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ALEXANDRINA MARIA DA COSTA
 

CARTAS AO PADRE MARIANO PINHO
1935

Balasar, 3-1-1935.

      Viva Jesus,

      Agradeço-lhe de todo o coração a cartinha de Vª Revª assim como o rico santinho que recebi poucos minutos antes da ceia no último dia do ano velho. Muito, muito obrigada.

      Cá vou fazendo quanto posso para que as palavras de Vª Revª penetrem muito nas almas desses pobrezinhos a quem me disse que ia falar, assim como também peço muito a Nosso Senhor pelo bom resultado da missão. O sacrário de Vª Revª já era visitado por mim, porque muitas vezes ao dia me ofereço em espírito a todos os sacrários do mundo e peço ao meu querido Jesus que não me quero ausentar nem por um momento, nem de dia nem de noite, de todos os lugares onde Ele habita Sacramentado. Agora tenho-o feito de um modo particular.

      No dia 29 pelas 6 horas da tarde depois de rezar e estação ao Santíssimo Sacramento fiz a comunhão espiritual pedindo a Nosso Senhor, como é meu costume, que operasse em mim tantas graças como se o recebesse sacramentalmente. Fiquei alguns momentos tão distraída, que nem sei dizer o que pensava, mas logo que principiei a sentir os efeitos de Nosso Senhor em minha alma, ele falava-me assim:

— Filha querida, ó filha amada, anda para a tua missão. A tua missão continua. Anda fazer-me, esta noite, muita guarda nos meus sacrários por esse mundo além. A esta hora, que horrendos pecados! Sou mais ferido com só um pecado que agora se comete do que com mil faíscas numa trovoada forte caídas no meio duma multidão de gente. Vê lá, e com uma só os podia matar a todos. Não tens pena do teu esposo assim tão ofendido?

      Eu então disse a Nosso Senhor: Vós bem sabeis quanto eu queria que não fosseis ofendido. E disse-me Nosso Senhor que esta noite muitas almas iam cair no inferno; que ele esperava de boca aberta as almas dos pecadores como um leão para apanhar os corpos. Infelizes almas, melhor era para elas que não tivessem sido criadas.

— Chamei-as, voltaram-me as costas. Não quiseram ouvir a minha voz. Deixei-as entregues às paixões, mas pede-me muito que ainda acudirás a muitas.

      Disse-me, também, que os meus sofrimentos e a minha reparação que eram pérolas preciosas que iam concluir a minha coroa no Céu, a qual só seria terminada quando terminasse a minha vida na terra. Disse-me também Nosso Senhor que me queria no Céu mas que precisava de mim na terra.

      — O tempo é breve e o Céu espera-te.

      Sentia então uma paz tão grande, estava intimamente unida a Jesus, parecia-me que era tão beijada e sentia aquele calor e aquela força de que já tenho falado a Vª Revª .Tudo isto se repetiu mais do que uma vez durante a visita de Nosso Senhor.

      No 1º dia, no fim da Sagrada Comunhão, sentia tantos desejos de amar a Nosso Senhor, mas estava fria e parecia-me que não o amava, mas dentro de pouquinho tempo falava-me Nosso Senhor:

— Filhinha, sou o teu Jesus, como Eu te amo! Queres fazer uma troca comigo? Eu dou-te o meu amor e tu retribuis-me dando-me o teu amor e com o teu amor, o teu corpinho e o teu espírito para me fazeres companhia nos meus sacrários, para me amares e para obteres o perdão para os pecadores todas as vezes to recomendo. Assim, como antes de Eu vir ao mundo, eram imoladas as vítimas no templo, assim Eu quero imolar o teu corpo como vítima. Dá-me o teu sangue pelos pecados do mundo. Ajuda-me no meu resgate. Sem mim não podes nada; comigo terás poder para tudo, para acudires aos pecadores e muitas, muitas mais coisas. Principia um ano novo para ti, o mais rico de toda a tua vida. Vou encher-te dos meus divinos tesouros, dos meus frutos. Vou inundar-te com os meus dons. Vives no mundo, mas vive como se tivesses morrido. Obedece em tudo ao teu pai espiritual. Cumpre à risca o que ele te mandar, pois é tudo inspirado por mim.

      No fim disto tudo, disse-me Nosso Senhor:

      — És minha, amor!

      Oh! Então neste momento é que eu me sentia acariciada por Nosso Senhor, com aquelas carícias que já tenho falado a Vª Revª Que união tão íntima! Que força que me abraçava tanto! Que paz sentia em minha alma. Sabe o que me faz lembrar? Que louca tenho sido em não ter amado sempre a Nosso Senhor, e que loucos são aqueles que o não amam.

      Não tenho dito a Vª Revª, porque me não tem lembrado, que nunca posso estar com a cabeça inclinada sobre o lado esquerdo, mas durante as visitas de Nosso Senhor, estou e estou sem custo; parece que uma força me inclina para o lado do coração.

      Dizia-me Vª Revª que de 20 a 27 vem pregar uma missão a Estarreja. Sabe a pena que tenho? É não ficar mais ao norte ainda para ter de passar por Balasar para me fazer uma visita. Mas sendo da vontade de Nosso Senhor, do longe se faz perto; vamos ver o que o meu bom Jesus fará. A Deolinda diz-me que vai lá mas eu é que só com o pensamento, mais nada posso.

      A minha mãe assim como Deolinda recomendam-se muito a Vª Revª e já que mais cedo lhe não deram boas-festas, desejam-lhe de todo o coração um ano cheio de muita felicidade e isso prometem implorar de Nosso Senhor.

      A Senhora Dª Sãozinha também envia muitas recomendações a Vª Revª e pediu-me para lhe agradecer o ter-se lembrado dela nas minhas cartas.

      Termino que estou muito doente e muito cansada de falar: peço-lhe por caridade para pedir muito, muito a Jesus por mim. Preciso tanto! Eu de Vª Revª, também nunca me esqueço. Ofereço-me a Nosso Senhor em espírito a todos os sacrários do mundo para que Vª Revª participe em todas as minhas orações e sofrimentos. Adeus e por amor de Jesus abençoe esta pobre,

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 10-1-1935

      Viva Jesus,

      Cá estou de novo a contar-lhe, o melhor que sei, o que Nosso Senhor exige de mim.

      No dia 3, pelas 9 horas da noite, depois de fazer a visita ao Santíssimo Sacramento, que a não tinha podido fazer de dia e, se não fossem as muitas dores e o mal-estar que tinha, não as faria, pois tinha muito, muito sono, de repente, senti o que quase sempre sinto quando Nosso Senhor me vem falar. Nessa mesma noite veio-me à lembrança a comparação que lhe havia de dar. Dá-me a impressão que uma onda do mar vem sobre mim. Logo me inclinei para o lado esquerdo e já me falava Nosso Senhor:

— Anda, minha filha, escuta o teu Jesus. Está no teu coração, na tua alma, dentro de ti. Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo. Como Eu te amo! Eu habito em ti e tu nos meus sacrários. Minha filha, o sofrimento e a cruz são a chave do Céu: Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e, para tantos, foi inútil. Dizem: quero gozar, não vim ao mundo para mais nada. Quero satisfazer as minhas paixões. Dizem: não há inferno. Eu morri por eles e dizem que não me mandaram e contra mim dizem heresias e proferem blasfémias. Eu, para as salvar, escolho as almas, ponho-lhes sobre os ombros a cruz e sujeito-me a auxiliá-las e feliz da alma que compreende o valor do sofrimento. A minha cruz é suave sendo levada por meu amor.

      E disse-me Nosso Senhor que se eu sofresse alegre e resignada por seu amor, todos os sofrimentos que Ele me enviasse, abria o Céu a milhares e milhares de pecadores. Disse-me também Nosso Senhor, que mandasse dizer a Vª Revª que nesta quadra eram mais as almas que se perdiam do que as que se salvavam; que queria guerra aberta contra o pecado da impureza, que era com o que o inferno estava mais povoado: Disse-me também que tinha pena de me dizer isto porque sabia o amor que eu tinha às almas.

