos tão feios, que medonhas serpentes me
rodeavam! É o sofrimento mais amargo, por ser num ponto tão delicado. Que medo,
que medo de pecar! Ouvi as suas feias lições e maldosos ensinamentos; forçava-me
por os não atender; só por Jesus e pela Mãezinha chamava. Vieram muitos demónios
e alguns em forma de animais. Terminou a luta para, pouco depois, principiar
outra. Não sabia quando terminaria, mas sentia-me não poder mais. Depois de um
brado contínuo pelo nome de Jesus não O vi, mas senti na alma como se Ele
levantasse a mão e ouvi uma voz que dizia: aparta-te, retira-te para o teu
lugar.
― Descansa, Minha
filha; és Minha, sossega, não pecaste.
Retirou-se o
maldito desesperado, mas ainda por algum tempo passavam à minha frente vultos
pretos; pareciam pedaços de negras nuvens. Com a alma em paz, passei por um
ligeiro sono. Ao acordar, logo fiquei a sofrer por nem uma só vez receber o meu
Jesus sem um ataque do demónio, depois de me ter confessado para ter a minha
alma muito pura para O hospedar.
Bendita seja a
vontade do Senhor! Ao terminar o dia de ontem, ao chegar à noite, senti-me
tremer e comigo tremer toda a terra. Senti os sofrimentos causados por todo o
mundo, e do mesmo mundo senti todo o medo. Apavorei-me. Afastou-se tanto, tanto
de mim o Céu que fiquei como se da terra não pudesse fitar o firmamento. Tudo
tinha desaparecido, só o Horto ficou. Principiei a sentir da cabeça aos pés o
corpo cheio de gotas de sangue. De novo voltou o mundo inteiro a aproveitar-se
dos meus sofrimentos, a servir-se do meu sangue. Oh! Que diferença! A maior
parte lançava-se a mim como feras, despedaçavam-me as carnes, causavam-me ainda
mais dor. O número mais pequeno servia-se do meu sangue, ou, para melhor dizer,
do sangue de Jesus, mas com mais paz, com mais doçura, com mais amor. Refugiada,
escondida de todos os olhares pude chorar. E, logo depois, subi a encosta
debaixo de uma chuva de pontapés e varadas. As lágrimas de Jesus continuam,
dentro em meu coração. De manhã, continuou o coração a receber os maus-tratos em
toda a tragédia do Calvário; foi ele que foi calcado e arrastado. No Calvário
para serem revirados os cravos não foi virada a Cruz rente com a terra, mas sim
levantada a alguma altura para o rosto de Jesus e todo o Seu Santíssimo corpo
ser ferido novamente com toda a crueldade. E quando foi para ficar ao alto que
grandes dores eu senti em todas as chagas ao deixá-la cair na cova com tanta
força; pareceu cair num poço E, ali com Jesus, sofri imensas trevas. Ele,
moribundo, observava tudo. Perto de dar o Seu último suspiro, a um impulso do
coração, vieram-Lhe ainda aos lábios algumas golfadas de sangue e correram no
Seu Santíssimo rosto as últimas lágrimas e agonizou; agonizou e viveu; agonizou
e falou-me.
― Minha filha,
branco lírio, pomba querida, consolação e amor do Meu Divino Coração, guia e
conselheira das almas, cópia mais real e fiel de Cristo crucificado. Eu uno,
minha filha, à tua missão à mais alta e nobilíssima missão todas as minhas
graças, todos os meus tesouros e méritos da Minha Santa Paixão, para teres todo
o poder para melhor desempenhares a missão de nova redentora. É Cristo que sofre
em ti, é Cristo que fala, vê e move em ti. Ó bela, ó encantadora, ó altíssima
missão, a missão das almas. Mas nada podia fazer, filha querida, sem o teu
consentimento, sem a tua generosidade, sem o teu amor. Quanto te deve o mundo,
quanto te devem as almas! Faço-te poderosa, e faço que maior número de almas se
encontrem e atraem para ti e vejam em ti o que é Meu. Eu dou luz; eu faço luz;
mas ai pobres daqueles que mais se deviam deixar iluminar dessa luz e não
deixaram; por Mim Lhe pedidas rigorosas contas. O brilho é da Minha divina
causa, a dor é tua. Ela não podia passar sem prejuízo, senão à custa dos teus
sofrimentos. Tem coragem! É Minha a vitória. A causa divina está na sua
primavera de flores, flores que em toda a parte do mundo depressa vão
desabrochar. São flores saídas dos teus espinhos. A tua vida é a vida de luz,
vida de salvação. Quantas almas por ti se irão converter! Quantas levadas pelo
teu exemplo, imitar-te-ão seguindo os teus caminhos atraídas por ti. Que
milagres prodigiosos! Para tudo isto, minha filha, é sempre preciso a tua dor.
Eu estou pronta, ó Jesus, para tudo sofrer e amar; pronta para Vos deixar
trabalhar em mim à vontade. Manejai o meu corpo como Vos aprouver contanto que
sempre em mim estejais Vós para com a Vossa força sofrer para com o Vosso amor
eu amar. Vem então, Minha esposa querida, tirar do Meu Divino Coração estes
punhais, estas espadas, que tão cruelmente o ferem. Tira-mas tu, uma a uma, e
depois com o teu amor, com a tua reparação cura-lhe todas as feridas, para
ficarem de todo cicatrizadas; para dares-Me a maior prova do teu amor, tira-as e
crava-as em teu coração, para ficarem continuamente a ferirem-te.
Voltei-me para
Jesus, vi-Lhe o Seu lado aberto e por aquela abertura saíam os cabos das lanças
e punhais que tão vivamente Lhe atravessavam o Coração. Eram tantas! Muito
devagarinho, a tremer de dor e de compaixão por Jesus, principiei a tirar-lhas e
com toda a força a cravá-las em mim Longe de terminar, caí desfalecida. Senti
mais a dor a tirá-las de Jesus, porque me parecia feri-Lo ainda mais, do que ao
espetá-las em mim. Parecia-me que o sono da morte me ia levar. Jesus
levantou-me, acariciou-me e incendiou d’Ele para mim labaredas de fogo e
disse-me:
― Coragem! Coragem!
Pude continuar a
tirar-Lhas todas. E depois Jesus uniu o Seu peito Santíssimo ao meu e disse-me:
― Cura-Me todas as
feridas. O teu carinho, o teu amor, a tua reparação é o bálsamo. Meu Jesus, sou
a Vossa vítima, amo-Vos. Como pode haver coragem para Vos ferir assim meu Jesus!
E de que servem os meus sofrimentos se não evitam os Vossos? Sossega, sossega; a
tua reparação, o teu sofrimento curam-Me as feridas para poder de novo receber
outras. E evitas de tantas e tantas almas caídas no inferno! Ele lá vai
continuando fechado. Os pecadores salvam-se, aos milhares, aos milhões. Olha
para Mim; já não tenho em Meu coração nem uma só ferida.
Vi o coração Divino
todo em fogo e vi cerrar-se o lado de Jesus que estava aberto. Ele ficou todo
resplandecente de luz. Vai em paz Minha filha amada; vai corajosa, vê o valor da
tua dor. Vai semear; É florescente a tua sementeira.
― Coragem! Tua dor,
o teu amor é a salvação do mundo. Pede: não te canses. Quero oração quero
penitência, quero emenda de vida, a principiar pelos sacerdotes. Foram deles os
primeiros punhais que me tiraste; são eles que mais Me ferem por serem
discípulos Meus. Haja reparação. Ai, tanta inocência perdida, tanta vida roubada
ao Céu antes da sua existência na terra. Ai que maldade humana! Até por um
grande número de velhos anciãos sou ferida. Que horror, que horror; tudo é lodo.
Sofre com alegria Minha filha, dá-Me o teu amor. Tem coragem, não te enganas,
vai em paz.
― Obrigada, Meu
Jesus. Sede a vida da minha dor, sede a força do meu Calvário. Fiquei a sentir
no meu coração os punhais que lhe cravei, e sento o peito aberto como estava o
de Jesus. Quero sofrer; é por Ele e pelas almas.
31 de Janeiro de
1947 – (sexta-feira)
Faltará muito para
chegar ao cimo do meu Calvário? Não sei, o que sei, o que sinto é que cheguei ao
auge da minha dor, dor que, sem um grande auxílio do Céu, já teria chegado ao
desespero. Que dias tristes! Que dolorosa amargura! Que horas trágicas e de
tanto desfalecimento! O meu olhar fixo em Jesus e na Mãezinha falavam mais do
que os meus lábios; era a pedir-Lhes socorro; e juntamente ia o murmúrio do
coração com um estreito abraço a tudo o que era dor.
Por Vosso amor,
Jesus, por Vosso amor, Mãezinha, e pela salvação das almas. Mas com o aumento da
dor e tentar esconder as minhas lágrimas pensava: se não fosse a graça do
Sacramento, não queria junto de mim um sacerdote; queria-me abandonada, como de
verdade eu me sinto. Queria dizer aos meus amigos que fizessem de conta que não
existi no mundo; queria esconder-me de todos os olhares. Jesus basta ao meu
coração, mesmo a sentir que nada O possuo. Uma tempestade fortíssima me
absorvia; tempestade desastrosa, tempestade sem remédio. Fui lutando, fui
chorando e dando a Jesus as minhas lágrimas; Ele foi vencendo em mim; Ele sem
que eu o sentisse, levantou-me, e encaminhou-me a romper por entre as trevas:
Bendito seja Deus! Valha-me o grande poder de Deus, valha-me a grande caridade
de Deus, valha-me o amor imenso, o amor infinito de Deus. Assim costumo dizer,
assim vou vencendo. Sinto em meu coração as grandes espadas, os grandes punhais
que há oito dias me ficaram cravados; quanto mais me trespassam, quanto mais mo
cortam maiores se fazem; parecem crescerem, momento a momento. Estes punhais vêm
do meio do mundo; é dele que me atingem o coração; é o mundo que os move; são
mãos cruéis que os obrigam a cortarem com seus fios afiadíssimos. Quando eu
sofro assim, o quanto não sofrerá Jesus! Ah! Se eu pudesse atrair para mim todos
os sofrimentos e não deixar que nem um só fosse ferir o Coração Divino de Jesus!
Ele deu-me há dois dias um grande mimo, um mimo do Seu Divino amor. Ao recebê-lo
parece que todas as amarguras me atingiram mortalmente o que fez tirar-me toda a
alegria e consolação que desse mimo podia receber. Se Vós quereis assim, Meu
Jesus, porque o não hei-de querer eu também! Para Vós tudo, toda a consolação e
amor. Faça-se em mim a Vossa vontade divina. Este mimo passou em mim
despercebido, mas deixou-me o coração forte; foi como que uma injecção que o
ajudou a suportar novos golpes que o vieram ferir. Louvado seja o meu Senhor que
tanto tem para me dar e tão cuidadosamente vela por mim. Se eu soubesse
corresponder às graças do meu Jesus! Foi dolorosíssimo, foi amargosíssimo o meu
Horto de ontem, foi um Horto de todo o dia e da maior parte da noite. Fazia por
retirar dele o meu espírito, mas não sei o quê, uma força invisível me unia,
prendia o coração àquele solo duro e triste; era um Horto mundial ladrilhado de
pedra dura, rochedo inquebrável. Lançou-se sobre mim o peso brutal da
humanidade; o seu peso esmagou-me, abriu-me o peito, tirou-me a vida superior,
sublime, muito sublime, deu-lhe entrada no coração e abrasou toda a humanidade
em amor; triunfou da morte e abraçou toda a ingratidão humana. Vi à minha frente
uma floresta de espinhos que atingiam grande altura. Desses espinhos foi formada
a minha coroa; tive que atravessá-los e neles da cabeça aos pés foi todo o meu
corpo ferido; espetados neles ficaram muitos pedaços das minhas carnes. Logo a
seguir, pela noite fora, andava o demónio, à volta de mim, a querer-me assaltar.
Várias vezes me convidou ao mal e me ensinou as suas feiíssimas palavras. Veio a
madrugada, travou-se então o combate. Em forma de animal, assaltou-me; tive que
combater. Não deixei de bradar ao Céu em tão tremenda luta; porém este
parecia-me fechado e surdo.
Satisfeitos os
gostos do maldito, deixou-me; mas, ó meu Deus, como me deixou ele! Deixou-me
despercebida, não o vi fugir; levou consigo a inocência, deixou comigo a
maldade. A culpa era só minha. Fiquei como caída na valeta da estrada, não podia
levantar-me nem tão pouco levantar os olhos ao Céu para os fitar em Jesus. Que
indizível vergonha! Não sei por quem fui levantada, mas sentia a minha alma
chorar com profunda dor. Tem ferido o meu Jesus? Com a vinda d’Ele ao meu
coração esqueci mais as maldades do demónio; pude unir-me mais a Jesus e
desabafar com Ele. Os meus espinhos do Horto deram princípio às ruas estreitas e
tristes do Calvário. Segui por entre eles abismada na noite mais negra; neles
perdi a carne e o sangue. Subi ao cimo da montanha e a mesma noite se espalhou
nela. No alto da cruz que era eu e nela estava pregada. Sentia o levantar do
peito de Jesus, o seu ofegar, palpitar do coração. Sentia o brado triste, o eco
agonizante dos Seus gemidos; sentia o Seu sangue divino que caía ao pé da cruz.
Sentia uma dor de alma que a obrigava a chorar e a dar a vida despedaçada de
dor. Eu não podia aguentar aquela dor que era de Jesus. O que Ele sofreu! Ai a
dor do Calvário, a dor, a visão da maldade humana. Eu não resisti; por alguns
momentos pareceu-me mesmo a minha morte ser real. Não quero pensar, porque não
posso recordar o sofrimento do meu Jesus. Ele veio; fez-me viver.
― Minha filha,
levanta-te, tem coragem, vem seguir os caminhos dolorosos do Teu Esposo Jesus.
Repara, olha a montanha, estás quase no fim, pouco tens que subir, pouco tens
que caminhar. Olha a cruz, olha o seu brilho, vê tantos raios luminosos; são
raios saídos de todas as suas chagas; são raios saídos de todos os espinhos que
a tua cabeça cinge. Saem de ti, saem de mim que em ti estou, de ti Me revesti:
são raios poderosos, raios atraentes, raios de salvação. Olha como correm aos
bandos para eles as ovelhinhas; são as almas, vêm de ti para mim. Coragem! Olha
o valor da tua dor, do teu calvário.
Vi a montanha, vi a
cruz; parecia estar de sol iluminada. Eu já tinha quase subido tudo, estava
perto dela; mas era aquela a minha cruz e via-me como se nela estivesse cravada.
Dos pés, das mãos, do coração, da cabeça saíam fortes raios de luz; vinham
penetrar na terra. Fez-me lembrar o arco-íris que vai absorver a água ao rio e
ao mar. Para todos aqueles raios que rodeavam a cruz, vinham de todos os lados,
grandes rebanhos de ovelhinhas; não lhes via o fim. Oh! Como era belo vê-las
atraídas para aqueles raios sem que ninguém as guiasse, sem levarem pastor. Meu
Jesus, oh! Como é belo e atraente o amor do Vosso divino coração.
― Oh! Como são
poderosas as Vossas chagas, todos os Vossos sofrimentos. Quero sofrer convosco,
convosco quero estar sempre na cruz para nem um só momento cessem as almas de
virem a Vós; de virem ao sol resplendoroso do Vosso divino amor. Sede a minha
força, vede como sou fraca, meu Jesus. Minha filha, Minha amada, quem com Jesus
está com Jesus vence. Tem coragem! Da cruz passas ao Céu, ao Céu que te espera:
E pela cruz fazes subir as almas aos milhões, aos milhões para a sua pátria.
Sofre sempre, por meu divino amor, e nada temas; sofre alegre, se não Me queres
ver ferido. Enquanto que viveres na terra, não mais deixarás de sentir em teu
coração essas espadas, esses punhais. És a minha vítima, é ferido o teu coração
para não ser ferido o Meu.
Sabes, filha
querida, porque é que quanto mais eles te ferem e te cortam estas espadas e
atravessam o coração, mais as sentes e vês crescer? É o aumento, é a repetição
dos novos crimes. Reparas uns, mas a maldade desses infelizes inventa outros;
vem logo com novos golpes. Se soubesses quem Me fere e como Me ferem! Quero
explicar-te, quero desabafar as minhas mágoas.
― Meu Jesus tirai
de mim, se é possível, a reparação precisa; eu aceito, eu quero sofrer por quem
quer que seja, amigos ou inimigos meus não me importa; são filhos do Vosso
sangue divino, eu a todos quero salvar. Sou a Vossa vítima, vítima a sério, só
para não Vos ver ferido. Eu sei que sofreis, Jesus, e eu quero reparar sem saber
por quem.
― Ó Minha
louquinha, Minha louquinha de amor, que grande e encantadora lição tu dás ao
mundo; que grande prova de heroísmo, que apreciável valor dás às almas! Vai, vai
contente. Para conseguires a realização dos teus desejos, não mais terás
alegrias sensíveis na terra; apenas o necessário conforto para venceres e
resistires à dor… Vai, alma pura, não te deixes abater demasiado com os teus
defeitos; Eu os permito para mais em ti brilhar aquilo que é Meu. Vai espalhar o
amor, vai acudir às almas, vai dar a luz ao mundo. Eu farei que nele brilhes com
o Meu brilho que a ele encantes com os Meus encantos. Coragem, coragem! Eu vou e
estou sempre contigo.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Ajudai-me a vencer este medo pavoroso, que já vejo à minha
frente. Quero a cruz, quero as almas, mas temo as minhas fragilidades. Não me
abandoneis meu Jesus.
1 de Fevereiro de 1947 – (1º
sábado)
Passei a noite em
grande sofrimento e em grandes ânsias. O meu corpo era um montão de cinzas,
desfeito pela dor, e o coração sentia horrivelmente o cortar fino e contínuo de
fios de espadas. Ao mesmo tempo queria desprender-se e voar para o alto, para
Jesus, mas não podia; estava encarcerado em negra prisão. Senta-o cansado e
desfalecido com tanto sofrer. Abraçada ao meu crucifixo e à Mãezinha querida,
não cessava de pedir-lhes amor. As dores eram quase insuportáveis, mas as ânsias
de amor iam mais longe, muito mais longe ainda. E nesta angústia não perdia a
minha união com Deus; ia murmurando sempre: meu Jesus, lanço-me nos Vossos
divinos braços, Prendo-Vos para não mais Vos deixar nem desistir de Vos pedir
amor; ainda que, por cada vez que vo-lo pedisse, me repelísseis e me batêsseis,
não Vos deixaria, nem me calaria, mas sim com mais coragem ainda dobraria o meu
brado: Jesus, sou a vossa vítima. Foram estes os meus entretimentos com Jesus,
mas sempre mergulhada em trevas, angústias e sofrimentos. Veio a hora de O
receber e eu de mãos vazias, despida de todo o bem, sem ter uma morada digna
para O hospedar. Ele não recusou entrar. E logo os punhais deixaram de ferir o
meu coração, e todos os sofrimentos desapareceram, mas em todo o tempo que
estive com Jesus; depressa voltaram. Ele disse-me:
― Minha filha, onde
está a cruz, a verdadeira cruz, a cruz real, está o amor; e onde está o amor
está Cristo. Tu sofres, possues-Me, amas-Me, tens todo o amor de Jesus. Sofres e
amas sem igual dor sem igual amor. Farei que a tua dor seja de salvação para o
mundo e que esse amor com que Me amas se espalhe, se comunique às almas.
A tua dor, o teu
amor, são as escadas de pecadores e justos subirem ao Céu. Há-de o teu amor
abrasar as almas, há-de a tua dor ser tão poderosa que, já tu no Céu, e ela
continuará na terra, até ao fim do mundo, a ser poderosa e de salvação para os
ingratos pecadores. Coragem, Minha filha! O que te espera no Céu!
― Ó meu Jesus, como
estou humilhada, como me sinto pequenina! Faça-se tudo, segundo a Vossa vontade
divina. Só Vós sabeis quanto me custa que faleis assim.
― Sossega, sossega
esposa querida; o que Eu digo não é para te elogiar; não falo para ti, falo para
o mundo. É a ele que eu quero mostrar o que é a minha vida divina nas almas e o
que é uma vítima generosa fidelíssima. É ao mundo que quero mostrar os elogios
de um Deus, dados a uma esposa, a uma alma louca por Si. Diz-Me o que quiseres,
pede-Me o que quiseres, Minha filha querida.
― Meu Jesus, dais
então ao meu Paizinho a luz que ele pede, a luz que ele necessita?
― Dou-lhe tudo,
sempre lhe tenho dado. É o amante da minha cruz, é o possuidor de todo o Meu
amor; dá-lho por Mim; repete-lhe, diz-lhe que Eu o amo, diz-lhe que é o mestre
das almas e que eu farei que elas em grande multidão o sigam, à semelhança de
Mim. Diz-lhe que Eu o assemelho à minha vida na terra. Diz ao teu médico que o
amo loucamente e que amo aos que lhe são caros. Diz-lhe que lhe repito: conto
com ele, como vara forte e firme a amparar-te e à minha causa divina, que,
depois de humilhada, será o triunfo de todos os tempos. Diz-lhe que recomendo a
vigilância; o mal corre, o veneno penetra. É necessário um milagre até ao fim.
Vem Mãe Bendita; não deixes sem conforto a nossa filha.
― Estou aqui, Meu
filho, ansiosa por confortá-la.
Veio a Mãezinha,
inclinou-me para Ela; acariciou-me e abraçou-me.
― Coragem, Minha
filha! Em nome do meu bendito Filho, venho afirmar-te: estás na verdade, és-Lhe
fiel, Ele está contentíssimo contigo. Deste-Lhe tudo, amas-Lo com todo o amor
com que O podias amar. Em troca, filha querida, da tua vida de dor e de amor
leva os Nossos amores àqueles que te amam e com tanto empenho te rodeiam; é o
prémio do Céu, por ampararem uma esposa tão querida de Jesus, e acrescentou:
Diz-lhes em meu nome que lhes prometo o Céu e mais ainda àqueles que do fundo da
alma e do coração com eles falarem no meu nome e nas minhas coisas. Farei que os
que te rodeiam e te são queridos comuniquem aos outros o que de ti receberam;
que é a comunicação dos tesouros do Céu. Vai, Minha filha querida; tem coragem;
não deixes de correr, mas também não deixarás de amar. Vai em paz, vai com O teu
Jesus, leva o teu Jesus. Para que as minhas palavras se cumpram, tenho que
abreviar os meus colóquios, mesmo eles têm de ser para ti dolorosos. Coragem,
coragem, nova redentora, salvadora do mundo!
― Obrigada, meu,
meu Jesus; obrigada, Mãezinha acompanhai-me, não me deixeis por um só momento.
Já me parece mentira estar Convosco, e com Convosco falar. O que eu vejo à minha
frente! Valei-me, valei-me; sou a Vossa vítima.
7 de Fevereiro de
1947 – (sexta-feira)
Faltam-me as
forças; o sofrimento impede-me de poder falar. Será o sofrimento, meu Jesus, ou
serei eu que não sei sofrer e o pouco parece-me muito? Que luta renhida no meu
espírito! Que mar de dúvidas! Que vida a minha tão cheia de incertezas! O
demónio tem tentado assaltar-me, mas, acorrentado, não o tem conseguido; não
veio com os seus tremendos combates. Quando o vejo a formar salto, para se
atirar a mim, fico assustada e com receio que alguma vez sempre vença e me leve
ao pecado. Ele tem tantas formas de nos atormentar a alma! Eu já a tenho tão
dorida, sem ser por ele; parece que a tenho em sangue: ó meu Deus, ó meu Jesus,
tudo o que sofro é por Vós, é pelas almas. Tenho olhos, mas não para ver nas
negras trevas que vou passando. Cada passo que dou é em falso, é um abismo
negro, onde caio, e o meu desfalecimento auxilia-me de boa vontade a deixar-me
mergulhar neles. Morro de dor, morro sem remédio nestes abismos pavorosos de
cegueira. Sinto os punhais, sinto as lanças a cortarem-me o coração tão
lentamente, tão finamente. Quantas vezes tenho a impressão de ouvir nos meus
ouvidos o cortar das carnes; é arrepiante, a dor sufoca-me, tira-me a
respiração. E logo em espírito elevo ao Céu a minha oferta de vítima. Aborreço o
mundo com tudo o que nele encerra; não porque tudo deva aborrecer, mas sim
porque de tudo quero e devo desprender-me: sinto como se alguém dentro de mim,
ande a espanar, a polir, a assear a habitação do meu coração, da minha alma;
tudo é deitado fora, sinto-me vazia, é uma casa sem mobília. Este vazio é para
se encher e quando sinto que se enche de uma vida de que não é falar, uma vida
superior a esta vida, a alma vê o coração cheio, transbordar e pelo centro sais
grandes labaredas que sobem ao ar. Nestes momentos fico como que a dormir nesta
vida e como que se do mundo desaparecesse. Volto a sentir o vazio e as ânsias
devoradoras do amor de Jesus. E de verdade queria mesmo devorá-Lo, possuí-Lo só
a Ele e nada mais. Vós, meu Jesus, Vós e só Vós e nada mais. Sinto logo o
abandono de todas as criaturas mesmo das mais queridas. Mas sou eu mesma a
querer-Lhes ser grata, agradecida; mas não querer viver delas, para só de Jesus
viver. São cortes dolorosos, são indizíveis sofrimentos. Mas se eu assim amasse
a Jesus, se eu soubesse que O amava quase deixaria de sofrer. Ontem, ao cair da
noite, de surpresa, senti-me atada e arrastada por grossas cordas que me cingiam
o pescoço; obrigavam-me a ir com o rosto a terra até o ferir. Logo me introduzi
por um túnel de todos os sofrimentos formado; ali não entrava luz nem conforto.
Caminhei, fui parar
ao Horto; pouco depois recebi em meu rosto o beijo de judas. Que beijo cruel,
mas que ainda mereceu dos lábios bondosíssimos de Jesus a palavra terna de
amigo. Que doçura a do seu coração divino: se todos a compreendessem! Os modos,
os olhares de traidor eram desconcertantes e desesperados. Quando Jesus chegou
ao fim do Horto, mesmo na saída, debaixo daquela chuva de maus-tratos e de
crueldades eu senti, dentro do meu peito, a Seu divino coração palpitar tão
aflito pela dor e pelo cansaço que já parecia dar ali a vida. Vi, pouco depois,
a lareira onde se aqueciam os inimigos de Jesus e uma falsa e provocadora mulher
que fazia o lugar de correio, onde S. Pedro se aquecia também; era por eles
interrogado e trocavam uns para os outros seus olhares maliciosos. O galo
cantou; na alma senti o seu canto e tive visão do abrir e fechar do seu bico.
Retirou-se S. Pedro
para chorar; as lágrimas corriam em meu coração como dois regatos. Se eu tivesse
a mesma doa de arrependimento dos meus pecados! Hoje já no Calvário ecoou dentro
em meu peito o som descontrolado do bater dos cravos; fiquei com os meus pulsos
e pés abertos como se fosse por eles trespassados. Não senti ali só os
maus-tratos de Calvário, mas sim os de todo o mundo. Tinha uns olhos que tudo
contemplavam; tinha uns ouvidos que não só ouviam os insultos do calvário, mas
sim os de toda Humanidade. Os gemidos e o brado de Jesus com o Seu coração cheio
de amor e doçura não eram um convite, um chamamento só ao calvário, mas sim ao
mundo, a todo o mundo. Jesus com a sua agonia e morte queria salvar a todos. Os
lábios de Jesus estavam cerrados, mas oh! Como falava e amava o Seu coração
divino. Eu pecava com o mundo e sofria e agonizava com Jesus; e ao mesmo tempo
ansiava possuir para mim o mesmo mundo. Veio Jesus e falou-me.
― Estende, minha
filha, por todo o mundo a tua dor assim, como Eu põe ele estendo o Meu divino
amor. É pela tua dor e com a tua dor que este amor lhe é dado. Tem coragem,
minha filha! O teu corpo, o coração e a alma é um jardim celeste onde Eu plantei
e semeei toda a variedade de flores. Uns anjos cuidam de outros anjos. E porque
assim é Jesus to afirma. São os anjos que com todo o cuidado cultivam e tratam
destas flores. A tua alma está pura. Eu nunca consenti, esposa querida, que ela
fosse manchada pelo pecado; se alguma coisa permiti, foi para que tivesses o
conhecimento das graves ofensas que Me são feitas, para melhor Me poderes
reparar e desagravar. Quanto mais sofreres, mais reparos; quanto mais reparares,
mais pecadores salvas e mais amor por ti as almas recebem de Mim. Estende,
estende a tua dor ao mundo. Como ele Me ofende! Quando sentires mais, minha
filha, o ferimento dessas espadas e punhais, tem a certeza de que nessas horas é
que Eu estou a ser mais ofendido. Renova-Me muitas vezes a tua oferta de vítima,
e redobra de amor, multiplica os teus actos de amor. Vou pedir-te nestes dias,
alguns combates do demónio; preciso dessa reparação. Aceitas? Bem sabeis que
sim, meu Jesus, mas com que medo eu aceito; que receio de Vos ofender! Tomai
conta da Vossa filhinha, da Vossa mais indigna vítima. Eu quero reparar mas
temo, eu quero amar-Vos e não sei como. Que pobreza, que pobreza, que miséria,
meu Jesus! Coragem, nada temas do que o demónio te lançar em rosto; bem quisera
ele que fosses o que te diz.
Anima-te. O teu
amor a Jesus atingiu a maior altura. Sabes quem é aquele que sentes trabalhar em
tua alma? Sou Eu, O teu Jesus, O teu esposo, O teu Rei; sou Eu que tudo esvazio,
sou Eu que tudo encho. Todo te possuo e tu toda a Mim possuis. Eu deito, fora de
ti, os que te são queridos, mas sem prejuízo, sem ingratidão da tua parte, sem
por isso os deixares de amar. Eu podia lá consentir que fosse ingrata uma esposa
Minha, Eu que sei quanto custa a ingratidão e que sinto tanto; quando são
ingratos para ti! Não, não, não és ingrata. O que faço é para tirar de ti tudo o
que é humano, para só possuíres o que é divino, para só o divino te encher. E
assim é filha querida. Em ti existe só o amor todo o amor de Jesus. Vou dar-te
agora a vida de que vives; uma gota do Meu divino sangue com a Minha eucaristia,
é o teu alimento; é o conforto que te dá Jesus, é a vida para ti e para dares às
almas.
Jesus abriu o Seu
peito, fez do Seu divino coração uma pequenina infusinha pela qual deixou cair
no meu coração uma gotinha de sangue. Esta gota de sangue abrasou-me tanto! Foi
um fogo que me incendiou. Colocou novamente dentro de Si o Seu divino coração
cerrou o peito e disse-me:
― Vai, esposa
Minha, vai ao mundo dar este amor, vai dar-lhe esta vida, vai salvá-lo que é
teu. Custa-Me tanto ver-te sofrer, mas é para que seja salva a humanidade.
Continua sempre a obra de resgate, a obra de redenção; és a nova redentora. Tu
serás para o mundo, filha querida, estrela brilhante, estrela de ouro que o
guies para Mim. Vou despedir-Me, vou deixar-te para abreviar o colóquio, vou
deixar-te para ficar sempre contigo. São colóquios dolorosos, é para Mim só o
sabor, é para mais receber de ti. Vai depressa, vai espalhar pelo mundo a tua
dor com o Meu amor. Vai com paz e alegria; Jesus to pede.
― Obrigada, meu
Jesus, sede comigo. Ai, tanta dor não sei repará-la; a Vós me entrego;
destruí-a, meu Jesus. Tende sempre diante de Vós os meus pedidos, bom Jesus!
14 de Fevereiro de
1947 – (sexta-feira)
Aumentou o peso da
minha cruz, e aumenta também, dia a dia, a minha sede de sofrimento, a sede de
me dar a Jesus e às almas, a sede de consumir-me, enlouquecer-me e perder-me no
amor de Jesus. E é verdade que me sinto queimada; parece que um fogo invadiu
tudo. Ah! Se fosse o fogo do amor de Jesus! Se na realidade eu O amasse! Ai
pobre de mim! tive no dia 11, uma grande tribulação, das maiores da minha vida.
Não sei se foi permitido por Nosso Senhor se pelo demónio. Não sei, mas sofri
muito. Não sou capaz de mostrar quanto sofri. Sofri resignada. Não fui capaz de
fazer várias das minhas orações diárias, cansada de tanto sofrer. Mas o que não
perdi foi a minha união a Deus. Abraçada ao meu crucifixo, dizia de alma e
coração: eu te abraço minha cruz, com o meu Jesus; eu quero-te, eu amo-te. Meu
Jesus, sou a Vossa vítima. Apertava contra o peito a imagem da querida Mãezinha
e dizia-lhe: fostes Vós, Mãezinha, fostes, Vós, que no Vosso dia me trouxeste
este miminho. Valei-me, valei-me, dai-me um conforto. Pareceu-me ouvir o coração
estalar de dor, e depois, sentia como que o sangue me corresse no peito. Vi, à
minha frente, tudo o que há de pior, tudo o que há de mais desastroso. Quanto
mais oprimida pela dor, mais fortemente o meu brado subia ao Céu. Meu Jesus,
aceitai-me parte destes sofrimentos por tais intenções e nomeei-as; e o restante
aceitai-o Vós e espalhai-o pelo mundo, meu Jesus, a minha dor. Passou de 24
horas que eu assim sofri, a sós com Jesus sem com mais ninguém desabafar as
minhas mágoas. Por mais que me interrogassem, procurei disfarçar, nada disse;
calei, calei até não poder mais. Queria chorar, e não fui capaz; assim mais me
custava sofrer.
