

"O pecado,
o pecado é a causa do teu sofrer".

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Capítulo 18
SENTINDO
MISTERIOSAMENTE AS MÁS DISPOSIÇÕES DO PECADOR
Substituindo os pecadores para pagar por eles, permitia Nosso Senhor que
a Alexandrina se sentisse como que revestida das más disposições deles.
Hoje (1.4.39), depois de comungar, sentia que a minha
alma era um verdadeiro rochedo. Não havia nada que fosse
capaz de o quebrar e amolecer. Isto, no meio de medonhas
trevas, de noite escura e tremenda. E Nosso Senhor a
dizer-me com ira:
— As trevas do pecado, a noite das almas mortas pelos
mais horrendos crimes: vê de que te revestiste! Paga, dá-me
contas; não há abatimento, não há perdão; tens que pagar
tudo. O pecado, o pecado é a causa do teu sofrer.
Estas últimas palavras Jesus já falava mais brando;
parecia ter mais compaixão de mim...
Hoje é bem quarta-feira de trevas (5.4.39). São trevas,
trevas dentro em mim. Que noite tão medonha e triste! E
que abandono eu sinto! Já quando comunguei, assim estava
abandonada de tudo.
Ai, que peninha eu tenho de não ter um bocadinho de amor
a Jesus! Não sei falar com Ele: coitadinho do meu Jesus,
vem repousar sobre o meu coração e eu não lhe sei
agradecer.
Ai, em mim tudo é pobreza e miséria! Eu acredito que
recebo a Jesus, porque vejo, de contrário em tais
momentos, não acreditava. Ó pedra dura e fria que eu
sou!
Jesus não se faz sentir, senão para ralhar-me muito
irado. Hoje dizia-me:
— Vingança! Vingança! Como hei de desagravar-Me de tão
graves crimes, neste corpo tão frágil?
Mas pouco importa: paga, dá-me contas; paga à Divindade
Santíssima a dívida que deves da Humanidade!
O coração era-me atravessado por uma forte lança;
ficou-me como que a escorrer sangue com muita
abundância...
Meu Paizinho: não será nada disto assim? Todo este
sofrer que me parece tão penoso será uma ilusão minha?
Estude bem, para não se enganar comigo.
Bem
frisante o que escreve a 27.4.39:
Hoje no fim da sagrada Comunhão, estava morta, coalhada
de gelo. Estive assim um grande pedaço; depois Nosso
Senhor dizia-me:
— Maldita, não te posso ver; retira-te de Mim.
E, com o braço, parecia-me que me repelia dele.
— Estás tão suja e esfarrapada; não te aproximes de mim,
porque é para mais e melhor poderes ferir o meu divino
Coração.
Mas, depois, já com mais bondade, dizia-me:
— Mas olha: a Chaga do meu Coração está aberta, é uma
fonte pura. Queres-te lavar nela? Ficas limpinha e
asseada. Ficas rica e brilhante, mais bela do que a
rainha coroada com o rei.
O meu coração era duro, como um rochedo e eu não queria
ouvir as palavras de Nosso Senhor. Mas disse-lhe:
Jesus, vede como estou!
E Ele então inclinava-se sobre o meu pobre coração,
apertava-me e dizia-me chorando:
— Se, irritado, te repreendo, não me temes; se te chamo
com doçura, não me atendes.
E continuava a chorar. Fez cair o peso sobre mim e dizia-me:
— Vingança! Hei de esmagar-te!
— Ó meu Jesus, eu não temo a vossa vingança, porque
confio em Vós cegamente. Onde encontrarei eu Pai tão bom,
tão terno e amante como Vós? Ai, não encontro Pai que se
possa assemelhar ao meu Jesus! Sabeis porque vos não
temo? Porque sei que, quando vos irritais, é para
chamardes a Vós as almas, para lhes perdoardes. E vossa
vingança é de amor: vingais-vos, para dardes amor.
Cativou-vos o amor, meu Jesus.
Qualquer
comentário ofuscava a beleza das linhas que acabámos de ler.
A 9.5.39:
Ai, ai, os dias da minha vida como são tristíssimos! Que
combate tão forte na minha alma! Peço tanto ao meu Jesus
que se compadeça da minha miséria e do meu nada, que eu
vejo tão claramente! Que horror, ver-me assim tão
carregada de lepra! Parece que do interior ao exterior
estou toda a desfazer. Como eu tenho medo de mim. Como
receio de me enganar e enganar o meu Paizinho e a toda a
gente. Meu Deus, que confusão parecer-me que é tudo
feito por mim!