      — Mas quem as amou mais que Eu?

      Sentia então toda a força e intimidade de que já tenho falado a Vª Revª e dizia então Nosso Senhor:

— Não te entregues ao sono; anda passar algum tempo comigo aos meus sacrários.

      Eu assim fiz. Rezei algumas coisas, cantei baixinho, para que ninguém me ouvisse, o Tantum ergo e vários cânticos e pedi a Nosso Senhor que me desse a bênção de todos os sacrários do mundo. E, no fim de tudo isto, já a hora da noite ia adiantada e dormi alguma coisa.

      No dia 4, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor e dizia-me:

— Queres encontrar-me, minha filha? Procura-me no teu coração e na tua alma. Habito lá a penetrar em ti mais o meu amor e a santificar-te mais. O teu coração é o meu sacrário e a ti é sempre nos meus sacrários que te quero encontrar a pedir-me pelos pecadores e quero que me digas muitas vezes que és toda minha. Se soubesses como me consolas! E como acodes aos pecadores só em me dizeres que és minha vítima! A minha paga é o meu amor e um lugar no Céu, tão lindo, muito pertinho de mim, muito unidinha a mim. Se tu pudesses vê-lo! Seria o bastante para a tua morte, morrerias de alegria. Não penses em nada deste mundo, que não és dele. Ama-me muito, olha o que te confio: os meus sacrários e os pecadores.

      E disse-me para eu mandar dizer a Vª Revª, que durante aquele tempo que Nosso Senhor me falava que muitas almas já tinham sido julgadas e condenadas ao inferno e a maior parte delas pelo pecado da carne. Eu fiquei tão triste! E disse-me Nosso Senhor:

— Não te entristeças que já lhes não acodes, dá-as por esquecidas. Pede-me pelos que estão cá fora. Se não fosse a minha misericórdia e as almas que eu escolho para por meu amor sofrer por eles, onde estariam já elas.

      Que união a minha com Nosso Senhor; que calor que me abrasava tanto, tanto; que força que me abraçava! Parecia-me uma força interior e dizia-me Nosso Senhor:

      — Que ano novo para ti cheio das bênçãos do Céu.

      E dizia-me:

      — Não quero que mais ninguém saiba desta intimidade contigo.

      Ainda me fica cá uma coisa do dia 5, mas não vai hoje porque quero mandar dizer a Vª Revª. todos os assaltos do demónio e não cabe tudo; eu não espero até quinta-feira para escrever a Vª Revª.

      Queria o demónio que eu queimasse tudo e que não mandasse dizer mais nada a Vª Revª, que ainda me podia salvar. Também me diz o demónio que me mate, que me arranja um meio e que nada custa. Que estou a sofrer muito sem nenhuma recompensa, que Nosso Senhor não me tem amor nenhum. — Não vês como andam por aí criaturas cheias de vida? Também me diz que Vª Revª não acredita no que lhe mando dizer. Isto que eu sinto em mim quando Nosso Senhor me vem falar, diz-me que é do tempo, que é da doença. Enfim, vejo-me consumida em tudo; ele em todas as coisas encontra meio para me tentar. Já vê Vª Revª, com tudo isto, quanto preciso das orações de Vª Revª Não me esqueça, por amor de Jesus.

      Por hoje não digo mais nada. Muitas lembranças da minha mãe, da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha.

      Peço para abençoar esta que promete nunca o esquecer junto de Nosso Senhor.

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 14-1-1935

      Viva Jesus,

      Não disse eu a Vª Revª que não esperaria por quinta-feira para lhe escrever? O seguro morreu de velho; depois, a carta podia não chegar aí antes da saída de Vª Revª para Estarreja.

      No dia 5 pelas 6 horas da tarde, depois da visita ao Santíssimo e da Comunhão Espiritual, comecei a sentir os efeitos de Nosso Senhor: aquela força que já lhe descrevi, era como quem abraçava e deixava de abraçar e ia-se repetindo sem eu nada ouvir. Depois só uma vez ouvi chamar: "— Ó filha" e, por fim, então, ouvi:

— Escuta-me. Sou o teu Jesus. De novo te venho pedir, nesta noite, a guarda e vigilância dos meus sacrários. Se soubesses com que crimes me vão ofender! Não quero que saibas, mas quero-te prevenir. Anda, com o poder e a força, de que te tenho revestido, sustentar o braço da espada para não cortar o fio da vida.

      Sentindo-me, outra vez, muito acariciada, Nosso Senhor disse-me:

— Minha bem fiel esposa, vem com o teu amor e com a tua reparação curar as feridas que, com os crimes, me vão ser feitas. As dores são mais horríveis do que as do calvário. Quantos cravos! Quantas coroas de espinhos e quantas lanças! Vai passar parte da noite, com muito amor e fervor nos meus sacrários. Eu ajudar-te-ei. Estou contigo no sacrário do teu coração e tu estás nos meus por esse mundo além.

      No dia 13, logo no fim da Sagrada Comunhão falava-me Nosso Senhor:

— Ouve, filhinha, sou o teu Jesus, estou contigo, sou um esposo que nunca abandona a sua esposa: Amo-te tanto! Não dês ouvidos ao demónio, teu inimigo e meu. Eu sou a quem ele mais odeia. Eu deixo que ele te tente mas não consinto que ele te vença: deixo-te lutar com ele como um navegador nas ondas do mar. Faço isto para teu bem. Sabes o que eu quero de ti? Hoje contempla muito os meus sacrários. Repara o que Eu lá faço; é o que Eu quero que tu faças. Pede-me pelos pecadores. Hoje, que anda todo à solta, vou ser muito ofendido. Andam desenfreados nas paixões como um cavalo sem freios. Pede-me por eles. Escolhi-te para isso. Nesta hora quantas almas caiem no inferno.

      E disse-me Nosso Senhor, que mandasse dizer a Vª Revª, disse-me o meu Jesus para eu lhe dizer que não se cansasse de pregar contra o pecado da impureza, que era o pecado com que Ele era mais ofendido e que não esqueça a devoção aos meus sacrários, ao prisioneiro do amor. Eu tenho sede de ser amado, Eu tenho sede das almas. E dizia-me Nosso Senhor:

      — És toda minha e eu sou todo teu.

      E eu dizia-lhe: eu não vos amo, não vos sei amar. E então, dizia-me Nosso Senhor:

      — Não te aflijas, hão-de ser realizados os teus desejos.

      E, por despedida, disse-me o meu Jesus:

      — Aí vai mais uma prova do meu amor.

      E então eu sentia um calor que me abrasava tanto, tanto e uma força que me abraçava tanto que me parecia vergarem-se-me os ossos.

      Prometeu-me Nosso Senhor que me voltaria a falar nesse dia e não faltou a pedir-me para lhe fazer companhia durante algumas horas da noite. Mas fica para a outra vez porque não cabe mais.

      Adeus, até não sei quando. Fará a caridade de abençoar esta que nunca o esquece junto de Nosso Senhor.

      Alexandrina

Balasar, 27-1-1935

      Viva Jesus,

      Cá volto a escrever a Vª Revª Não o fiz há mais tempo, não porque eu não tivesse disso necessidade, mas porque não tinha a certeza onde Vª Revª se encontrava.

      No dia 13, entre as 8 e as 9 horas da noite, enquanto estava a rezar a estação ao Santíssimo Sacramento, já me parecia que Nosso Senhor me falava. No fim, fiz a comunhão espiritual e então disse-me Nosso Senhor assim:

— Ouve, minha filha, e atende ao pedido do teu Jesus: anda fazer-me companhia nos meus sacrários nesta noite, nestas horas em que sou mais ofendido. Não me deixes sozinho. Tem pena de mim: anda com essas tuas dores e com as tuas orações sustentar o braço da minha justiça prestes a cair sobre os pecadores, que ainda para alguns o baixarei sem os castigar, mas para muitos não. Muitos estão no pecado e dali a poucos momentos no inferno. Outros com o próprio instrumento com que me ofendem abrem as portas do inferno. Eu morri por eles, por eles dei o meu sangue e por eles estou nos sacrários há tantos séculos e lá estarei até ao fim. Mas eles desprezam as minhas graças. Triste verdade.