No dia 12, levantei
uma porta do véu que tanta dor encobria. Fui confortada e quiseram desiludir-me
que tal sofrimento não tinha o fim que eu lhe dava. Fiquei um pouco mais
libertada, mas sempre com o coração a sangrar. Tinha a alma e o corpo sem vida.
Passaram-se uma horas mais suaves. Depois então recebi o golpe que foi
realidade; não foi nada da minha imaginação. Longe de me revoltar, recebi-o,
abracei-o: oro e sofro por quem me fere. Perdoo como quero que Jesus me perdoe
as minhas culpas. O que eu não quero é ofendê-Lo nem deixar um momento de O
amar. Se me dessem, de preferência o amor de todas as criaturas, honras,
louvores e senhora do mundo inteiro e nunca mais ser escarnecida desesperada e
humilhada contanto que por um só momento eu deixasse de amar Jesus, eu dizia:
não, não, sempre não. Quero amar a Jesus sempre oprimida pela dor e humilhada,
sempre humilhada. Não posso dizer que o sofrimento não custa; mas é verdade que
esta vida passa e o amor de Jesus dura eternamente. Quero amá-Lo, quero amá-Lo.
Tenho sido rodeada por feras e bichos tão feios, tão desconhecidos! Não me
tocaram, mas temia tanto o seu veneno! E os demónios com rostos humanos,
feiíssimos, por entre elas; os olhos e os dentes causavam terror. Tive quatro
combates seguidos; parecia-me ver todo o inferno em mim e à minha frente;
ouvia-lhe os seus ruídos e estalos como de lenha verde. Parecia passar por mim
todo o fogo infernal. Não me foi possível, de um ataque ao outro, desprender-me
daquele inferno. Que cadeia com tão seguras prisões. Nos momentos mais
assustadores, quando mais eu temia ofender a Jesus, eu dizia: Jesus, Mãezinha, é
de alma e coração que Vos digo: dai-me o inferno se hei-de ofender-Vos; sou a
Vossa vítima. Pensava em fugir daquelas cadeias, mas não tinha força. Não queria
escutar as feias palavras do demónio, mas tinha que ouvi-las. O coração batia
fortemente e eu repetia: não quero pecar. Quando fui libertada, estava num banho
de suor. Acrescentei: meu Jesus, que este banho do meu suor seja para as almas
com banho de dor e fortaleza que as levem a arrepender-se e a quebrarem as
cadeias do pecado. E seja também um banho do Vosso perdão e amor. Sem eu querer,
senti em mim, por algum tempo, vontade de voltar a unir-me ao demónio. Só Jesus
sabe quanto isto para mim é doloroso. Tudo o que fica dito e não sei dizer tem
sido para esta pobre alma e corpo um contínuo Horto e Calvário. Durante esta
noite senti-me no Horto; lá sofri como se fosse despido e açoitado. Lá vi, lá
sofri como se fosse coroada de espinhos e com o corpo despedaçado pelos açoites,
levada à varanda de Pilatos. Vi a multidão do povo ouvi suas (…) tinha que ser
condenada à morte. A noite estava escura e serena, que não deixava mover uma só
folha das oliveiras, a não ser quando a dor tudo obrigava a tremer, à solidão e
a vir todo o abandono, mesmo até do Eterno Pai. E àquela hora onde estava a
Mãezinha? Quanto sofria Ela com a reparação e a despedida de Jesus! Ele, dentro
de mim, via e sofria a Sua dor, via onde Ela estava, via a distância que Os
separava. Que dor sem igual! E, hoje, sinto em meu coração a dureza dos
corações, que acompanhavam Jesus, pelas tristes ruas do calvário; nada os
comovia, nem o sangue de Jesus, nem o Seu santíssimo corpo ferido, nem ver o
amor com que Ele aceitou e levou a cruz, já quase moribundo. Ao terminar do
calvário, Jesus deu-me um profundo suspiro; e o Seu olhar moribundo, mas divino
levou a todos um olhar de convite, amor e perdão. Que olhar de tantos segredos
misteriosos! Quisesse ou não eu tinha que sentir e ver as graças abundantes que
davam aqueles olhares de Jesus; quisesse ou não quisesse, tive que sentir e ver
o calvário e todo o mundo a desprezá-las a deitá-las fora. É indizível a dor de
Jesus e a minha com a d’Ele; ver tantos sofrimentos inúteis, ver para tantos
nada valer a Sua paixão e morte. Senti dentro em meu peito o último suspiro de
Jesus: agonizei com Ele. Momentos depois, senti abrasar-se-me o coração;
parecia-me estar a nadar num mar de fogo. E logo me falou Jesus assim:
― Venho a ti, minha
filha, cheio de amor e compaixão; amor para te encher e compaixão pela tua dor,
por tanto te ver sofrer. Sofreste tu, Minha filha, mas não Eu. Repara; vês como
venho sem nenhum ferimento? Foi atingido o teu coração e não o Meu. Tem coragem,
Minha filha! Eu pedi-te dor, sempre dor, para espalhar pelo mundo, e foi ao
mundo que a estendi com a mistura do Meu divino amor. Pedi-te dor, sempre dor,
porque de muita dor necessito, para bem das almas, e muita dor via para te
darem. Coragem! Eu poderei dizer de ti o que disse: as portas do inferno não
prevalecerão contra mim, isto é, contra a Minha Igreja. E agora digo: a raiva
humana, que mais parece infernal, nada poderá contra a Minha divina causa.
Anima-te, esposa querida. Consentes em te pedir dor, sempre mais dor? Consentes
em seres imolada, a mais não poder ser? Peço-te consentimento, porque nada vale
a dor sem a generosidade, sem o teu querer, sem o teu amor. O mundo necessita de
tudo. Não deixeis, filha amada, morrerem as almas de fome. Aceitas?
― Já sabeis que
sim, meu Jesus; escusado é dizer-Vos que tudo aceito e sofro, por Vosso amor e
pelas almas. Sou a Vossa vítima. Mas pedis-me assim tanta dor; o que virá mais?
Eu já queria dizer-Vos, na última vez que falei convosco, o que me esperava,
pois achava que acentuáveis tanto a palavra dor, que tanto fazíeis penetrar em
mim, e que tudo isso queria dizer mais alguma coisa; mas não atreve a
perguntar-Vos nada.
― Compreendi tudo,
todos os teus desejos, mas nada te disse, para não te atemorizar.
― Dizei-me, meu
Jesus. E não serei eu uma iludida das Vossas coisas e nossa ilusão a iludir
tantos e mais ainda aos que me são tão queridos?
― Sossega, sossega,
Minha filha, confia no teu Jesus. Não é uma ilusão; é a realidade. Tu foste
cheia das maiores graças das maiores maravilhas do Senhor. Sossega, de ti quero
o sofrimento com o silêncio. E darei a minha luz, a luz do Espírito Santo
àqueles que precisam dela. Confia em Mim; todo o Céu se alegrou com a consolação
que Me deste, com a coragem do teu sofrer. A tua dor foi para as almas uma
primavera de flores. O teu heroísmo, o teu amor à cruz, pôs o Céu, a tua pátria
em festa. Entoaram, em Meu louvor, hinos jubilosos. Vou dar-te agora uma gota do
Meu sangue divino, para reparares as forças perdidas. Consumiste mais forças
nestes dias de sofrimento do que num ano dos trabalhos mais austeros de jejum, a
pão e água. Vem a mim; é fácil a operação.
Jesus abriu o Seu
divino lado e abriu também o meu; uniu os Nossos corações e logo deixou cair do
d’Ele no meu uma gotinha do Seu divino sangue. Senti logo o coração mais forte,
a dilatar-se. Jesus colocou um e outro no seu lugar; cerrou o Seu santíssimo
peito, cerrou também o meu, bafejou com o Seu bafo divino, deixou-o sem
cicatriz.
― Vai agora,
filhinha amada; vai sofrer, vai cheio do Meu divino amor; vai espalhá-lo pelo
mundo; leva a Minha graça, leva a Minha força. Tem coragem; nada temas. Jesus é
contigo; sempre contigo.
― Obrigada, meu
Jesus; só em Vós é que eu confio. Como gosto de dizer: Bendito seja Deus,
bendita seja a minha cruz. Voltei para os meus sofrimentos, a tudo ver
desenrolar à minha frente; tudo me causa pavor, nada queria escrever. Se não
fosse a minha oferta da noite de Natal ao Menino Jesus, mais nada escrevia;
ficava como se tido morresse. Assim quero só, quero sempre a vontade do meu
Senhor.
21 de Fevereiro de
1947 – (sexta-feira)
Se tenho Jesus é a
Mãezinha, não estou só. Que posso temer? Abraçada às Suas imagens, nas horas
mais dolorosas e mais aflitivas, é este o murmúrio do meu coração. Quanto mais
sofro e me sinto de todos abandonada; mais aperto contra o meu peito o crucifixo
e a querida Mãezinha, e vou-lhes segredando: tenho que confiar, não posso ser
abandonada por aqueles em quem só tenho confiado, a quem me entreguei
totalmente, alma e corpo e todo o ser. Jesus, Mãezinha, sou Vossa e Vós meus.
Morri para não mais viver; o mundo para mim não tem luz, não tem flores, não tem
encantos. Tudo dá louvor ao Senhor, todo o ser criado bendiz o seu Criador, só
eu não. Mergulhada nas trevas, nesta cegueira que me mergulhou e vejo o mundo
mergulhado, nada vejo que possa dar glória ao Senhor e louvor como criatura Sua.
Tudo é miséria e um mundo de podridão e desventuras. Quantas vezes sinto a
tentação de maldizer a minha sorte; não o tenho feito. Nos momentos de desânimo,
uma força inesperada me levanta e me obriga a confiar no Senhor. Espero um dia,
espero outro dia, sempre a ver quando chega um sacerdote, em quem eu possa
confiar e abrir a minha alma, para assim me poder guiar para Jesus e amparar,
nestes caminhos tão dolorosos e espinhosos. E não aparece ninguém; estou sozinha
nesta luta constante. Quero amar a Jesus e não O amo, nem sei como, não tenho
quem me ensine. Volto-me para S. José, peço-lhe do fundo da alma que seja ele o
meu mestre, o meu director e que por mim ame a Jesus e à Mãezinha e toda a
Santíssima Trindade. Estou esmagadíssima. Com tantas humilhações; nem posso
respirar. À volta de mim, tudo são montanhas com seus feios bosques, por entre
os quais tudo são feras aterradoras a correrem, a descerem para mim; querem
devorar-me; não há quem me defenda e possa salvar-me. Nada mais sei dizer; a não
ser: meu Jesus sou a Vossa vítima. E a mesma repetição faço todas as vezes que
sinto estes dolorosos punhais, as espadas afiadas lentamente a cortarem-me o
coração. Este corte tão fino e profundo faz-me, por vezes, arrepiar e
desfalecer. Amo o meu calvário com todos os sofrimentos que ele a mim conduz. E
parece que se deixasse de sofrer deixaria de amar. Quanto mais espremida, mais
me enlouqueço por Jesus, mais ânsias tenho de O amar. Mas, ó meu Deus, quanto
custa a dor!
Passou, ontem, o
primeiro aniversário da partida do meu Pai espiritual para a Baía. Recordei
todas as coisas e sofri mais, muito mais ainda, por ver que nem o seu desterro
acabou com as humilhações e injúrias para ele e para mim. E se eu não visse
alguém a sofrer por minha causa, se fosse só para mim a dor! Mas não; quantos se
imolam consigo, ao mesmo tempo! Ó Jesus, ó cruz, ó dor, como eu Vos quero amar.
Que esta visão de tantos sofrimentos e o peso tão esmagador seja para as almas
que vivem na treva do pecado, visão de luz, conforto e amor. Que este peso
mortal que eu sinto seja para elas o peso que lhes quebre as cadeias que as
prendem a Satanás.
O que foi o meu
Horto de ontem, no meio de tantos sofrimentos. Mas não bastavam; tive que sentir
os de Jesus. Ele veio sentar-se em meu coração e nele foi coroado de espinhos.
Apesar de O ter em mim, também eu tive a coragem de O ferir. Com uma vara nas
minhas próprias mãos, batia-Lhe e na Sua Sacrossanta cabeça mais se enterravam
os espinhos. Havia tanto quem Lhe fizesse o mesmo, mas toda a maldade se
reflectia em mim. O sangue que rebentava de todos os espinhos corria em meu
peito. Depois ficou Jesus, de mãos atadas, a receber açoites. Eu continuei com a
mesma maldade. Sem dó nem piedade despedaçava o Seu corpo divino. Aquelas cenas
não eram daquela hora; via-as um pouco afastadas, mas feriam como se fossem de
momento. Desfaleci, fiquei por terra, a derramar sangue com os lábios pousados
no solo duro.
Hoje, levada;
arrastada pela dor, tristeza e noite mais escura, cheguei ao cimo do calvário,
sem outra coisa ver e sentir, e logo fiquei na cruz cravada, de pés e mãos.
Principiei a sentir uns olhos, dentro em minha alma, olhos que não me
pertenciam, que penetravam no mais íntimo de todos os assistentes do Calvário.
Aqueles olhares tão altos viam naquele número toda a humanidade representada,
como aquela visão de maldade e crueldade. Jesus inclinou sobre o meu peito, que
era a cruz a Sua Sacrossanta cabeça. Palpitou o Seu divino coração aflitíssimo,
um profundo suspiro e estendeu ao longe; cerraram-se os Seus lábios, só os Seus
gemidos abafados eu sentia e acompanhava-O na Sua dolorosa agonia. De longe a
longe, quando a dor era mais aguda e os suspiros mais profundos, vinham aos Seus
lábios divinos escassas gotas de sangue. Nesta agonia sem igual que lição me deu
Jesus, para a minha dor e agonia de alma com o Seu silêncio. Se cá aprendesse à
Sua semelhança, a sofrer caladinha! Com o aumento da Sua agonia, mais cresceu em
mim o ódio; queria fazê-lo desaparecer de todos de todos os olhares humanos.
Odiava-O, e, ao mesmo tempo, na mesma dor, na mesma união, com Ele agonizava.
Pouco depois, um fogo ardente abrasou-me o coração e estendeu-se a todo o peito.
Logo depois falou-me Jesus:
― Sobe, Minha
filha, podes subir, elevada pelo amor até ao Meu trono divino. Sobe, Minha filha
e podes fazer subir muitas almas para a Pátria celeste com a tua dor, com o teu
amor. Tens duas escadas que chegam da terra ao Céu pelas quais constantemente,
noite e dia, sobem as almas; é a escada da dor e a do amor. Pela do amor, sobem
aquelas que, embora frias e tíbias, não viviam em estado grave e se deixaram
encher da abundância do amor, que de Mim recebeste. Pela da dor, sobem os
pecadores que a tua dor arrancou às garras do demónio e lhes obtive o perdão e a
graça. Como é belo vê-las subirem. Se pudesses vê-las! Cada alma é acompanhada
por um Anjo que sobe com ela à Pátria celeste. Eu quero-te, filha querida,
constantemente esmagada pelo sofrimento, não por te querer ver sofrer, mas
porque quero a tua alma pura, cândida, para voares da terra ao Céu, sem passares
no purgatório e dares-Me toda a glória e, pela alta missão que te dei,
altíssima, poderes salvar-Me as almas. Coragem, Minha filha. A dor é a arma mais
poderosa. Espalha-se a dor, espalha-se o amor pela humanidade, e, sem que tu
saibas nem sintas, vai penetrar e esconder-se nas almas, como fumo ou nuvem que
se espalha, como perfume que irradia e penetra.
― Meu Jesus, ó meu
Jesus; eu não quero a minha alma pura com o fim de não ir ao purgatório sofrer;
eu quero-a pura para Vos consolar, eu quero-a pura, porque não quero ferir-Vos,
eu quero-a pura para com a mesma pureza vos salvar as almas. É por isso que eu
sofro, é por isso que tudo aceito, meu Jesus. Mas custa-me tanto, tanto, meu
Jesus; vejo tudo perdido, vejo-me tão sozinha.
― Não estás só,
não, esposa querida: confia que estou contigo. O fim do teu sofrer, o fim da
pureza da tua alma maior glória Me dá, e maior número de almas atrais ao Meu
divino coração. Eu quero, eu anseio que, à tua escola, venham aprender os
grandes e sábios do mundo.
É nesta escola que
se aprendem as artes e ciências divinas. Diz, Minha filha, e confia que é Jesus
que to afirma: é a primeira escola e a última escola de tão grandes maravilhas.
― Ó meu Jesus,
sinto-me desfalecida, vejo tudo perdido. Acerca-me tão forte tempestade! Não
cessam os relâmpagos, não cessa o estrondo destruidor do trovão. Valei-me,
valei-me, Jesus.
― Sossega, sossega,
Minha filha. Os relâmpagos, são relâmpagos de amor; o eco estrondoso é voz de
convite para que venham a Mim todos. É sempre a tua dor, é sempre o teu amor.
Anima-te. A tempestade não destrói a Minha causa divina. Olha, são os braços do
teu Jesus que a sustentam. Eu guio a barquinha, em mar tão tempestuosos, e ela
chegará ao fim, ao porto de salvação. Tem coragem! Eu velo por ti. Eu sou o Pai
terníssimo, Esposo fiel, que não abandona a Sua esposa na mais dolorosa dor. E,
como prova do Meu cuidado por ti, vai mais uma vez correr em tuas veias uma gota
do Meu divino sangue. É a vida de que tu vives. Vou com ela substituir o que a
violência da dor, nestes dias te roubou.
No mesmo momento em
que Jesus dizia isto, uniu os nossos corações. O de Jesus cercavam-no raios
luminosos e parecia um centro de lindíssimas flores, com o mesmo brilho dourado.
Deixou cair o Seu sangue divino, e logo os separou. O meu dilatava-se e não
aguentava tanto amor.
― Vai, Minha filha,
mais forte, com a fortaleza divina; vai; leva contigo a força do Céu, o amor do
teu Jesus. Vai para a tua cruz, abraça-a. Eu te prometo: sempre que ao teu
peito, com tanto amor, abraçares o crucifixo, Eu chamarei e estreitarei ao Meu
coração um pecador. Coragem! O Céu está para breve, já te sorri.
― Queria ter
Convosco um desafio, Jesus, já que me falas do Céu, mas não tenho coragem, meu
Amor.
Jesus sorriu e
disse-me:
― Sei o que tu
queres, conheço tudo, podes desabafar e dizeres o que quiseres, mas não hoje;
fica para breves dias. Não posso demorar-Me; vai para a tua cruz, leva amor; vai
para a tua cruz, leva paz, leva alegria; vai para a tua missão, para a missão
das almas.
― Obrigada, meu
Jesus. Ficai comigo mesmo escondido; não me deixais sozinha.
28 de Fevereiro de
1947 – (sexta-feira)
O meu espírito tem
sido, nestes dias, um verdadeiro teatro representado por Satanás; tem trabalhado
bem. Tem-me atormentado tanto! Tem-me mostrado todas as falsidades, todos os
caminhos errados, tudo perdido. Pobre de mim, se Jesus, e a querida Mãezinha não
me amparam!
De manhãzinha, a
alegria, o trinado das avezinhas, a darem glória ao Senhor, é para mim motivo de
maior dor. Os seus gorgeios são golpes, que mais vem avivar as feridas da minha
alma. Oh! Como eu sinto todo o meu ser dilacerado! O aproximar-se da primavera
não é para mim de alegria, como para as avezinhas. Para mim, apresenta-se negra,
cada vez mais negra. As árvores a cobrirem-se de flores que nos fazem admirar o
poder de Deus e nos obrigam a prestar-Lhe o nosso culto de louvor por tantas
maravilhas, para mim são finos espinhos que me ferem, são flores murchas e
negras, são flores da morte. O que é que me alegra a alma? A vontade do Senhor.
Essa, sim, a vontade do meu Deus, dá-me alegria, por mais doloroso que seja o
meu martírio. Tantas quantas vezes sinto em meu coração, os punhais, as espadas
a cortarem-me finamente, eu abraço o meu crucifixo. E ao dizer-Lhe amo-Vos,
Jesus, repito-Lhe sempre: sou a Vossa vítima. Sim, e eu queria amar até à
loucura, quero amar o meu Jesus, sem o fim da recompensa do Céu. Não me
interessa o prémio que me dá Jesus; quero amá-Lo a Ele; só a Ele sobre tudo,
porque Ele é digno de amor. É o fim do meu viver, é o fim da minha dor Jesus e
as almas; mas é sempre Jesus, porque as almas a Ele pertencem.
A minha razão não
está conforme ao sentir da alma; a alma sente-se humilhada, sozinha, sem
ninguém, sem uma luz, sem um apoio, sem um conforto da terra e do Céu. Para a
alma não há amigos na terra; tudo morreu, e até o Céu deixou de existir. A
razão, sem se sentir alegre, mostra-lhe, quero provar-lhe que tudo isso tem; o
Céu que existe, Jesus e a Mãezinha que não lhes faltam na terra que ainda tem
amigos firmes ao seu lado. Que luta renhida que só causa a morte; a alma em
desarmonia com a razão! Meu Jesus! Sou a Vossa vítima; continuai a esvaziar-me,
Vós, só Vós a encher-me, isso me basta. Nas horas tristes deste viver, perdida
no meio do mar, arrastada pela violência das ondas sinto como se viesse alguém
que tem todo o poder sobre elas, a deitar-me as mãos; levanta-me e fica-se a
fitar-me com compaixão. Parece-me ser Jesus; poisado sobre as ondas, não se
mergulha nelas, não se molha, e não me deixa a mim ir ao fundo. A minha alma
fita os seus olhos naquele olhar terno, pede-lhe compaixão, é presa em Seus
braços, não quer desprender-se. Isto conforta-me por um pouco mas fica-me sempre
a dor vinda do temor. Ai de mim, se Jesus me deixa! Quando a tempestade é mais
desastrosa e as nuvens negras mais me escarnecem, para darem lugar a maiores
dúvidas, invoco o Divino Espírito Santo, peço luz ao Céu, principio por examinar
a minha consciência, e logo principia a minha alma como que a nadar num mar de
paz, uma paz sem consolação, mas paz que dá a vida e obriga a caminhar. E vou
seguindo por entre as trevas, na confiança de encontrar Jesus.
Na tardinha de
ontem, senti Jesus, sentado dentro em mim, cabeça inclinada, olhos baixos, quase
cerrados, a chorar amargamente. Este fitava, via coisas de grande destruição,
que Lhe causava grande amargura. Levantou-se em meu coração uma montanha
mundial; estava cheia de feras que se atiravam para ferir Jesus. Por entre
aquela montanha, nasceram grandes varas de espinhos que serviam de suplício para
o corpo Sacrossanto de Jesus. Pelos Seus divinos olhos e ouvidos principiaram a
sair gotas de sangue. Foi tal a dor do meu coração, que me parecia abrir-me o
peito, e ele, louco pela dor, sair para fora. Tinha momentos que não podia
respirar; quase perdia a vida. Repetiu-se depois., a cena do lava pés. Digo
repetir, porque já não foi a primeira vez. Vi Jesus com a toalha sobre os
ombros, bacia na mão, a lavá-los a Seus discípulos, incluindo aquele, que ia
entregá-Lo. Quero assemelhar-me a Jesus; quero, ainda que com muito custo pedir
sempre, sempre por aqueles que me ferem. Quem é Jesus, e quem sou eu? Como
sofreu Jesus, e como sofro eu? Pobre de mim, que miséria a minha; não sei
sofrer, não sei imitá-Lo!
Passei daqui, no
mesmo momento, ao Horto; lá fui sentir a cruz antecipada, o coração aberto; veio
para o Horto o Calvário. Vi uma massa de almas a desperdiçarem o Sangue de
Jesus, com os Seus sofrimentos, com a Sua morte. Vi algumas a aproveitarem de
tudo o que era de Jesus, de tudo o que era dor. Vi um que subiu acima de todos e
foi mesmo beber no sagrado lado, à chaga do Seu Divino Coração. O meu corpo foi
o palco, foi o Horto, a cruz; Jesus, à massa das almas que O desprezavam e as
que d’Ele se aproximavam. Hoje, quanto me custou a seguir o Calvário! Que
desfalecimento tão grande! Parecia-me caminhar mais de rasto do que de pé. De
passos a passos, caía. O meu corpo era um esqueleto descarnado, coberto de
sangue. Queria respirar e não podia, sentia como se me arrancassem o coração e
as entranhas. Cheguei ao cimo, vi sobre a terra a cruz, onde ia ser cravada, ao
lado o martelo e os cravos. Fui crucificada, erguida ao alto na cruz e fiquei
num negro cárcere sem saída; esse cárcere era um mar imenso de dor sem fim. Eu
só sentia a vida que vivia aquele sofrimento, aquela noite escura que me
mostrava tudo o que era dor, tudo o que era maldade. Ali sofri com Jesus, ali
senti os Seus suspiros, ali recebi em meus lábios a esponja. A minha sede era
outra, Não foi com a esponja saciada, a minha sede era do coração, era uma sede
indizível. Cresciam as muralhas daquele mar imenso, daquele mundo de dor, e, ali
presa, tive que agonizar. Ao voar de mim aquela vida que era a verdadeira vida
fiquei em completa liberdade, romperam-se aquelas negras muralhas e fiquei
outra. Principiou-me o coração a arder em vivas chamas e falou-me o meu Jesus.
― Minha filha, em
trono de Rei estou Eu em teu coração, e sou, na verdade, Rei e Senhor de todo o
teu ser. Sou teu esposo fiel, mas não estou só, está comigo o Pai, o Filho e o
Espírito Santo. Dizer-te a Nossa consolação, como estamos aqui deliciados com os
encantos, com as belezas de tão variadas flores, de perfumes atraentes é
escusado; só à vista clara da luz divina, da luz eterna, numa visão beatífica, o
poderás compreender. Fui Eu que rasguei, que rompi as muralhas, onde estavas
encerrada. O seu significado é aquele: quando pela Minha morte resgatei as
almas; resgatei-as do pecado, e deixei-as em plena liberdade de entrarem no Céu.
Há nos teus sentimentos de alma tantos significados, tantas lições que Eu queria
que aprendessem! São provas tão claras de em tudo te assemelhar a Mim. Tu na
continuação da Minha obra resgatadora com a tua dor rompes os cárceres, as
muralhas em que as almas estão presas pelo pecado. Como é poderoso o teu sofrer!
Como é bela a tua missão! Meu Jesus, dizeis muito bem, se eu soubesse sofrer,
com o Vosso poder, com a Vossa graça rompia tudo, tudo vencia. Mas, ai de mim,
estou sempre caída; não sofro com perfeição! Esmagada com o peso de tantas
humilhações e tanta dor, parece-me que quase ninguém me acredita. Mais uma vez
me entrego a Vós, para ser vítima em Vossas divinas mãos. E não querias tu,
Minha filha, sofrer tudo isto só para salvares uma só alma! E são tantas,
tantas; são milhares e milhões que salvas. Se soubesses como Me amas e como Me
fazes amado! Confia, acredita o Teu Jesus; e tens tanto quem te acredite! Eu
farei que vejam em te as Minhas riquezas e maravilhas. Eu farei que aqueles, que
te atormentam, venham a sentir em si horríveis remorsos.
― Meu Jesus,
perdoai a todos. Eu não Vos digo que eles Vos amem como eu Vos amo, mas sim como
desejo amar-Vos. Que todos se enlouqueçam por Vós, como eu queria
enlouquecer-me. Jesus, meu Amor, quanto mais Vos digo mais queria dizer-Vos,
mais ânsias tenho e amor, mais vazia me sinto, mais queria possuir-Vos. E não
vos amo, não Vos amo, meu Jesus.
― Amas, amas, Minha
louquinha. Não viste, quando, ontem, te conduzi ao Horto, aquela alma que subiu
acima de todas as almas, entrou em Meu lado e foi beber ao Meu Divino Coração?
Fui Eu que te quis mostrar; eras tu mesma. Não és igualada nem na dor, nem no
amor. Salvas com a dor, salvas com o amor. Tens em ti o poder de Jesus.
― Quanto me custa
isso, que me dizeis, só Vós o sabeis, Senhor. Eu não sou digna de tão grande
prova de amor; eu não sou digna que tanto baixásseis até mim... Eu bem senti,
meu Jesus, como se fosse eu mesma que subi e entrei, à frente de todas as almas,
mas não o disse quando há pouco ditei os sentimentos d’alma. Que vergonha, que
confusão; não pude dizê-lo! Como eu me sentia miserável!
― É assim mesmo,
esposa querida, pequenina, escondida, como a violeta entre a sua folhagem.
Quero-te pequenina, para mais brilhares entre a folhagem das minhas maravilhas.
Quanto mais pequenina, mais poderosa. Minha filha, tenho tantas almas em perigo.
O peso dos seus crimes levou ao fundo o prato da balança; se lhes não acodes,
caem no inferno. Queres salvá-las com a tua dor?
Vi Jesus com a
balança em Suas mãos divinas, um prato em baixo outro em cima, um com tudo outro
com nada. Bradei logo:
― Jesus, temo os
sofrimentos, mas quero-os. E o que virá ainda! Antecipai-me o valor do
sofrimento, como por vezes me antecipais a dor; colocai-o já sobre a balança;
sou a Vossa vítima, quero salvar as almas. O prato, que estava em cima, baixou
logo abaixo.
― Pronto, pronto;
heróica, heróica! Estão salvas, estão salvas. Que alegria para o Meu Coração de
Pai! Como Médico Divino da tua alma, vou dar-te uma gota do Meu sangue divino
para viveres, para dares vida, para resistires à dor. É rápida a operação.
Jesus abriu-me o
peito, e, já com o d’Ele aberto, tomou-o Seu Coração divino sem tocar no meu,
deixou cair a gota do Seu sangue. O fogo do meu coração aumentou; ele crescia,
dilatava-se por todo o peito.
― Vai, esposa
querida, vai para a tua cruz; leva este amor, leva este Sangue divino; é de
resgate, é de salvação. Tu, a nova redentora das almas, possuis em tuas veias o
Sangue do teu Redentor. Coragem! Leva a força, leva o amor do teu Senhor.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Sinto-me queimada por Vós. Sede a minha força.
1 de Março de 1947 – (1º sábado)
Hoje, a minha
preparação para receber a Jesus foi feita, na mais profunda dor, dor em que
fiquei mergulhada, ontem, pouco depois de ter com Ele o meu colóquio. Depressa
me apareceu a cruz com todos os seus espinhos e sofrimentos. Preparei-me na
ânsia de bem O receber, para melhor O conhecer, para mais O amar.
Todos os meus
esforços eu sentia serem baldados. Tudo o que nasce em mim morre, sem que eu
chegue a gozar deles a ver os seus encantos. A morte está sempre em mim, a
ceifar o que há de bom; só a minha miséria me deixa, e, momento a momento, cada
vez maior aparece. Triste cegueira que só me mostra maldades! Veio o meu Jesus;
logo que entrou em mim, dissipou as trevas; todo o meu interior ficou iluminado
com o Seu amor, com a Sua paz. Fiquei outra, agora bem podia dizer não sou que
vivo, mas sim Jesus. Falou-me:
― Minha filha, aqui
estou, aqui Me tens no teu coração, para te confortar, e dar vida. Escuta-Me,
quero dizer-te, quero afirmar-te que te amo e que Me amas; que estás na verdade
e que tudo fazes e sofres como Eu quero. Esta afirmação não é dos homens, é do
teu Esposo, do teu Jesus. Onde está a cruz, a cruz resignada, a cruz abraçada, a
cruz amada, está a verdade, está a vitória. Onde está a dor, está o amor. Eu
amo-te, tu amas-Me, confia em Mim. Tens a vida que te deu Jesus, tens a missão
que te deu Jesus; tens os teus lábios, em teus olhares, em todo o teu viver a
verdade. Coragem! Se tens a Jesus, o que te falta, que mais precisas? Diz-Me
agora, Minha filha, o que querias dizer-Me; desabafa comigo com toda a
simplicidade, como Eu contigo.
― Meu Jesus, bem
sabeis que me arrependi por dizer-Vos que queria desabafar Convosco; eu não
tenho querer nem vontade, mas já que me mandais, eu obedeço, meu Jesus. Tão bem
me falais do Céu e que ele está perto, e nunca cá chega? Nunca mais saio deste
desterro? Que vem a ser isto?