Sentia tanta aflição hoje no fim de comungar:
figurava-se-me que andavam a fazer do meu coração um
bolo. Como ele era esmigalhado e atirado para longe!
Parece-me que já não posso com mais aflição, mas vou
podendo sempre. A força é Nosso Senhor que ma dá, não é,
meu Paizinho? Eu por mim não posso nada, sou nada. Mas
Jesus dizia-me:
— Maldita, ingrata! Já te não posso sofrer mais. Tenho
que tirar-te a existência. Já que te não moves pelo
amor, move-te ao menos pelo temor do inferno.
Levanta-te, desgraçada!
— Ó meu Jesus, eu quero levantar-me; mas não é tanto
pelo temor do inferno, mas é porque Vos amo e quero
morrer de amor. Sou toda vossa; não Vos quero ofender;
não Vos quero desgostar, só quero fazer o que for mais
perfeito, para vos consolar e amar. Eu sei que Vós não
me dizeis isto a mim: é por eu ser vossa vítima.
A
29.5.39:
Tenho medo de mim; parece-me que não posso viver no
mundo.
Ó triste viver! Parece-me que não posso, mas tenho que
viver. Jesus não me vem buscar. Faça-se a sua santíssima
vontade. Se Ele me quisesse aqui, enquanto o mundo for
mundo, de boa vontade ficaria. Eu só quero o que Ele
quiser.
Ai, meu Paizinho: tenho cá na minha imaginação que as
graças que recebo de Nosso Senhor são a recompensa que
Ele me dá aqui no mundo e no outro será sofrer por toda
a eternidade!
Meu Deus, meu Deus! Vejo-me coberta de misérias e
medonho abismo: não posso sair dele. Estou envergonhada
de mim mesma. Nosso Senhor não se envergonhará também de
mim? Não sentirá nojo ao ver-me?
Pobre de mim!... O meu Jesus hoje não me disse palavra.
Comunguei num abandono tremendo. Sou a ovelha
desgarrada. Nosso Senhor (quando ela comungou)
parece que caiu num poço sem fundo de podridão, de
imundícies.
Ai, que pena eu tinha do meu Jesus, metido naquele poço
imundo! E eu não O podia tirar! Não sei o que hei de
fazer ao meu Jesus: não tenho que lhe dar. Que pena eu
tenho no meu coração! A dor esmaga-o. Queria chorar
lágrimas de sangue.
E sente
ao vivo a morte que o pecado causa à alma do pecador; oiçamo-la, a
30.6.39:
Para onde hei de fugir? Não vejo esconderijo para mim, a
não ser no Coração do meu Jesus. Corro para Ele,
confiada que um Pai e um Pai como Jesus, quando castiga,
é só por amor.
Mas Ele está morto para mim. Portanto, figura-se-me que
não tenho lugar no seu divino Coração nem os seus
santíssimos braços me podem sustentar, porque estão
mortos. Que há de ser de mim? Confiar e confiar sempre:
abandonar-me toda a Ele, mesmo assim em estado de morte,
como se me apresenta.
Chamei-o tantas vezes no fim da Comunhão:
Jesus, valei-me! Mãezinha, compadecei-vos de mim. Jesus,
Jesus, vede quanto a vossa filhinha sofre e não me
abandoneis.
Mas Ele não atendia aos meus pedidos. Não sei como posso
resistir com a aflição que tal estado de alma me causa.
É Ele sem dúvida que, mesmo assim morto, como se me
apresenta, me dá coragem.
E, só depois de um pedaço, me disse:
— É assim mesmo que Eu chamo os corações dos pecadores e
eles não me falam, porque o pecado os matou. Tal maldade
e ingratidão faz-me sofrer tanto o meu divino Coração!
Trespassam-no agudos espinhos!...
Eu sentia a dor de Nosso Senhor no meu coração e o
doloroso sofrimento que os espinhos faziam ao serem-lhe
espetados. Eu via mesmo os espinhos: eram tantos, tantos!
Eram sebes deles. Nosso Senhor estava tão triste e
chorava. Eu disse-lhe:
— Não choreis, meu Jesus. Fazei que os meus sofrimentos
desviem do vosso Coração esses espinhos, para o não
ferirem nada, nada. Fazei também que os mesmos
sofrimentos desta mísera filhinha possam acordar,
ressuscitar os pecadores.