      Durante a visita, repetiu-se várias vezes esta força e o calor que mal sei explicar. Assim passei até perto da uma hora da noite a fazer, o melhor que me foi possível, companhia a Nosso Senhor.

      No dia 16, das 6 às 7 horas da tarde, depois de fazer a comunhão espiritual ... e à minha presença com muito pouco fervor mas não era por minha vontade. De repente, senti os efeitos de Nosso Senhor Aquela força e um forte calor como já tenho dito a Vª Revª. Dava-me e tornava a passar. Repetiu-se isto várias vezes sem que eu ouvisse nada. Estando alguns instantes sem nada sentir, ia recomeçar as minhas orações lembrando-me que desta vez Nosso Senhor não me falaria, mas de novo senti as mesmas coisas e já me falava então Nosso Senhor:

— Ouve-me minha filha, não me ausentei nem me ausentarei de ti. Habito em ti como nos sacrários das minhas igrejas. Venho-te pedir para me pedires pelos pecadores. Sou ofendido tão horrorosamente. Não posso mais. Vou castigá-los, escolher ou condenar muitos ou crucificar o teu corpo muito, muito. Eu aceito o teu corpo para reparação, dá-me a resposta. Com uma deixar-me-ás muito triste e com a outra alegar-me-ás muito.

      Eu disse a Nosso Senhor:

— Destruí o meu corpo. Tornai-o em nada, como já foi, e não os condeneis. Então disse-me Nosso Senhor:

— Obrigado, minha filha, obrigado, Eu te darei o prémio. Mais pérolas para a tua coroa. Tantas como os pecadores.

      Sentia-me tão acariciada que me parecia que o rosto se juntava ao coração. Dizia-me então Nosso Senhor:

— És toda minha, minha filha, meu anjo, meu amor. Anda para os meus sacrários fazer-me companhia durante algum tempo durante a noite. Anda recomeçar já as tuas orações pelos pecadores.

      Atendi ao pedido de Nosso Senhor e passei algumas horas em espírito diante dos sacrários.

      Nessa mesma noite piorei: nasceram-me dois abcessos na boca; tinha muita febre e dores enormes em todo o corpo. O que sofri só Deus, Nosso Senhor o sabe. Mas sofria contente. Agora estou melhor, já estou pronta para outra; mas um ainda continua a deitar o que me causa ainda muitas dores.

      Como vai ver tudo se me juntou: Nosso Senhor, desde essa noite até hoje, ainda não me tornou a falar; não pude conseguir que a Deolinda fosse a Estarreja como eram os meus desejos e dela; só o demónio, esse, continua a missão dele. Por escrito, é-me impossível explicar a Vª Revª tudo o que ele me disse e me apresenta, dizendo:

— Isto é tudo meu, anda para mim que os que assim têm feito acham-se bem.

      Também me dizia:

— Manda vir pedras de sublimado para a caspa e toma-as, engole alfinetes com o bico para baixo.

      E, por Nosso Senhor me não ter falado, disse-me assim:

      — É da doença ou não é? É do tempo ou não é?

      E diz-me que não mande dizer mais nada a Vª Revª Já acha que lhe digo coisas a mais. O resto só por boca é que pode ser explicado.

      Adeus, por hoje. Muitas lembranças da minha mãe, da Deolinda e da Sãozinha. Peço-lhe, por caridade, que não me esqueça junto de Nosso Senhor que eu, da minha parte, farei o mesmo e, por amor de Jesus, abençoe esta que humildemente lhe pede a bênção.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 7-2-1935

      Viva Jesus

      Já vai sendo tempo de eu dizer a Vª Revª como tenho passado tristes estes dias da minha vida.

      Desde o dia 16 de Janeiro que Nosso Senhor não me tinha voltado a falar. Oh, como eu estava triste! Parecia-me estar abandonada de todo. Passaram-se vinte dias sem eu receber o meu querido Jesus, tendo eu tão fortes desejos de estar sempre unidinha a Ele.

      Chegaram, por fim, a primeira sexta-feira e o primeiro sábado e nesses dias dignou-se Nosso Senhor vir repousar na minha pobre alma. Empreguei todos os esforços para me preparar para bem o receber e lhe dar graças, mas foram inúteis todos os meus esforços porque só sentia frieza e nenhum fervor.

      Vª Revª quer saber quem mais se me fazia sentir? Era o demónio. Esse todo se consumia para me fazer companhia. É um tal enredo que não era muito para contar por escrito, mas assim fico mais sossegada da minha consciência: Na noite de 7 para 8 de Janeiro, estando eu a dormir, acordei sobressaltada, mais que uma vez, porque me parecia que à beira da minha cabeça, na travesseira se esgatanhava. Depois, de madrugada, vi atravessar umas sombras altas e pretas da porta de meu quarto para a janela. Na noite de 17 para 18, quando todos dormiam, estava eu a contas com minhas orações, figurou-se-me quase um caminho e por um lado uma barreira feia. A muita distância vi como que um portal. À entrada um vulto preto de cada lado, e ouvi dizer assim:

      — Isto é tudo meu.

      Passados momentos, vi, a par da minha cama, um abismo tão fundo e tamanho. Ai , o que eu vi lá dentro! Coisas tão feias! Não era gente o que eu via, não sei explicar o que era. O que sei dizer é que era uma multidão tamanha, tamanha e tão unida, muito mais unida do que a gente na missa campal no Congresso Nacional em Braga. Para os lados tinha umas covas tão feias! E Oh! que movimento eu lá vi. Do meio daquilo saíam labaredas, mas não eram como as do nosso lume. Lá, num sítio, via um montinho duns vultos pretos com umas coisas ao alto, não sei se eram paus se eram forcados. Para o outro lado, via outras sombras que me deram a impressão do quadro da morte do pecador: um a puxar para diante e outro a puxar para trás e saía do meio um rabo tão grande que formava um grande arco. E afiguarava-se-me que atravessavam por cima da minha cama as mesmas sombras pretas. Não podia rezar e não sabia as horas, mas bem as ouvia bater.

      Na noite de 29 para 30 formou-se uma enorme escuridão dentro de meu quarto. Parecia-me ser uma casa muito feia onde me aparecia a um postigo uma cara muito feia também. Ouvia dizer assim:

— São os telhados da minha casa (mas eu não via telhas nenhumas). Cá por fora é feia mas lá por dentro é chique. Anda para mim, que outros que assim têm feito acham-se bem. Ama-me e deixa esse impostor a quem amas. Ele não quer que tu me ames porque chegas a ser tanto como Ele: tanto como eu, não. Eu estive hoje a ver que tinha mais almas do que Ele. Porque seria isso? É porque valia recompensa.

      Eu beijava e apertava na mão o meu crucifixo e ouvia dizer assim:

— Se não fosse esse impostor que tens na mão, punha-te um pé ao pescoço; punha-te o corpo em mostarda. Mas isto há-de fazer Ele a ti e tu depois hás-de querer vir para mim, mas eu não te aceitarei. O que te vale é essa benzelhice. Não é porque eu tenha medo, mas odeio-O. Tenho nojo. Cospe-lhe!

      Nesta ocasião aproximavam-se de mim uns grupos de vultos de côr avermelhada e ouvia dizer:

      — Se eu quiser, não te deixo dormir.

      Eu, no meio de tudo isto, sem ter um ministro de Nosso Senhor a quem pudesse abrir a minha consciência! Com quem eu pudesse desabafar! E sem ter uma cartinha de Vª Revª par me consolar! Como é que eu não havia de estar triste? Chorei, mas graças ao meu querido Jesus, eram tristezas e lágrimas de grande resignação com a sua SS. Vontade.