Jesus fitava-me e
sorria-se para mim, cheio de bondade.
― Julgas, Minha
filha, que és por Mim enganada? Bem sabes que te não engano. O que são as trevas
deste mundo em comparação da eternidade? Digo-te que o Céu se aproxima, digo-te
para te animar e dar conforto e digo-te, porque é verdade. Não se compara o
tempo que viveste, os sofrimentos que sofreste com o que te resta para viveres e
para sofreres. O Céu espera-te, sorri-te, está para breve. Conforta-te com as
palavras do teu Esposo e Jesus. O mesmo conforto quero dar ao teu Paizinho para
que ele resista às suas agonias, às suas angústias e dores. Quero confortá-lo,
para que não dê lugar ao demónio tentador. Diz-lhe que a sua vida fui Eu que lha
escolhi; diz-lhe que o criei para as almas e que ele as encaminha e conduz como
o Meu Divino Coração deseja. Diz-lhe que lhe quero e amo como as pupilas dos
Meus olhos. Diz-lhe que fiz da vida, a vida de um outro Cristo. Diz-lhe que Me
vejo a Mim nele e que é por isso que em tudo o assemelhei a Mim. Eu amo-o, Eu
amo-o. Diz ao teu médico que lhe abro o Meu Divino Coração e o faço depositário
de todo o Meu amor, de todas as Minhas graças para ele cooperar com elas e como
bom agricultor semeie para Eu colher. A glória é Minha: Dou-lhe a luz do
Espírito Santo para ele e para todos os que como ele cuidadosa e sinceramente
trabalham naquilo que Me pertence e é Meu. Vem, Minha bendita Mãe, toma-a em
teus braços, aceita-a, é nossa filhinha, conforta-a.
Jesus colocou-me
nos braços da Mãezinha, que estava à minha direita. Ela abraçou-me e com o Seu
Santíssimo rosto, unido ao meu, cobriu-me de carícias.
― Coragem, Minha
filha, esposa querida do Meu Jesus. A tua vida é de imolação, mas também é de
salvação. As almas salvam-se com o teu martírio; anima-te. Tu vences porque tens
contigo a graça e a força do Senhor. Eu não te falto com o Meu auxílio e a Minha
protecção. Leva as minhas graças, leva o Meu amor e carinho a todos os que te
são queridos que também o são Meus e do Meu Jesus; estão presos os nossos
Corações com os laços do mesmo amor.
Acrescentou Jesus:
― Vai, Minha filha,
vai para a tua cruz; toda a tua vida é cruz, toda a Minha vida na terra o foi
também. A nova redentora em tudo se assemelha ao Seu Redentor. Vai, leva paz e
leva amor; vai, leva alegria para abraçares todos os sofrimentos. O Céu está
alegre, rejubiloso. Coragem! Quanto mais Me possuíres, menos Me sentirás. Quanto
mais Me amares, mais em ti desaparecerão os efeitos do Meu divino amor. Quanta
mais luz de Mim receberes, mais escuridão, mais trevas te vão mergulhar. Quanto
mais quiseres esclarecer, menos saberás exprimir-te. Quanto mais rica e unida a
Mim estiveres, mais pobre e longe de Mim te encontrarás; tudo será noite, tudo
será noite. Coragem, coragem!
― Ó Jesus, ó
Mãezinha, muito obrigada pelo Vosso conforto, pelo Vosso carinho, pelo Vosso
amor. Quero ir para a cruz e tenho medo; ela só tem espinhos. Ai que medo, ai
que medo! Sede a minha força. Fazei que eu tudo aceite e tudo sofra, só por
amor.
7 de Março de 1947 – (sexta-feira)
As agonias,
tonturas e dores não cessam de consumir a minha alma e o meu corpo. O meu
crucifixo, Jesus, Jesus, a Mãezinha, são a minha força. Não me conheço; não sei
porque vivo nem para quem vivo. O meu fim, o meu único fim é Jesus, só Jesus.
Será assim? Será para Ele que eu vivo? Que vida amarga, tão cheia de incertezas!
O meu coração arde, e quantas vezes parece ser nas brasas mais vivas. O meu
coração anseia por amar, por se dar, por se esconder em Jesus, desaparecer por
completo ao mundo, para só Jesus viver; para só Jesus aparecer. Não vejo estas
ânsias realizarem-se, não sinto viver esta vida; só a miséria em mim aparece,
causa-me horror. Continuo a ver os sofrimentos que me causam a morte; é mesmo a
morte que eu vejo em todos os seus tormentos e dores. Tanta crueldade! Tantos
assassinos, cada qual com os seus horríveis sofrimentos para mim! E eu vou, ou
melhor, sinto que Alguém, dentro de mim, vai ao encontro de todos esses
assassinos, que povoam o mundo inteiro; com que ternura, com que amor lhes pede
para não ser ferido; com que bondade lhes estende os braços para a todos
abraçar, para a todos colocar em seu regaço como mansos cordeiros; com que
bondade lhes abre o Coração e os convida a entrarem n’Ele para ali viverem, para
ali morrerem. Finge não saber que eles O querem matar. Ah! Se eu possuísse esta
bondade, este amor! Ah! Se eu usasse assim para com os que me ferem! Ó meu Deus,
Ó meu Deus, se eu soubesse exprimir esta bondade: Bendito sejais; digo o que Vós
quereis; eu nada sei dizer; falai Vós, meu Jesus. Por vezes, parece que vejo em
mim, acima e em baixo de mim, o inferno aberto; quer-me engolir. As serpentes,
feras e negro fogo tentam engolir-me, tentam devorar-me. É um pavor, parece que
todo o mundo é inferno. Eu não fujo dele, e, se não me acodem, tenho de cair
nele. E, por vezes, com a visão deste martírio, vêm-me cheiros horrorosos;
cheiros que eu desconheço, podridões insuportáveis. Meu Jesus, sou a vossa
vítima; abraçada ao meu crucifixo, repito-Lhe a oferta; sou a vossa vítima,
quero salvar as almas. Não Vos largo mais, meu Jesus; abraçada a Vós, não corro
o perigo de cair no inferno. Fazei que comigo a Vós se abracem todas as almas.
Mãezinha, querida Mãezinha, não sou digna, sei que o não sou, de Vos chamar pelo
dulcíssimo nome de Mãe; valei-me, acudi-me, acudi ao mundo, acudi a todos os
filhos Vossos e fazei com que eu prove, com a minha vida perfeita e o meu amor a
Jesus, ser Vossa filha. Escondei-me, ajudai-me a desaparecer, a perder-me em
Jesus, a ser louca por Jesus. Temos as trevas, tremo com a cegueira, tudo me
escurece o meu espírito, toda me mergulho nelas. Estou vazia, vazia de tudo, sem
ter que me encha e sem ter ninguém por mim. As humilhações parecem ferir-me o
corpo e desfazer-me a alma. Tudo quero, tudo aceito, todos os sofrimentos me
lembram Jesus, todos os sofrimentos me provam neles a existência de Jesus. O
amor de Jesus, o amor de Jesus. Quem não há-de sofrer, quem não há-de amá-Lo! Ó
minha cruz, ó minha cruz, eu não te troco nem pela terra nem pelo Céu; em ti
vejo Jesus a quem só quero, a quem só amo. Não posso abafar, por mais tempo, os
sofrimentos, as ânsias que há semanas me atormentam novamente. Eu não sei o que
quero do Santo Padre. Temo-o como temo toda a gente, mas quero lançar-me a seus
pés, quero ouvir-lhe um som, quero receber dele alguma coisa. Sofro, oro, amo-o
como Pai extremoso, e como filha quero ser por ele aceite e dele alguma coisa
receber.
Ontem, pouco depois
do meio-dia, vi um mundo de sofrimentos, senti um mundo de pavor, um mundo que
me dava a morte. E uma voz dentro em mim, murmurava: vou morrer. Horas depois,
senti e vi como se o sol se metesse por debaixo de uma grande montanha, montanha
que era um rochedo fechado. Esse sol movia-a e removia-a e fez com que ela se
destruísse ficando em cinzas, em nada. Os habitantes, que a rodeavam,
desapareceram já de noite, caí no Horto, naquele solo duro; ali sofri as maiores
dores e amarguras naquela noite escura. Num rápido momento, dentro em meu peito
de dor, abria-se um coração que não era o meu; abriu-se e deu todo o sangue no
qual ficou o meu corpo mergulhado, nadava nele e nele se purificava. Hoje, logo
de manhã, coroada de espinhos, com a cruz aos ombros, sem forças e com todo o
corpo chagado, arrastado, obrigada a caminhar apressada, seguia o caminho do
Calvário. O Céu não me poupou com o peso da sua justiça. Senti como se a abóbada
do firmamento, coberto de nuvens, caísse sobre mim a esmagar-me contra o chão
duro. Jesus dentro em mim, tudo suportava e recebia com doçura e amor. O peso
esmagador, os Seus Divinos olhos para o mundo cerrados, ou quase cerrados iam
abertos para Seu Eterno Pai. Eu sentia que Ele não deixava de os fitar Nele e
Dele se separava. A chuva de chicotadas e pontapés, murmurava sempre o Seu
Divino Coração: Eu amo-Vos, eu amo-Vos e vou morrer por Vós. Ao terminar a
montanha, sentia-me desfalecer e morrer, ao mesmo tempo que sentia a
tranquilidade, a paz e amor de Jesus que era a tranquilidade e paz ainda só de
um Deus.
No alto da cruz
fiquei a sentir a Sua Sacrossanta Cabeça em meu peito inclinada. Estava tão
ferida, e os seus espinhos feriram-me também o coração e a alma! A dor de tais
feridas tirava-me a vida a todo o corpo. E assim agonizava, unida a Jesus. Nesta
união entreguei com Ele o espírito ao Eterno Pai. Momentos antes de Jesus
expirar, eu sentia como se dos Seus lábios divinos voassem para o Eterno Pai
ósculos do mais puro amor. Como Jesus amou as nossas almas no meio de tão grande
sofrimento, de tão pesada cruz. Só eu não sei imitá-Lo. Momentos depois de
sentir ter expirado, Ele chamou-me:
― Minha filha,
Minha filha, escuta o teu Jesus. Vem, esposa amada, vem, esposa querida;
convido-te a entrares em Meu Divino Coração; vem abrasar-te, vem alimentar-te,
vem consumir-te neste fogo divino. Entra, demora aqui, quero-te mergulhada em
amor. Serás a louca das loucas do amor divino. Demora-te aqui, toma este
alimento divino que dá vida à tua alma. Viverás na dor e no amor, e na dor e no
amor morrerás. Terás o amor na proporção da dor. Assim como não és igualada na
dor, também o não serás no amor. Subirás, subirás, elevar-te-ás às alturas.
Serás queimada, serás consumida nas chamas do Meu amor divino, serás à
semelhança da borboleta queimada nestas chamas; nelas darás a vida. Eu farei que
o Meu amor transpareça em ti; ele será conhecido e visto em todo o teu ser como
num espelho cristalino. O Meu divino amor em ti será atraente; farei que atraiam
as tuas palavras; os teus olhares, os teus sorrisos, todo o teu ser. És de dor,
és de amor, és de salvação para as almas. Dou-te amor, peço-te dor, sei que não
ma negas; sofre com alegria. Coragem sempre; as almas necessitam do teu sofrer.
Ao convite de Jesus
para o Seu Divino Coração, eu entrei, e, dentro dele fechada, fiquei como que a
nadar num mar de fogo. Jesus continuou a dizer-me:
― Sacia, sacia,
Minha filha, a tua fome; é o Meu amor que dá a vida, alimenta a tua alma e
suaviza também a dor do teu corpo.
Os Anjos desceram
do Céu, e, em turnos, assistem a verem dar-te este alimento divino. Escuta-os.
Calou-se Jesus, e principiei a ouvir uns toques harmoniosos e arrebatadores, com
misturas de vozes tão doces, que na terra não conheço. Cantavam:
Vida divina, vida
de amor,
Manjar celeste do Rei de amor.
Fogo divino, vinde
do Céu,
Manjar celeste do bom Jesus;
Fogo divino, vida das almas,
Força invencível da sua cruz.
Glória, glória!
Glória ao Senhor
que é nosso Rei e Criador!
Cessou a música,
cessou o canto, e eu ainda dentro do Coração divino de Jesus. Vi os Anjos, aos
bandos como de andorinhas, a subirem, a baterem as suas asinhas brancas. Jesus
abriu o Seu divino Coração, fez que eu saísse Dele e, sem se separar de mim,
disse-me:
― Vou dar-te uma
gota do Meu divino Sangue para alimento do teu corpo; não deixarei de to dar,
enquanto que não deixar de te pedir a dor, o que não deixarei de te pedir a dor,
o que não deixarei de te pedir, enquanto viveres na terra.
Jesus abriu num
rápido momento, o meu peito; dentro do coração, deitou uma só gota do Seu Sangue
divino. O coração principiou a dilatar-se, e Jesus, muito apressado, cerrou a
abertura, passou por cima as Suas divinas mãos e bafejou-o com os Seus lábios.
― Vai, Minha filha,
leva a minha vida, leva o Meu amor. Confia, confia que Me amas; estás cheia de
Mim. A tua morte ‘e vida, a tua cegueira é luz, o teu vazio é o sinal, é a prova
mais clara de que de Mim estás cheia, toda cheia, que só de Mim vives, que só a
Mim pertences, que só a Mim amas. Vai, Minha filha; vai dizer que Jesus é muito
ofendido, que a malícia humana não pode aumentar mais. Vai dizer que Jesus,
pelos lábios da Sua vítima mais amada, pede a oração, pede reparação, pede
penitência; e sobretudo pede pureza, pede amor. Vai, filha querida, para a tua
amargura, para a tua cruz; vai com alegria, vai confiada, que contigo está
sempre o teu Jesus. Coragem, coragem!
Já lá vão umas
horas; o coração queima-me, estende os seus ardores a todo o peito, mas já o
sinto cercado de espinhos e todo meu espírito mergulhado em cegueira. Bendita
seja para sempre a minha cruz.
14 de Março de
1947 – (sexta-feira)
Não me tenho
conhecido, e, e de dia para dia mais se apaga a luz do meu espírito e menos me
conheço. Não me compreendo, ó meu Jesus; o que será de mim! Eu já morri; tudo em
mim desapareceu com a morte, só a minha miséria ficou, só as maldades que me
causam vergonha e nojo aparecem. Não sei porquê e não sei quem fez que outra
morte corra para mim; sinto-a e vejo-a vir para mim, depois de ter morrido e
desaparecido. Sinto como se o meu pobre corpo todo se desfizesse pela dor;
parece que a lepra do pecado a mói; todo ele é pó e sangue. O meu crucifixo, o
meu crucifixo é o companheiro dos meus braços, não posso separar-me dele. É
Jesus, é a Mãezinha a força do meu sofrer. Eu não me contento em frequentes
vezes renovar-lhes a oferta de vítima, dizer-lhes que Os amo; que lhes pertenço,
que sou Deles. Quero mais, muito mais,, sempre mais e é esse mais que eu não
tenho. Como hei-de pertencer-Lhes, se não existo; como hei-de amá-Los se não
tenho amor; como hei-de dar-Lhes mais se não tenho esse mais! Caio no desalento,
morro de fome e sede. Quero Jesus e não O encontro, quero ter que Lhe dar e nada
posso. Meu Deus, meus Deus, que dor de morte! O meu coração está sempre aberto;
sinto-o, dia e noite, sangrar; sinto os punhais e espadas que me cortam; que
cortar finíssimo, que dor tão aguda! Quanto mais me ofereço a Jesus mais vezes
Lhe digo: Meu Amor, sou a Vossa vítima.
Pobre de mim,
mergulhei ao fundo do mar; toda a água desse mar imenso é dor; estou perdida;
estou no fundo; mas oiço a tempestade furiosa, destruidora, que passa pelas
ondas na superfície das águas. Quem poderá valer-me? Quem poderá salvar-me? Quem
poderá salvar-me? Só o Céu, só o Céu. Sinto todo o mundo em desordem, a
perde-se. Sinto a grande necessidade de me purificar, de ser pura, pura,
santificar-me, para poder acudir ao mundo, para o salvar. E não aumento na
graça, nem na virtude; não dou um passo para a minha santificação; não sei viver
a vida do Céu, não sei seguir o meu Jesus, não vejo para caminhar pelos Seus
caminhos. Mesmo assim, a minha alma tem paz; e digo a Jesus: ou amar ou sofrer,
ou então morrer. Eu gozo na dor, mas é gozo sem conforto; mas quero sofrer para
consolar Jesus, quero sofrer para Lhe dar almas, quero sofrer abraçada à cruz, à
cruz das humilhações, das calúnias, à cruz de toda a dor e martírio. Sinto-me
esmagadíssima, mas é por Jesus, só por Jesus que me deixo esmagar. Não sou
compreendida? Deixá-lo. Ele compreende e vê o meu coração. Sinto-me apavorada
com o aproximar-se da Primavera, de flores de martírio, de flores de espinhos
para a minha alma; mas quero abraçá-las; em tudo o que é dor eu vejo Jesus.
O demónio, o
maldito demónio não perde ocasião nem tempo; quer levar-me ao desespero e a
ansiar pelas consolações, gozos e alegrias. Tenta pôr-me ódio ao sofrimento,
encher-me de dúvidas, e mostra-me a minha vida perdida. O que seria de mim, se,
por um só momento, Jesus me abandonasse, e perdesse a confiança Nele. Que luta
sem fim; que luta tão só; que luta tão cheia de medos de tudo e de todos. Ó
Jesus, avós me entrego, para ser sempre Vossa vítima. Quando me vêm novas
contrariedades, novos espinhos, mais dou a Jesus os meus abraços, beijos e
carícias. É um dar sem dar, é um viver sem viver. Seja pelo Seu amor.
Na tarde de ontem,
o meu coração sentiu, a minha alma viu uma lança que o feria, que o trespassava,
e todas as mãos humanas opunham violência a essa lança para ela mais
violentamente o ferir e o coração mais sangrar. Assim segui o caminho do Horto,
ainda mais com a dor da separação de Jesus e da Mãezinha. Se soubesse dizer o
que sofreram aqueles dois Corações com aquela separação, ao saberem, um e outro
o que iam sofrer! Eles separam-se, mas a dor e o amor ficaram em união um com o
outro. Naquele Horto triste, foi o meu corpo que serviu de cálice cheio de
amargura para apresentar a Jesus, e foi ele ainda que lhe serviu de cruz para o
Seu corpo divino, e, dentro em mim, Ele encheu o cálice do Seu preciosíssimo
Sangue, sangue que corria do Seu coração aberto. Depois disto, senti no meu
rosto o rosto de Jesus, a suar sangue, e sentia-O inclinar-se sobre mim,
desfalecido na Sua tormentosa agonia.
Hoje subi o
Calvário, desfalecida, abrasada em sede. O meu corpo maltratado morria, mas a
sede do coração, a sede de morrer, a sede de abrir o Céu, para fazer aparecer e
brilhar o sol nas almas, sabia, aumentava, vivia mais, quanto mais se aproximava
o Calvário e o momento de dar a vida; sede insuportável, sede indizível, sede
que não era minha. E foi no Calvário esta sede até ao último momento a vida de
todo o meu sofrer. Com o rasgar das chagas sentia os nervos encolherem-se, o
corpo gelar, os olhos cerrarem-se e a cabeça inclinar-se; estava moribunda, ou
para dizer melhor, estava moribundo Jesus. E foi ainda a mesma sede que revestiu
de vida o Seu brado e o fez subir ao Pai. Nos últimos momentos de vida, dos
olhos moribundos de Jesus brotaram ainda algumas lágrimas, por sentir e ver os
últimos impulsos e crueldades feitas pelos homens, pela maldade humana, ao Seu
Santíssimo Corpo agonizante. A sede do Seu divino Coração avivou mais, voou ao
alto, ia a entrar no Céu ao encontro do Pai, enquanto o corpo morria. Que sede
ardente, mas tão doce era a de Jesus!...Eu com Ele tive sede, com Ele subi, com
Ele expirei. Ele expirou, para pouco depois viver e fazer-me viver a mim e
falar-me:
― Minha filha, vem,
vem, entra; está aberto, de par em par, o Meu Divino Coração; entra, não temas o
fogo que o cerca; é amor que vivifica, é amor no qual eu quero purificar o teu,
é amor que te dá a vida. Entra; vem alimentar a tua alma, enfraquecida pelo
sofrimento; vem, descansa em Mim, suaviza a dor do teu corpo.
Jesus estava com o
Seu divino Coração aberto, à volta Dele tudo eram chamas, parecia um jardim de
doiradas flores. Entrei, Jesus inclinou-me a Ele e disse:
― Descansa,
descansa, alimenta-te deste amor divino, é o Meu amor, a vida de que vives, a
vida que quero que dês às almas. O médico divino vela sempre pela Sua vítima.
Quantas vezes vires descerem pata ti os raios que têm descido, confia, é o amor,
são raios de amor que saem da chaga do Meu divino Coração e vêm penetrar no teu.
É o alimento que te dou, quando te vejo no desfalecimento, mergulhada no mar da
tua dor. Confia, confia, não é ilusão tua, não te enganas. Eu virei a ti com
esta medicina, com este fogo divino, frequentes vezes. Assim como o teu martírio
tem toda a variedade de dores, também Eu procuro, na Minha Ciência divina, toda
a variedade de conforto para te aliviar. Ó meu Jesus, eu não falei nos raios que
a mim vi descer com receio de me enganar, de ser uma ilusão minha. Que medo eu
tenho! Prometi, esposa querida não te deixar enganar; não falto à minha promessa
divina, confia. Ó meu Jesus, é tal o medo que tenho de me enganar, que mal posso
resistir ao aproximar-se a sexta-feira e a hora a que me falais; e a dor, que
nasce daqui, continua mesmo quando estou convosco; porque é meu Jesus? Não te
disse Eu, esposa querida, que seriam dolorosos os teus colóquios? Assim ferida,
nadando no Meu divino amor, não sentes consolação; fica essa para Mim, toda para
Mim. E não queres tu consolar-Me? Não queres tu reparar o Meu oração ultrajado?
Vê em que estado me põem os pecadores.
Saí fora do Coração
de Jesus, e vi-o despido da sua beleza, todo ferido, todo em sangue, a tremer e
chorar. Que ternura senti por Jesus; disse-Lhe logo:
― Aceitai o meu
pobre coração, para nele descansardes; aceitai todos os meus sofrimentos, nenhum
valor têm, mas revesti-os de Vós, quero com o que é Vosso revestir-Vos da Vossa
beleza, enxugar-Vos as lágrimas, sarar-Vos as Vossas feridas. Sou sempre a Vossa
Vítima Jesus.
Enquanto que dizia
isto, sentia como se abraçasse, beijasse, acariciasse Jesus e Lhe enxugasse as
lágrimas.
― Não choreis,
Jesus; eu amo-Vos; eu quero sofrer e quero reparar.
No mesmo momento,
vi-O revestido da Sua beleza; já era o mesmo Jesus.
― Dás-me então,
Minha filha, o que tanto te custa dar-Me e a Mim custa pedir-te? Dás-Me nos dias
que vão seguir-se alguns ataques violentíssimos do demónio? Os pecadores vão às
minhas prisões de amor receberem-Me, e dentro deles sou apunhalado, assassinado.
Passo pelas suas línguas de fogo infernal, e, dentro das suas imundas prisões,
sou morto. Dá-Me reparação, dá-Me dor, toda a dor, se não Me queres ver sofrer e
se não queres que as almas caiam no inferno. Dou-Vos tudo, tudo, meu Jesus. E
Vós prometeis-me toda a Vossa graça e força? Eu não te falto. Vai então; fala do
Meu divino amor, da minha misericórdia e perdão. Mas antes de Me esconder, quero
dar-te uma gota do Meu Sangue divino; sem ele não poderás viver, nem resistir a
tão doloroso martírio.
Tomou Jesus o Seu
divino coração; pelo centro saía tão grande labareda, que toda me rodeava, me
embebia nela. Por entre o fogo caiu no meu coração a gotinha do sangue do de
Jesus. Com o sangue e o fogo o coração crescia, crescia, parecia rebentar-me.
Jesus veio logo, pôs termo a tudo, com o Seu cuidado, com as Suas santíssimas
mãos. O fogo continuou a abrasar-me; mas o coração deixou de dilatar-se.
― Sem um milagre
divino não aguentavas com tal força de amor, nem com o sangue que te corre pelas
veias que é o Sangue de Cristo. Vai agora falar das Minhas maravilhas, dos
tesouros que em ti estão enterrados; vai dar às almas este amor, a vida que
recebes de Mim; vai dar tudo com as tuas muitas virtudes, com as mais altas
virtudes. Eu sou Rei, e no trono da Minha rainha deposito tudo o que é Meu. Vai,
lírio casto, pomba branca, espalhar pelo mundo o teu perfume, a tua alvura. Vai
pedir-lhe, vai lembrar-lhe que Jesus pede oração e penitência, o amor, a pureza
da vida. Vai, Minha filha, tem coragem, nada temas, confia em Mim. Vai confiada
que é Minha a vitória, é Meu o triunfo. Coragem, coragem!
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
21 de Março de
1947 – (sexta-feira)
Temo-me, temo-me;
tenho medo de mim mesma; tenho medo de viver no mundo. Eu vejo-o tão cruel para
mim. Todos me ferem, todos tentam tirar-me a vida, é uma revolta universal;
todos contra um, isto é, todos contra mim, é o que sinto. Os seus maus-tratos, a
sua crueldade fere-me tanto; reduz o meu corpo a uma massa de sangue. Sinto em
mim; não sei dizer, não sei se me exprimo bem, duas naturezas uma viva outra
morta. A morta é esta massa de sangue, e foi a crueldade do mundo que a causou.
A que vive é imortal, resiste a tudo, é uma vida superior; por mais que o mundo
empregue as suas crueldades e maldades, nunca lhe tirará a vida, nunca a fará
desaparecer. Mas, ó meu Deus, que luta dentro de mim. Esta vida opõe-se contra
tantas maldades, que não aceita esta morte tão cruel do corpo, e prepara-se para
a chamar e pedir rigorosas contas. Eu olho para esta morte, para este corpo
desfeito em lepra, para esta massa em sangue e revolto-me contra mim mesma, não
posso ver-me. Fui eu e só eu a causadora de tanto mal. Jesus, Jesus; sou a Vossa
vítima; seja por Vosso amor toda a variedade destes sofrimentos. Vede tudo que
em mim se passa, e dai-me a Vossa força.
Vi por duas vezes
passar Jesus, à minha frente, como se fosse por um caminho com um grande madeiro
aos ombros; ia curvado com o seu peso e tão desfigurado, que mal parecia Jesus.
Ele inclinou para mim o Seu Santíssimo rosto mas nada me disse, e eu nada soube
dizer-Lhe; não soube provar-Lhe o meu amor nem consolá-Lo. Disse-Lhe: sou a
Vossa vítima, mas foi bem pouco para quem tanto sofria. No sentir da minha alma,
nada Lhe disse, nada fiz por Ele; sofri e sofro por nada consolar Jesus, a quem
só quero amor. Quando sinto os punhais e espadas cortarem-me o coração, queria
saber falar a Jesus, dizer-Lhe muitas coisas lindas e não sei; abraço o
crucifixo contra o meu peito, renovo a oferta de vítima, digo-Lhe que O amo, que
quero sofrer eu, para não sofrer Ele, e fico na dor de não O saber consolar,
quando Ele tanto está a sofrer. Poucas vezes, vi descerem sobre mim os raios de
amor do Seu divino Coração; quando eles desceram e penetraram em mim, fiquei
mais forte e com mais coragem, por algum tempo.
Tive três combates
com o demónio, todos a seguir, na mesma noite. Talvez uma hora antes de se
travar o primeiro combate, a minha alma viu todo o inferno contra ela, estava
aberto para lá receber o meu corpo; eu estava à boca dele, e a cada momento
parecia lá cair. Senti grande revolta, juntamente com grande pavor. Apesar
disse, não evitei o pecado; queria satisfazer as minhas paixões. Travou-se a
luta, três vezes seguidas, quase sem parar. Eu não me esforcei por defender-me,
ou sentir não me esforçar. O demónio falava pouco, toda a maldade era minha.
Poucas vezes invoquei os nomes de Jesus e da Mãezinha e lhes disse que era a Sua
vítima; não me lembrava; o pecado era a minha loucura. Ao terminar fiquei
novamente nas garras do demónio, na boca do inferno; não tinha arrependimento,
sentia grande revolta, queria matar-me a mim mesma, e não saia da boca infernal,
nem do perigo de lá cair. Sentia e ouvia estalos, como lenha verde, e por mim
pareciam passarem as labaredas e o fumo negro. Depois disto, queria beijar Jesus
crucificado e essa querida Mãezinha e não tinha coragem; a vergonha não me
permitia beijá-Los nem abraçá-Los; só com grande esforço o pude conseguir.
Depois, fiquei com a alma e o corpo num doloroso martírio.
O dia de S. José
passei-o mais aliviada dos sofrimentos da alma; não senti gozo nem alegria, mas
sim suavidade. Ao cair da tarde veio de novo a noite escura, as amarguras e
agonias da alma. Sofri por não ter sofrido e abraçado Jesus dizia-Lhe: não soube
amar-Vos nem ter para Vós carinhos; parece que hoje não vivi; meu Jesus,
sinto-me como se hoje não estivesse no mundo; não posso viver sem a dor da alma
e do corpo; se ma tirais, não sei viver, não posso estar aqui. Ó Jesus, ó Jesus,
junto a Vós abraço a minha cruz com todo o meu sofrer, não me tireis a dor,
dai-me conforto; só a dor é a vida e a alegria dos meus dias. Sou Vossa, ó
Jesus, sou a Vossa vítima.
Na tarde de ontem,
sentia torcer-se e espremer-se a minha alma. Num rápido momento, senti que o meu
coração se sentia em dois pedaços; um ficou a ser o Coração de Jesus e outro o
da Mãezinha. O de Jesus segui para o Horto dentro de mim; o da Mãezinha ficou
desfeito em dor e em lágrimas, só o amor foi a acompanhar Jesus. Como eu sofri,
ao ver na dor que ficou o da Mãezinha! Caminhando sempre, sempre fiquei unida
àquela dor, e, na mesma união de dor, ficou Jesus. No Horto, senti ao meu
pescoço grossas cordas que mo apertaram e cortaram; até quase nele ficarem
escondidas; por elas foi o meu rosto levado ao chão e nele ferida e pisado. De
lá vi, ao longe, uma árvore, na qual estava dependurado Judas; dela o vi cair ao
solo, rebentar, e, no mesmo solo, se espalhar o que o corpo dele continha. Foi a
venda, a entrada de Jesus, o beijo traiçoeiro que o levou àquele acto, àquele
desespero. Tudo senti na minha alma, como senti o amor de Jesus, a enfrentar
toda aquela maldade. Que indizível ternura, amor e compaixão! Com tal visão foi
tão espremido o Coração divino Jesus, foi tal a Sua amargura, que encheu o
cálice; transbordava fora; o Seu sangue divino corria pelo Horto.
Hoje passei todo o
caminho do Calvário, sem nele aparecer um raiozinho de luz. Caminhei revestida
de toda a maldade humana. De um e outro lado, surgiam rancores, almas sem dó nem
piedade de mim; fitavam com ódio e desespero. Era tal a sede de amor por todo o
sofrimento, que de amor se formava como que um canal que toda a dor recebia e
toda a maldade fazia desaparecer. No alto da cruz, este canal de amor continuou
e tudo absorveu para si; parecia ter braços que abraçavam.
As chagas
rasgavam-se, os nervos encolhiam-se, e eu morria de cansaço e de dor. O meu
brado de agonia mal se ouvia no Calvário; a fortes impulsos do coração eu subia
ao Céu. No calvário tudo passava despercebido; o brado moribundo já não passava
pelos ouvidos nem penetrava nos corações. Com a violência da dor e o impulso do
coração, ele foi subindo, mas o Céu tão fechado e com nuvens tão negras pareceu
não o receber, rejeitá-lo também. Eu agonizei e de mim voou a vida que o foi
abrir. Pouco tempo depois, caiu sobre mim uma chuva d fogo, a qual me abrasou
tanto que não podia resistir. Mas logo acudiu Jesus, deu-me a Sua força divina e
disse-me:
― Minha filha,
Minha filha, a ti veio o Meu amor, a ti desci com todo o Meu fogo divino, em ti
vivo com todo o amor, porque com todo o amor por ti sou amado. Amas-Me, quando
choras, quando sorris; amas-Me na dor e na alegria, amas-Me no silêncio ou
falando, amas-Me em tudo; dia e noite, sobem ao Céu, em cada momento, os teus
sofrimentos, o teu amor. Estou no teu coração como num braseiro do maior fogo,
das mais vivas chamas. Amas-Me; amas-Me; confia em Mim. Dou-te as ânsias de
amor, faço-te sentir que não Me amas, para que por ti as almas anseiem amar-Me e
conheçam que não Me amam. Diz, Minha filha, diz que é um queixume de Jesus, que
é muito pequenino o número das almas que Me amam com verdadeiro amor, com amor
puro. E tantas que não é por Me ofenderem gravemente, mas estão como insectos
sem pernas e sem asas, que, só rolando, mal saem do seu lugar; e assim vivem e
assim morrem.