Jesus, não sei mais o que vos hei de dizer, nem o que
hei de fazer.
Um ano
depois, assim se expressa, a 30.7.40:
Eu ando com Ele às escondidas; parece que não sei que
Ele existe, nem Ele sabe que eu existo também.
Navego sozinha e não sei navegar. Ando morta sobre as
águas. Eu estou morta e o mundo também. O mundo está
dentro em mim: vejo-o, sinto-o morto vergonhosa e
horrorosamente! Causa-me nojo, medo e pavor.
Só a força e a graça de Jesus me dá força para tanto
sofrer e sustenta o meu viver. A minha vida é
tristíssima, mas como o não há de ser, ao sentir tanta
mortandade? O coração parece-me que se derrete de dor.
Jesus é tão ofendido! Eu quero consolá-lo e amá-lo e
nada encontro. Vejo-me perdida. É uma perda irreparável;
é uma perda eterna!
Ai, meu Paizinho, ai, o sofrimento da minha alma! Jesus
dá-mo; eu aceito-o e quero-o. Amo o sofrimento: é a
minha maior riqueza na Terra.
A dor dá-me Jesus; Jesus dá-me amor.
Ainda
esta carta bem expressiva do que estamos demonstrando: é de 29.8.40:
Ontem sentia na minha alma uma grande revolta contra
Nosso Senhor.
Sem ser por vozes, eram com certeza inspirações,
convidava-me à penitência, a reconciliar-me com Ele.
Eu, quase que num desespero, cerrava os ouvidos, não
queria escutá-lo. Indignada quase que O odiava.
Mas,
repare-se bem no que ela escreve a seguir:
Não sei se me faço compreender: eu tinha estes
sentimentos, mas creio que não eram meus, porque as
minhas ânsias é só de O amar e nunca O ofender.
Mas não terminou o dia sem que eu fosse má, muito má.
Sinto bem que cobri de espinhos o meu doce Jesus. Tenho
tanta pena por ter procedido assim. Esta dor tem-me
consumido hoje o meu pobre coração.
De que se
trata afinal? De uma coisa que é elogiosa para ela: a repugnância que
sente de ser falada e sobretudo ser vista durante os êxtases da Paixão.
Mas na sua consciência delicadíssima — é difícil encontrar consciência
mais delicada — parece-lhe que se deixou levar demasiado por essa
repugnância. Mas diga ela:
Quer saber o que foi a minha maldade? Juntou-se aos
medos que eu tinha da sexta-feira um horror tão grande,
tão grande de eu não querer ser vista por ninguém.
Estava aborrecida e (parece) queria bater em quem
presenciava e ia contar o que tinha visto.
Então dizia eu: na sexta-feira, depois do Sr. Abade me
trazer Nosso Senhor, fecha-se a porta e quem tiver saído
não volta a entrar senão à noite. Isto era com o fim de
não ser vista.
Eu não me compreendo: eu dizia isto, mas parece-me que o
não fazia, porque do íntimo do meu coração saía-me este
brado:
Ó meu Jesus, eu quero o que Vós quiserdes. Pelo vosso
amor, aceito ser vista. Perdoai-me; dai-me força para me
vencer. Meu Deus, e meu Jesus, eu não quero
desgostar-vos!
Foi uma grande luta que eu tive.
Referindo-se ainda às sextas-feiras, desabafa, a 27.10.39:
Todos os dias são tristíssimos para mim, mas a
sexta-feira, ai meu Deus! Ai meu Jesus, não sei como
poder viver! Quase chego a odiar este dia. Mas quero
tudo o que Jesus quiser: aceitar tudo e sofrer sem me
queixar.
Principiou a aumentar a minha dor logo depois da sagrada
Comunhão, por me ver tão suja e a morrer naquela
imundície. Jesus chamava-me:
— Vem ao teu Deus, ao teu Senhor que te criou para Ele.
Que voz tão triste e tão cheia de ternura! Eu, como que
se O não ouvisse, deixava-O ao abandono e corria
loucamente para os prazeres do mundo.
Que dor, que tristeza a de Jesus! Era minha também.
Assim fiquei durante o dia.