      Ontem tive a consolação de receber o meu querido Jesus. Eu tinha o costume de pedir a Nosso Senhor, para mandar uma multidão de anjos, querubins e serafins acompanhar o meu Jesus do sacrário até junto de mim e vir Ela com outra multidão para preparar o trono da minha alma para eu receber a Jesus e no fim dar-lhe graças por mim. Desta vez assim foi. Depois de ter recebido Nosso Senhor, que paz eu sentia! Estava de olhos postos e principiei a ver diante de mim tantas, tantas cabecinhas. Umas mais acima, outras mais abaixo, formando um grande arco. E mais a um lado umas coisas maiores e não sei com que estavam. Via no meio uma coisa maior mas não a divisava tão bem. À frente apresentava-se-me a figura dum trono com umas cores tão lindas e, do meio disto que eu via, saíam uns raios dourados.

      Ao ver isto eu pensava que era Nossa Senhora acompanhada com os seus anjos como eu lhe tinha pedido. Pensava também se sim ou não havia de mandar dizer isto a Vª Revª. E disse assim: Oh! meu Jesus, dizei-me se lhe hei-de mandar dizer; e então disse-me Nosso Senhor:

— Diz tudo, tudo. Apresentei-te isto para veres que os teus pedidos são ouvidos no Céu. O que viste foi Nossa Senhora com os seus anjos, querubins e serafins com os seus instrumentos. Vieram preparar a tua alma e depois deram-me graças, amaram-me e louvaram-me como no Céu. Estão à roda de ti. Vieram em revoada. Eu não te abandonarei. É bem que te quero. É amor que tenho à tua alma. Tenho muito com que te beneficiar. Não te esqueças do que te tenho recomendado: os meus sacrários e os pecadores. A batalha é difícil de vencer.

      E tornou-me Nosso Senhor a dizer:

      — Olha!

      Repetiu-se então o que já tinha visto mas já não se divisava também: sentia então todo aquele calor e aquela força que já muitas vezes tenho dito a Vª Revª. Mais tarde diziam-me assim:

— Não mandes dizer isto! Condenas-te, cais no inferno, o que vale é que ele não acredita em ti; bem sabe que o andas a enganar.

      Adeus, até quinta-feira; veja, por caridade, quanto necessito das orações de Vª Revª e não me esqueça que eu farei o mesmo. Muitas lembranças da minha mãe, da Deolinda, e da Dª Sãozinha. Por caridade, peço que abençoe a pobre

      Alexandrina M. C.

Balasar, 14-2-1935

      Viva Jesus,

      Aqui me tem a agradecer a Vª Revª a rica cartinha que me enviou. Só Nosso Senhor sabe a paz e a alegria espiritual que ela me veio trazer. E como não havia de ser assim se foi escrita com tanto sacrifício? Que pena eu tive que não pudesse conseguir vir aqui quando esteve em Estarreja! E ainda mais se me avivaram as saudades quando vi que até o bilhete chegou a comprar! Tinha tanta necessidade de falar para Vª Revª! De lhe abrir a minha consciência! Mas entrego-me toda nos braços de Nosso Senhor e tenho confiança que Ele não me abandona. E que não hei-de morrer sem serem realizados os meus desejos.

      Havia oito dias que Nosso Senhor me não falava; hoje de manhã, quando estive a fazer as minhas orações, de vez em quando parecia-me que me abraçavam: repetiu-se isto mais de uma vez e assim estive meia hora pouco mais ou menos, mas eu continuei com as minhas orações, fiz a comunhão espiritual e então ouvi Nosso Senhor:

— Ó filha, sabes quem está contigo? É o teu Jesus. São os teus desejos. Habito em ti como nos sacrários das minhas igrejas. Sou o jardineiro da tua alma; sou Eu que adorno o trono da minha habitação. Eu em ti e tu comigo nos sacrários das minhas igrejas. Venho-te dizer que estou tão ofendido! E por tantos que parecem que me amam! Mas é só aparência, lá dentro, só Eu o sei. E tantos de quem Eu tenho direito de esperar amor! São os meus discípulos, não buscam o meu amor, não me conduzem as almas. Fazem as coisas por hábito e vivem. Procuram os bens do mundo que nada valem e que depressa os deixarão!

      E dizia-me então Nosso Senhor:

— Atenta, manda dizer ao teu pai espiritual que faça a guerra a isto, que é preciso lembrar. Eu dei o exemplo: nasci pobre, ensinei o caminho, mas tantos seguem por outro e fazem com que Eu seja horrorosamente ofendido. Dá-me o teu corpo como vítima para reparar tudo isto — tenho muito que t'o consumir. Deixa encher-te do meu amor, cobrir-te com as minhas carícias. És o amor do teu Jesus.

      Então sentia uma força inexplicável e um forte calor que me abrasava e dizia-me o meu bom Jesus:

— Minha filha, estou sozinho em tantos sacrários e tão abandonado! Anda ao menos tu fazer-me companhia.

      Tenho ocasiões em que o demónio me aflige tanto! Mas principalmente quando estou a rezar. Diz-me assim:

— Escuta-me! Deixa esse Cristo, esse impostor, esse malvado a quem amas! Ama-me a mim, faço-te herdeira dos meus tesouros e dos meus palácios. Deixa esse invejoso, consumo-me pela tua felicidade: mas Ele te faz assim.

      Quer saber o que mais me diz o maldito?

— Ó excomungada, excomungada e bem excomungada se mandas dizer mais alguma coisa.

      Mas que Vª Revª, que é tão bom como eu senão já me tinha desconjurado, e mandado dizer para eu não dizer mais nada. Eu que estou no mundo e já a arder no inferno.

— Converte-te infeliz! Converte-te desgraçada! É o amor que eu te tenho que me faz assim falar. Venho agora mesmo de falar com o teu Cristo, disse-me que tomasse conta de ti, que não tinhas salvação nenhuma. Estava tão irado contra ti! Disse-me que não te pode ver e que é por tu mandares dizer essas coisas; se não queres dizer mais nada eu ainda conseguirei meter as pazes.

      Que combates entre mim e o demónio! Custam tanto a vencer! Só com a força do alto é que eu poderei consegui-lo. As armas com que o combato é o meu crucifixo que beijo muitas vezes e muita força de água benta. Mas, se é para o aumento da minha cruz, para eu mais amar a Jesus e lhe salvar almas, que sejam bem-vindas todas as coisas que Nosso Senhor me envia pois eu não aspiro outra coisa a não ser o amor de Jesus e das almas. Toda me consolo quando digo a Nosso Senhor, sou a vossa vítima. Que dita tão grande ser vítima de Jesus! Peço, por caridade, de pedir muito a Jesus por mim e principalmente para me mandar muitos e grandes sofrimentos. Dá-me tanta consolação o sofrer! É certo que já sofro muito, mas se Nosso Senhor estiver comigo ainda me sinto com forças para mais.

      A Deolinda assim como a Senhora Dª Sãozinha agradecem muito os cartões que Vª Revª lhes enviou e pedem-me para que lhas recomende muito. A minha mãe também lhe envia muitas recomendações.

      Adeus, até breve, se Deus quiser. Por amor de Jesus abençoe esta que promete nunca o esquecer junto de Nosso Senhor na terra e no Céu.

      Alexandrina M. Costa.

Balasar, 21-2-1935

      Viva Jesus,

      Cá estou, como de costume, a escrever a Vª Revª porque muito me custa passar este dia sem o fazer, apesar de hoje ter menos para lhe contar. Desde o dia 14 que Nosso Senhor ainda não me voltou a falar. Mas eu estou conformada com tudo o que for a Sua Santíssima Vontade. Bendito Ele seja! Ao menos não me faltam os desejos de O amar cada vez mais, e de O fazer amado e conhecido de todos os corações. Oh! que desejos eu tenho que Nosso Senhor seja amado como eu própria o queria amar! E como me sinto bem quando digo a Nosso Senhor: não me poupeis a mim o sofrimento e os sacrifícios, e poupai aos pecadores as penas do inferno. Ó meu Jesus quem me dera que todos vos amassem e que todos tivessem um lugar no Céu, como desejo para mim.

      O demónio continua com a sua tarefa. Disse-me que eu escusava de rezar que não tinha salvação nenhuma:

      — Ninguém te acode, vais ser condenada.