― Ó meu Jesus, a
esse número pertenço eu também; tende dó de mim, vede a sede que tenho de Vos
amar, vede que quero voar para Vós e só para Vós quero viver. Mas sei Jesus que
estas ânsias, estes desejos não me pertenciam, nascem de Vós, em mim só miséria
aparece.
― Assim é, Minha
filha; mas tu cooperaste com a Minha graça, deixaste-Me trabalhar; acendi em ti
o fogo, e foi como por rastilho rapidamente, e aqui estás neste Calvário, como
bomba sempre a explodir. Aqui te coloquei para a dor e para o amor. Espalha,
espalha, infunde nas almas o Meu amor e dá-Me com alegria a tua dor que é dor de
salvação. Estiveste Minha filha, sobre o inferno; foi para te mostrar no perigo
que estão os pecadores, o maior número das almas que existem na humanidade; não
se arrependem, não deixam o pecado. Eu continuarei a pedir sempre o teu
sofrimento; serei como um mendigo, que não cessa de pedir. Quero que digas,
Minha filha, que Meu Eterno Pai espera bem pouco tempo pela reconciliação do
mundo, pela vida pura de oração e penitência dos homens. Ai dele, pobre mundo,
se depressa não vem a Mim e deixa seus crimes. Em breve, muito em breve será
castigado. Acode-lhe, acode-lhe, esposa querida; vê que são Meus filhos.
Jesus dizia isto e
chorava.
― Meu Jesus, são
Vossos filhos e filhos do Vosso sangue divino, mas se o meu sofrimento os pode
salvar, aqui me tendes, Jesus; dai-me o que quiserdes e não quero que me peçais.
Sou a Vossa vítima, quero a Vossa força e graça. E não choreis.
Jesus deixou de
chorar e disse-me:
― Quero que sofras,
vítima inocente, mas quero pedir-te o sofrimento; com isso dou lição ao mundo;
um Deus pedir a uma criatura Sua para lhe salvar os Seus filhos.
― Meu Jesus; e os
meus sofrimentos nada valem, se o mundo for castigado?
― Valem, valem,
filha amada; as almas são salvas mas salvas pela tua dor e não pelos seus
merecimentos; são salvas à força, não Me dão a glória que deviam dar; mas são
salvas, vão amar-Me eternamente, embora em lugar mais baixo, pela falta dos seus
merecimentos. Dá-Me dor, dá-Me dor, Minha filha. Para ma dares com mais força e
coragem dou-te Eu a ti a vida de que tu vives, a vida da tua dor, uma gota do
Meu Sangue divino.
Dito isto, logo em
Suas divinas mãos vi o Seu Coração abrasado em labaredas de fogo; por entre elas
caiu no meu a gotinha do Seu preciosíssimo Sangue. O meu coração logo se dilatou
e ficou ofegante. A força, com que palpitava, fez correr em todas as minhas
veias aquele Sangue. Foi o que eu senti, e Jesus o confirmou.
― Minha filha o teu
coração está aberto pelos punhais, como o meu foi pela lança sangra sempre e foi
por esta chaga que o meu Sangue divino entrou. Ó maravilha no mundo nunca vista;
só em ti foi operado tal prodígio! Todo o Céu com os seus Anjos se regozija, se
alegra ao ver tal maravilha. São os impulsos de amor que levam a correr por
todas as tuas veias o Meu Sangue divino. Vai, esposa querida, vai, e dá esta
vida às almas; que é a vida do Céu. Vai para a tua dor, vai para a tua cruz, é
este Sangue a tua força, o teu amor no teu martírio. Coragem, coragem! Confia e
vai em paz.
― Obrigada, meu
Jesus. Não quero que um só momento cesse o meu agradecimento.
28 de Março de
1947 – (sexta-feira)
A morte vem,
aproxima-se para breve, mas é uma morte que, me deixa viva, só o corpo morre;
são os pecados, é o mundo inteiro a matar-me, mas não pode matar tudo. A vida
que sinto não morrer é a vida superior, é a vida de triunfo, é a vida que faz
viver e governa todas as vidas. Sinto que ela está em todo o mundo como sopro de
ar espalhado. Sinto que a esta vida pertence todo o Céu e toda a terra. Sinto
imensa necessidade de falar desta vida, de a fazer conhecida e não sei;
limito-me apenas a dizer; é a vida de graça, é a vida de amor. Mas oh! Que amor
louco, que amor sem igual! Eu queria amar esta loucura de amor, com amor e
loucura semelhante. Mas, ó meu Deus, como estou longe! Sinto que se trabalha
dentro em mim; toda a mobília da minha casa, isto é, do meu corpo saiu fora.
Toda a imundice, todo o pó é limpo, mas não por uma só vez; tem sempre de se
voltar atrás e limpar novamente. O meu vazio é tão grande; só o Céu o pode
encher, só Jesus com todo o Seu amor o poderá satisfazer. O mundo não me enche,
nem milhões deles, se os houvesse. Sinto-me como a querer fugir da terra, a
aborrecê-la, a odiá-la; não me pertence, quero desaparecer dela. Ando como se
fosse um sopro a vaguear nos ares. Quero ir para Jesus, encher este vazio. Mas
Ele está tão longe. Ai, a minha Pátria! Quanto mais a anseio, mais a vejo fugir.
Daqui nascem os meus desânimos e desalentos; mas estreitando contra o meu peito
o Crucifixo, logo me levanto. Hei-de vencer com Jesus. A cegueira é tanta, não
me deixa ver, fico como desatremada nos seus caminhos. Mas a minha confiança,
tantas vezes contra toda a esperança obriga-me a crer: sou de Jesus e da
Mãezinha. Depois de tanta luta, tanto sofrer, virá o Céu. Sei que o não mereço,
mas espero não ser por Jesus, nem pela Mãezinha abandonada.
Haverá alguém que
só Neles confie e fique Deles ao abandono? Oh! não! Oh! não; pensar assim, seria
ferir Jesus. Quero ter o meu espírito sempre preso, açaimado para não perder a
minha união com Deus. Se assim não for serei como animal mais feroz e sem
freios; e no meio do mar doloroso martírio de alma e corpo não perder por um só
momento que seja a união com o meu Deus. Quero separar-me tanto tempo Dele, como
Ele se separa de nós com os Seus olhares divinos, e como a dor se separa do
corpo. Não posso viver sem Deus; não posso viver sem a dor. Queria ver toda a
humanidade a viver a vida íntima com Nosso Senhor; estou certa que o pecado
desapareceria da terra.
O demónio não cessa
a sua guerra contra mim; o meu espírito é com dúvidas consumido. Quando assim é,
Jesus vem por uns momentos suavizar a minha alma com o Seu amor e a Sua paz;
fico mais forte para a luta. Passou o quinto aniversário que Jesus deixou de
manifestar em mim a Sua Santa Paixão e deixei de me alimentar. Só quero o que
Jesus quer. Mas ó que pena e que saudades. Senti durante três dias como se todo
o meu ser tivesse bocas para comer; tudo ansiava. O alimento que eu desejava,
que era tudo, sentia que todo o mundo o comia; para mim só me bastava a dor e a
saudade. Meu Jesus, sou a Vossa vítima. Os olhos do corpo não choravam, mas os
da alma suspiram o lugar; foram lágrimas dolorosas, mas sempre conformes com a
vontade do Senhor.
Passei deste
martírio ao Horto, para ali me unir a mais padecimentos. Foi o meu rosto
escarrado, os olhos vendados, mas tinha outros olhos que viam passarem pela
minha frente por escárnio, ajoelhando, fazendo grandes continências. Sobre os
meus ombros, tinha uma velha capa, sobre a cabeça uma velha coroa, e eu, no
maior abatimento, no meio de tantos algozes. Eu digo eu, mas não era eu, era
Jesus revestido em mim. Se fosse eu não sofria, porque tudo mereço. Sou muito
humilhada, sinto-me desesperada, e reconheço que sou digna de tudo. Mas ver e
sentir Jesus sofrer assim, não tenho coração para aguentar! Tenho por vezes que
esforçar meus olhos e os meus sentimentos a retirarem-se de tão grande suplício.
Quanto sofreu Jesus, que dor sem igual; e tudo por nosso amor. No solo do Horto
levantaram-se como que quatro negras paredes de tal altura, que não lhes via o
fim; fiquei entre elas, apertada como numa prensa com a visão de todos os
sofrimentos. E então de todo o meu corpo saía suor de sangue; fiquei banhada e
como nunca só ferida.
Hoje, logo de manhã
tive o sentimento de todo o caminho do Calvário. Continuei a sentir todo o corpo
despedaçado e em sangue. As minhas lágrimas eram de sangue e pelos lábios e
ouvidos saía sangue também. Já perto do Calvário, a um grande desfalecimento de
Jesus vi cair sobre Ele uma grande chuva de açoites e forte rancor, parecia
infernal. Esta descarga tormentosa deu-se dentro de mim. Senti bem este rancor,
mas senti muito mais ainda a doçura e amor com que Jesus tudo recebia. No alto
da cruz, continuava o ódio e o rancor dos mesmos. Jesus pode ver com os Seus
Santíssimos olhos quase moribundo a lança que bem depressa viria abrir-Lhe o
peito e ferir Seu divino coração; à sua frente estava o que ia cravar e do Seu
Coração divino saíam para Ele como que ósculos de amor. Esgotavam-se as forças,
fugia-Lhe a vida, mas não se esgotava nem Dele fugiu o Seu divino amor.
Nem com o expirar
de Jesus se esgotou; estendeu-se pelo Calvário, e do Calvário, e do Calvário, e
do Calvário ao mundo como sopro de ar, como perfume delicioso. Eu expirei com
Ele e a Ele ficou preso, por algum tempo, o meu coração. Não foi pronto a
falar-me, demorou-se. Quando veio disse-me:
― Minha filha,
Minha filha, jóia preciosíssima, jóia do mais alto valor para o Meu divino
Coração. O ouro de que é feita esta jóia são todas as tuas virtudes; a pureza, a
graça, a obediência, a humildade, a caridade e todas as outras mais. As pedras
preciosas que a guarnecem, é o amor e a dor. Como estas pedras brilham no meio
de ouro fino de tantas virtudes! Que riqueza, que tesouros encerram esta jóia;
tem encantos atraentes, tem luz que guia, tem, laços que prendem! Tem amor que
Me ama, tem amor que ama as almas; é o preço delas, é delas a salvação, é delas
a salvação. Eis a razão, Minha filha, Minha pomba querida, eia a razão por que
este tesouro é perseguido., é assaltado; é durante a vida, e sê-lo-á depois da
tua morte. Nas perseguições dos cristãos, são mais perseguidos aqueles, que são
cristãos a valer, notados de maior virtude e maior graça. Quando há grandes
assaltos de ladrões, não vão eles assaltar as pobres choupanas, onde nada podem
encontrar; vão aos palácios ricos e poderosos. As riquezas, que em ti depositei,
são inigualáveis. O palácio do teu coração possui toda a riqueza, que o Meu
encerra. A missão, que te confiei, é a mais alta e sublime. A guerra a ela será
pior que do inferno. Tem coragem! É Minha a causa, é Minha a glória, é Meu o
triunfo. Quanta mais perseguição, mais luz. A tua vida será para o mundo um
raiar de sol puro, de sol brilhante. A tua vida será, através do tempo, para as
almas uma estrela, que as guia e conduz a Mim. Dá-Me a tua dor, dá-Me o teu
amor; que é o resgate das almas.
― Meu Jesus, sim eu
quero o Vosso amor para com ele Vos amar e fazer com que as almas Vos amem.
Dou-Vos a minha dor, sim, de boa vontade; comprai com ela os pecadores,
prendei-os para sempre a Vós. As Vossas palavras, meu dulcíssimo Jesus,
humilham-me; eu sem ter querer, queria desaparecer, queria desaparecer. O que
dizeis de grande é bem, isso me conforta. O que eu quero, Jesus, é estar na
verdade, em nada me enganar. Aceitai, aceitai também, Jesus, a dor da minha
humilhação.
― Confia, Minha
filha, não permito, não consinto que te enganes; é a verdade pura, mais pura que
a neve, mais clara que o sol. Eu aceito a dor da tua humilhação, e sabes para
quê? Para acudires a certas almas, prestes a caírem no inferno. Vais sofrer
muito, vais ter dias de grande penúria.
Vi que Jesus ia a
dizer-me quem eram essas almas; acudi logo:
― Jesus, Jesus, não
digais quem são, basta sabê-lo Vós. Dou-Vos os meus sofrimentos, para por eles
os aplicardes como Vos aprouver. É mais sossego para a minha alma; posso-lhes
acudir da mesma forma, não é verdade, Jesus?
― Sim, sim, Minha
grande heroína; maior é a prova do teu amor e mais valiosa a tua dor; dares sem
desejares saberá a quem. Olha, vem a Minha Mãe Bendita, a Minha Mãe das Dores,
mostrar-te quanto Comigo sofre e pedir-te para lhe salvares essas almas, suas
filhas também.
Logo ficou a meu
lado a Mãezinha das Dores, lacrimosa, com um manto azul e branco e cheio de
setas o Seu Santíssimo Coração.
― Minha filha,
Minha filha ― me disse Ela: ― vê quanto eu sofro também; dá a tua dor a Jesus,
para Lhe salvares as almas, filhas Dele e filhas minhas.
― Ó Mãezinha, ó
Mãezinha, eu não posso consentir que Jesus me peça e Vós me peçais a dor; basta
dardes-me os sofrimentos e com eles a Vossa força e amor. Sei que o sofrimento é
um grande bem para mim e para as almas; quero sofrer, pois, com toda a
generosidade e amor, mas não quero ver ferido o Coração divino do meu Jesus nem
ver no Vosso essas setas; passai-as para mim Mãezinha.
Ficaram no mesmo
momento no meu coração as setas e a Mãezinha delas libertada: secaram-Lhe as
lágrimas, e ficou o Seu Santíssimo rosto, cheio de alegria. Aproximou-se Jesus
mais de nós, e disse:
― Vai assistir à
Minha Bendita Mãe à passagem do sangue do Meu divino coração para o teu.
Tomou em Suas
divinas mãos o Coração todo em chamas, colocou-o sobre o meu; a gotinha de
sangue caiu, e logo fiquei com o coração e todo o peito a arder em fogo vivo.
― Jesus, Jesus,
morro queimada.
Acudiu a Mãezinha e
passou-me sobre o peito as Suas Santíssimas mãos, bafejou-me por algum tempo com
os Seus lábios, e disse-me:
― Coragem,
filhinha; é o Sangue de Jesus, é o Sangue que correu em Minhas veias, que foi
para o teu coração; é a tua vida, é de que tu vives.
Jesus acrescentou:
― Agora és
consumida pelo fogo do amor e depois dele apagado ficas a ser consumida pela
dor. Foi para isso que te fez ver as setas que feriam a Minha Bendita Mãe. Acode
aos pecadores. Ó maravilha, ó maravilha! Leva esta vida que de MIM recebeste,
leva o Meu divino Sangue; provo bem claramente que é a tua vida; vai dá-la às
almas. Ó prodígio, grande prodígio! Vai corajosa, vai confiada, cheia de amor.
Vai dizer ao mundo que, se não foram os teus sofrimentos, já a justiça do Meu
Pai o tinha submergido em vulcões de fogo. Que castigos estão sobre ele! Que
ameaças o esperam! Ai dele, se não se converte! Vai para a tua cruz, vai com
alegria, acode às almas.
― Obrigada, Meu
Jesus, obrigada, Mãezinha. Uni o Vosso coração ao de Jesus e ao meu; nesta união
vou contente para a minha dor. Sou vítima, sempre vítima, sou a escrava do
Senhor. Jesus, Mãezinha, quero força, quero força, seja comigo o Céu.
4 de Abril de 1947 – (sexta-feira
santa)
Venha sobre mim o
auxílio do Céu; sem a força divina nada poderei dizer, não posso mover os lábios
para falar. A cada movimento, a cada palavra, sinto como se me arrancassem o
peito e o coração. Confio; se Jesus quiser, conseguirei dizer alguma coisa do
que me vai na alma. O meu corpo desfeito pela dor tem sido um montão de podridão
a ferver. Este montão parecia-me a mim ser toda a humanidade estragada, a ferver
de apodrecida. A morte correu para mim; sentia vir, senti-me morrer. Senti como
se me separassem a alma do corpo; mas esta morte não deu ao corpo as cinzas de
um cemitério.
Pouco depois de
morto e sepultado, eu vi-o todo formosura, glorioso, a triunfar da morte. Quanto
custa ao corpo separar-se do espírito; ele subiu, voou para o alto, e via que
bem depressa de novo se unia àquele corpo que deixava frio, mais frio que o
gelo, desfigurado, despedaçado, quase sem carne. Que contraste, que coisa que
não sei explicar! Ele via que, de novo, se juntava, mas até esse momento até
chegar a hora dessa separação, que universo de dor, que mar de martírio! Este
corpo que morria e era glorioso, este espírito, que voava, estava em mim, mas
não era meu; eu era apenas esse montão de morte apodrecida, nojenta, horrorosa,
que causava a morte a este corpo glorioso. Eu não podia enfrentar tais coisas. O
espírito puro, que podia voar com o seu corpo glorioso, introduzido,
transformado nesta morte imensa, no meu corpo mundial apodrecido! Eu queria
separar uma coisa da outra, e não podia; eu queria desviar o puro do imundo, e
não conseguia; tive que morrer e ver o corpo e o espírito puro coberto da mais
negra podridão. Sinto necessidade de querer dizer muito neste sentido, e não
posso, nem sei dizer melhor. Senti que, depois da morte, dessa morte gloriosa,
desci como que a um inferno, mas não a um inferno de fogo, de maldições e
tormentos mas a um inferno só de tremenda escuridão, onde não entrava luz nem
alegria; era um inferno de cegueira e ansiedade. Senti como que Nossa Senhora
estivesse em mim, contente de braços abertos, como quem se sustenta no entre
aquela multidão, como uma pomba batendo asas transmitindo a mesma alegria e
fazendo como voasse essa multidão toda. Mas como, meu Deus! Vivo e não vivo, sou
eu e não sou, estou no mundo e parti. Senti que desci a esse inferno, mas, de
novo, saí, e que, atrás de mim, levava um bando sem número de pombas brancas que
voavam atrás de mim, não digo bem, voavam esses seres que eram corpos atrás
desse corpo glorioso. Eu senti e vi tudo e fiquei sempre mergulhada na dor, na
cegueira e na morte. O que sofreu o meu pobre corpo, nestes dias, só Jesus o
sabe. As agonias e torturas da minha alma só Ele as pode compreender. Este
martírio de alma e corpo impediu-me de poder orar, de poder meditar na paixão de
Jesus. Fitava-O na cruz rapidamente e só dizia: o que sofreu Jesus por meu amor;
sofreu tanto que morreu por mim! E terei eu coragem de negar algum sofrimento de
alma ou do corpo! Oh! não, meu Jesus; com a Vossa graça eu nada Vos negarei. Sou
a Vossa vítima, noite e dia. Ó Mãezinha, pelas Vossas dores, pelo que sofrestes,
junto à cruz do Vosso e meu Jesus, permiti que me associe a Vós e dai-me coragem
e amor para o meu sofrimento.
No princípio da
tarde, de ontem, senti como se a minha alma fosse presa, insultada, maltratada;
era um nunca acabar de martírios. Nas outras quintas-feiras tenho sentido um ou
outro sofrimento, mas neste senti muitos, se não foram todos. Senti e vi com a
maior de todas as maravilhas; Jesus dar-se para nosso alimento, partir e ficar
connosco. Que maravilha, que amor tão profundo! Vi o lava-pés e o discípulo
amado inclinado sobre Jesus. Sentia e via o desespero de Judas. E vi-o partir à
frente dos outros para O ir entregar. No Horto senti e vi beijar e apontar para
Jesus para poder ser preso. Mas, antes da prisão, senti e vi a Sua grande
aflição, a rolar pela terra, a suar sangue; o Anjo a confortá-Lo, e ele, com o
cálice da amargura, a enchê-lo de sangue que lhe saía dos Seus divinos olhos,
ouvidos e de todo o corpo. Vi, depois, à saída do Horto que O acompanhavam uma
grande multidão de soldados com armas, homens com paus. Meu Deus, como eles
maltratavam a Jesus! Como Ele já ía desfigurado e desfalecido! Vi S. Pedro a
negá-Lo, mas sentia que aquela negação foi feita só por temor.
O galo cantava uma
e outra vez. Ele chorou copiosas lágrimas. Oh! como foi grande o seu
arrependimento! Custou-me tanto ver Jesus, de tribunal em tribunal, tão mal
tratado, e por fim ter de O deixar sozinho na prisão. Ele já não parecia Jesus;
os maus-tratos e a tristeza tinham-Lhe roubado toda a beleza. Deixei-O quase
moribundo em tão escura prisão. E assim moribundo O senti hoje a seguir os
caminhos do Calvário. Parecia-me que todas as feridas do Seu Santíssimo Corpo
estavam no meu e ainda assim era chicoteada e arrastada; não havia compaixão
para mim nem para o Nosso Jesus. Os espinhos da Sua Santíssima Cabeça feriam-me
a minha e também me feriam o coração. Fui subindo e quantas vezes desfaleci com
Ele e com Ele ia a expirar. Jesus ia dentro em mim tão ansioso para a morte como
cordeirinho sequioso para a corrente; queria morrer para dar a vida. Na cruz, eu
sentia como se o sangue das Chagas de Jesus corresse nos meus braços, pés, peito
e cintura, como se tivesse chagas também. Senti, dentro em meu peito, um mundo
tão cruel e tão duro que mo abriu, de cima abaixo. Não aceitava o amor de Jesus,
não pude aguentar; não bradei como Jesus: meu Pai, porque me abandonaste, mas
disse: ai, meu Deus, meu Deus, valei-me. Sei que o disse alto; não tive força
para me conter a dizê-lo baixo. Neste transe doloroso, fiquei como se expirasse
com Jesus. Passou-se algum tempo num silêncio mortal; Jesus despertou e fez que
eu despertasse.
― Minha filha,
Minha filha, eu não morri; vem a Mim, vem para o Meu amor, vem para o Meu fogo
divino; ele é para ti a vida, é o cadinho, o fogo que te purifica, que dá a
pureza, a graça, todo o brilho à tua alma. Mergulha-te nele, namora-te de Mim,
enche-te, para poderes encher as almas. Descansa neste fogo, suaviza nele a tua
dor, retoma as forças perdidas em tão doloroso martírio.
Jesus calou-se e eu
fiquei por um espaço de tempo a arder naquelas chamas; senti-as, vi-as; eu era a
caldeira, Jesus o fogo. Conservei-me em silêncio também; não sabia falar a
Jesus. Não sentia as dores do corpo e a alma naquelas chamas tornou-se mais
forte. Continuou Jesus:
― Minha filha,
Minha esposa querida, vais agora receber-Me pelas mãos do Anjo da tua guarda.
Vem, ao Seu lado, S. Miguel Arcanjo e o Anjo S. Gabriel; atrás deles seguem-nos
uma multidão deles. Prepara-te; descem do Céu.
Só disse: Senhor,
eu não sou digna, etc. Vinham os três Anjos, como me disse Jesus, e pararam à
minha frente. O do meio com a Sagrada Hóstia nas mãos; os dos lados alumiavam e
cobriam o do meio, o que trazia Jesus, com uma umbela rica. A multidão deles não
cantavam, mas de mãos levantadas, cabeças inclinadas, num profundo recolhimento,
dizia: glória, glória ao nosso Deus, ao nosso Rei, ao nosso Amor. A Ti glória, a
Ti glória, ó Jesus, nosso Deus e Senhor. Isto era em tom de quem reza e não de
quem canta. Inclinou-se para mim o Anjo; eu estendi-lhe a língua e Ele ao dar-me
Jesus não principiou pelas palavras do costume, mas sim: “Viaticum Corpus
Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vitam aeternam”.
Desapareceram com a
mesma reverência, no mesmo silêncio com que tinham aparecido em volta de mim. E
toda a multidão de Anjos batia as suas asinhas brancas e pronunciavam as mesmas
palavras. Vi-os seguir, tudo era luz.
Fiquei mergulhada
em amor, numa intimidade com Jesus; parecia-me inseparável Dele.
― Minha filha,
dei-Me a ti em alimento, sou a tua vida. Dei-Me deste forma, para mais e melhor
mostrar as minhas maravilhas e para mostrar que estou contente com os Meus
representantes na terra, com a doutrina da Minha Igreja. Não podia deixar-te sem
o Meu alimento, depois de tantas forças consumidas, de tanto sofreres! Prometi
não deixar-te sem a Minha Eucaristia, às sextas-feiras, e não faltei.
Recebeste-Me como viático e é verdade que és enferma e sem um milagre divino não
terias resistido à dor, eras moribunda. Coragem, Minha filha, Eu continuo a
pedir-te sofrimento porque O Meu Eterno Pai continua a exigir grande reparação
das Minhas vítimas para a salvação do mundo, para que os pecadores se convertam
e venham a Mim. O Meu Divino Coração suspira, anseia por eles; vejo-os a
fugirem-Me, a perderem-se, acode-lhes, são meus e teus. És a minha esposa mais
querida, a maior vítima que tenho na terra, és a continuadora da Minha paixão,
da obra da redenção. É revestida de Mim que continuas a salvar almas, a
resgatá-las do pecado e a arrancá-las das garras de Satanás. Vai com o Meu
divino amor, com a Minha graça salvá-las. Vai dizer tudo; leva a luz do Divino
Espírito Santo. Coragem, coragem, e amor; vai para a cruz, que só deixarás, no
momento da morte, quando voares ao Céu.
― Muito obrigada,
meu Jesus! Permiti que eu vá firme no Vosso amor divino; conto com a Vossa
graça. Aceitai desde já, o meu sacrifício. A minha alma já está a cair em grande
amargura. Venha o que vier, eu amo-Vos; sou a Vossa vítima. São passadas três
horas em que fui mergulhada no amor de Jesus; o coração ainda me queima, o peito
está em brasas. A alma está triturada de dor; tudo em mim é cegueira, tudo são
trevas na terra e no Céu. Seja sempre bendito o Senhor.
5 de Abril de 1947 – 1º sábado.
Morri e não
ressuscitei com Jesus; fiquei na mesma morte; fiquei em horroroso sofrimento.
Envergonho-me de mim mesma, de só falar da dor; mas ela não me deixa, dia e
noite. Só posso bendizer o Senhor por tantos miminhos vindos de Suas mãos
divinas. Num demorado abraço no meu crucifixo com grandes gemidos, mas também
com grandes ânsias de sofrer por Ele disse-Lhe: meu Jesus, contai sempre comigo
para ser a Vossa vítima, não conteis com o meu amor, mas sim com o Vosso, pois é
com ele que eu Vos amo; não conteis com a minha generosidade e força, mas sim
com a Vossa; é a Vossa generosidade, é a Vossa força que se levanta a aceitar
alegremente todo o sofrimento. A minha alma vê os espinhos, como se fossem rosas
Formosas; quero sofrer, quero amar-Vos. Com o corpo cheio de agudíssimas dores e
a alma em agonia foi que hoje, ao cair da tarde, recebi o meu Jesus. Cessaram os
sofrimentos, fiquei como se adormecesse no Senhor. Veio Jesus, pôs em grande
movimento o meu coração; incendiou-mo com todo o peito.
― Minha filha, tu
que és a minha alegria e consolação vem a Mim tu que és a estrela que guia as
almas, vem ao Meu Coração incendiar-te no Meu divino amor. Vive de Mim, recebe
para viveres, vive para dares a vida. Eu vou dar-te uma gota do Meu Sangue
divino; vai correr em tuas veias, vai suavizar a tua dor, vai dar-te a vida
perdida em tão penoso martírio, neste Calvário onde te coloquei.
Jesus uniu logo o
Seu divino coração ao meu. Logo que senti sair a gota do Seu divino Sangue,
senti força, senti vida, toda a vida do Céu. Com o meu coração unidinho ao de
Jesus, fiquei por algum tempo como que a navegar num mar de amor infinito de
Jesus.
― Descansa, aqui,
Minha filha; descansa e recebe vida; é esta a vida das virgens, é esta a vida
das esposas loucas de amor por Mim. Diz, Minha filha, ao teu Paizinho que vou
fazer que ele seja levado às alturas, não só no Céu no Meu amor, mas já aqui, na
terra, nas Minhas obras e maravilhas; será justificado multiplicadas vezes mais
do que foi humilhado. Dá-lhe o Meu divino amor para as almas; diz-lhe que será
sempre o grande mestre delas e grande consolador do Meu divino coração. Diz ao
teu médico que o amo, diz-lhe que lhe dou toda a Minha serenidade, tranquilidade
e paz; diz-lhe que lhe dou o Meu divino Coração, cheio de amor, com a Minha
bênção divina e abundância das Minhas graças, para ele distribuir aos que mais
ligados estão ao seu coração. É o prémio da sua firmeza e defesa à Minha causa
divina. Os teus males são agravados, em proveito das almas, para cuidado e
preocupação dele e para todos os que mais de perto te rodeiam. Coragem e
confiança; Jesus está com todos. Vem, Minha bendita Mãe, vem juntar aos Meus os
teus carinhos, vem dar à Nossa filhinha a força que necessita.
Veio a Mãezinha,
logo me tomou em Seus braços; fiquei entre o Seu peito e o de Jesus e unida ao
rosto divino dos dois; era uma prensa de fogo.
― Amo-te, Minha
filha, porque és de Jesus e és Minha; amo-te, porque és Minha filha e esposa de
Jesus; amo-te porque és a Sua vítima; amo-te, porque sofrendo com Ele, acodes
aos pecadores; amo-te porque Jesus te ama, amo-te, porque és toda Dele e Minha.
Continuou:
― Leva, Minha
filha, este amor terno da tua e Minha Bendita Mãe; leva todo o amor de Jesus e
vai dá-lo aos que te são queridos; diz-lhes que são os mimos do Céu, formados
por amor divino; são mimos dados por tanto cuidado e amor dispensado à maior
vítima, à maior heroína da humanidade, à maior amada do Meu Coração divino.
― Jesus, Mãezinha,
em nome de todos Vos agradeço, Vos abraço com doçura.
― Vai, Minha filha;
espera-te a tua cruz; tem coragem. O teu cansaço no sofrimento é para que os
pecadores sintam cansaço no pecado. Eu não cesso, não cessarei mais de te pedir
a dor, porque o mundo maldoso não cessará de Me ofender. Vai, pomba bela, forma
para a cruz o teu voo; é da cruz que voas ao Céu; é do Céu que a tua missão dará
ao mundo toda a luz. Coragem, Minha filha coragem!
― Obrigada Jesus.
Eu vou e quero ficar Convosco, não para gozar, mas sim para Vos amar e de Vós
receber força. Sede comigo, Jesus, sede comigo Mãezinha.
11 de Abril de
1947 – (sexta-feira)
Sinto o meu corpo
golpeado e desfeito pelo sofrimento e o coração cheio de punhais a cortarem-me
dia e noite, não podendo ele deixar de sangrar, um só momento. Ó meu Deus, ó meu
Jesus, como eu me sinto ferida! Seja tudo por Vosso amor; eu sou, ó Jesus, e
quero ser sempre a Vossa vítima. Não posso esquecer as almas, os pobres
pecadores. Que pena eu tenho deles! Tenho a certeza de que, se me esquecia
destes pobres infelizes, desgostava o meu Jesus. Quero sofrer, quero sofrer para
O amar, para O consolar e dar todas as almas. Não sei dizer o que quero: queria
a todos no Céu, queria toda a humanidade, a arder de amor, dentro do coração
divino de Jesus. Que sede insuportável de O ver amado! As minhas trevas, a
cegueira do meu espírito, já vão além da cegueira. Ó meu Deus, não sei
exprimir-me. Acima e abaixo de mim são trevas; atrás e à frente de mim, trevas
são. Mas essa cegueira da minha frente, essa negra escuridão, pela qual tenho de
passar, nunca teve luz, nunca foi nem será luz. É o que sente a minha alma. Que
pavor! O que tenho de atravessar! Por vezes é tal o tormento, que a alma não
transformar-se, desfalece. Mas a este desfalecimento, vem de encontro a dor de
Jesus. Descem do alto direitos ao meu peito, a penetrarem no coração, raios de
fogo, raios de amor. E então eu vivo, e com mais coragem e força abraço o
crucifixo, abraço a dor e a cruz, e sem temor digo a Jesus; sou a Vossa vítima.