Ao aproximar-se a hora da crucifixão, já me parecia
andar aos empurrões. Com a aflição e o medo, ainda
vieram as lágrimas bailar-me aos olhos. Coitadinho de
Jesus, não pode contar comigo para nada. Ele apressou-se
a vir confortar-me. Chamava-me:
— Minha filha, minha filha, venho com tanta pressa a
pedir-te a esmola. Preciso que me consoles e me
desagraves. E os pecadores estão a morrer de fome:
queres alimentá-los? Queres dar-lhes a vida?...
Segue-se
depois o que foi a Paixão nesse dia.
A
2.11.39:
Estou na véspera do dia mais triste e aflito para mim (escreve
numa quinta-feira). Parece-me que caminho
apressadamente para a morte.
Meu Deus, que confusão a minha! Aceito tudo por vosso
amor: estou cheiinha de medo. O ódio do povo cai todo
sobre mim. Todos me atiram setas e mais setas que me
despedaçam o coração e todo o corpo.
Sinto como se estivesse o meu Jesus no meu coração a
chorar e a tremer de frio: é um pobre e triste mendigo.
Mas o meu coração está mais duro que a dura pedra e
mais frio que o frio gelo: não tem dó de Jesus.
Tenta expulsá-lo, não quer dar-lhe abrigo, oborrece-O. E
Jesus, o pobre Jesus quase morre de dor!
Morra eu de dor, meu Jesus, por Vos ter ofendido tanto;
chore eu que sou a causa das vossas lágrimas. Mas não
basta, meu Senhor: fazei que eu verta lágrimas de sangue
e de dor por todos aqueles que Vos ofendem; mas
alegrai-vos e consolai-vos, porque eu sou instrumento
vosso. Nas vossas divinas mãos me entrego para o
Calvário, para a crucifixão, para a morte!
Ai meu Paizinho: sinto-me fechada, sozinha dentro de um
mundo de trevas intensas. Tudo são pecados, maldades e
crimes; por um lado e outro tudo são montões de
imundícies. Tudo me pertence: eis toda a minha
riqueza!
Sinto-me envergonhada e confundida. Desejava que todas
as montanhas caíssem sobre mim e me cobrissem!
Depois de tudo, o abandono e a separação do meu Deus!
Como estou sozinha! Perdi toda a riqueza; estou num
abismo de perdição. Nem ao menos ao receber o meu Jesus
me reanimo e lhe dou qualquer provazinha de amor. Nada,
nada! O meu Jesus de mim nada tem. Ai de mim: esqueço-me
dele! A morte é o meu acto de acção de graças. Eu não
sei o que hei de fazer: eu quero amá-lo e viver só para
Ele, mas não tenho amor vivo para nada. Terei coragem
para subir o resto do meu Calvário? Tudo me abandonou e
eu estou caída na encosta de uma enorme serra; a minha
vista não atinge a altura que ela tem...
Depois de tudo isto, sinto que nada disse e não sou
capaz de descrever a minha desconsolação. Que tristeza!
E cada
vez mais ao vivo sente na sua alma o estado do pecador e aumenta ao
máximo a sua desolação, que ela descreve com estas cores vivíssimas, a
12.11.39:
Poderá haver luz para as minhas trevas? Alívio para o
meu sofrer? Eu estou de rasto no lodo e na lama; não
vejo para dar um passo. Vou rastejando a olhos fechados
por toda a imundície.
Parece-me que estou nas garras do demónio, não me larga
mais. Sinto-me revoltada contra Deus (já antes
explicou o sentido desta sensação: sente em si mesma o
pecador revoltado contra Deus); estou ao desamparo
de todos e num desânimo tão grande nem posso dizer ao
meu Jesus que O amo.
Sinto-me envergonhada com tanta miséria: parece-me
impossível amar a Nosso Senhor. Queria dizer bem alto,
que não acredito que O amo nem Ele me ama a mim!
Nosso Senhor foge, desaparece! Não me quer ver: vai
horrorizado comigo e eu fico sozinha numa imensidade
sem luz.
Se ao menos O soubesse amar e agradecer-lhe quando O
recebo; mas nada, nada! Estou a dormir no pecado, em
cima da sepultura ou do inferno que me há de engolir.
E Jesus sofre e faz-me sentir a sua dor. Todos os
espinhos que vão ferir o seu divino Coração passam para
o meu.
Ai, o meu Jesus, não pode sofrer tanta ingratidão! Nem
ao menos eu poder consolá-lo! Vejo-me assim cercada de
todos os crimes, não saio deles.
Sou a causadora de toda a dor e agonia de Jesus.
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