      Noutra ocasião em que estava a fazer a visita a Nosso Senhora, o demónio tanto me consumiu que só a terminei com grande custo. Dizia-me assim:

— Não rezes! Não te consumas! Vais ser esmigalhada por Ela! É assim que vai ser a tua morte. Foi Ela mesmo quem m'o disse.

      E que era por eu mandar dizer estas coisas a Vª Revª.

      Na noite de 19 para 20 eu estava muito doente do coração e com dores enormes que me consumiam o corpo. Desde que eu estava melhorzinha a Deolinda retirou-se

— ... para comigo vais acordar no inferno. Ele disse-me que me entendesse contigo; se tu não dizes mais nada ainda te deixo ficar. Fala-me! Responde-me!

      Eu beijava o meu crucifixo, e dizia a Nosso Senhor: se é para aumento da minha cruz, para Vos amar e salvar almas, mandai-me onde quiseres. E continuava a ouvir:

— Beijas este malvado! E Ele é tão maroto! Mandou-me que te fizesse tantas coisas feias! Eu não t'as faço porque te tenho amor.

      Eu tomei água benta e fiquei em paz; mas mesmo depois de se ter passado bastante tempo ainda não conseguia dormir. Graças ao meu querido Jesus eu ainda estou no mesmo lugar, o demónio ainda não me consegiu levar.

      Adeus que está a chegar o correio. Lembranças da minha mãe, de Deolinda e da Dª Sãozinha. Eu continuo sempre a lembrar-me de Vª Revª em minhas pobres orações. Por caridade, nunca se esqueça junto de Nosso Senhor desta pobre

      Alexandrina M. C.

Balasar, 28-2-1935

      Viva Jesus.

      Cá estou eu no dia marcado a escrever a Vª Revª para desabafar das mágoas que tanto me afligem e entristecem. Em primeiro lugar, não tenho ouvido a voz de Nosso Senhor. Não tenho comungado. Faz hoje um mês que não me confesso. Não sei se ainda me confessarei hoje ou não. Está chegada a noite e o Senhor Abade ainda aqui não apareceu. Com certeza já não aparece. Eu queria já me ter confessado, mas coitadinho de quem pede! Está-se a tornar um pouco aborrecido, tanto a Deolinda como a mãe já lhe não querem pedir. Chorei ontem e chorei hoje. Mas, apesar disso, graças ao meu bom Jesus, estou resignada, e sinto uma grande consolação espiritual por me lembrar que é esta a vontade de Nosso Senhor; e são os meus grandes desejos que ela seja feita em tudo e sempre. Que seria de mim se não fosse o amor que Nosso Senhor me tem, e a confiança que me tem infundido em minha alma! Confio e não me engano que com o auxílio de Nosso Senhor hei-de chegar vitoriosa ao fim deste mar de contrariedades.

      O demónio continua sempre a acompanhar-me. Muitas vezes vejo agora vultos pretos a atravessar o quarto. É sempre à noite e quando estou sozinha. Faz hoje oito dias, quando já todos estavam deitados, pareceu-me ver cair contra a porta do meu quarto uma pessoa com os braços abertos, um para baixo e outro para cima. O meu coração não sei o que sentiu: assustei-me mas depressa fiquei tranquila. Já por várias vezes tenho visto, nessas ocasiões, embora dentro do meu quarto seja escuridão, de quando em quando, uma luz tão rápida como a luz duma chisca, mas não é uma luz tão perfeita. Já por duas vezes que eu vi parecia-me quase sobre o meu peito dois olhos muito grandes e arregalados para mim, mas que desapareciam depressa.

      Domingo á noite, estando eu a fazer as minhas orações, ouvi que me falavam meigamente.

— Minha filha, venho-te dizer para não mandar dizer mais nada disto que vês: é da tua vista. Não vês como estás fraquinha! Olha que com isso me desgostas muito! É o teu Jesus quem te fala, não é Satanás.

      Mas eu estava desconfiada e principiei a beijar o meu crucifixo. E então falava-me como quem está muito zangado:

— Se mandas dizer mais alguma coisa desgraço-te o corpo. Pensas que não tenho poderes para isso?

      Também me disse o demónio:

— Ele não acredita no que tu lhe mandas dizer; e foi por causa dos pecados que tu lhe disseste. Quisestes-lhe ser muito franca!

      E disse-me que Vª Revª era um impostor. Perdoe-me por eu lhe mandar dizer. Noutra ocasião também me dizia o demónio:

— Não rezes! Não te vale a pena rezar! Olha que tu não te salvas. Entrega-te a alguns prazeres do mundo: mesmo aqui na cama os podes gozar.

      Queria-lhe falar noutro assunto mas não sei como explicar-me. Mas vamos a ver se para quinta-feira com os auxílios de Nosso Senhor lhe direi alguma coisa.

      Adeus, sim? Bem vê que preciso muito das orações de Vª Revª.

      Não me esqueça, sim? Eu também nunca o esquecerei, mas as minhas orações são muito pobrezinhas porque é muito grande a minha miséria. Sou tão pecadora! Lembranças de minha mãe e da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha. Por caridade abençoe esta pobre doentinha,

      Alexandrina M C.

Balasar, 8-3-1935

      Viva Jesus,

      Tive pena de não poder escrever ontem como era meu costume; mas não pôde ser. Mas Nosso Senhor m'o aceitaria como sacrifício porque bem sabia que era essa a minha vontade.

      No dia 2, poucos momentos depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Escuta minha filha, não podias escolher melhor. Não podias ser mais feliz na escolha. Quem me podia honrar melhor, amar e dar graças do que minha Mãe Santíssima, os meus anjos e toda a corte! Olha-os! É o Céu sobre ti.

      E eu vi então as carreirinhas de arcos sobre mim: naqueles arcos tantas, tantas cabecinhas! Mas não as divisava tão bem como daquela vez que já falei a Vª Revª. E dizia-me mais Nosso Senhor:

— Minha filha, venho-te dizer, principia já desde hoje a vigiar os meus sacrários de dia e de noite; resiste ao sono, faz violência de ti mesmo nestes dias de Carnaval. Oh! com que crimes eu vou ser ofendido! Não é nada a reparação que me fazem para os crimes que Eu recebo! Pede-me constantemente pelos infelizes pecadores: Mesmo nas mais pequeninas coisas podes obter perdão para eles.

      Voltei então a ver muitas cabecinhas e no meio via umas coisas tão vastas, tão vastas! Mas não sabia o que era. E disse-me Nosso Senhor:

      — Aquela massa que tu vês são as almas dos bem-aventurados.

      E disse-me o meu Jesus que mandasse dizer a Vª Revª tudo isto; e que lhe dissesse que tinha sido muito beneficiada do meu Jesus mas que ainda havia de receber muitos, muitos grandes benefícios. E então de novo voltei a ver não sei explicar o quê. Era uma altura tão grande, tão grande! E pelos lados acima e abaixo tantos anjinhos só com uma cabecinha e as asinhas! Oh! meu Jesus, eles não tinham conta. E dizia-me Nosso Senhor:

      — Como o paraíso é belo! Hás-de dizer que o Céu é muito lindo.

      Que união tão firme eu sentia com Nosso Senhor. Que paz tão grande! Parecia-me que não era deste mundo. Um calor abrasava-me tanto, e uma força interior que me apertava tanto e Nosso Senhor chamou-me o seu amor. No dia 4, logo depois da Sagrada Comunhão falava-me Nosso Senhor:

— Anda minha filha, escuta: Anda pedir-me pelos pecadores. São tantos, tantos os que nestes dias caiem no inferno! De tantos milhares de almas que vêm para a minha presença, tão poucos para a minha presença tão poucos para mim para gozarem da minha glória! Como Eu sou ofendido! Como é renovada toda a minha paixão! Quantas coroas de espinhos! Quantos cravos, quantas lanças e quantas cruzes! Prostra-te diante dos meus sacrários, vive lá constantemente a implorar-me perdão para os pecadores. Não penses neste mundo, que não és dele. O amor que te tenho levou-me a criar-te para coisas mais sublimes.