No meio de agudíssimas dores, Jesus tem passado, à minha frente, vagarosamente,
com um grande madeiro aos Seus Santíssimos Ombros. A visão da cruz, e ao vê-Lo
assim desfigurado, comove-me, leva-me à compaixão, leva-me à sede de mais dar a
Jesus, de mais e mais sofrer por Ele. Nas horas em que mais sofri, apareceu-me,
duma vez, Jesus, em tamanho natural, cheio de luz, resplandecente de glória, e,
noutra hora, a Mãezinha com o Menino Jesus ao colo, todo sorridente para mim, a
estender-me os Seus bracinhos, como quem queria abraçar-me. Ao Seu lado uma cruz
Formosíssima, luminosa, cheia de coroas de rosas. Que beleza! Aquela cruz, com
Jesus e a Mãezinha, já era o Céu. Compreendi e senti na alma que era a cruz do
Seu martírio, transformada na cruz celeste. Era minha; e o fim será no Céu. Foi
o que eu senti. Esta visão fortaleceu a minha alma; por algum tempo era outra.
Quando me sinto mais desfalecida, por vezes, sinto essa cruz gravada dentro de
mim; logo retomo forças para resistir à dor. Jesus serve-se de tantos meios para
ajudar a mais pobre e miserável das Suas filhinhas! Bendito, bendito Ele seja!
Que pena eu tenho de não corresponder ao Seu amor infinito!
Na tarde de ontem,
eu senti e vi Jesus numa grande amargura, com a Sua Sacrossanta Cabeça apoiada
nas Suas Santíssimas mãos, em profundo silêncio. A seguir levantou os Seus
divinos olhos, fitou a cidade representada dentro de mim; chorou, chorou sobre
ela. Pouco depois, vi pela segunda vez a figueira reverdecida, e depois já seca
sem uma folha ao menos. Essa figueira saía por entre um montinho de pedras. Vi
ao mesmo lado que a vi pela primeira vez. Depois da ceia de Jesus com os Seus
Apóstolos, vi pela primeira vez benzer o pão que viria a ser a nossa Eucaristia.
Que encanto! O Seu Santíssimo Rosto era só luz, parecia que só fogo a rodeava,
com os olhos encantadores fitos no Céu a um sorriso doce abençoava o pão, que
pouco depois por todos distribuía. Quando Judas O recebeu, tornou-se ainda mais
desesperado; já não parecia homem, mas sim um demónio. Jesus falava sempre com a
mesma doçura e meigos sorrisos. Ainda foi ao Horto, receber o beijo do infeliz
traidor, depois de ter suado sangue e sentir todo o Horto estremecer, sobretudo
quando foi preso Jesus. Segui com Ele e com Ele fui espancada.
Hoje, ao seguir o
Calvário, caminhava, pelo solo duro, a ser com Jesus açoitada e maltratada, com
todo o corpo em chagas e sangue. Caminhava e não sei como. Sobre a terra e os
maus-tratos dos homens e sobre mim o Céu com toda a sua justiça. Como essa
justiça me esmagava! E eu tão desfalecida e sem luz não podia caminhar. Próxima
à montanha ainda; ela caiu sobre mim; tive que romper as lajes. Senti o meu
corpo como que um esqueleto tingido de sangue; e neste estado fiquei na cruz. O
brado de Jesus não foi só por três vezes que se fez ouvir em todo o Calvário;
foi um brado contínuo em toda a Sua agonia, era um brado do Coração que Ele
fazia chegar ao Pai e que parecia ser por Ele rejeitado. Pelo Pai bradava e pelo
mundo espalhava amor; tudo lhe saia do Seu divino Coração. E a Mãezinha,
chorosa, ao pé da cruz, na mesma agonia! E sentia que Ela era com Jesus, que
estava em mim, uma só coisa. Juntaram as Suas lágrimas, dores e agonia. A vista
da Mãezinha aumentou em Jesus a agonia. Eu na mesma união sofri também. Passou
pelo meu corpo como que um sopro gelado que me deixou sem vida; e senti como se
o espírito me deixasse. Veio depois Jesus, restituiu-me a vida e disse-me:
― Vem, vem, Minha
filha, dar de beber, saciar com a tua dor a sede ardente, a sede devoradora do
teu Esposo, do teu Jesus. Quero o teu amor. Ama-Me, ama-Me por ti, ama-Me pelos
que não Me amam. Eu tenho fome, Eu tenho sede das almas; não posso viver assim.
Tenho sede de amor, e sou por elas ferido; quero-as em Meu Divino Coração, e sou
pelos pecadores lanceado. Repara, repara bem como Eu estou. Jesus retirou do
peito os Seus vestidos; tinha o lado aberto, o Coração todo em sangue.
Sem poder vê-Lo
assim ferido disse:
― O que posso eu
fazer Jesus? Amar-Vos, não sei, nada tenho para consolar-Vos. Dai-me o Vosso
amor; com ele posso dizer que Vos amo por mim e por todos os que Vos não amam.
Dai-me a Vossa força para com ela poder dizer-Vos; dai-me todo o sofrimento,
para com ele salvar as almas e não deixar que os pecadores assim firam o Vosso
Divino Coração. Quero sofrer, meu Jesus, para ver o Vosso peito cerrado e sem
ferida o Vosso Divino Coração; que Ele seja só amor e compaixão para com todos
os que Vos ferem, Jesus.
― Já estou curado,
Minha heroína; a tua generosidade e amor à dor foram o bálsamo que Me curou. És
tu, Minha louquinha, o bálsamo do Meu sofrer, e eu serei sempre o bálsamo, a
força, o conforto no teu martírio. Coragem! O mendigo, que todas as
sextas-feiras te bate à porta a pedir a esmola, não cessa de te pedir: dá-Me
dor, Minha louquinha, dá-Me dor, salva-Me as almas; consola o Meu divino Coração
e vai dizer ao mundo: converte-te, vem para Jesus; converte-te e ama-O;
converte-te e converte-te depressa, se não queres ver bem depressa cair sobre ti
toda a infinita justiça de Seu Eterno Pai.
― Meu Jesus, olhai
a minha miséria e compadecei-Vos dela; eu não sei sofrer nem reparar e parece-me
que são inúteis os meus sofrimentos.
― Revestidos de
mim, têm todo o valor. Confia no que te diz Jesus. Vais ver sair do Purgatório,
subir ao Céu trinta e três almas em honra dos anos que vivi na terra e salvas
por ti. Vão ser levadas pela Minha Bendita Mãe.
Vi como que um
campo de fogo, mas um fogo que atraía e que fazia a alma ansiar e mergulhar-se
nele. Por entre essas chamas foram saindo e voando um bando de pombas brancas,
brancas como a branca neve; esvoaçavam como andorinhas a poisarem nos seus
ninhos; o ninho delas era o manto azul celeste da Mãezinha que ficou guarnecido
com todas essas pombas brancas. A Mãezinha, coroada de rainha, foi subindo,
subindo, até que desapareceu com todo o bando. Num grande contentamento disse:
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus; fazei que vão ocupar o lugar delas, para se purificarem
todas as almas que partirem do mundo; para que nenhuma se perca sou sempre a
Vossa vítima.
― Para que assim
seja, filha querida, para que se salvem os pecadores, dás-Me então uma grande
reparação, nos dias que vão seguir-se? Terás grandes ataques com o demónio;
terás que combater fortemente. Não Me dás uma recusa, não?
― Não, meu Jesus;
dai-me a Vossa graça, para não Vos ofender; sede a minha força, para eu poder
abraçar todo o martírio. Sede comigo e aceitai o meu coração agradecido.
18 de Abril de
1947 – (sexta-feira)
Tenho ânsias, tenho
ânsias de me purificar, cada vez mais, e nada consigo! Que hei-de eu fazer, meu
Jesus? Causa-me horror ver a minha miséria, porque é só o que eu vejo. Avanço,
avanço, e, momento a momento, mais me enrolo, mais me mergulho na cegueira, que
me aterra, na cegueira que nunca foi luz nem nunca a luz conheceu. Assusto-me,
vejo, sinto que esta cegueira é morte e que nunca poderá ver. Neste temor, feito
o Coração divino de Jesus, invoco o Seu Santo Nome, e, por vezes sinto-me como
se fosse transportada às nuvens; deixo a terra, mas não chego ao Céu. Nesta
viagem às alturas, respiro, sinto-me confortada, fortalecida com uns ares mais
puros, com aquela vida que não é o Céu, mas também não é a terra; não é gozo,
mas é força, não é a verdadeira vida, mas também não é morte. Baixo novamente à
mesma cegueira, só à vista da minha miséria, mas então com mais coragem para
abraçar a minha cruz, a pisar os espinhos que tão agudamente me ferem, ansiosa e
como que enlouquecida para consolar Jesus, dar-lhe as almas, purificar-me de
todos os meus defeitos, ser pura para só viver a vida de Jesus, ser pura e Nele
me esconder para sempre, sofrer escondida Nele, amá-Lo sempre Nele escondida,
fugir ao mundo, desaparecer dele, desaparecer por completo. Não consigo os meus
desejos, não sou pura, nada sofro, nada faço de bom, tudo se apaga sem aparecer.
Ai, meu Jesus, vinde em meu auxílio; estou sozinha sem ninguém, meu Jesus, sem
ninguém. Foge-me o Céu, estou como se me fugissem todos os amigos da terra.
E o demónio a
atormentar-me tão fortemente.
Tenho estado sobre
o inferno, não sei o que me livrou de cair nele, nada vi que me segurasse, só me
faltou mergulhar-me nos seus horrores, nas suas penas. Esta visão foi essa luta
com o maldito. Tive mais três ataques. Nos dois primeiros, senti passar sobre
mim as labaredas do inferno, ouvia uivos, ranger de dentes e um demónio muito
feio de boca aberta com um grande pedaço da língua de fora, língua em brasa, e
estendia ao longe grandes chamas; causava pavor. Já lá vão alguns dias e por
vezes sinto no coração como se de novo voltasse a ver toda aquela cena.
Convidava-me ao mal e fiquei com grande temor de ter pecado. Nem posso
lembrar-me das suas malícias. Que horror! Como se ofende Nosso Senhor! Posso tão
pouco invocar o nome de Jesus e da Mãezinha! Penso que é o maldito que não me
deixa. Não posso sem me oferecer como vítima e é só para reparar que tais
sofrimentos aceito. No último ataque, ele principiou, de longe, a preparar-me
para o mal com coisas pequenas, mas cheias de maldades. Foi indo, foi indo,
incendiou-se o fogo, envolveu-se a terra com o inferno; eu era o mundo, era o
inferno. Ó meu Deus, que pavor! Voltei a repetir a Jesus: se hei-de ofender-Vos,
prefiro o inferno; não quero pecar, não quero pecar, sou a Vossa vítima. Jesus,
Mãezinha, ai, quanto me custa isto!
Ao cair da tarde de
ontem, senti como se no meu coração estivesse gravado Jesus e a Mãezinha, numa
tristeza e amargura tão profunda, que causava dó. Jesus beijou e aquele beijo
foi de despedida; e deixou no Coração da Mãezinha raios de fogo; foram fios,
foram prisões de amor que os deixaram para sempre unidos. Jesus foi para o Horto
e ficou com a Mãezinha. A Mãezinha ficou e foi com Jesus. Eu no Horto senti como
se em meu corpo nem uma só veia ficasse por abrir. Os Apóstolos dormiam; Judas
aproximava-se. À voz de Jesus vieram sobressaltados. Judas deu o seu beijo
traidor e todos caíram por terra; a terra foi o meu coração. Feriram-me as armas
e os paus. Vi Jesus que em Suas Santíssimas mãos tomou. Ao ver isto, fugiu S.
Pedro por entre a multidão; foi à frente de Jesus; não viu os maus-tratos que
Lhe deram. Mas via a Mãezinha; velava ao longe. Eu sentia que o Seu Santíssimo
Coração adivinhava tudo. Quanto Ela sofria e quanto sofria eu também com os
sofrimentos de Jesus e os dela! Na manhã de hoje, caminhei oprimida pela
violência da dor; ia como que encerrada num mundo do sofrimentos. Caminhei sem
luz, mas cheguei ao Calvário e lá com mais sensibilidade fui cravada na cruz; e
então em todo o meu corpo estava Jesus; eu era apenas uma casca frágil que O
encobria. Sentia todas as Suas chagas e feridas, os espinhos da Sua Sacrossanta
Cabeça, o palpitar do Coração, lágrimas e gotas de sangue, tudo em mim era
Jesus. Quando estava a ser cravada na cruz, ainda senti o meu rosto a ser
nojosamente escarrado. A frágil casca do meu corpo não impedia os sofrimentos e
maus-tratos de Jesus. Fiquei no mesmo brado e agonia com Ele. Quando Jesus
expirou, eu senti que o espírito divino voou de verdade ao Pai, e eu fiquei
morta. Pouco depois Ele voltou e disse-me:
― Minha filha, o
Jardineiro da tua alma está em teu coração; cuido, cultivo as flores que adornam
a minha alma. Como são belas! A água que as rega é a água da pureza, água de
graça e amor. Confia; o teu Jardineiro é Jesus; habito em teu coração; repara
como eu cuido delas. Tu és a pastorinha de Jesus, a pastorinha das almas;
apascenta-las no jardim formoso da tua alma. Vi então Jesus feito Jardineiro, no
seio de belas flores, de regador na mão a regá-las cuidadosamente; via cair a
água com abundância.
― Cuidai, cuidai,
meu Jesus, cuidai delas e cuidai de mim; eu sou miséria e nada posso sem vós.
Permiti que com a Vossa graça, no jardim do Vosso divino amor, eu posso
mergulhar em almas; sustentai-as com o que é Vosso.
― Coragem, coragem,
Minha filha; sem dor não há vítima, sem dor não há amor, sem dor não há vida. Tu
és a vida de Jesus, és a vida das almas. Se todas as vítimas sofrem, como não
hás-de sofrer tu, Minha filha, que és a maior vítima da humanidade. Dá-Me dor,
acode ao mundo, vem sobre ele a justiça de Meu Pai e vem depressa. Não há justos
na terra, não há almas que Me amem, a ponto de repararem todas e tão graves
ofensas. Pobre mundo, vai ser carbonizado; ficará mirrado com o fogo da justiça
divina.
Levantei as mãos,
cheia de terror, e disse:
― Perdoai, meu
Jesus, perdoai, perdoai já, perdoai sempre! Como hei-de acudir ao mundo? Bem me
parecem a mim que de nada valem os meus sofrimentos.
― Coragem, Minha
filha, coragem, amada Minha; sofre com alegria. A tua imolação continua se o
mundo não quiser que seja de remédio para os seus corpos é-o sempre para as suas
almas. Pede-lhe, pede-lhe que se converta, que venha a Mim. Dás-me mais lutas,
mais ataques com o demónio?
― Dou, meu Jesus,
mas sabeis bem que é o que mais me custa. Que medo de Vos ofender!
― É por te custar
que, Minha filha, que mais reparação Me dás. Não temas, confia em Mim; não deixo
que Me ofendas. Os dois primeiros combates que te pedi foram pelos esposos pais
de família. Com que gravidade Me ofendem; o último foi por toda a humanidade.
Foi por isso que te envolveste com o inferno. O mundo! o pecado! Vítima a lutar
com o inferno. Eras tu, Minha pomba amada, a livrares de lá as almas. Coragem!
Vem receber vida para combateres. Recebe uma gota do Meu Divino Sangue; é a tua
vida, é a força do teu sofrer.
Jesus com o Seu
Divino Coração a arder em labaredas uniu-O ao meu, deixou cair a gota do Seu
Sangue divino. O fogo ateou-se; o meu principiou a dilatar-se. Jesus passou logo
as Suas Santíssimas mãos sobre o meu peito, acariciou-me e disse:
― Toma, Minha
filha, a tua cruz; vai convidar as almas a virem a Mim, vai levar-lhes esta
vida. E como prova do valor dos teus sofrimentos e de que és a salvação delas, a
cada acto de amor, a cada vez que Me disseres: Jesus, eu amo-Vos, serei amado
por mais uma alma. E sempre que abraçada ao crucifixo disseres: Jesus, sou a
Vossa vítima mais um pecador será salvo, esquecerei as suas ofensas. Prometo-te,
confia, sou O teu Jesus. Diz-Me isto muitas vezes. Vai com coragem! No Céu
continuas a mesma missão; ele está perto. Vai com alegria; vai, filha do amor,
vai, louquinha do amor, vai chamar a Mim as almas.
― Obrigada, meu
Jesus; obrigada, meu Amor, eu vou; vinde Vós comigo. Ao o Céu, meu Jesus, que
nunca chega. Faça-se a Vossa vontade divina. Sou a Vossa vítima, vítima até dos
meus desejos. Farei, Jesus, que eu morra para mim e para todos, viva só para Voa
e para as almas.
25 de Abril de
1947 – (sexta-feira)
O meu sofrimento
aumenta, a minha cruz pesa-me mais de momento para momento. Sinto-me como se
estivessem a terminar os meus dias aqui na terra. O meu pobre corpo é uma massa
em sangue, desfeito pela dor. Vivo como se não vivesse. O que será de mim, meu
Jesus! Amo a cruz e não tenho forças para a abraçar. Sinto-me arrefecer, estou
gelada. Quanto mais sofro, menos sinto amar a Jesus. Quanto mais Lhe ofereço os
meus sofrimentos, nas minhas negras e dolorosas trevas, menos sinto que Lhe dou.
Não tenho para Ele um sorriso, um acto de amor ou reparação. Sou pobre, mísera
pobre; o que Lhe dou, nada me pertence. Sinto-me, por vezes, na divina presença
de Jesus, de mãos vazias, olhos baixos, cabeça inclinada, envergonhada de mim
mesma. Que contas Vos hei-de dar, meu Deus, a Vós, de quem tudo recebi a quem
nada dei e nada tenho para dar. Triste confusão a minha! Poderei viver sem
sofrer e sem amar O meu Jesus? Oh! não, não posso sem isso a vida seria para mim
já um inferno. Ó Jesus aceitai para Vós o meu sofrimento e mesmo sem sentir amor
fazei que Vos ame, deixai-me enlouquecer por Vós. Os espinhos nascem para mim,
noite e dia, como noite e dia nascem e crescem as flores dos campos e jardins.
Por todos os lados os sinto e vejo a ferirem-me. Eu quero-os e amo-os, mas
desfaleço em recebê-los; recebe-os como mimos do Céu, como carícias de Jesus.
Pressinto que novos e agudos espinhos alguém prepara para me cravar; parece-me
ouvir o rumor de nova tempestade. Levantam-se contra mim novas ondas furiosas.
De novo me estendo na cruz; deixo-me crucificar à semelhança do meu Senhor.
Na noite de 14 para
15, veio de encontro ao meu martírio, suavizar a minha dor, uma linda visão da
SS. Trindade; era um trono riquíssimo: no cimo o divino Espírito Santo em forma
de pomba deixava cair sobre O Pai e sobre O Filho que mais abaixo, ao lado um do
outro, estavam sentados, uma chuva de raios doirados. Pouco depois, diante do
Eterno Pai, uma alma ficou ajoelhada em sinal de reverência; uniu-se a uma mão
dela uma mão de Jesus que o Padre Eterno ligou. Tudo estava iluminado, parecia o
Céu, era luz celeste. Desapareceram as três divinas pessoas e a alma ficou por
algum tempo na mesma posição, mergulhada no mesmo amor. Confortou-me também a
visão, duma vez de S. José, e, doutra, de Nossa Senhora; um e outro com o Menino
Jesus ao colo. São eles que me levantam, são eles a força e a coragem do meu
tanto sofrer. Não sou eu que sofro, mas sim Jesus, só Jesus que sofre por mim.
O demónio
atormenta-me com dúvidas que sem a força do Céu seriam um desespero. Aparece-me
em formas feiíssimas e, por vezes, abre-se todo o inferno com todos os seus
sofrimentos para me receber. Numerosas feras infernais correm para mim com todo
o seu furor. Ó meu Deus, parece-me que todo o mundo é inferno, que todo o mundo
é pecado, que todo o mundo tem a malícia e a maldade do demónio. O maldito
instrui as almas em grandes crimes.
Na tardinha de
ontem, avivou os sofrimentos do meu corpo, que eram enormes, a visão, a visão do
Calvário. Dentro de mim, vi Jesus, depois de morto, ser descido da cruz e ser
posto nos braços da Mãezinha; vi os Seus olhos agoniosos, senti o Seu coração
trespassado; senti e vi o caminho com que Ele O estreitava e limpava o sangue e
o pó das Suas feridas. Todo o Calvário se mexia, as pedras estalavam e faziam
grandes fendas. Esta agonia e sofrimentos tão dolorosos preparam-me o Horto; e
lá fui para ele; lá se me rasgaram as veias, suei sangue e vi o cálice. Jesus
foi que o levantou e ofereceu ao Pai, cheio de amargura. O solo estremeceu e com
todos os ramos das oliveiras. Debaixo de cruéis maus-tratos, deixei-o para ir
para a prisão. E hoje, num canal de sofrimento, como se fosse uma prensa fui
subindo as ladeiras do Calvário. Senti as cordas na cintura e no pescoço;
cortavam-me, feriam-me. Vi Jesus a ser despido e, neste momento, o Seu rosto
divino ficou como que incendiado; levantou ao Céu os Seus olhares e baixou-os,
depois, em profunda tristeza e grande vergonha. Vi, junto à cruz, a escada, pela
qual Jesus havia de ser descido; vi o lençol onde Ele havia de ser embrulhado.
Jesus, antes de expirar, viu a cena comovedora, ao ser depositado nos braços da
Mãezinha; viu os Seus carinhos e lágrimas, viu as espadas que A feriam, viu-A em
igual dor e agonia. Quando expirou, o Seu espírito voou como pomba de todas as
Suas chagas saíram raios de luz como sol por frestas. Quando o Seu espírito
divino voou foi-Lhe aberto o coração. Senti a Sua grande prova de amor e que Ele
nada mais podia fazer por nós. Pouco depois, de novo vivi com Ele.
― Minha filha,
Minha filha, um coração puro, um coração abrasado, com a mistura da dor alcança
do Meu divino Coração tudo quanto Lhe pedir em benefício das almas, isto não
falando em outras graças. Assim és tu, vítima poderosa, sem seres igualada. Não
és igualada na dor e também o não és no poder. Eu tenho em Minhas divinas mãos o
teu martírio com todo o teu amor; sou Eu mesmo a colocá-lo como escora firme a
sustentar o braço do Meu Eterno Pai, para não cair sobre o mundo culpado a
castigá-lo. Podia dizer-te, esposa querida, que ele cai e cai sem remédio, por
não virem a mim, seguindo a Minha divina voz. Não quero fazer-te tal afirmação,
para não entristecer-te.
― Meu Jesus, meu
doce Amor falardes-me assim é dardes-me a certeza do que nos espera; bem sinto
eu que nada Vos dou e de nada valem os meus sofrimentos.
― Coragem, coragem,
Minha filha, parece que nada Me dás, porque já tudo tenho em Meu poder. Sentes
que nada valem os teus sofrimentos, porque, sofrendo Eu, em ti tomo-os como
meus; e, para maior sofrimento teu, nada em ti deixo aparecer. Confia em Mim.
Todo o teu martírio, em união comigo, forma os selos com os quais selo as almas
e as deixo com o sinal da salvação. Confia, vítima amada, se não acudires aos
corpos, as almas são sempre de salvação. O que vale a tua dor e o teu amor com o
Meu! Coragem, vítima generosa, vítima de dor e amor. Vê, Minha querida, o
Mendigo divino a estender para ti o braço, a pedir-te a esmola. A taça, em que a
vais deitar, foi feita do ouro do teu martírio. Os espinhos, que a rodeiam,
foram feitos das pedras preciosas das tuas virtudes; é a taça das almas, é a
taça da salvação. Dá-Me a esmola, dá-Me a esmola. Só uma alma e um coração puro
podem combater com Satanás e reparar-Me das maldades e crimes a que ele leva as
almas. Como prova do teu amor, da tua generosidade, vou dar-te, em breves dias
duas felizes novas que vão ser de alegria para o teu coração e para mais alguns
dos que te rodeiam. Se o mundo bem compreendesse as Minhas maravilhas em ti e o
valor do teu sofrimento, ter-te-iam suavizado o teu calvário e o daqueles que
escolhi para te ajudarem a subi-lo.
― Meu Jesus, meu
Jesus, peço-Vos força e amor. Sobre essa taça me coloco, sacrificai-me Jesus,
imolai-me como Vos aprouver. Jesus retirou a taça doirada, cercada e adornada de
belos espinhos.
― Vou dar-te ainda,
Minha filha, a gota do Meu sangue divino; recebe que é vida, a vida do Céu, a
vida de que vives. Recebe ara sofreres, recebe que é para viveres e para dares a
vida às almas. É o Meu sangue com a tua dor e amor que lhes dás a vida e mais
ainda faz com que Eu por muitos seja amado, o que não seria sem ti, Minha esposa
querida.
Jesus uniu logo os
nossos corações, e, logo que caiu a gota do Seu precioso sangue, desuniu-os e
deixou por algum vir do Seu lado aberto para o meu peito fortes chamas de fogo.
Com as Suas divinas mãos cerrou a abertura do Seu peito e disse:
― Trabalho em ti
como quero, faço do Meu divino coração e do teu o que Me apraz. Vai levar a vida
às almas, esta vida que é a verdadeira vida. Vai levar a todos o Meu divino
amor, mas mais, muito mais aos que mais te amam, aos que mais de perto te
rodeiam. Amar a Minha vítima é amar a Mim; cuidar dela é cuidar de Mim. Coragem!
Vai em paz, vai em paz.
― Obrigada, meu
Jesus; um eterno obrigado, meu amor! São tantos e tão grandes os meus
sofrimentos que mesmo no meio das minhas negras trevas obriga-me a dizer: para
ditar tudo o que fica dito, vi aqui só a mão e a força de Jesus com a luz do
divino Espírito Santo; sem isto nada teria dito. Ó meu Jesus, ó meu Deus, quanto
sofre a mais indigna das Vossas filhas; e só vê nela miséria e nada mais! Dai-me
graça, dai-me perdão para as minhas culpas e para as do mundo inteiro.
2 de Maio de 1947 – (sexta-feira)
Eternidade que tão
à pressa passas; eternidade que nunca chegas. Passa, voa e eu voo com ela sem
nada, de mãos vazias para dar contas a Jesus. Nunca passa, nunca chega a
verdadeira eternidade que me vai dar o Céu. Quem poderá viver assim, meu Jesus!
Dai-me a Vossa graça sem a qual a vida neste exílio é de desespero; é morte.
Quero voar para Jesus, quero amá-Lo e não ser capaz de formar para Ele o voo e
de O amar com a ansiedade, que exige o Seu coração. Quero fugir do mundo,
esconder-me dele e dele desaparecer, e nunca mais consigo. Um momento é uma
eternidade; é um momento que nunca passa, que nunca tem fim. Só o momento de ver
Jesus a pedir-me contas, a ver-me e a encontrar-me sem nada, só revestida da
maior miséria é rápido, não se lhe dá tempo de Lhe dizer: quem sois Vós, Senhor,
e quem sou eu; parai um pouco, e deixai-me cobrir ao menos com agasalho alheio;
estou nua, Jesus. Meu Deus, que confusão a minha: não tenho tempo para nada! O
que fiz eu da minha vida? Como aproveitei o tempo que me destes? Que horror, ó
meu Jesus! Mas Vós sois toda a minha loucura; só por Vós quero sofrer, só por
Vós quero amar, só de Vós quero falar e pensar; não quero outra vida, que não
seja a Vossa. Sinto-me como se fosse um poço no qual nem um só momento cessam de
tirar a água. Que movimento! Esta água, que é tirada, vai para cima, nela bebe
quem quer; este poço é inesgotável, não seca mais, tem sempre a mesma água. Está
em mim e não é meu; está em meu poder e não me pertence. Contudo estou
ansiosíssima por repartir, por dar a beber a todos. Sinto que é água de
salvação. Oh! como eu a queria dar! Dar do que me não pertence e não tenho
escrúpulo; roubo sem medo de ser pelo dono castigada. Ó meu Deus, ó meu Jesus,
queria dar tudo, tudo, toda esta água, queria nela mergulhar todo o mundo.
Morre, Jesus; morre com ânsias!
Tive dois combates
com o demónio; reduziu-me ao mal, ensinou-me todas as maldades, preparou-me
leitos de prazeres. Depois do pecado logo se transformaram em leitos do inferno.
Que horror, que desespero! Tantos sofrimentos, ódios e maldições! O prazer fugiu
e levou-me com ele a graça de Deus, fiquei mais miserável que os próprios
demónios. Abracei-me ao crucifixo e envergonhada só disse: meu Jesus, sou a
Vossa vítima.
Na quarta e
quinta-feira, quase em todo o dia, vi e senti a cabeça Sacrossanta de Jesus
cravada de agudos espinhos, tinha-a apoiado sobre a mão, o que sempre impediu de
eu Lhe ver os Seus divinos olhos. Só com a diferença: ontem de tarde, já pela
noite dentro, aquela posição de Jesus levou-me ao Horto e ao Calvário, levou-me
a ver todo o martírio. Vi Jesus no Horto a tremer e a suar sangue; vi os Seus
cabelos colados ao rosto; vi Judas beijá-Lo. Até nos cabelos se distinguiam; uns
de inocente, outros de maldição. Vi-O no Calvário, já na cruz e o sangue avançar
por cima da cintura. Ali fiquei com Ele; e hoje ao mesmo lugar O fui encontrar.
Vi-O crucificar, vi a cruz; não tinha lugar para mais espinhos; todo o Seu
divino corpo ferido ali neles era desfeito. Custou-me tanto ver assim Jesus!
Depois senti-O a Ele em agonia; e, ao pé da cruz, o Coração da Mãezinha a
estalar de dor com mais três corações amigos, associados à dor da Mãezinha, que,
cheia de agonia, levantava as mãos para Jesus, chorava e quase de dor expirava.
Principiei a ver e a sentir a cabeça de Jesus a pender, a inclinar-se sobre o
Seu peito e os Seus Santíssimos braços a despregarem-se da cruz. Jesus estava
morto. E eu com aquela visão e sentimento pareceu-me morrer também. Já não ouvia
o Seu brado e deixei de sentir a dor da Mãezinha. Senti inclinar-se a minha
cabeça, desprenderem-se os meus braços, depois do corpo ter gelado. Não sei a
quem foi entregue.
Passou-se algum
tempo; veio Jesus, cheio de vida; deu-me a vida, e disse-me:
― Minha filha,
minha filha, a vítima não pode sair, no momento, da sua imolação e sacrifício!
És a Minha maior vítima, a Minha vítima mais amada; não podes ser libertada do
teu martírio, porque o mundo não deixa de pecar. Eu não deixei aquela posição,
em que Me viste, os espinhos não desapareceram da Minha Sacrossanta Cabeça, não
levantei dos Meus divinos olhos as mãos, a Minha visão era outra; via os crimes
de toda a humanidade, via a renovação contínua da Minha santa paixão, foi por
isso que te fiz ver todo o Horto e Calvário. Tem coragem, porque Eu não sofri a
não ser em ti. Tu sim, Minha querida redentora, Minha nova redentora, tu sim,
sofreste; tu continuaste e continuas a Minha obra de salvação. Eu revestido de
ti, contigo sofri, mas, sozinho, não. Não posso mais, estou cansado de sustentar
o braço do Meu Pai! O mundo com os seus crimes está a acender o fogo, que o vai
queimar. Não é fogo do Céu, mas sim da terra; por ele preparado, a reduzir a
cinzas. Mas pode tomá-lo, deve tomá-lo como punição de Deus, como castigo
divino. Esta guerra, esta revolta, Minha filha, não é do Céu mas sim da terra; é
a guerra do pecado, é revolta contra Deus.
Senti como se se
abrisse o Céu e travasse luta com a terra. Que guerra, que pavor!
― Meu Jesus, que
quereis que eu faça; o que posso eu fazer? Não quero a Vossa dor, mas quero a
salvação das almas. O que quereis, meu Jesus? O que quereis, meu Amor? Dizei-me
o que quereis que eu faça.
― Eu queria, Minha
filha, mas não para ficar oculto: depressa, depressa a revelá-lo ao Santo Padre.
Eu sei que da primeira parte, que te vou dizer, nada consigo; é só para mostrar
os Meus divinos desejos e o Meu amor às almas. Não são tantos os crimes e tanta
a malícia do pecado, que só havendo 10 vítimas em cada nação, o mundo pode ser
salvo. Mas vítimas puras; cheias de generosidade e amor. Mas não, não as
encontro; não há quem aceite os Meus espinhos, não há quem queira as Minhas
chagas, a Minha cruz, o Meu Calvário; não há quem se entregue a Mim pelas almas.
Há muitas que querem sofrer e serem imoladas, enquanto que não chegam os
sofrimentos e a hora da imolação. Mas ah! O que Eu espero é a segunda parte.
Pede ao Santo Padre que lho pede Jesus; que apele para os sacerdotes, sobretudo
das ordens religiosas, que, apesar de neles haver muita coisa, há muitos, que Me
dão; que redobram de pureza, de fervor e de amor ao Santo Sacrifício da Missa.
Com essa pureza,
fervor e amor, unido à Minha vítima, a quem fiz a entrega da humanidade, a quem
dei a mais sublime missão, ela pode ser salva, salvar as suas almas. E não é
essa, esposa querida, a tua ansiedade, o fim de todo o teu sofrimento?
― Sim, meu Jesus,
eu quero salvar as almas, e por isso não me poupeis o meu corpo; eu não Vos
recuso nenhum sofrimento, mas se pudesse ser tudo! Se eu pudesse consolar-Vos e
amar-Vos, evitar todo o pecado, salvar todas as almas e poupar-lhes, aos corpos,
os castigos! Perdoai-nos, perdoai-nos, meu Jesus; sou a Vossa vítima, tende de
nós todos compaixão. Que dor no meu coração, que desolação a minha! Seja tudo
por Vós, meu Jesus.
― Coragem, Minha
filha! Essa dor é para nela ficares; não tenho vítimas generosas. Supre tu toda
a generosidade. Confia, confia; a tua dor de alma e corpo é bálsamo de salvação.
Para resistires à dor, para viveres e sempre em tuas veias correr o Sangue de
Cristo, vou dar-te a gota do Meu Sangue divino. É o Coração do Esposo unido ao
da esposa, e do Redentor à Sua redentora.
Jesus uniu os
nossos Corações, pelo cimo do Dele deixou cair no meu a gotinha do Seu divino
Sangue, e espalhou, ao mesmo tempo, sobre o meu peito uma labareda de fogo que
dele saía.
― Vai, esposa
amada; vai, leva esta vida e este amor. És o cofre das almas, a depositária de
todas as maravilhas do Senhor. Vai em paz; quero em teus lábios sempre o
sorriso, em todo o teu sofrer a tranquilidade e a alegria. Coragem! Jesus não te
falta.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Conto Convosco, confio em Vós. Fiquei logo mergulhada em
dor; sinto-me num mar de amargura, sinto-me num nunca acabar de trevas. Eu te
quero, minha amada cruz.
3 de Maio de 1947 – (1º sábado)
Não saí do mergulho
da minha dor nem de mim se apartaram as ânsias de dar tudo e obrigar toda a
humanidade a viver num poço, que tenho em mim. Nesta ansiedade, mergulhada só em
dor, ferida de alma e coração, preparava-me para receber Jesus, e aproximava-se
a hora da Sua chegada.
Minutos antes,
recebi a notícia de que um homem, que há três dias me tinha sido recomendado,
tinha morrido sem os Sacramentos. Foi um espinho que me feriu profundamente,
mas, não sei porquê, não me inquietou a perda da sua alma; fiquei em paz. Veio
Jesus. Momentos depois de entrar no meu coração disse-me:
― Minha filha,
Minha filha, a alma desfalecida e ferida pelos espinhos sente-se bem, tem
conforto, anima-se com o seu esposo. Vem a Mim descansar; sou o teu Esposo
Jesus. Nosso Senhor inclinou-me sobre Ele; fiquei com a minha cabeça unida ao
Seu divino Coração e como que a descansar em Seus braços. Recebe, Minha filha, a
Minha vida para a tua vida, o Meu conforto para a tua luta, para a tua dor.
Sofre contente; como são valiosos os teus sofrimentos unidos aos Meus; quanto
podes com O teu Jesus! Não sofras, Minha filha, com o golpe que acabaste de
receber; a sua alma foi salva. Fiz isto para exemplo dos outros. Momentos antes
de lhe pedir contas, apresentei-Me em sua presença, ao ver-Me, muito confundida,
exclamou: não Vos aproximeis de mim, meu Senhor, com tanta pressa; não estou
digno de aparecer diante de Vós. Perdoai-me, perdoai-me, Senhor, as minhas
culpas. Nada mais foi preciso; salvou-se. Foste vítima dele, nestes dias. Não te
sentias tu incapaz de aparecer diante de Mim e para isso parecia-te voar o
tempo? Foste vítima. Salvou-se, mas sem merecimento, sem virtudes. Será uma alma
a gozar-Me no Céu à custa da tua dor. Mas terá muito, muito, que sofrer no
Purgatório. Aqui tens uma das boas novas que te anunciei.
― Meu Jesus, mas eu
ainda não sabia nada.
― Sabia Eu, filha
querida, tudo o que se ia dar e por tu o não saberes é que tem todo o valor para
os homens. A segunda nova, Minha filha, é para dizeres ao teu Paizinho que a
alma do Paizinho dele subiu ao Céu, logo após 7 dias da sua morte. Foram 7 dias
em honra das 7 dores da Minha Bendita Mãe. Subiu ao Céu, depressa, pelas suas
muitas virtudes e merecimentos, e pelos muitos sofrimentos do filho, pela sua
vida de grande martírio e pelo amor com que por Mim ele é amado. Está a gozar-Me
na Pátria Celeste em grande glória e alegria. Principia já, Minha filha, a um
conselho dele porque Eu nunca o retirei de teu guia, a fazer a lista das almas
que desejas, logo a seguir à sua morte, subam ao Céu. E assim se vão cumprindo
as Minhas Divinas Palavras.
― Queria, meu
Jesus, perguntar-Vos por uma alma, mas não pergunto, perdoai-me.
― Fá-lo já, Minha
filha, e sem demora. Não tens confiança em Mim?
― Bem sabeis que
tenho, meu Jesus; mas não quero abusar da Vossa bondade; mas já que me permitis
dizei-me: onde está a alma da minha querida Deolinda?
― No Purgatório,
mas em vésperas de ir gozar na Minha glória. Logo que sejam celebradas 3 missas
pela sua alma, sobe ao Céu. Isto é, juntando às missas todas as orações que até
esse momento por ela foram feitas. Era boa sofreu muito e está sofrendo o seu
descuido. Diz, Minha filha, ao teu médico que eu o coloquei à tua frente, para
cuidar de ti e da Minha divina causa e para ser mensageiro das Minhas palavras,
em dias de tanta luta. Diz-lhe que não demore, em acordo com quem sabe, a mandar
ao seu destino o que com tanto empenho eu pedi. Dá-lhe a Minha bênção e todo o
Meu amor para todos os que lhe são queridos. Vem, minha Mãe Santíssima, com os
teus carinhos fortalecer, dar a vida à filhinha.
Veio a Mãezinha,
tomou-me em Seus braços, abraçou-me docemente, cobriu-me de carícias e disse-me:
― Minha filha,
Minha filha, sou tua Mãe e Mãe do teu Jesus; és por mim e por Ele amada com todo
o amor. Sofro com alegria, continua a salvar as almas. Toma o meu manto, envolve
nele a humanidade, salva-a, é filha de Jesus e é minha. Leva o meu amor, leva o
amor de Jesus, dá-o aos cuidam de ti, dá-o aos que te são mais queridos. É o
amor de Jesus e de Maria num só amor.
Jesus acrescentou:
― Dá-lhes este
nosso amor aos que te são mais queridos; dá-o a todos, dá-o na proporção em que
to pedirem. Quando te for pedido com instância e com toda a abundância diz-lhe
do coração: dou-to todo, como me pedes. Vai, louquinha, vai, que és a vida das
almas sem sentires que lha dás; és toda amor sem saberes que amas, és toda vida
sentido que és morte. Coragem, coragem!
― Obrigada, meu
Jesus, obrigada Mãezinha. Sede comigo nesta luta tão tormentosa da minha vida.
Que horror eu tenho em ter que ditar tudo quanto me disseste. Em teu beijo e
abraço, minha cruz, só por amor Àquele que me enviou.
9 de Maio de 1947 – (sexta-feira)
Não quero o mundo;
quero desaparecer dele, morrer para ele; não quero o mundo, nem nada que lhe
pertença. Quero as almas, quero as almas todas que nele habitam, porque essas
sim, essas só a Jesus pertencem. Deixo-me crucificar e morrer por elas. Não
posso pensar na perda das almas; não posso pensar que Jesus é ofendido. Eu não
quero o amor das criaturas; quero o amor do meu Jesus Eu não quero ofendê-Lo nem
sabê-Lo ofendido. Que sede de me dar a Ele, de Lhe pertencer, de morrer por Ele!
Que sede de ver o mundo, ou melhor, as almas nas mesmas ânsias, nas mesmas
pretensões. Queria tudo numa só alma, num só coração, num só amor. O meu coração
está cansado de tanta ansiedade, de tanta sede de amor. Eu não sei quem
continuamente bebe em mim e bebe sofregamente; a minha alma sente, os meus
ouvidos ouvem o saborear, o beber ofegante desta bebida. Continuo a ser o poço
inesgotável, apesar de, noite e dia, sem parar, dar água com toda a abundância a
quem quer beber. Depois disto não sou nada, não dou nada, em mim nada há. Eu não
vivo mas há em mim outra vida que vive e ama, que vive e possui tudo. Queria
viver esta vida, amá-la, perder-me nela, enlouquecer por ela. Ó meu Deus, ó meu
Deus, eu quero que as minha loucuras sejam só para Jesus e para as almas. Sinto
que esta vida é ferida, ultrajada, calcada aos pés de ingratos. Eu não posso
consentir em tal, quero remediar este mal e não posso. Sinto o meu corpo ralado,
moído, desfeito pela dor. Por vezes digo: meu Deus, como se vive, como se pode
resistir a tanto. Meu Jesus, sou a Vossa vítima, aceitai o incenso do meu
sofrimento, que ele suba ao Céu constantemente, dia e noite, sem parar, para ser
a reparação da bondade de Deus ultrajado. Fito os olhos em Jesus crucificado,
compadeço-me dos Seus sofrimentos, quero evitá-los e não posso; sofro
amarguradamente com Jesus. Fito novamente a imagem do Seu divino Coração e
peço-Lhe: deixai-me entrar, Jesus, no Vosso divino Coração, para me esconder e
incendiar. E fazei que eu vá como um sopro, como uma aragem suave, levar a todos
os corações a Vossa graça, o fogo do Vosso amor. Digo e não sou eu, falo e não
sei falar. Ó meu Deus, e assim me vou mergulhando nesta abismo medonho de
cegueira, abismo, cegueira, que não mais terá fim. Sinto-me nela como peixe na
água; quanto mais me mergulho em cegueira, mais obrigada me sinto a,
profundamente, me mergulhar. E sempre sobre esta cegueira um mar tempestuoso,
com fúrias desastrosas. E o coração a sangrar, sempre a sangrar; com que
crueldade eu o sinto ser apunhalado! Que finos e dolorosos são os fios que o
cortam! Ó minha cruz, eu te amo! Ó Mãezinha, eu sou Vossa; dai-me força e amai
por mim a Jesus, amai-O em nome de todas as almas.
Ontem, não sei
dizer como foi dolorosa a minha viagem para o Horto. A noite era escuríssima, e
eu fui tão ligada aos sofrimentos; não digo a este nem àqueles; foi a todos; era
um mundo deles, sentir mesmo que arrastava o mundo, que ele me esmagava. Era tal
a minha união à dor, eram tão inquebráveis as prisões que a ele me prendiam, que
nem um só momento dela me podia libertar, nem um só membro, nem um mínimo
bocadinho de carne podia ser da dor, dos espinhos libertada. Que dureza tinha
para mim a humanidade! Senti e vi Jesus a tremer, a chorar e a suar sangue, e
até pelos ouvidos o derramava. Senti-O a estender os braços, e a oferecer ao Pai
o cálice, amargurado. E dali fui com Ele, de mãos atadas, para a prisão; e, de
novo, levei comigo o mesmo mundo e arrastava-me, a esmagar-me. Esta manhã, não
podia respirar; não podia viver estava tomada de pavor; sentia os olhos colados
pelo sangue, que brotava do grande capacete de penetrantes espinhos, que me
cingiam à cabeça. Assim segui às escuras e estreitas ruas do Calvário, e sempre
a cair sobre mim uma chuva de maus-tratos e de ferros cortantes, que me
dilaceravam as arnês. Vi tantos pedacinhos com grandes rastos de sangue perdidos
por entre as lajes. Oh! como foi dolorosa a viagem! Quanto me custou chegar ao
Calvário! E quanto me custou ver feras, medonhas feras, em tão grande número, a
beberem o sangue, que de Jesus corria; eram com certeza feras só na aparência,
porque Jesus murmurou e deixou gravado na minha alma: melhor era para Mim, não
sofria tanto, se o Seu divino sangue fosse, na realidade, bebido pelas feras;
são piores do que elas. Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o
aborrecimento contra Jesus, um desejo de O ver desaparecer dos seus olhares
venenosos, fosse como fosse, custasse o que custasse. Jesus, que via e penetrava
no íntimo de todos mais sofria, e mais aumentava a Sua agonia; e num brado
fortíssimo chamou pelo Pai. Ao ver-se por Ele abandonado, aumentou a amargura e
o Seu desfalecimento. Como homem, já não podia viver, era mortal, eu sentia-O em
mim, a dar os Seus últimos arrancos. Mas como era suave e doce a agonia do Seu
espírito, os últimos momentos de Jesus na terra. Expirei com Ele. Ah! Se com a
mesma doçura, a mesma semelhança, eu expirasse na morte verdadeira, na morte que
será a vida, que se dará a vida Eterna! Veio Jesus, deu luz a toda a minha alma
e disse:
― Minha filha,
Minha filha, Minha Alexandrina, Alexandrina das dores, deixa-Me que te dê mais
este título de Minha esposa, Alexandrina das dores. Tem coragem! A alma pura
posso compará-la à água pura, à água cristalina, em vidro de cristal fino, posta
aos raios de sol a ser observada. Quantas coisas aparecem; o que descobrem esses
raios de sol! A alma és tu; o sol, observador sou Eu que tudo em ti descubro, e
a Meus divinos olhos, tudo aparece. Esse tudo que Eu vejo e faço que tu vejas é
o meio de que Me sirvo para purificar a tua alma para poderes passar deste
Calvário, deste leito de dores ao Céu. Faço que vejas em ti todas as manchas,
para delas te purificares, para te ver tão pura, tão pura, Minha pomba querida,
para que esta pureza em ti transpareça e a possas comunicar às almas. São tuas
as manchas que ao sol da Minha pureza e grandeza aparecem mas não são tuas,
filha querida, atende bem ao que te digo, as maldades, os crimes, esse mundo de
horrores, que em ti sentes e descobres. Ó maravilhas, ó maravilhas, tão pouco
conhecidas e compreendidas! A alma vítima vê-se coberta e responsável de todos
os crimes, e, ao mesmo tempo, possuidora do Seu Deus com todas as Suas
grandezas. Quanto ela sofre ter que aguentar e enfrentar o imundo com o que há
de mais puro e santo! Confia, filha querida; és vítima, mas não são teus esses
crimes. Entreguei-te o mundo, para o salvares, mas não é tua a maldade dele.
Acode-lhe, acode-lhe.
― Ó meu Deus, eu
não posso acudir-lhe; não sei o que hei-de fazer, não tenho que Vos dar para o
salvar. Salvai-o Vós, Jesus, acudi-lhe, são Vossos filhos e Vós sois
todo-poderoso e todo amor. Eu sinto que o meu sofrimento nenhum valor tem.
― Minha filha,
minha filha, és poderosa, tens comigo todo o poder. Tudo o que faço, tudo o que
peço, o Meu apelo urgente é para lhe acudir. Se te for dado ver como Eu sou
ofendido, é necessário um milagre para conservar-te a vida. A maldade atingiu o
seu auge, não pode aumentar mais, mas pode e aumenta o número dos que Me
ofendem. A impureza é veneno, que se alastra. Dá-Me dor, esposa das dores.
Repara como sou ferido.
Neste momento vi
cair sobre Jesus um nunca acabar de maus-tratos. Jesus era espancado,
esbofeteado, escarrado, açoitado, arrastado; era o mundo sobre Ele. Levantei as
mãos e gritei:
― Jesus, sou a
Vossa vítima.
E, como se fosse
possível abrir o peito e dar-lhe entrada em meu coração, disse-Lhe:
― Fugi, Jesus,
entrai no meu coração; caia sobre mim essa chuva de sofrimentos, mas livrai-Vos
Vós de serdes ferido.
Eu senti com que um
impulso de amor me obrigasse eu mesma a rasgar o peito, para dar entrada a
Jesus. Ele entrou e escondeu-se, mas, antes de entrar, levantou-me, porque
estava caída; desfaleci com a visão dos Seus sofrimentos. Ele deu-me vida ao
coração, que de dor me parecia morrer.
― Minha filha,
dá-me então tudo, tudo o que te pedir, todo o sofrimento, alegre, para
consolares o Meu Divino Coração, para Me desagravares, para Eu não ser ferido;
dá-Me tudo, para Eu poder tudo apresentar ao Meu Eterno Pai, para abrandar a Sua
justiça. Acode, acode, às almas.
― Meu Jesus, ó meu
amor, aceitai o meu sofrimento e o do mundo inteiro, como se eu dele pudesse
dispor; uni-os aos sofrimentos e méritos da Vossa santa paixão, uni mais ainda
todo o amor do Céu ao Vosso amor e ao da querida Mãezinha; formai de tudo uma
escora que sustente toda a justiça divina, para a não deixar cair. Quero acudir
às almas, a todas as almas e também ao martírio dos corpos, se puder ser, Meu
Jesus. Misericórdia, misericórdia, meu Amor.
― Pede sempre,
sofre sempre; a salvação das almas é tudo; és comigo poderosa. Recebe agora a
gota do Meu Sangue Divino, que brota do Coração, a arder de amor. Sem ele não
podes viver, sem esta vida divina não podes resistir à dor.
A gota do
preciosíssimo Sangue de Jesus caiu por entre labaredas de fogo no meu coração,
que logo se dilatou; mas Jesus não o deixou dilatar-se por muito tempo; veio
logo como médico, cicatrizou a abertura, e disse:
― Vai, esposa,
amada; vai sofrer, vai para a cruz, vai para a dor. Sofre mergulhada nestas
chamas, sofre abrasada neste amor; vai espalhá-lo, vai atá-lo na humanidade. Vai
confiada; não te enganas, Jesus não te deixa enganar. És de Jesus, vais para
Jesus; és das almas, vítima das almas. Coragem, coragem!
― Obrigada, meu
Jesus. Sofro tudo sem condição, a não ser a do Vosso amor, a da Vossa graça e
força; não posso sozinha, tenho medo, meu Jesus.
Que horror eu tenho
a ter que ditar tudo o que me diz Jesus! Se não me vem uma graça do Céu,
desisto, não o posso fazer. Se me davam uma ordem para não escrever mais nada,
que alívio tão grande para a minha alma atribulada; que consolação a minha; até
me parece que deixava de sofrer. Mas isso não quero; sou a vítima de Jesus.
16 de Maio de 1947 – (sexta-feira)
Quero subir na
escada do amor, e não consigo; sinto que desci ao último degrau. Jesus nada pode
esperar de mim; não sei amá-Lo, não tenho forças para O amar. Quero abraçar a
minha cruz, a cruz que Ele me dá, e não posso; este meu abraço é cair com ela,
desfalecida, sem jamais poder levantar-me. Quero fazer tudo o que é bom e santo,
e nada faço; pobre de mim! Quero ser só de Jesus, da Mãezinha e das almas, e não
sou de ninguém nem para ninguém. Não sou eu, não vivo, não existo; existe, vive
em mim o mundo cheio de maldade, cheio de crimes, todo revoltoso contra o
Senhor; é uma vergonha de morte. Sinto-o a crucificar Jesus. Em mim vive outra
vida a enfrentar este mundo. Com que dó, com que com compaixão o enfrenta, o
contempla! É por forçado a castigá-lo e não quer. Esforça-se, faz tudo para não
bater, não punir. Eu que não existo, sou, ou estou no meio destas duas vidas; a
vida do mundo quero moderá-la, transformá-la para ser outra. E na vida de Deus,
nada mais faço; imploro misericórdia, abro os braços, levanto as mãos, curvo-me
diante desse poder supremo para receber todos os golpes, para ser esmagada por
toda a Sua divina justiça. Meu Deus, não vivo e sou mundo, não vivo e possuo a
vida de Deus, não existo e vivo para o mundo e vivo para Jesus, não sou nada e
tenho que aguentar sobre mim toda a maldade humana e todo o poder, todo o amor e
toda a justiça de Deus. Se eu soubesse dizer este teatro doloroso que ora sinto,
ora vejo em minha alma! O amor do Céu não pode enfrentar a maldade da terra.
Apoderou-se de mim
tão grande medo do demónio, que é por vezes um grande pavor. Não tenho tido
combates com ele, mas sinto-o em trono, no meu coração; é rei absoluto de todo o
meu ser; sou toda demónio, sou toda inferno. Repetidas vezes, sinto cheiro ao
queimado; parece-me estar a cama, a roupa e eu toda a arder. Que gemidos tão
dolorosos e tão horrorosos tormentos deste inferno! Não posso consentir ser eu
inferno e ser demónio. E tudo isto às cegas, em trevas tão profundas; e eu
sempre a correr a mergulhar-me nelas, a atirar-me, louca, para elas, como se
fosse um poço sem fundo. São dolorosas estas trevas; e tremenda esta cegueira;
mas não sei pelo quê, eu quero-as, tenho sede delas; quero-lhes tanto, como se
elas fossem feitas só de consolação e amor. Tenho sede e não me sacia de beber
nelas e sempre nelas me mergulhar. Como pode ser, meu bom Jesus, querê-las e
temê-las; sofrer nelas e amá-las. Bendito sejais por tudo, meu Senhor; sou a
Vossa vítima.
O dia da Ascensão
de Jesus ao Céu foi para mim cheio de noite escura; foi uma morte total de todas
as coisas. Até no Céu era noite e reinava a morte. Não pude ansiar pela minha
Pátria, nem recordar o que se passava lá. Caminhei para o Horto sempre arrastada
pela maldade. O meu coração tornou-se uma bola, um entretenimento dos homens; em
tão curta viagem, recebeu todos os maus-tratos. Os caminhos eram ladrilhados de
agudos e variados espinhos para o ferirem. Vi ao lado, em visão bem clara, o
Calvário, e, no cimo, a cruz. A cruz era a minha, não digo bem, era a de Jesus.
Quando assim falo, é dele e só dele, porque é Ele a sofrer em mim, eu só O
acompanho. Senti que Ele se queria refugiar, e para uma gruta me refugiei com
Ele. O que ali sofreu Jesus! O sangue que Ele soou! O sangue que caiu do Seu
Divino Coração duramente espremido, enquanto o cálice da amargura, transbordou
fora. Ofereceu-o ao Pai; Este mandou o Anjo, a confortá-Lo. Ela desceu e
colocou-se, ao lado de Jesus, como para O levantar. O Calvário com a cruz não
desapareceu. O mundo com a sua maldade continuou a agravar os Seus sofrimentos.
Depois, o beijo de Jesus e nada mais. Hoje, de manhãzinha, entrei nas ruas do
Calvário. Quase no princípio, caiu Jesus, pela primeira vez; caiu sobre a cruz,
feriu gravemente o Seu santíssimo rosto e peito. Desfalecida, oprimida por tão
grande peso, segui com Ele o caminho do calvário. Caiu, segunda vez, e eu caí
também. Senti e ouvi os estalos das pancadas que despedaçavam o Seu santíssimo
corpo. Cheguei ao cimo, vi a esponja, que de nada valia para a sede, em que
ardia Jesus. No alto da cruz, de todas as feridas dos espinhos saíam raios
doirados; formavam um só brilhante. Estes raios, este sol resplendoroso enchiam
a terra, mas este levantou sobre eles negras muralhas, para deles se esconder;
rejeitou-os. Daqui nasceu o brado e a agonia contínua de Jesus. Sofri com Ele
até ao último momento, até que agonizei e deixei o coração mais duro que a dura
pedra. Veio, pouco depois Jesus; transformou-o de dureza para luz e bondade.
― Minha filha,
escola das maravilhas, de todas as maravilhas de Jesus, rainha do mundo o qual
eu quero e é urgente que a esta escola venha todo aprender. És escola de
maravilhas, porque em ti há do mais alto e sublime; em ti há tudo o que é do
Céu, tudo o que é de Deus. És rainha do mundo, porque to entreguei e confiei
para o salvares. Quero que em ti aprenda; e quanto tem que aprender! Em ti
aprende a amar, a sofrer, a cumprir em tudo a lei do Senhor; em ti pode admirar
as maravilhas, que o mesmo Senhor em ti depositou. Não foi para ti, Minha esposa
querida, que assim te fez rica e poderosa; foi para as almas, foi para as almas,
foi para as salvar.
― Ó meu Jesus, ó
meu Jesus, como eu sou pequenina, como me sinto humilhada, queria desaparecer de
diante de Vós. A minha humilhação não é por ouvir-Vos falar assim, porque falei
das Vossas coisas, mas sim por me teres escolhido para depositária das Vossas
graças, preferindo-me a tantas criaturas. Que vergonha, meu Jesus!
― Criei-te para
esta vida, para a salvação das almas, para a missão mais sublime. Eu encontrei
em ti, na mais tenra idade, o que não encontro nas outras criaturas. Digo-te,
não para elogio, porque sem Mim nada podes, mas sim para tua força e conforto.
Tem coragem! Tu serás para o mundo uma nova arca de Noé. Tu serás para toda a
humanidade o sol, que a ilumina. Coragem, Minha redentora, Minha crucificada. O
teu amor, o teu sofrimento é a arca de salvação. Confia, confia; são tuas as
almas. Vou dar-te com a gota do Meu Divino sangue uma efusão do meu amor, sabes
para quê? Para o dares, para o distribuíres; e para que em teus olhares e vida
transpareça tudo o que é celestial. Desce o Céu a assistir.
Um bando de Anjos
mais vasto que a chuva miudinha desceram, a baterem as asas, cheios de luz. Mais
atrás, um bando sem número de pombas brancas. Por último desceu a Mãezinha,
coroada de rainha, num grande trono; colocou-se à minha frente; senti como se o
meu peito fosse aberto, e a Mãezinha colocou no meu coração as Suas Santíssimas
mãos. Do coração divino de Jesus saiu para o meu, fogo, muito fogo; e por último
a gotinha de sangue. Com este calor ardente e o sangue de Jesus, o coração
dilatou-se, fiquei sem poder respirar. A Mãezinha fazia do coração uma bola que
ela acariciava; com estas carícias e beijos, que ela me dava, aguentei o amor de
Jesus.
― Minha filha,
coragem, coragem ― disse-me Ela.
O peito cerrou e a
Mãezinha com os Anjos e o bando das pombas brancas principiou a subir. Ao vê-La
partir, disse-lhe:
― Muito obrigada,
Mãezinha; levai-me convosco para o Céu.
― Espera, Minha
filha, mais um pouco; tem coragem! Depressa virás para a tua Pátria.
― Não demora, não
demora o teu Céu, Minha filha ― continuou Jesus, que ficou comigo. Viste o bando
das pombas brancas? Foram de almas que estão no Céu já salvas por ti. Diz-Me
muitos actos de amor; tens por cada um uma alma. É a troca; vê que vale a pena.
Mas olha; quem muito dá muito quer receber. Eu tudo te dou; enriqueço-te, mas
quero dor, sempre dor, dor sem igual; é com o amor a moeda das almas. Confia em
Mim, estrela do mundo, flor mimosa do Paraíso. Vai para o teu posto, vai para a
tua cruz; saboreia tudo o que é dor, que é um sorriso contínuo para o teu Jesus.
Fiquei com tantas
saudades da Mãezinha e tantas saudades do Céu e tão grande horror e
aborrecimento do mundo!
― Quem poderá aqui
viver, meu Jesus, só com a Vossa graça, a Vossa vítima. Tende sempre diante de
Vós o meu pobre coração agradecido.
23 de Maio de 1047 – (sexta-feira)
O que fizeram os
santos, porque não o faço eu também? Tem sido esta a interrogação, que neste mês
da Mãezinha tenho feito a mim mesma. O que os santos fizeram! Mas eu não sei o
que foi. Eles certamente amaram muito a Jesus e tudo sofreram por Ele. Mas eu
não sei amá-Lo, desconheço o amor; e nada sofro porque não sou quem sofre, mas
sim Jesus em mim. O que hei-de dar então? Ai, pobre de mim! Nada tenho a não ser
o mundo horroroso, o mundo vergonhoso das minhas maldades e misérias. Ó meu
Deus, eu Deus, como eu me vejo e sinto num mundo de podridão; tenho nojo de mim
mesma. Desfaz-se a minha carne na maior imundice. Mas tenho sede, sede
abrasadora, sede insaciável de amor a Jesus. Sinto-me como se estivesse
mergulhada no mar sempre a beber, sem dele sair, sem nunca me saciar. Estou como
o peixinho; quanto mais nada, mais quer nadar; quanto mais me mergulho, mais
necessidade tenho de me mergulhar. Morro à sede, sem sair da água, sem deixar de
beber. Queria dar-me a Jesus, queria dar-Lhe a as almas, todas, todas as almas.
Quando falo de Jesus, do Seu divino amor e das Suas almas, não sei que sinto,
sinto-me a desaparecer. Que loucura o amor de Jesus! Que valor têm as nossas
almas! Não posso pensar que alguma se perca, que para alguma fosse inútil o
Sangue de Jesus derramado. Não tenho coração nem espírito que aguente com estes
pensamentos. O amor de Jesus, o amor de Jesus por nós! Sinto um não sei quê,
dentro de mim, que me obriga a querer ir a Roma. Não é para ver sua Santidade;
não é para ver os lugares santos nem para contemplar tantas maravilhas, se bem
que tudo isso seria para mim motivo de grande alegria. A minha necessidade não é
essa. Eu queria de sua Santidade um não sei quê, que mais ninguém me pode dar.
Eu queria lançar-me a seus pés, beijá-los, regá-los com as minhas lágrimas.
Estou convencida que isto o fazia compadecer de mim; estou certa que assim a
minha alma recebia o que ela anseia e eu desconheço. Ó meu Jesus, Vós sabeis bem
que isto eu não posso fazer; supri Vós, por misericórdia, doutra forma, a minha
falta.
Continuo a ter
grande medo, grande horror ao demónio. E continuo ainda a senti-lo no meu
coração, sentado em trono como rei; tem mesmo na cabeça coroa como de rei e na
mão direita um pau ou ferro preto, de meio para cima, com duas grandes galhas.
Ele está em grande sossego; sabe que Ele é o Senhor; não teme que o deite fora;
está orgulhoso como senhor de si mesmo. Meu Deus, que grande horror! O demónio
dentro de mim! E agora, nestes últimos dias, sinto em mim Jesus, mas fora do
coração, e a alma vê-O com o peito aberto, de cada lado da abertura, as suas
divinas mãos para melhor mostrar a chaga do Seu Divino Coração profundamente
aberta e a sangrar. Jesus aponta o Seu Coração divino; com os Seus olhares
ternos e meigos, cheios de amor, convida o meu coração a entrar. Ele quer-me
inteiramente, esquece o meu passado. Que convite tão enternecedor! Faz-me doer
tanto o coração! Jesus, de pé, sempre a chamar-me com doçura a entrar nele. Eu
faço-me surda, desvio dele os meus olhos, não faço o mais pequenino esforço por
deitar fora o demónio. E Ele nem sequer estremece, no seu grande orgulho, está
sossegado. Que quadro doloroso! O demónio dentro e Jesus fora! O amor a
enfrentar a maldade. E eu preferir o demónio a Jesus! Que horror, que horror de
morte!
Na tarde de ontem,
senti que no meu pescoço me foram lançadas grossas cordas, e todas as mãos
humanas por elas me arrastaram até me conduzirem ao Horto. Esta mesma força de
maldades obrigaram o Céu com toda a justiça divina a descer lá sobre mim a
esmagar-me. O peso foi tanto, que me rompeu todas as veias; o sangue regou a
terra, a larga distância. Ali vi Jesus com antecipado sofrimento, com o Seu
divino coração aberto, a dar de beber às almas. Umas arrumavam-se Dele, com
aborrecimento; desprezavam tudo, nem no sangue de Jesus queriam tocar; outros
bebiam-no friamente, com indiferença, como se nada fosse; vinham outros, que o
bebiam com mais amor; iam outros que bebiam com loucura e não queriam deixar de
beber; veio outra que passou sobre todas, e, numa sede insaciável, bebeu, bebeu,
entrou pela chaga do Coração divino de Jesus, perdeu-se Nele e não apareceu
mais. Depois subi ao Horto, ou subiu-o Jesus em mim, atropelada debaixo de uma
chuva de empurrões e pontapés. Eu sentia no meu corpo os vestidos colados com o
sangue já seco. Na grande sala de Anás, vi a multidão que seguia Jesus, eram
homens, só homens com armas e paus. Quando o malvado deu a bofetada em Jesus,
foram tantas as gargalhadas e o bater de palmas, como se fosse praticada a mais
bela das acções. Como Jesus se fazia pequenino e estava humilhado! O príncipe na
sua vaidade, elevou-se às alturas; via-se como que adorado por quantos o
rodeavam. Como Jesus foi desfalecido para a prisão! Que tristeza a Sua! E ali
sozinho! Que pena eu tive de Jesus! Lembrei-me então Dele, preso nos sacrários,
pois agora na terra outra prisão não tem. Fiz um sacrifício, fiz alguns actos de
amor; pedi à Mãezinha para ir comigo a todos os sacrários e os entregar a Jesus
por mim, e lá me deixar para sempre prisioneira com Ele.