      Sentia-me muito acariciada por Nosso Senhor, uma força interior que me apertava tanto, um forte calor que me abrasava tanto e parecia-me que era beijada. E não sei o que era que me fazia inclinar a cabeça muito muito sobre o coração. E disse-me Nosso Senhor:

      — Os meus anjos.

      Eram tantos, tantos! Via outra coisa, mas não sabia o que era. Disse-me Nosso Senhor que era o trono da Santíssima Trindade e já mais vezes to tenho mostrado. E certo é que já várias vezes, mesmo sem ser na ocasião em que Nosso Senhor me fala, me parecia que via um altar tão lindo, tão lindo! Lá num sítio via reluzir uma coisa branca e disse-me Nosso Senhor que eram as almas virgens e que estavam muito perto dele.

      Era sobre coisas que tenho visto que hoje tinha prometido explicar o melhor que me fosse possível; mas estou tão cansada! Não pode ser hoje. Oh! como estou doente!

      Não posso terminar sem contar a Vª Revª o que me diz o demónio. Quer que eu tire toda a benzilhice que eu tenho ao peito e na mão que é meu crucifixo, que poucos instantes estou sem ele tanto de dia como de noite. Diz-me ele que me quer segredar, mas com isto que não porque o odeia.

— Anda falar comigo. Reserva um quarto de hora para mim e com isso ficarás agradada.

      Vejo-me consumida com este maldito. Em tudo me põe obstáculos e dificuldades.

      Eu cá vou continuando alegre e satisfeita com a missão que Nosso Senhor tanto me tem recomendado. E nunca deixarei de pedir ao meu bom Jesus pelo meu paizinho espiritual porque, depois de Nosso Senhor, é a quem mais devo. Por caridade, não se esqueça de pedir por mim, sim? Lembranças da minha mãe e da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha. Peço-lhe mais uma caridade: de pedir por ela que anda bastante fraca, dizem que é mais a excitação de nervos do que outra coisa. Mas, se não melhorar pode ser bastante para não levar as meninas a exame e com isso muito se aflige. Tenho tanta pena dela! É tão minha amiga! Se não fosse ela não poderia escrever a Vª Revª, tão vastas vezes. Abençoe-me por amor de Nosso Senhor.

      Alexandrina

Balasar, 15-3-1935

      Viva Jesus,

      Não tencionava escrever-lhe esta semana devido ao estado em que me encontro. Estou com tanta falta de forças! E a minha cabeça está tão ruim, tão ruim! Só Nosso Senhor o sabe. Além disso, à minha secretária também lhe custava porque anda bastante doente. Mas como verá, à ordem de Nosso Senhor, resolvi fazê-lo.

      Ontem, dia 14 das 9 às 10 horas da noite, depois de fazer a comunhão espiritual, falava-me Nosso Senhor assim:

— Anda minha filha, ouve-me: se soubesses como Eu te amo! Mas não é possível compreenderes o meu amor. Eu estou a experimentar-te. Eu sei até onde chegam as tuas forças. Mas faço isto para que depois de ti fiquem as lições: para se saber como Eu me comunico às almas que escolho para tão alto fim. Anda passar esta noite muito tempo aos meus sacrários. Contempla o amor que ali me prendeu e que me levou a instituir este sacramento. Foi numa quinta-feira, por esta hora. Medita no que Eu já sofria! Implora o perdão para os pecadores. Manda dizer ao teu pai espiritual e não te demores a escrever lhe. Que pregue que Eu não posso ser mais ofendido com a profanação do domingo! O pecado da gula! O suicídio! Mas o da impureza — que horrendos crimes povoam o inferno! Que se levantem contra os crimes que alastram o mundo. Que pregue assim por amor daquele Jesus crucificado, e por vosso amor preso naquele sacrário. É Ele mesmo que vo-lo pede. Eu mandei avisar Sodoma e Gomorra e não fizeram caso. Ai destes a quem o mesmo lhes acontecerá.

      Disse-me Nosso Senhor:

      — Aí vai o meu amor.

      E então, aquela força inexplicável, e aquele calor que tanto me abrasava! Oh! como eu me sentia bem! E dizia-me Nosso Senhor:

      — És a vítima dos meus desígnios!

      E tornou-me a dizer que me queria no Céu mas que precisava de mim na terra. Nessa ocasião eu pedi ao meu Jesus a cura da minha querida Sãozinha. E Nosso Senhor prometeu curá-la em breve, mas que lhe pedisse muito. Que lhe pedisse o que quisesse e o que Ele me não alcançasse que era porque não seria bom para as almas. O demónio não me tem consumido tanto Tenho visto as sombras de costume. Há uns dias atrás, eu vi dentro do meu quarto um gato preto grande a pular, mas mais parecia um cabrito.

      Peço-lhe, por caridade, para não esquecer junto de Nosso Senhor a minha querida Sãozinha. Mete tanta pena ela dizer que muito não queria perder o juízo! Está proibida de trabalhar. Não a esqueça, sim? Ainda lhe não respondi. Estou tão ruim! Não sei como lhe hei-de responder. Ela mostra ser uma criatura instruída, não me parece ser como eu. Diz-me que vem aprender comigo a ciência da cruz. Oh! Que lhe hei-de ensinar! A quem vou ensinar? Eu que tanto preciso de aprender! Lembranças da minha mãe e de Deolinda. Não esqueça, por caridade, esta pobrezinha que também promete não o esquecer junto de Nosso Senhor.

      Alexandrina

Balasar, 21-3-1935

      Viva Jesus,

      Cá estou eu hoje a escrever a Vª Revª e vamos a ver se com a ajuda do Céu lhe explico o que há tempos prometi. Eu vejo, já desde há muito tempo, tanto de dia como de noite, não é sempre, mas é quase todos os dias, coisas tão lindas, tão lindas! Flores de tantas cores, e tantas qualidades! Umas coisas mais miudinhas do que brilhantes, mas de cores tão variadas! E no meio de todas elas a cor de ouro é sempre a que vejo com mais fartura! Não vejo isto como num painel, mas sim por trás daquelas vou vendo sempre outras a largo espaço. Quer saber o que me tem a mim lembrado? Que muito lindo há-de ser o Céu! Quando eu, a maior de todas as pecadoras, com estes meus olhos, já vejo coisas tão lindas! Também tenho visto uma espécie de coroas de flores muito lindas e à volta delas umas coisinhas penduradas, branquinhas como prata. Conforme iam passando eram cada vez mais vastas as coisas que tinham penduradas. As últimas que eu vi eram diferentes, pareciam-se com a coroa que tem Nosso Senhora do Sameiro, com umas cruzinhas viradas para cima. Noutra ocasião parecia-me que vinha virada para mim uma Senhora com um menino ao colo no braço esquerdo e uma coroa na cabeça: fez me lembrar Nosso Senhora do Carmo.

      E noutra ocasião pareceu-me ver Nossa Senhora da Conceição. Também me pareceu ver virado para mim, no tamanho de um homem, o Sagrado Coração de Jesus todo cheio de raios dourados à volta do seu Coração. Também me pareceu ver mesmo, à minha beira, Nosso Senhor coroado de espinhos; mas eram uns espinhos muito grandes, tal e qual como uma medalha que Vª Revª me dera. Também vi a figura dum menino de 4 ou 5 anos com um regador na mão a regar. Mas tudo isto, menos as flores, desaparece rapidamente. É só as flores que eu vejo quasi todos os dias; as outras coisas não. Uma ocasião vi tantas, tantas portinhas! Fizeram-me lembrar as portinhas dos sacrários: mas não estavam com luxo, eram pobrezinhas. Uma noite o meu quarto estava coberto com uma vide cheia de uvas com uma folhagem tão linda, tão linda, como nunca tinha visto na minha vida. Ora se me apresenta um quarto cheio de estrelas douradas, mas não são bem irmãs das que se vêem no firmamento. Já várias vezes tenho visto os anjinhos, mesmo sem ser quando Nosso Senhor me fala: é certo que eu faço para passar o tempo, em espírito, em todos os sacrários do mundo unida a Nosso Senhor. Assim o digo muitas vezes ao meu querido Jesus: eu quero viver unidinha a Vós em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde habitais sacramentado. Não me ausentar nem um momento nem de dia nem de noite. E ofereço-lhe o meu coração e peço-lhe que o coloque a servir de lâmpada luminosa e amorosa para o alumiar. E peço a Nossa Senhora para ir comigo e mandar uma multidão de anjos querubins e serafins amarem, louvarem e fazerem companhia a Jesus sacramentado. Por isso passamos o tempo todos juntos.