Hoje de manhãzinha,
sem nisso pensar, senti a alma ir ao cárcere, ao encontro de Jesus; encontrei-O
triste, na mesma tristeza que eu senti e sem ter as belezas de Jesus; estava
desfiguradíssimo, era já quase um cadáver. Desci com Ele, com Ele fui coroada de
espinhos, com Ele fui açoitada, com Ele ouvi as algazarras dos que se
regozijavam de O ver sofrer. Com Ele segui o Calvário. Ao cimo dele vi despirem
Jesus; não O vi crucificar. Mas pouco depois, o meu corpo era a cruz, onde Ele
estava pregado. Os espinhos da Sua sagrada cabeça feriam-me a mim também. Sentia
o Seu divino Coração cercado de miudinhos, mas agudos espinhos, que me cingiam e
feriam também o meu. Quando Jesus movia os Seus lábios, para bradar ao Pai eu
sentia-os e via-os mover. Quando a esponja lhe foi por eles passada, no coração
senti como Ele saboreava não por si, mas em sinal de agradecimento, como se lho
tivesse feito por amor. Bem intimamente na alma se gravaram também os olhos de
Jesus, quando Ele os levantava ao Pai, e via que eram uns olhares mais ternos.
Perto de Jesus agonizar, fez-se noite no Calvário, e reinou um profundo
silêncio; só se ouviam os Seus suspiros divinos. Quase tudo se retirou,
apavorado, e já a tomarem qualquer acontecimento. Era o temor e não o amor a
causa desse pavor. Ficou a Mãezinha com a Sua dor e agonia a acompanhar Jesus.
Como Ela sofria e Ele com Ela! Indizível é a dor. Sofri tudo e nesta dor
expirei. Veio Jesus, chamou-me:
― Minha filha,
coração grande, coração ardente, coração de fogo, sacrário da minha habitação;
és o meu Céu na terra, paraíso das Minhas delícias. Sim, aqui delicio-me; posso
dizer que ainda há corações na terra, mas bem poucos, que Me amam e onde Eu
tenho a Minhas delícias. O teu é um desses, permite-Me que te diga; confia em
Mim, que sou O teu Jesus: o teu coração é o que Me ama sobre todos, e sobre
todos no que mais Me delicio. O teu amor delicioso, Eu o coloco na taça da tua
dor; é uma oferta contínua, dia e noite, sem parar um momento, que Eu ofereço a
Meu eterno Pai. Esta taça de dor e de amor delicioso é escora que sustenta o
braço da Sua justiça pendente a cair sobre a terra. Dá-Me dor, dá-Me amor, dá-Me
tudo, Minha filha. O Meu eterno Pai ao aceitar e contemplar a oferta, que Lhe
dou, vai esquecendo como sou ofendido. Oferece-Me, filha querida, todo o teu
martírio, une-o ao Meu sangue Divino e às dores da Minha Bendita Mãe, e nesta
união, na renovação contínuo da Minha paixão, tu receberás do Céu toda a força,
todas as graças, todo o poder, para acudires às almas. Salva-mas, salva-mas, que
são Minhas. E vê o trato que Me dão.
Quando Jesus
levantava para o Seu Eterno Pai uma taça formosíssima, era belo, cheio de luz.
Quando me disse para eu ver o mau trato, que Lhe davam as almas, caiu por terra,
feito um mendigo, sem formosura, sem luz e sem nada. Caiu de repente com os
maus-tratos, que Lhe davam, como uma árvore, que num rápido momento é cortada.
Quando vi Jesus caído, lancei-me a Ele, deitei-Lhe as minhas indignas mãos e
bradei-Lhe:
― Levantai-Vos,
levantai-Vos, meu Jesus: quero cair eu, debaixo desta chuva de maldades, mas não
quero ver-Vos sofrer. Dizei-me, Jesus, o que posso dar-Vos, o que posso fazer.
― Dor, dor Minha
filha; dor e amor. Pede, pede aos que cuidam da Minha divina causa; diz-lhes que
Jesus pede: quero oração, quero penitência, quero vida pura, quero vida nova.
Que não cessem de pedir isto aqueles, a quem confiei aquilo que mais caro tenho
na terra.
― Meu Jesus, tudo
Vos dou sem ter que Vos dar; não sei amar-Vos, não sei sofrer, dou-Vos tudo o
que é Vosso; sou a Vossa vítima.
― Amas-me, filha
querida; sabes sofrer e comigo tudo vences. Vou pedir-te alguns combates do
demónio; dá-mos, confia que não Me ofendes. Eu queria que a tua vida, esposa
querida, fosse espalhada, depressa chegasse aos confins do mundo como chuva de
Formosas rosas caídas do Céu. Que chuva de maravilhas, bálsamo de salvação para
as almas. Recebe a gota do Meu sangue Divino; corre o sangue de Jesus nas tuas
veias, é a tua vida, é a vida que espalha, é a vida que infundes nos corações e
nas almas. Deixa-Me unir o centro dos dois; não deixo que o teu se dilate.
Jesus uniu os
nossos corações, a gotinha do Seu divino sangue caiu no meu e Ele logo os
separou; acariciou-me e disse-me:
― É a vida é a
força do tua dor. Vai, esposa, vai, amada, vai para a cruz que te espera; leva a
graça, leva o sorriso, leva o conforto, beija-a abraça-a, não Me deixes mais. Eu
opero milagres sobre a tua vida; sem este milagre não resistirias a tanto
sofrer. Quando deixar de o operar, a tua alma voará ao Céu como pomba branca,
saída da prisão. Está bem perto, tem coragem! Vai dar-te às almas, vai
salvá-las. Vê quanto Eu faço por elas; mesmo assim ofendido, abro-lhes o peito,
ofereço-lhes o coração; e elas como demónio em seus corações não Me dão
aceitação, recusam a entrada, preferem-na a ele. Não és tu que possuis em ti o
demónio; é o mundo, é o mundo; tu és vítima. Coragem, coragem! Leva amor, leva a
tua cruz. O mundo é teu; confiei-to; acode-lhe, salva-o com a tua dor, com o teu
amor, com o teu calvário.
― Obrigada, meu
Jesus
30 de Maio de 1947 – (sexta-feira)
Não sei o que é a
minha vida; estou na terra e parece-me que não estou; vivo, e, por vezes, passo
as horas, como se não vivesse; sofro, e sinto passar-se o tempo, como se não
sofresse. Não vivo, nunca vivi; não sofro, nunca sofri; não amo, nunca amei. É o
que eu sinto. Meu Deus, meu Deus, como é que eu existo, e a parecer-me não
existir? A minha vida é lodo, é lama presa, são maldades vergonhosas. Que trapo
desfeito em lepra nojenta. É o que eu sou, é o que eu vejo em mim, é a vida que
vive e reina em todo o meu ser. Mas tenho sede, sede de pureza, sede de graça,
sede de amor, sede das almas. Tenho tantas ânsias de possuir a Jesus, de
enlouquecer por Ele, que, fitando o Seu divino Coração, digo-Lhe: deixai-me,
Jesus, entrar nessa chaga divina, nesse Coração de amor; quero esconder-me,
desaparecer, derreter nesse fogo, como gelo que derrete com o sol e desaparece
escondido na terra. Dai-me amor, Jesus; escondei-me, não quero aparecer no
mundo. Toda a terra Vos dá louvor, Jesus; e eu nada Vos dou. Quando chegará o
dia que eu Vos possa louvar e amar eternamente e em Vós saciar todos estes
desejos e ânsias que me consomem? Sinto-me morrer, meu Jesus, por não Vos amar,
por nada ter que Vos dar e por não Vos salvar as almas. Vede até onde chega o
meu desfalecimento.
A noite de sábado
para domingo do Divino Espírito Santo foi noite de tormento, de penoso martírio
para mim. Ainda cedo, cerca das dez horas, vi à minha frente uns grandes arcos
guarnecidos de medonhas serpentes; eram elas que formavam esses arcos, pois
outra coisa eu não via; eram elas que os guarneciam, pendentes para um lado e
para o outro, uma e outra cabeça, uma e outra cauda. As cabeças tinham os olhos
vivíssimos, medonhos, cheios de malícia. Até aqui não me assustei. Passado algum
tempo, sentia essas serpentes, junto de mim; parecia-me ter a cama cheia. Ouvia
o seu rastejar, como se fossem pelo chão, as suas grandes escamas pegavam-me na
roupa, como grandes farpas. Queria desviar-me delas, e não podia. Tinha medo,
mais que medo, grande pavor. Queria luz, queria chamar a minha irmã, mas não o
conseguia. Não sei se sim se não, mas não me recordo de chamar por Jesus nem
pela querida Mãezinha. Juntaram-se a estas uns bichos pequenos que eu
desconhecia, mas eram assustadores. Não tinha lugar na minha cama que não
estivesse ocupado pelas serpentes. Senti no meu corpo uma dor tão aguda,
pareceu-me que fui por uma mordida; senti que esta mordedura me envenenou toda;
o veneno espalhou-se em todo o meu ser, repentinamente. Disse para mim: vou
morrer já, morro envenenada; esperava a morte. De um momento para o outro, senti
uma força, uma coragem, tentei esmagar uma que passava ao meu lado; calquei-a;
na minha mão direita, tinha como que um ferro agudo, como se fosse uma lança.
Esforcei-me por trespassar com esse ferro a cabeça da serpente. Trespassei-a,
calquei-a, mas ela ficou com vida; pode retirar-se de mim. Quando esta
desapareceu, já todas as outras tinham desaparecido. Eu não morri, mas todo
aquele veneno ficou em comigo; e tal veneno é que tudo pode envenenar.
Passaram-se uns
dias e noites sem que o demónio viesse com os seus ataques atormentar-me,
embora, por vezes, tentasse assaltar-me. Mas sempre veio com três assaltos
seguidos. Não sei como ele se fez senhor de todos os meus sentidos; olhos,
ouvidos, tacto, sentidos. O meu coração era dele; era dele todo o meu ser.
Principiaram os convites para o mal, as maldades, por fim a luta. Pude dizer a
Jesus e à Mãezinha que me valessem, que não queria pecar, que era a Sua vítima.
Não pude benzer-me, nem pegar, para as mãos no meu crucifixo. Parecia-me que ele
conseguia de mim quanto queria e, de um combate para o outro, eu ficava presa a
ele, presa pela malícia, presa pela maldade. Compreendi alguma da sua malícia.
Por mais esforço que fizesse para não ouvir o que ele me dizia, tinha que ouvir.
As bagadas de suor corriam; o coração batia aflitivamente. Não podia libertar-se
dele. A voz de Jesus e a um sinal de retirada, ele fugiu. Jesus dizia:
aparta-te, maldito, para o lugar que tu escolheste; já basta; deixa-a, que é a
minha vítima. Fiquei libertada e pude tomar a minha posição. Mas ele, ainda ao
longe, tentava seduzir-me e prender-me novamente a ele. Fiquei na dor e no
receio de ter pecado. Só depois de Jesus ter vindo ao meu coração, sosseguei
mais. Ele deu-me a Sua doce paz.
Ontem, perto do
cair da tarde, vi dois rostos unidos: o de Jesus e o de Judas, que deu o beijo
traidor em Jesus. Vi estes rostos, e eles estavam unidos ao meu. Foi tal a
amargura que senti com aquela visão. Um rosto tão belo e tão puro e outro tão
cruel e parecido com Satanás, que me levou ao Horto, no qual principiei a ver e
a sentir Jesus, ora de uma forma, ora de outra. Quando Ele mais precisava dos
Apóstolos, os seus amigos, companheiros de tanto tempo, menos os tinha, maior
era a sua despreocupação; dormiam sossegados, a bom dormir. Jesus sofria com
este afastamento, mas estava contente por eles dormirem. Prostrado por terra, em
agonia, banhado em sangue, levanta-se depois. E eu sentia-O na minha alma,
gravado bem profundamente, os Seus cabelos ensopados e as gotas do Seu divino
sangue a correrem ainda mais, muito mais. Sentia os Seus divinos olhos abertos,
levantados ao Céu. E em meu coração sentia os Seus lábios a repetirem, uma e
outra vez: Pai, Pai, Pai, afasta-Me este cálice, se é possível; mas faça-se a
Tua vontade; Eu quero morrer para dar a vida. Nestes momentos Jesus tinha a
formosura de Jesus. A Sua calma estava jubilosa de tanto sofrer. Que alegria a
de Jesus, por dar a vida por nós! Veio Judas de encontro ao Horto, ali beijou o
rosto inocente, e, logo, todos os soldados caíram por terra. Jesus, entregue aos
seus maus-tratos, mais ainda do que até ali, se viu dos seus amigos abandonado;
fugiram, deixaram-No sozinho.
Hoje, pela manhã,
caminhei para o Calvário. Por mais que eu queria desviar os sofrimentos de Jesus
do meu pensamento, não por não querer pensar neles, mas sim para me livrar de
ilusões, prende-se a eles o meu coração; desvia-se deles o espírito, mas o
coração cola-se, a alma tudo sente. Caminhei com O meu Jesus; parecia-me
caminhar, a passos de gigante. No meu desfalecimento, o Calvário não chegava,
mas vinham-me, de encontro ao peito, todos os sofrimentos dele; feriam-me o
coração. Quase sem vida cheguei ao cimo. Pregada na cruz, ondas de sofrimentos,
vindas de mares e mares sem fim, levantavam-se sobre a cruz. Jesus, numa sede
insaciável, bebia incessantemente, e, como num eterno abraço, as estreitava. Com
que doçura Ele o fazia, sabia e via muito bem que Sua morte dava a vida; que a
Sua dor era um maná, o bálsamo fecundo, a vida das almas. A esta bondade e amor
de Jesus, veio levantar-se o mundo em grande revolta e ódio; parecia cair sobre
a cruz uma chuva de instrumentos, que dilaceravam os restos das carnes de Jesus.
Era o mundo lodacento, apodrecido, a atirar contra o sol mais brilhante a sua
podridão, para encobrir seus raios. Eram estes os sentimentos da minha alma. Que
sentimentos tão profundos! Jesus, ao ver que o mundo desperdiçava o Seu sangue
divino e a tantos não aproveitava a Sua morte, agonizou, e eu com Ele. Depressa
voltou novamente a dizer-me:
― Minha filha,
esposa querida, coração do Meu coração, luz dos Meus divinos olhos, vem
saciar-te, vem ao amor, vem receber vida; recebe para ires espalhá-lo.
Consola-Me, acode às almas; as tíbias arrefecem, gelam cada vez mais, os
pecadores fogem-Me. Acode-lhes, pede-lhes que escutem a voz de Jesus, que
atendam ao Seu chamamento. Tem dó de Mim, vê a Minha agonia. Dá-Me dor, dá-Me
dor, a tua dor é de salvação.
― Ó meu Jesus,
sofro tanto pelas almas e elas gelam, e os pecadores fogem-Vos? De que vales
então os meus sofrimentos? Eu quero sofrer tudo, mas não Vos quero ver sofrer,
quero sofrer tudo, mas quero salvá-las; e nada faço, e nada faço, meu Jesus.
― Ai do mundo sem
ti, ai do mundo sem o teu martírio! O teu sofrimento vence o coração de Deus; o
teu martírio é de redenção. Eu farei que tenhas todo o poder sobre as almas. Que
maravilhas, que grandes transformações Eu por ti opero nelas! Que grandes
prodígios, depois da tua morte! Tens todo o poder sobre elas, e poderosa és
sobre os demónios. A visão que te dei das serpentes, foi para dar luz;
estudem-na bem para bem a compreenderem. Escolhi a festa do Divino Espírito
Santo; deixem-se iluminar pela sua luz. Os arcos levantados eram as torres
maliciosas de Satanás. Ele envenenou tudo, a malícia subiu ao seu auge. As
arcadas eram arcadas sedutoras. Tu não foste pela serpente envenenada; ela não
te mordeu; foste apenas vítima. Não te disse Eu já há muito tempo que, à
semelhança de Minha Bendita Mãe, serias poderosa sobre os demónios. Era um Anjo,
à semelhança de outro anjo, a combater a serpente maligna. Uma virgem, à
semelhança doutra virgem, Minha Mãe Santíssima, a calcá-la, a aniquilá-la. Ela
gemia sobre o teu poder; mas sua vida continua, o veneno continua a envenenar e
continuará sempre até ao fim. É o retrato do paraíso; luta e vencerás; combate e
nada temas. Coragem, cofre riquíssimo, mar imenso das maravilhas de Jesus.
― Mas Jesus, tenho
tanto medo do demónio e receio tanto enganar-me! Sou a Vossa escrava, confio na
Vossa misericórdia.
― Não temas o
maldito, Minha filha; ele não vence, nada poderá contra ti; tu não Me ofendes. O
segundo ataque que te pedi, foi a reparação da família. Que crimes tão grandes
se comentem entre os esposos! Confia em Mim; tu não te enganas. O teu
sofrimento, mesmo quando estás em colóquios comigo, sou Eu que o permito; são
colóquios dolorosos, é maior a reparação que Me dás, e o proveito é para as
almas. Para veres que não te enganas, retira-te agora de Mim, deixa-Me ficar
sozinho.
― Não posso, Jesus;
estou presa a Vós, deixai-me então que eu vá.
― Compreendes
então, filha querida, que não te enganas, que estás na verdade, que estás
comigo?
― Sim, Jesus; agora
compreendo, não tenho dúvidas. Não sei que luz e fogo é este; sinto o meu
coração arder.
― É a luz do Divino
Espírito Santo, é o fogo do Meu divino amor. Enche-te, toma conforto; e recebe
juntamente a tua vida, a gotas do Meu Divino Sangue.
Jesus fez outra vez
do Seu Coração uma canequinha, pela qual deixou cair no meu a gotinha do Seu
Sangue divino; colocou-a novamente dentro do Seu Santíssimo peito, cerrou-o,
cerrou o meu e disse-me:
― A cruz espera-te;
vai para ela, abraça-a, beija-a, é a cruz da redenção. A tua dor, o teu amor
salva as almas. A tua dor não ma negues. Vai para o mundo com o teu martírio,
leva a minha graça, leva o meu divino amor. Semeia, semeia com canseira, semeia
com o teu sorriso.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus. Sim, eu vou, mas fico convosco; eu vou, mas vinde comigo,
sede a minha força.
6 de Junho de 1947 – (sexta-feira)
Não posso estar
aqui; não vivo, não sei viver. Tenho medo do mundo; que horror ele me causa; não
sei se é ele que me crava tantos punhais; não digo bem, sinto-me a ser o mundo e
sou eu própria a cravá-los, a assassinar-me a mim mesma!
Por vezes, a minha
alma vê Jesus, feito enfermeiro, a querer entrar a este mundo, que sou eu mesma.
Rodeia, rodeia uma e outra vez este monstro mundial, para curar-lhe as chagas de
entro e de fora. Jesus anda cheio de amor e doçura, mas não tem estrada. Esta
rocha dura não quer ouvir o Seu convite de ternura, não quer deixar-se curar.
Que pena eu tenho não consentir que Jesus seja o meu enfermeiro! Ele quer
acariciar-me, e eu não deixo, revolto-me contra Ele, obrigo-O a afastar-se de
mim. Apesar de ser eu que O não quero, nem quero a Suas bondades, ternuras e
carinhos, a alma chora por não O querer, por não lhe dar entrada, por não O
amar. Que pena eu tenho de Jesus! Sofro ao mesmo tempo com Ele. Sou o mundo e
sou Jesus; peco e quero pecar; amo e quero amar; e este amor é louco, não tem
limites, ama e não olha a quem; o que quer é ser aceite. Se este amor fosse eu,
e minhas não fossem as maldades! Mas ai pobre de mim! O amor é de Jesus, as
maldades são minhas. Abracei-me à minha cegueira com tal afecto, com tal amor,
que não mais a largarei; ela só me causa sofrimento, só me mostra que sou lodo e
lama, mas eu quero e neste estreito abraço mais me vou mergulhando nela. O que é
bom, o que é de Jesus, não aparece nas minhas medonhas trevas. Mas o que posso
eu esperar, o que posso eu ver, se nada há em mim de bom, nada tenho de
encantador que a mim pertença. Sou miséria, só miséria; ó Jesus, compadecei-Vos
de mim! Tenho recebido, nestes dias algumas, algumas graças, alguns mimos do
Céu, que eu não mereço. Agradeço-as a Jesus e à querida Mãezinha, mas este meu
agradecimento não chega.
Por não chegar o
meu agradecimento e por temer ao máximo estes mimos, não chego a gozar da
alegria e consolação que eles me possam dar. Bendito seja o Senhor. Tudo para
Vós, meu Jesus. Estou a recordar, passo por passo, tudo o que se passou, dias
antes da minha partida para a Foz. A coragem que pedia a Jesus e à Mãezinha, a
confiança que neles depositei no meio de tanta amargura. Quatro anos são
passados; nada esqueci, todos esses sofrimentos parecem ser de hoje. Meu Jesus,
sou a Vossa vítima.
Sinto em mim o ódio
do demónio; ele quer matar-me, a fogo e a espada. Ele vê-se agora forçado a
deixar o trono do meu coração; teima, faz violência para não sair. Ao ver que
não tem remédio senão retirar-se, odeia-me, uiva desesperado. Sinto os seus
rancores, ouço o seu uivar.
Na tarde de ontem,
senti em mim um mundo de bronze, o qual tinha de ser regado com sangue de Jesus.
Fui para a ceia com Ele e com os Apóstolos. Vi novamente a bênção do pão e do
vinho que veio a ser o Divino Corpo e Sangue de Jesus. Encantou-me o seu
Santíssimo Rosto no momento da bênção, a arder de amor, todo inflamado em fogo,
de olhos fitos no Céu. Todos comungaram, até mesmo Judas, que logo ficou como um
condenado do inferno, tal era o seu desespero. E quase logo saiu com a saca do
dinheiro para O ir vender. Vi o discípulo amado, inclinado sobre o peito de
Jesus e sentia os seus corações a palpitar de amor, um pelo outro. Se eu
soubesse corresponder ao amor de Jesus e amar como aquele discípulo amado.
Seguiu-se depois a despedida de Jesus da Bendita Mãezinha; foi a despedida mais
dolorosa. Ficaram esmagados de dor os Seus Santíssimos corações. Foi neste
esmagamento, nesta amargura que com Jesus segui para o Horto; com Ele fui lá
ainda mais esmagada com a montanha do Calvário e a cruz que sobre nós veio cair.
Fui espremida, suei sangue e assim segui para a prisão.
Hoje, cedinho
ainda, lá me foram buscar. Levaram-me sem piedade, e logo, com furor rancoroso,
me açoitaram e coroaram de espinhos. Com o rosto coberto de escarros assim segui
ao Calvário; aqui e além caía, aqui e além, parecia morrer. Novas descargas de
açoites, em viagem tão penosa, caíram sobre mim. Cheguei ao cimo do Calvário com
todo o desfalecimento. Fui crucificada, e, ao ser a cruz voltada para revirar os
cravos, foi meu rosto no solo muito ferido, e uma golfada de sangue me veio aos
lábios. Custa-me tanto falar assim! Foi Jesus, não fui eu, que assim foi ferido;
mas não sei exprimir-me doutra forma. Levantada ao alto da cruz, senti que Jesus
estendeu os seus olhares divinos pelo Calvário, por toda a humanidade. Com esta
visão tremi e senti o corpo gelar; não eram os meus que viam, eram os de Jesus,
mas com Ele em mim tudo vi e senti. A vista de tanta ingratidão fez com que
Jesus levantasse para o Pai os Seus olhares divinos, cheios de compaixão e pedir
perdão para os que O feriam; não pediu vingança, desculpou-os. Ficou em extrema
agonia e eu com Ele. Quando Jesus expirou eu senti morrer o meu corpo e sentia
que uma vida estava separada de mim, mas não me pertencia.
Estive um pedaço
sem Jesus me falar; demorou a chegar, ou melhor, a fazer que eu O sentisse e
ouvisse. Quando Lhe aprouve, disse-me:
― Minha filha,
Minha filha, Minha filha, demorei a chegar, venho desfalecido; fui maltratado,
quero refugiar-me. Dás-me entrada no teu coração?
Vi que Jesus vinha
como se não pudesse segurar-se, banhado em suor, a escorrer sangue e sem nenhuma
beleza. Ao vê-Lo assim exclamei:
― Ó meu Jesus, em
que estado Vós vindes! Entrai no meu pobre coração; esta morada não digna de Vos
receber, mas já que assim o quereis, entrai e descansai.
― Eu sou a Vossa
filha mais pobre e miserável, mas quero cuidar de Vós, quero limpar-Vos as
lágrimas e os suores e curar-Vos essas feridas; quero curar-Vos e consolar-Vos,
e não sei como. Sou a Vossa vítima. Não Vos digo que aceiteis que eu Vos cure
com o meu amor, com as minhas ânsias.
E, com Jesus
inclinado sobre o meu peito, fiquei como que a curá-Lo, e a limpar-Lhe o suor e
as lágrimas, porque soluçava profundamente. Fiquei como que não soubesse o que
mais fazer nem dizer a Jesus, tal era a minha compaixão. De repente vi-O curado,
alegre e formoso.
― Alegraste-Me,
consolaste-Me, minha filha, já não estou ferido, já Me sinto bem. Sabes quem
assim Me maltratou? Foram os sacerdotes, foram os sacerdotes. Obrigaram-Me a
descer do Céu à terra, às suas indignas mãos para Me crucificarem em seus sujos
corações. Juntaram os seus crimes ao de toda a humanidade ingrata. Se não fossem
os teus sofrimentos para quantos já se lhes tinha aberto o inferno e já estavam
condenados. Coragem, confia em mim. Dá-Me dor, toda a dor, e não digas que os
teus sofrimentos nada valem; valem tudo para as suas almas. Dás-Me tudo que te
pedir? Dás-Me toda a dor que te exijo?
― Tudo, tudo, meu
Jesus; nada Vos nego. Só Vos peço a graça e a força divina.
― São para o mundo,
filha querida; o meu divino coração é amor, só amor, quer abrasá-lo, quer
queimá-lo, quer salvá-lo. E é por ti que Eu o abraço, que lhe dou esse amor; e é
de ti que Eu Me sirvo para o salvar. Pede, pede oração, pede penitência; diz que
é Jesus a pedi-la, diz que é Jesus que pede com urgência. Depressa, depressa, a
empregarem-se os meios, a aplicar-se a medicina por Mim indicada. Abre o meu
Divino Coração; és senhora dele, tens a chave, dá-lhes entrada. Abre-se o meu
divino Coração cheio de amor e misericórdia, para o receber. E abre-se a abóbada
do firmamento para sobre a terra culpada, descarregar Meu Pai, a Sua justiça
divina. Que escolha. Meu Pai não pode ver-Me ofendido. O que espera o mundo! As
nações preparam-se falsamente com armamentos e artes venenosas. Estão a
enceleirarem-se, à semelhança da formiga. Acode-lhe, acode-lhe, dá-Me a tua dor.
E, com mais vida e coragem ma poderes dar, recebe a gota do Meu Divino Sangue,
não mais deixarei de ta dar. Recebe-a por um tubo, formado do meu amor, que será
para o teu coração fogo divino, uma transfusão de amor.
O tubo era cor de
fogo, a gotinha de Sangue de Jesus caiu no meu coração e nele em todo o peito
desfez-se aquele tubo como se fosse uma nuvem. Fiquei a arder e mergulhada
naquele fogo doirado. Naqueles momentos tinha a minha alma toda a luz, Jesus não
deixou o coração dilatar-se, acariciou-me e deu-me no rosto um ósculo divino.
― Vai sorridente
para a tua cruz, vai espalhar este amor, vai infundi-lo nos corações. Tu és um
portento de graças e maravilhas do Senhor. És e serás sempre a honra e a glória
de Portugal, a luz e a salvação de todo o mundo. Confia, confia. Coragem,
coragem.
― Obrigada,
obrigada, meu Jesus.
7 de Junho de 1947 – (1º sábado)
Estou sempre com
medo do demónio; temo ceder às suas malditas seduções e temo ofender Jesus. Ele
continua desesperado contra mim; ouço os seus uivos, sinto o seu ódio. Se ele
pudesse derrotar-me, onde estaria eu. Queria levar a minha vida a praticar o
bem, a fazer bem a todos. A todos queria consolar e confortar; a todos queria
amar e levar comigo para o Céu. Não sei o que sinto; não é o meu coração que
anseia isto; não é o meu coração que ama e a todos quer salvar. Que ternura eu
sinto, ternura que não é minha! Foi nestas ânsias dolorosas de querer amar e não
amar, de querer fazer bem e não fazer, de querer salvar e não salvar, que eu
recebi o meu Jesus. Ele bem depressa transformou tudo, serenou-me, deu-me luz e
acendeu mais fogo em meu coração, avivando o que já tinha.
― Minha filha,
minha filha, hei-de abrasar-te, hei-de queimar-te e consumir-te no Meu divino
amor. Tu amas-Me, tu amas-Me e dás às almas o Meu amor divino; criei-te para
elas, para as salvares. São tantas a ofenderem-Me, mesmo aquelas consagradas a
Mim. Custa tanto ser maltratado por aqueles que se dizem Meus amigos! Como está
o mundo! Ai dele sem este calvário! Coloquei-te aqui, crucificada nesta cruz,
para que, com esta crucifixão contínua, por ti as almas recebessem as Minhas
Divinas graças e amor, por ti elas fossem salvas.
― Ó meu Jesus, como
eu sou pequenina, como me sinto envergonhada diante da Vossa divina presença.
Queria esconder-me, desaparecer de todos. Quem sou eu e quem sois Vós? Que
vergonha terdes-me escolhido para as Vossas coisas, para a missão das almas. Não
sei o que fazer, não sei o que dizer; sou a Vossa vítima.
― É assim pequenina
e no escondimento, sem estares escondida, que Eu te quero. É nesta pequenez e
escondimento que se encobrem as Minhas maravilhas. Minha filha, aqui tens o Meu
divino coração e O da Minha bendita Mãe; quero uni-los ao teu; são teus. Os
vossos corações são o depósito de todas as graças, de todas as riquezas e amor
divino; o teu é o canal por onde elas passam às almas. Todo este amor, todas
estas graças se irradiam em ti; transmite-as, infunde nos corações este amor,
junta a ele a tua dor, salva, salva o mundo. Consola-Me, consola a Minha Bendita
Mãe Oh! como Ela está triste!
― Como hei-de eu
consolar o meu Jesus, como hei-de consolar a minha querida Mãezinha! Como pode a
escrava consolar o seu Senhor! Eu prometo, Jesus, fazer actos de amor e
reparação quantos me forem possíveis, para assim ver a alegria em Vossos
Santíssimos Corações.
Que confusão a
minha quando recebi das mãos de Jesus os Seus Corações a arder de amor e no
mesmo instante o meu juntar-se a Eles. Estavam como a avezinhas no ninho, de
biquinhos abertos, sequiosos e famintas. Fiquei com os corações na minha mão,
dentro duma taça doirada.
― Diz, Minha filha
ao teu Paizinho que todo este amor lhe pertence. Para grande mestre das grandes
almas, ele terá sempre para tudo toda a luz do Divino Espírito Santo; e em tudo
quanto fizer, não erra; será sempre iluminado e guiado por Ele. Dá-lhe o meu
Divino Coração e O da Minha Bendita Mãe, cheios de amor, coragem e confiança.
Diz-lhe que estou com ele, e não lhe falto e que é assim que Eu trato as almas
que escolho inteiramente para Mim. Diz ao teu médico (que o fiz procurador da
Minha divina causa. Que continue a desempenhar a sua missão. Estou contente com
ele. Eu encaminho as coisas, guio seus passos, para ele em tudo fazer a Minha
divina vontade. Dá-lhe todo o Meu amor com o da Minha Mãe Bendita, na certeza
que terá sempre a Nossa protecção em todas as coisas, para ele e para todos os
que mais ligados estão por laços de amor no seu coração. Diz-lhe que a prova de
quanto o amo está em pô-lo à frente de cuidar daquele que tem na terra a mais
alta e sublime missão.) O mesmo digo para aqueles que com ele trabalham, te
rodeiam, amparam e cuidam de ti: isto é, para todos aqueles a quem tu mais amas
e mais intimamente tens em teu coração. O sinal mais certo de que Jesus e Maria
muito as amam é tu amá-los também. Vem, Minha Mãe Bendita, consolar com o teu
carinho a nossa filhinha e desabafar com ela as tuas mágoas.
Veio a Mãezinha, na
mão direita trazia o Seu Santíssimo Coração e na esquerda o manto; entregou-me
tudo e disse-me:
― Minha filha, à
semelhança do meu divino Filho, entrego-te o Meu Santíssimo Coração com a chave;
abre e fecha dentro dele as almas, para que elas do meu passem ao de Jesus. Eu
estou triste com os crimes da humanidade. Há tanta imodéstia! O pecado da carne
leva tantas almas às portas do inferno! Há tantas infidelidades nos casados! Que
desonestidade! E contra mim são proferidas tantas blasfémias! Negam a Minha
Virgindade, negam a Minha dignidade de Mãe de Deus. Promete consolar-Me! Pega o
meu manto, cobre com ele o mundo, salva-o que é Meu filho.
― Prometo,
Mãezinha, com a graça de Jesus fazer tudo para consolar-Vos e reparar tão
grandes crimes.
Veio Jesus, e eu
fiquei entre os dois. A Mãezinha beijou-me, abraçou-me, acariciou-me com Jesus.
Os nossos rostos e lábios estavam unidos, como unidos tinham estado os nossos
corações. Recebi força, recebi amor. Jesus acrescentou: tudo isto farei que
transpareça em ti.
― Vai, pomba
branca; vai alma fiel, vai tesoureira das riquezas divinas; vai distribuir pelo
mundo, vai semear as flores do jardim celeste, nascidas e florescentes em ti.
Coragem, coragem!
― Obrigada, meu
Jesus; obrigada Mãezinha.
13 de Junho de
1947 – (sexta-feira)
A minha vida é
morte; continuo a viver a vida dos mortos. Que imensa sepultura, em que podridão
estou sepultada; causa-me nojo, causa-me horror. Sinto-me a ser comida pelos
bichos escondidos nesta podridão; sinto-os a mexer e remexer nesta imundice. E
não tenho outra vida a não ser esta, nem outra luz a não serem as trevas do meu
espírito. Triste cegueira que não me deixa ver senão horrores nojentos,
apodrecidos. E eu tanto a amo, abracei-a tanto e sinto não poder estar neste
mundo sem ela. Quanto mais me orgulho, mais me quero mergulhar. Quantas mais
trevas, mais trevas anseio. Ó amor do meu Jesus, não vivo, não conheço, não
vejo; as coisas do Senhor não mas mostram a minha cegueira, as minhas trevas.
Não posso pensar que não amo a Jesus e tanto anseio amá-Lo e fazê-Lo amado pelas
criaturas. Quero subir para Ele e caio. Não me revisto Dele nem das Suas coisas;
nada compreendo do que é do Céu. Que pobre e ignorante que eu sou! É por isso
que eu sofro e quase me chego a persuadir que a minha vida, de tudo o que diz
respeito às coisas do Senhor é uma ilusão minha; não digo intrujice porque não
quero enganar ninguém. Como pode Jesus descer do mais alto ao mais baixo?
Bendito Ele seja.
O demónio tem
lutado para me levar a praticar tantos males; só com a graça de Jesus poderei
resistir. Sinto-me como se fosse por ele arrastada para a maldade, para os
vícios. Parece-me que estou revestida dele e de tudo o que a ele pertence. Não
tive os combates apesar de os esperar, porque a grande tormenta que ele me
causava me levava a crer que ele viesse. Mas nem por isso deixei de sofrer, ao
sentir-me por ele arrastada, seduzida para tantas coisas fracas e parece-me que
estou dele revestida e mergulhada em todos os tormentos do inferno. Se ao menos
com os meus sofrimentos evitasse o pecado! Se com tudo isto, eu amasse a Jesus e
O visse em todos os corações amado! Tenho vivido, nestes dias, sem procurar
viver, a minha vida de há quatro anos na Foz. Como eu recordo todos os
sofrimentos, gestos e palavras. Está tudo tão gravado em mim e tão
profundamente, que jamais se apagará. Tudo isto por amor do meu Jesus e às
almas; e nem mesmo assim O amo e as salvo. Meu Jesus, que pena eu tenho de não
Vos pertencer inteiramente. Lembro com profunda dor e vivas saudades o Santo
Sacrifício da Missa. Já aos anos que eu a não tenho no meu quartinho! Não
voltarei a ter este mimo do Céu? Estou pronta, Jesus, para em tudo ser a Vossa
vítima. O meu coração, o meu espírito voa a Roma; não só acompanhando os que já
partiram para lá, mas também para já estar junto de Sua Santidade para implorar
e receber dele aquilo que não sabe, mas que anseia e sabe que só dele virá.
Pobre de mim! Tudo anelo e nada possuo a não ser miséria.
Ontem, logo que
caiu a tarde, senti como se me tirassem um vestido mundial, que me tornou o
escândalo de toda a gente, tal era a podridão, de que ele era feito. E assim
vestida vergonhosamente, segui e cheguei ao Horto. Ali, desceu o Céu, a
esmagar-me, e toda a humanidade a rasgarem-me e a arrancarem-me do corpo todos
os nervos e veias. O que ali sofreu Jesus, dentro em meu pobre corpo, que tinha
o Horto, o Calvário, a cruz e a morte! Ao receber o beijo de Judas vi, não o meu
rosto, mas o de Jesus e o dele muito unidos, e fiquei a sentir, por muito tempo,
que aquele beijo, ingratidão e traição se iam repetir, através de todos os
tempos. Oh! Como transbordou o cálice da amargura, enchido de sangue inocente.
Na manhã de hoje
caí desfalecida ao pé da coluna; recebi a chuva de açoites, que sobre mim foi
descarregada, e vi Jesus, dentro em mim, no mesmo sofrimento, de olhos fitos no
Céu, em sinal de oração a Seu Eterno Pai. Fui coroada de agudíssimos espinhos;
tomei a cruz, segui o Calvário; saiu-me ao encontro a Mãezinha. Que dor senti
com o seu pranto e dor! As lágrimas que no Seu rosto corriam, corriam-me no
coração. Em todo o percurso do Calvário não perdi mais a união com Ela. Eu não
arrastava só a cruz, arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor.
Mais adiante veio a Verónica com todo o sentimento de amor limpar o rosto de
Jesus gravado no seu. Jesus deixou-Lho imprimido como recompensa, ela apertou-o
ao coração como o maior tesouro e na verdade o era. Se eu soubesse amar a Jesus
como a Verónica O amou! Se eu assim O abraçasse para não mais O deixar! Ó meu
Deus, ó meu Jesus, pobre de mim que nada sou e nada sei! Cheguei ao Calvário;
caído ao pé da cruz, antes de nela ser crucificada, nova descarga de pancadas
feriu e despedaçou mais o resto das minhas carnes. No alto da cruz não senti
outra coisa a não ser Jesus com os Seus olhares divinos a ver todo o mundo, toda
a ingratidão e com a vista do corpo fitar o firmamento a orar e a desculpar-nos
a Seu Eterno Pai. Agonizou, expirou e eu com Ele. Tão depressa morri que logo
vivi; foi Jesus que me deu a vida, chamou-me e disse-me:
― Vem, Minha filha, ao Meu amor, ao
Meu divino coração é o dia dele; vem gozar do Céu, vem receber amor. Eu quero-te
pura, sem manchas; quero-te digna de Mim. Esforça-te, corrige-te, de todos os
teus defeitos. Dizia-te até agora que precisava das tuas faltas para Me
esconder; agora digo-te: não as quero para mais Eu em ti aparecer. Quero que
tudo o que é Meu em ti transpareça; quero que os teus olhares tenham a pureza
dos Meus; quero que os teus lábios tenham o sorriso, a doçura dos Meus; quero
que o teu coração tenha a ternura, a caridade e o amor do Meu; em suma: quero
que em tudo Me imites, quero-te semelhante a Mim; quero que todo o teu corpo
seja o Corpo de Jesus, um outro Cristo. És a nova redentora. Quero-te pura, pura
com a Minha mesma pureza, quero-te digna de Mim, quero-te preparada para voares
ao Céu. A dor e o Meu divino amor purifica-te; a dor e o Meu divino amor são de
salvação para as almas. Vou ferir-te o coração; vai ser aberto pelo anjo S.
Gabriel, para, depois, por essa abertura, por essa chaga trespassarem os raios
do sol, os raios do Meu amor, para dele passarem ao mundo, passarem às almas.
Antes disso, quero injectar-to de amor, quero preparar-to para receber o golpe.
Em todo este tempo gozarás do Céu, gozarás do Paraíso; Jesus, no mesmo instante,
não sei com quê, regou-me o coração com uma chuva miudinha doirada; aquela chuva
causticou-me e parecia-me tê-lo separado do corpo.
Ao meu lado direito
estava a Mãezinha, à frente, Jesus, e, à esquerda, o Anjo com uma lança na mão.
Por cima de nós e em nós desceu o Céu com todo o seu azul, guarnecido de Anjos;
muito no cimo, um grande trono da SS.ma Trindade. Tudo era luz, gozo,
doçura e amor. A vida do Céu! A vida das almas! Vivia-se ali, mergulhada naquele
amor de gozo, parecido com uma nuvem ou fumo branco, que por si se sustenta e
conserva no ar; era um nadar de doçura. A um sinal de Jesus, o Anjo levantou a
lança, cravou-ma no coração; trespassou-mo, dum lado ao outro; não senti dor. No
mesmo momento que ele retirou a lança, vieram do coração de Jesus para o meu
muitos raios de amor mais belos que ouro, mais brilhantes e encantadores do que
os raios do sol ao nascer. Trespassaram-me todo o coração esses raios, e
pareciam reflectir-se no mundo e nele se espalharem. É indizível o gozo e o fogo
que eu senti. Disse-me, do lado, a Mãezinha.
― Minha filha,
Minha filha, salva o mundo, salva os meus filhos, salva-os comigo, salva-os com
Jesus. Coragem, muita coragem, Eu serei contigo! Já reflectiste que faço do teu
quarto a Cova de Iria? Já reflectiste que, como em Fátima, aqui desço todos os
meses, não falando nas vezes que, como hoje, venho a convite do Meu Filho? É
para te dar conforto e encorajar. Recebe as minhas carícias.
Apresentou-me Jesus
uma cruz, pôs-me sobre ela; por trás Dele estava outra, era a de Jesus.
― Minha filha, a
alma, que sofre por amor, goza na cruz. Aqui a tens; é tua no Céu, é tua na
terra. Em tudo te assemelhas a Mim. A Minha acompanhou-me do nascimento ao
Calvário, e aqui a tenho resplandecente no Céu. Recebe a gota do Meu Divino
Sangue. Recebe a vida, leva a vida, dá-a às almas. Não contes, filha querida,
acudir-lhes aos corpos; o mundo não se regenera, não há emenda de vida, tem de
ser punido, tem de cair sobre ele a justiça de Meu Pai. Mas prometo-te que a tua
nobre missão será desempenhada com todo o brilho na terra e no Céu. Confia,
confia; as almas por ti são salvas.
Recebi de Jesus o
Seu Sangue Divino, que caiu do Seu Coração para o meu. Deixei de ver os Anjos, a
Mãezinha, o Céu; ficou só Jesus. Disse-Lhe ainda com o coração a arder:
― Ó meu Jesus, eu
não temo a cruz, temo a minha miséria. Com a Vossa graça divina suportarei todo
o peso que me esmaga. O que eu não sei, meu Jesus, é como me hei-de tornar digna
de Vós. Eu, Jesus, eu, meu amor, eu, a mais pobre e indigna das Vossas filhas
temo e tremo.
― Coragem, esposa
amada! És pequenina para seres grande; sentes-te horrorosa para seres
Formosíssima. Essa podridão é do mundo, não é tua. Coopera Comigo, Eu
tornar-te-ei digna de Mim, farei que tenhas toda a graça e pureza, que de ti
exijo. Vai contente e alegre, vai para a cruz.
― Obrigada, meu bom
Jesus; dizei por mim um outro obrigada à querida Mãezinha. Eu vou para a cruz,
só por Vosso amor e por amor às almas. Mas vou ainda confiada que hei-de vencer
o Vosso Divino Coração e Vós vencereis o Vosso Eterno Pai, para que o mundo seja
poupado à Sua justiça Divina.
Ai, meu Deus, o
tempo passa, foge e eu sem virtudes, sem amor. Que pobreza a minha! Quando
recordo o tempo, que passei neste colóquio, sinto-me mais forte. Oh, como Jesus
é bom!
20 de Junho de
1947 – (sexta-feira)
As minhas trevas
aumentaram tanto, tanto, que sinto, como se me tirassem a luz da eternidade. Se
lembro o purgatório, medito no Céu, tudo são trevas, tudo é cegueira. Ó meu
Deus, até mesmo a luz do paraíso se apagou. O mesmo se dá com as ânsias de amar
a Jesus. São tão fortes! Aumentam tanto! Assim como aumenta o sentimento de O
não amar, de não conhecer o Seu divino amor e de O não fazer amado. Derreto-me
em desejos, em ardentes ânsias de O conhecer, de O amar, de O possuir, e nada
consigo. Ó Jesus, como tudo isto fere profundamente o meu coração e dilacera
todo o corpo até o destruírem, como se fossem dentes de ferro! Tudo por Vosso
amor, meu Jesus, e pelas almas. Aceitai como se, a cada momento, me oferecesse a
Vós como vítima. Tanto queria ter que Vos dar, meu Jesus, e amar-Vos até à
loucura! Mas, ai! Pobre de mim, que nada tenho, e tudo o que é Vosso se me
apaga. Quanto eu sofro, quanto eu sofro! Por Jesus querer que eu me corrija dos
meus defeitos e me torne digna Dele, eu não sou capaz de me emendar, de uma vez
para sempre, e nunca, por mim me poderei tornar digna de Jesus. O que hei-de eu
fazer, Senhor? O que posso eu esperar, a não ser confiar em Vós, que podeis
fazer de mim um instrumento, digno de Vós manejardes. Quero esconder-me, quero
fugir para onde nunca mais possa ser vista. Não quero saber do mundo nem de
nada, que nele existe. Se houvesse um lugar, onde pudesse esconder-me, para só
sobre mim os olhares de Jesus, para só Nele pensar, Dele falar e para Ele viver!
Que medo tenho do mundo e das criaturas! A minha alma sente que de alguma coisa,
a meu respeito, se vai tratar, que muito se tem falado e se vai falar. Ela está
com isso apavorada. Que ao menos Jesus se sirva de tudo isto, para reparar
tantas ofensas, feitas ao Seu Divino Coração e ao Coração Imaculado da querida
Mãezinha. São tantos os espinhos que me ferem! Jesus de tudo se serve para me
martirizar. Bendito Ele seja.
O demónio tem
trabalhado com todo o interesse para levar-me ao mal. Como ele trabalha para a
perdição das almas! Com as suas maldosas lições estava sempre a temer os seus
assaltos. Passaram-se uns dias e noites só com as ameaças. Veio na madrugada,
veio com todo o furor e maldade diabólica. Todo o meu corpo parecia ser demónio.
Por serem graves as coisas, que ele me apresentou, entendo não devê-las explicar
aqui. Ele vinha com lanças nas mãos; entendi que era para cravar no Coração
Divino de Jesus. Ao segundo combate, interveio Jesus, obrigou-o a retirar-se,
disse-lhe: afasta-te, maldito, já tenho da Minha vítima a reparação, que
desejava. Estava cansada, em suores; o coração batia aflitivo. Por vezes tinha
repetido a oferta de vítima, chamando por Jesus e pela Mãezinha, não com o fim
de me virem falar, mas sim para me acudirem, para eu não pecar. Ai, como são
dolorosos estes combates! O demónio fugiu; a dor ficou com o grande receio de
ter pecado.
Na tarde de ontem,
vi o Horto com toda a dor. Digo vi, mas foi a alma que senti e viu as oliveiras,
que iam ser testemunhas de tanta agonia, e o lugar, e o solo que ia ser ensopado
com o suor de sangue. Aquela visão deixou-me o coração a sangrar e o espírito em
negras trevas. Ao anoitecer, senti o Judas com o seu rosto tão gravado em minha
alma, parecia que estava ali retratado com o seu rosto desesperado, com olhares
e cabelos aterradores. Ao terminar da ceia, senti como se a Mãezinha beijasse e
abraçasse, pela última vez Jesus. Que doçura era a dela! Que triste foi a
despedida! Oh! Como falavam um ao outro aqueles corações. Cheguei ao Horto, ali
desceu sobre mim a justiça do Eterno Pai, como se fosse um fogo vingador. Tinha
nas mãos o cálice, que com tal justiça transbordava fora. Veio um Anjo, em
tamanho natural, e pôs-se ao lado de Jesus, que estava em mim, como que
ampará-Lo. Fui presa com Jesus, e para esta prisão vieram tantos, tantos homens
com paus; com seus escárnios e maus-tratos, nos acompanharam, à presença dos
pontífices e à prisão! Quando Jesus estava já lá sozinho, eu sentia a Sua
tristeza, enfraquecimentos e suores, que LHE banhavam o corpo. Lá O deixei até
hoje.
De manhãzinha, da
prisão vi o Calvário e a cruz; segui para ele com ela. A meio do caminho, foi
tão grande a queda e a descarga de açoites que sobre o meu corpo caíram! Foi tal
a crueldade e o rancor com que fui arrastada pelas cordas a tão grande
distância! E se eu fosse arrastada sozinha! Mas ia Jesus comigo. Que pena a
minha! Crucificada na cruz, depois de muitos insultos e blasfémias, senti a
esponja passar-me nos lábios e senti, antecipadamente, a lança, que abriu o lado
e atravessou o Coração divino do meu Jesus. Ó dor, ó dor indizível! Depois de
tudo isto, eu sentia Jesus como que a querer despregar os braços da cruz para
abraçar o Calvário, abraçar o mundo, que assim O feria. Que doçura e amor saíam
daquele coração divino aberto. As lágrimas da Mãezinha corriam dentro de mim.
Nesta dor, neste mar de ingratidão expirei com Jesus. Ele não se apressou em vir
ressuscitar-me. Ao dar-me a vida, disse-me:
― Minha filha, a
cruz é sinal de predilecção; a cruz é selo dos Meus eleitos. Aqueles a quem mais
amo, aqueles que escolhi para Mim, para serem grandes na terra e no Céu, embora
deseje vê-los pequeninos a Meus divinos olhos, são os que mais dores, tristezas
e amarguras recebem, enviadas por Mim. Assim é, Minha querida filha, porque
muito te amo, porque te amo sobre todas as criaturas da terra, muito te faço
sofrer. Amas sem igual, sofres sem igual. Todo aquele que quer e ama o
sofrimento, quer e ama a Mim. Tu amas-Me; confia. Apago em ti as Minhas coisas,
faço-te sentir que não Me amas, para mais Me ansiares, para mais Me possuíres.
Se soubesses como Me alegro e consolo com as tuas ânsias de amor! Como prémio
desta consolação e desempenho da tua missão sublime, tens o Meu divino amor com
toda a abundância, possui-lo com a maior intensidade, que uma criatura humana
pode possuí-lo; tens todas as Minhas graças, todas as Minhas riquezas, todas as
maravilhas celestes. Dou-te o poder, Minha filha, dou-te esta promessa: podes a
todos quantos te pedirem a fé, a graça e a conversão, dar o Meu divino amor;
enfim tudo quanto for para a alma, podes, em Meu nome, dizer: tudo receberás;
sim, Minha filha, por ti tudo lhes será dado. Criei-te para lhes dares a vida e
a saúde das almas e não a dos corpos, não é essa a tua missão, mas isto não
impede que Me peças a sua cura. Quantos por ti têm recebido a cura dos corpos e
ainda receberão. Mas a das almas, a missão para que te criei, se tu soubesses,
Minha querida, a transformação, as curas prodigiosas que neste Calvário, neste
quartinho se tem operado! Coragem. A tua cruz dá o brilho às almas, é luz que
irradia por esse mundo além. Dá-Me dor, dá-Me dor, Minha filha; se não fosse
ela, oh! como Eu hoje já tinha sido ferido! A reparação que te pedi, foi pelos
sacerdotes. Pedi-te a reparação para não precipitar alguns no inferno. Dá-Me
dor, deixa que a tua cruz raie no mundo como raios de sol dourado. Nela vives,
nela morrerás, e no Céu brilhará com todo o resplendor.
― Meu Jesus,
sinto-me pequenina, dia a dia me afundo mais. Vede quanto eu sofro, ao ouvir-Vos
dizer tantas coisas. Vede quanto eu sofro, por não me recomendar dos meus
defeitos, como Vós desejais. E vejo, meu Jesus, que nunca por mim me poderei
tornar digna de Vós. O que hei-de eu fazer, meu Senhor, senão pedir-Vos com toda
a alma e coração para que ponhais em mim toda a Vossa dignidade e depois
dizer-Vos: descei, Jesus, já sou digna de Vós com o que é Vosso. Tende dó de mim
ó meu bom Jesus; não sei o que hei-de fazer, não tenho forças para mais.
― Que grande meio
Eu consegui, Minha querida filha, para te fazer sofrer. Nada temas, tem coragem!
É verdade que te quero pura, pura só para MIM, para Eu mais poder aparecer, mas
Eu encarrego-Me de suprir o que te falta; não te deixo resvalar. E tu, nessa
ansiedade de em todas as tuas palavras, acções e de em todo o teu viver, seres
pura, vais subindo, subindo, mais te aproximas, mais te unes a Mim. Fala, Minha
filha, fala da vida interior, da vida íntima comigo, dá-a às almas, ensina-lhes
esta vida íntima que tanto Me agrada, de que tu só sabes viver; é a gota do Meu
Divino Sangue. Vem, deixa-Me unir o Meu Divino Coração ao teu.
Jesus tomou o Seu
divino Coração, colocou-O sobre o meu, a gotinha do Seu preciosíssimo sangue
caiu, mas Jesus não levantou do meu o Seu divino Coração; ficaram unidos o
Coração de Jesus e o meu, como se fosse um só coração e Jesus continuou:
― Vais ficar por
algum tempo nesta união; recebe de Mim toda a vida e conforto, bebe, bebe,
saboreia este amor, sacia a tua sede; vai repartir, deixa-a transparecer a todos
quantos de ti se aproximam, infunda-a nas almas, reparte, semeia. Fala-lhes da
Minha bendita Mãe, do Seu amor, da Sua protecção, do quanto é necessário reparar
o Seu Santíssimo Coração. É com ela que tu salvas as almas; sim, só as almas; os
corpos já não contes, Minha filha. O mundo, o mundo, que ingrato, que cruel;
perde-se, está louco, está louco a ofender-Me. Vai depressa para a tua cruz,
para a cruz, que te espera, que é cruz de salvação. Dá-Me dor, dá-Me dor, dá-Me
dor para morreres de amor.
― Dou-Vos dor, dou,
meu Jesus; dou-Vos tudo quanto Vos aprouver pedir-me. Vou para a minha cruz, e
vou contente; vou, mas vou ainda confiada. Quero as almas, quero as almas, mas,
se puder ser também os corpos. Ó meu Jesus, sou a Vossa vítima. Sede comigo, e
aceitai o meu eterno obrigada. Fiquei por muito tempo a sentir o Coração divino
de Jesus, unido ao meu, e sentia-me mais forte.
27 de Junho de
1947 – (sexta-feira)
Tenho que fugir,
tenho que esconder-me, e não sei onde; não posso estar aqui. Que horror me causa
o mundo com as suas coisas, com os seus habitantes! Para onde fugir, meu Jesus?
Onde poderei esconde-me, a não ser no Vosso divino Coração? Mas a, pobre de mim,
não tenho força, não sou digna de ser recebida por Vós. Estou cansadíssima,
morro com ânsias de amar o meu Jesus. Quanto mais anseio, quanto mais peço,
menos compreendo, menos conheço o Seu Divino amor. Sinto-me a morrer faminta e
sequiosa; não encontro o que anseio; nem eu mesmo sei o que a minha alma deseja.
Quero levantar-me e voar, voar ao alto, ir ao encontro da fonte em que anseia
beber. As minhas trevas que eu amo e abraçai, estão em indizível aumento. Este
voo, que eu anelei, vai, de momento a momento, ao Seu encontro. Tudo são trevas
debaixo da terra, na terra, no ar, no firmamento. A minha alma ainda continua a
alguma coisa querer de Roma. O meu coração está unido, preso por assim dizer ao
Santo Padre; espera e confia que dele tem muito que receber.
Foi-me dado o
gosto, por pessoa muito querida, de eu ouvir pela rádio a canonização de S. João
de Brito. Ouvi Sua Santidade falar; sentia, tanto ao vivo, a presença de nosso
Senhor nele, que me parecia ser a voz do próprio Jesus. Assisti à Santa Missa;
ai, nem sei dizer o meu contentamento. Há quase seis anos que não tinha tido
essa dita. Pedi tantas coisas a Jesus! Pedi-Lhe tudo o que era Dele para os que
me são mais queridos, para a minha família, para todos os que às minhas pobres
orações se recomendam, e por fim para o mundo inteiro. Ao ouvir o que se passava
em Roma, lembrava-me do Céu, sim do Céu que em nada se pode comparar com as
coisas da terra. Oh! Como eu acompanhava tudo isto! Com o sorriso nos lábios,
satisfeita pela que ouvia, mas na dor mais profunda que se pode imaginar; o
coração estava triturado e alma acompanhava, como que a chorar, o meu sorriso.
Não se passou um momento sem ele sentir que ela chorava. As lágrimas da alma, a
dor do coração eram imensamente maiores do que o contentamento e o sorriso dos
lábios. Este contentamento e sorriso eram como que coisas humanas, que apesar de
serem em mim, pareciam não me pertencerem. Por tudo louvei o Senhor e bendisse a
minha cruz. Quero deixá-Lo desfazer-me em dor, para consolá-Lo e salvar-Lhe as
almas. O que hei-de fazer, meu Jesus? O que daria eu por uma só alma! Sou pobre,
dai-me a Vossa riqueza para com ela Vo-las comprar. Estou insatisfeita, sem ter
que dar e sem saber falar para Jesus. Estou cheia de medo, sem saber de quem e
porquê. Sinto que nova descarga de sofrimentos vem sobre mim; abro os braços
para receber novos cravos; fito os olhos em Jesus para Dele receber conforto e
para que Ele seja em mim o sinal d aceitação a tudo.
Ontem à tardinha, o
meu coração revestiu-se doutro coração; este coração era mundial; estava
nojento, negro de podridão; com ele ficou o meu escondido. O coração mundial
cravava para dentro do seu muitas setas, muitas lanças. Principiou a minha
agonia, sem nada dar a conhecer. Fui para a ceia e da ceia para o Horto. A
caminho dele seguiam-me os Apóstolos, cansados pelas grandes maravilhas e coisas
que tinham visto e ouvido de Jesus. A viagem foi silenciosa, mas, naquele
silêncio, quantas coisas lhes dizia Jesus; como os amava e lhes falava naquele
silêncio aquele divino Coração tão oprimido pela dor e também pelo cansaço! Por
entre a escuridão das oliveiras, Jesus apressou o passo, foi para a gruta orar.
Os apóstolos adormeceram. Sentia a aflição, o suor de Jesus, o palpitar do Seu
divino Coração, espremido não sei por quem até dar sangue, que encheu até
transbordar o cálice, que em Suas divinas mãos estava. Jesus ía a desfalecer;
veio um Anjo amparar-Lhe o braço, que sustentava o cálice. Sentia a grande
conformidade e aceitação de Jesus com a vontade do Seu Eterno Pai, e, nesse
momento, os Seus divinos olhos estavam fitos no Céu; sentia-os na minha alma
como dois sois ao raiar. A justiça divina caía, não sobre o coração podre,
mundial, mas sim sobre o que por dentro estava, tão ferido pelo de fora. Fui
cheia de maus-tratos para a prisão. Hoje, senti-me sempre com a cruz em todo o
caminho do Calvário. Que escuridão; que desfalecimento; como eu ía oprimida pela
cruz! Como o meu rosto foi ferido e o corpo pelas lajes arrastado; só perto da
montanha me foi tirada a cruz, mas eu sentia-me como se sempre levasse o seu
peso. Fui crucificada e levantada ao alto; nova chuva de sangue saiu das feridas
dos espinhos, novamente profundas e alargadas. Não era a minha cabeça, era a
cabeça sacrossanta de Jesus que eu sentia em mim. Esta dor veio tirar mais a
vida do meu coração, já quase moribundo; para melhor me fazer compreender foi o
coração divino de Jesus e não o meu. Sentia Jesus beber todo o sofrimento do
Calvário tão sofregamente, que não levantou dele Seus divinos lábios; era a
fonte de remissão e de salvação; queria bebê-la até ao fim. Que loucura de amor
Jesus tem por nós! Com Ele enlouqueci, agonizei e expirei. Ele veio depressa;
desceu como que numa nuvem que logo nela me absorveu. Jesus vinha resplandecente
de glória, tudo eram raios de luz os quais logo penetraram todo o meu corpo.
― Minha filha, anjo
de pureza, venho a ti, cheio de amor. Que grande reparação e consolação tenho
tirado do teu sofrimento! Que beleza a tua alma; como ela se tem purificado! Com
o teu esforço e desejo de emenda dos teus defeitos, como te tens tornado digna
de Mim. Feliz a alma, ditosa a alma, que se deixa guiar, moldar e trabalhar pelo
Artista divino. Como está rica! Eu trabalho e tu cooperas com o Meu trabalho.
Escuta o que Eu te digo, Minha querida, esposa fiel, mensageira de Jesus. Venho
hoje, na última sexta-feira do mês do Meu divino amor, dar-to com toda
abundância. Ó maravilha, dou-to e faço o milagre de aguentares com ele. Daqui em
diante, ocultarei mais as Minhas divinas palavras; será, como há tempos te
prometi, um êxtase mais de amor. Mas, nem gozando deste amor, estarás sem dor. É
um meio que Eu uso, filha querida, de esconder para ti as Minhas graças, as
Minhas riquezas, as maravilhas prodigiosas, que opero em tua alma. Assim posso
evitar qualquer falta da tua fraqueza, por mais leve que ela fosse; assim posso
tirar para as almas grande proveito. Promete-lhes, promete-lhes, em Meu nome, a
salvação, o perdão das suas culpas, a graça de não Me ofenderem; promete-lhes
tudo o que é Meu, àqueles que o quiserem receber. Espalha, transmite, irradia
todo esse amor, que hoje te dou. Criei-te para elas, por ti lhes dou tudo.
Quando Jesus disse
que me dava todo o Seu divino amor, saíram das Suas divinas chagas e da Sua
sacrossanta Cabeça, das feridas dos espinhos raios de fogo como raios de sol. Do
Seu sagrado lado, da chaga do divino Coração vieram uns poucos de raios, juntos
de encontro ao meu, vieram como setas que me feriram, e, ao mesmo tempo,
abrasaram. Embebida naquele amor pareceu-me deixar; ao mesmo tempo que gozava,
sofria; o coração ardia, todo o corpo parecia nadar em amor, mas a alma chorava
e que dorida que ela estava. Meu Jesus, por que é que eu gozo e choro ao mesmo
tempo? Pode mais a dor do que a alegria, por que é, meu Jesus?
― Minha filha,
minha filha, quero que sofras no gozo por aqueles que nos prazeres se satisfazem
e alegram. É sempre um meio de acudires às almas e de em ti esconder as Minhas
maravilhas.
― Meu Jesus, a
minha alma chora como chorava ao ouvir o que se passava em Roma. É sempre o
mesmo fim que tendes em vista?
― Não, Minha filha,
as lágrimas da tua alma serão um dia a alegria, a honra e a glória, não só de
Roma, mas sim de todo o mundo e mais ainda de Portugal. Não virá longe esse dia;
que grande triunfo no Céu! Dá, esposa Minha, tudo às almas, sofre por elas,
salva-as.
― Meu Jesus, não
quero fazer-Vos uma pergunta, mas queria dar o conselho que me foi pedido. O que
hei-de dizer? Não quero nada contra a Vossa Santíssima vontade.
― Fala, Minha
querida, falará contigo o divino Espírito Santo. É chegada a minha hora, os
caminhos estão-lhe abertos, já não posso estar mais tempo ferido. Vem receber
agora a gota do Meu divino Sangue, o Sangue que é a tua vida, o Sangue que é a
vida das almas, o Sangue que corre em tuas veias, o Sangue de Cristo na sua
crucificada. Quantas almas há, Minha filha, que se possuíssem este Sangue o
guardariam como as mais santas relíquias. Vais recebê-las por um tubo feito do
Meu divino amor. Será por este tubo que sempre o receberás.
Jesus tomou um tubo
doirado, introduziu-o em meu coração, e sobre ele colocou o Dele. A gotinha do
Sangue caiu, o meu ficou a dilatar-se; Jesus logo retirou o Dele, e, no mesmo
momento, ficou ao meu lado cravado numa cruz. Ao vê-Lo assim, logo parou a
dilatação.
― Minha filha,
Minha filha, é sempre na cruz crucificada comigo que Eu te quero; é sempre a dor
que te peço; dá-Me dor, salva-Me as almas; vive na cruz, nela morrerás, mas
abrasada em amor, Eu to prometo, é Jesus que to afirma. Coragem! Eu estarei
sempre contigo. Dá-Me dor; acode ao mundo, perde-se, está em perigo.
― Obrigada, meu
Jesus. Sou a Vossa escrava, sou sempre a vítima do Vosso divino amor e das
almas. Dai-me graça, dai-me força, não me deixeis um momento sozinha.
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