      Também, já vi uma vez no meio dos anjos quase como um sofá e sentado nele, não sei explicar o quê. Pareceu-me que tinha flores e umas cores muito lindas. Uma vez vi muitos anjinhos de corpo inteiro e com asas. Não me sei explicar melhor. Tenho passado estes dias muito tristes. Nosso Senhor ainda não me voltou a falar. Parece-me que lhe tenho perdido o amor, em lugar de adiantar parece que atraso. Não tenho fervor nas minhas orações, mas não faço melhor porque não posso; o meu desejo era amar Nosso Senhor até à loucura, assim Lhe digo muitas vezes. Também me causa muita tristeza o estado de saúde em que se encontra a minha querida amiguinha a Dª Sãozinha. Quem a conheceu e quem a conhece! Fala constantemente, mas tudo em seu juízo. Das dores de cabeça e da espinha tem melhorado. Mais uma vez lhe peço para pedir muito a Jesus por ela, eu já não sei a quem hei-de pedir.

      Adeus, até o fim do mês. Tenho pedido e continuo a pedir pelo bom resultado da missão que Vª Revª vai fazer á Vila da Sertã. A pena que tenho é de lá não poder ir, mas em espírito muitas vezes nos havemos de lá encontrar. Afinal não sei quando hei-de melhorar, ou se melhorarei da minha cabeça.

Muitas lembranças de Deolinda e da minha mãe, Não se esqueça de pedir muito por mim a Jesus. Preciso tanto! O demónio continua a consumir-me com dúvidas. Mas seja feita em tudo a Vontade do Meu Jesus. Abençoe por caridade esta que promete tê-lo presente junto de Nosso Senhor.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 31-3-1935

      Viva Jesus,

      Recebi a carta de Vª Revª sexta-feira à noite. Do íntimo da minha alma lhe agradeço todo o cuidado que tem com esta miserável pecadora. Não calcula como tenho vivido desanimada; parece-me que tenho perdido tudo. Rezo e parece-me que não rezo bem. Parece-me que tenho perdido o amor a Nosso Senhor. Sinto um desânimo tamanho! Peço muitas vezes a Nosso Senhor que me não abandone. O que ainda não perdi foram os desejos de O amar cada vez mais. Mas acho que o meu Bom Jesus me faz esperar tanto por uma visita de Vª Revª! Mas paciência. Seja feita a Sua Santíssima Vontade em tudo. Confio muito na misericórdia de Nosso Senhor. Ele que tudo conhece, sabe bem a necessidade que eu tenho de ter ao meu lado o meu pai espiritual para lhe abrir a minha consciência.

      Fiz ontem anos. Não sei se foi por acanhamento que não me lembrei. Oh! meu Jesus como eu tenha pena de o não ter lembrado para que dum modo especial me consagrasse toda a Nosso Senhor. Bendito Ele seja! Nem ao menos tive a consolação de O receber.

      No dia 24, logo depois da Sagrada Comunhão, disse-me Nosso Senhor:

— Anda minha filha, anda passar o dia nos meus sacrários: Ama-me, louva-me e agradece-me, o Eu ter instituído este grande sacramento. Faz hoje anos, é festa no Céu. Lembra-te hoje muitas vezes do Céu para também participares dela: que dentro em breve irás para lá. Pede-me muito pelos pecadores, que surdos à minha divina voz, não querem ser curados pelo seu criador. Sofri tanto por eles! Pede muito por eles que Eu te darei grande recompensa. Admirável recompensa.

      Sentia, então, muito daquele calor e daquela força de que tenho falado a Vª Revª. E dizia-me Nosso Senhor:

— És minha, toda minha, só minha; não és de mais ninguém. Criei-te para isto, és o meu amor, és a minha vítima.

      E disse-me Nosso Senhor que não duvidasse. Mas o demónio todo se consome por me persuadir de que me engano. Diz-me o demónio para eu cortar relações com Vª Revª. Que deixe de lhe escrever sem dizer nada a Vª Revª, que não saberia pelo que era, e que me confessasse a outro que não era verdade o que tenho mandado dizer. Disse-me também que eu tanto hei-de ir indo que me há-de acontecer como à estigmatizada de Lamego.

      Tenho tanto aborrecimento às coisas do mundo! Tenho tantas saudades pelo Céu!

      Vinham-me uns selos dentro da carta. Vª Revª não me falava em nada, com certeza foi um milagre de S. António. A minha mãe não me dá dinheiro para selos porque eu nunca lhe peço porque não tenho precisado. Todos os meses a Senhora Dª Sãozinha me dá dinheiro e nem metade do que ela me dá eu gasto. Por caridade, peço-lhe para continuar e pedir por ela que precisa muito. O nervoso mete-lhe cada coisa na cabeça que a consome e faz consumir os outros. Muitas lembranças dela, da minha mãe e da Deolinda. Hei-de fazer todo o possível por escrever à minha irmãzinha, apesar de o fazer com muito sacrifício. Se soubesse como fico doente no fim de escrever! Abençoe a pobre

      Alexandrina

Balasar, 8-4-1935

      Viva Jesus,

      Vou hoje fazer o que já queria ter feito. Mas, como sabe, não o faço por minha mão e a minha irmã não tem podido.

      No dia 3 pelas 6 horas da tarde depois de fazer a visita ao Santíssimo Sacramento e de fazer a Comunhão Espiritual, falava-me Nosso Senhor assim:

— Anda cá, minha filha, escuta-me. Estou em ti a operar tantas graças como se me recebesses sacramentalmente. Estou a recompensar os teus desejos: tem confiança em mim. Venho-te pedir para vires passar parte de noite nos meus sacrários. Prostra-te à frente, numa oração contínua, a implorar-me o perdão para os pecadores. Já caíram hoje tantos no inferno! E ainda vão cair mais. Pede-me muito: Se me amas, se és toda minha, não me recuses o que te peço: sê a minha vítima. A recompensa que te dou é o Céu e dentro de pouco tempo vais para lá. Manda dizer ao teu pai espiritual que pregue, que se consuma para que Eu seja visitado e amado na Santíssima Eucaristia. Sou Eu quem lho peço. Que me peçam tudo que quiserem diante de Mim; é de lá que vem o remédio para todos os males. Que me peçam pelos pecadores, por esses desgraçados que entregues às paixões não se lembram que têm uma alma para salvar, e uma eternidade que em breve os espera.

      Eu sentia uma união tão íntima com Nosso Senhor que me parecia ser beijada e dava-me a impressão de ser bafejada. E dizia-me Nosso Senhor:

      — És o meu amor; amo-te tanto! Ó filha como eu te amo!

      Eu ainda tinha o livro na mão para fazer a visita a Nosso Senhor, e Nosso Senhor mandou-me que a fosse fazer e recomendou-me o silêncio para viver mais unida com Ele.

      Meu querido paizinho, no dia 5 pelas 7 horas da tarde, depois de fazer a Comunhão Espiritual falava-me Nosso Senhor:

— Ó minha amada, ó filha querida, escuta-me; escolhi-te para mim, só para mim, para habitares nos meus sacrários, a pedir-me pelos pecadores que não querem seguir pelo meu caminho. Escolhi-te para mos guiares. Sê a minha vítima, conduz-me as almas. Eu estou cansado de sofrer tantos pecados. Estou a não poder mais sem os castigar. Se não fossem as vítimas que escolho e o braço da minha Mãe Santíssima, que seria deles? Manda dizer ao teu pai espiritual que pregue que Eu não posso mais, que já estou cansado. Maldita carne, maldito pecado da impureza! Minha filha o que vai por esse mundo. Sou ofendido milhões e milhões de vezes por dia. Para que foi o meu sangue! A minha morte! E um mar de sofrimentos. Tem pena de Mim. Consola-me minha filha, meu amor. Manda dizer ao teu pai espiritual que atenda a todos os meus pedidos, Eu que lhe prometo grande prémio no Céu.

      O que eu sentia, até mal sei explicar. Uma força, que não sei para onde me levava, inclinava-me tanto para o lado esquerdo, que quase parecia que me virava; também sentia um enorme calor e uma grande união com Nosso Senhor. E então, dizia-me o meu Jesus:

— Meu amor, meu amor, meu amor, vive muito unidinha a mim: faz violência sobre ti mesma, resiste ao sono, faz-me o que te peço. Dou-te a recompensa no Céu e em breve. Prometo não te levar para o purgatório.

      No dia 6, logo depois da Sagrada Comunhão, eu sentia uma paz tão grande, tão grande! O coração batia-me com tanta força! E parecia-me que era retocada. Também me parecia que me abraçavam e assim passei alguns momentos. E por fim falou-me Nosso Senhor:

— Anda cá, minha filha, meu amor. Escuta o teu Jesus, o teu esposo, o teu amor, o teu tudo. Eu venho pedir-te para passares a noite nos meus sacrários. Contempla-os!  E pede-me pelos pecadores. Começas, desde já, a obteres o perdão para eles. Pede muito! Tantos estão presos por uma linha para cair no inferno! Tantos que lhes lavra pela mente os crimes mais horrendos com que me hão-de ofender! E não pensam que, por causa desses crimes, hão-de cair no inferno. Pede-me muito. Tem dó de Mim. Prometes-me fazer o que te peço?

      Eu respondi a Nosso Senhor que sim e ofereci-lhe todo o meu corpo. Pedi-lhe que, desde logo, começasse a consumi-lo. Disse-me Nosso Senhor:

— Muito obrigado, meu amor: Eu te darei o prémio no Céu pela tua caridade e pelo teu amor. A tua coroa está mais brilhante que o sol, a lua e as estrelas. Não dês ouvidos ao demónio, meu inimigo, que todo se consome por te fazer cair no desânimo e na dúvida. Eu tenho feito isto para te fazer crescer mais no meu amor.

      Eu via tantas coisas tão lindas! Tantos anjinhos! Uns só com as cabecinhas e outros apareciam-me em corpo inteiro e com asinhas. Não era porque eu os divisasse muito bem, mas dizia-me Nosso Senhor que eram eles; via ao alto, ao modo de umas escadas, e por elas desciam. A par, outras coisas pareciam-me uns canais. Via também uma coisa alta e em larga distância, como quem olha da terra para o Céu. Era lindo! Ora se me apresentava uma coisa ora outra. Dizia-me Nosso Senhor:

      — É o Céu. Está povoado de anjos. E quando estiveres lá comigo?

      Apresentou-se-me um trono tão lindo, coberto por cima! Era o da Santíssima Trindade! Vinha virada para mim uma figura, não divisava bem o que era: tinha muitas flores, tão vastas como num cesto. Disse-me o meu Jesus que era Nosso Senhor e vinha cercado de anjos. Também vi a correr viradas para mim umas coisas lindas e mais vastas do que a gente numa grande procissão. Vinham dar graças a Nosso Senhor por mim. Eram os anjos e os serafins. Disse-me Nosso Senhor que era bem louvado e agradecido por eles. Eu assim o peço a Nossa Senhora para que ela, com eles, façam o que eu não posso nem sei. Disse-me Nosso Senhor adeus e que continuasse com as minhas orações e recomendou-me que lhe pedisse tudo que quisesse que me alcançaria.

      Adeus, até não sei quando. Lembranças da minha mãe, da Deolinda e da Dª Sãozinha. Por caridade continue a pedir por ela. Apesar de ter melhorado, ainda tem coisa que chegue. Anda muito desassossegada e reclama-o muito. Por amor de Jesus não se esqueça de mim. Preciso tanto! Eu prometo fazer o mesmo nas minhas pobres orações.

      Abençoe por caridade a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 18-4-1935

      Viva Jesus,

      Recebi ontem a linda cartinha de Vª Revª. Muito e muito obrigada. Estou muito contente por me dizer que vinha ao Porto lá para Junho. Mas, quando me ponho a pensar, acho que ainda falta tanto tempo! Eu estou muito fraca e tenho abatido muito. A Deolinda já me tem dito que estou a desabituar-me de comer: mas tenho toda a confiança no meu Jesus que não me há-de levar para o Céu sem que eu me torne a confessar com Vª Revª.

      Vou-lhe dizer uma coisa com muito custo: tenho sofrido nesta semana fortes tentações da carne. Pelo menos duas vezes, foram tão fortes que me obriguei a bater em mim mesmo até pisar o corpo. Vinham-me coisas fracas à cabeça. Não sei o fim de nenhuma: eu repetia muitas vezes: meu Deus, vinde ao meu auxílio, Senhor apressai-vos a socorrer-me; minha Mãe Santíssima, não permitais que eu ofenda a Jesus nem na mais pequenina coisa. Depois, passado bastante tempo ficava mais calma. Hoje confessei-me, mas não disse nada disto ao Senhor Abade, nem lho queria dizer. Peço-lhe, por caridade, para quando me escrever me mandar dizer se eu fiz pecado. Se eu tiver que lho dizer, prontamente lhe obedecerei.

      Depois de me confessar, recebi Nosso Senhor e senti uma paz muito, muito grande. Sabe do que me lembrei? Quem me dera que todos os pecadores, que muito ofendem o Nosso Senhor, a sentissem por algum tempo. Penso que, certamente, não tornariam a ofender a Jesus com tantos e tão horrendos crimes. Passados uns momentos falava-me Nosso Senhor:

— Anda cá, ó minha filha, anda cá, ó meu amor. Escuta o teu Jesus. Estou contigo. Eu venho-te pedir para me acompanhares em toda a minha paixão e para não dormires quase tempo nenhum esta noite. Vai para o Cenáculo: medita o que Eu já lá sofri; mas não quis deixar-vos sozinhos estabeleci o meu grande sacramento. Acompanha-me no Jardim das Oliveiras: vê o que Eu lá sofri. Num quadro meus sofrimentos e noutro os pecados do mundo. E para tantos os meus sofrimentos inúteis. Desprezam-nos, não os aproveitam. Participa em toda a minha paixão. O suor de sangue e o beijo de Judas. Acompanha-me a casa da Anás e de Caifás, que mau trato tiveram comigo. De manhãzinha cedo acompanha-me a casa de Pilatos, na rua da amargura, enfim, ao Calvário. Mas, no meio de toda a minha paixão, não te esqueças dos meus sacrários; diante de mim, pede-me pelos pecadores que andam desregrados, entregues às paixões e não pensam em deixar de me ofender. Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro dia te alcançarei o que me pedires. Terás coragem para tanto? Para este sacrifício que te peço?

      Eu respondi a Nosso Senhor: eu sem Vós nada posso, mas com o vosso auxílio prometo ser fiel ao que me pedis. Disse-me Nosso Senhor:

— Eu estarei sempre contigo e, se assim fizeres, aumentarei muito a tua glória no Céu.

      Uma força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor:

— Une-te toda a mim, mete-te no meu coração que lá te fecharei por sempre. Vive para mim e para me salvar as almas.

      Eu vou vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a minha. Mas custa tanto! uns dias acho fervor nas minhas orações, estou animada; outros dias tudo me desaparece. Beijo o crucifixo e parece-me que não o beijo com amor. Quando sei que algum dia vou comungar, digo assim: tal dia recebo a Nosso Senhor, mas parece-me que não digo isto do coração. Enfim, por aí adiante. Mas seja feita a vontade do meu Jesus.

      Não quer o demónio que eu mande dizer nada a Vª Revª a tudo me põe obstáculos. Disse-me assim:

— Manda-lhe dizer manda, é o que ele quer saber. Daqui a pouco, está o gato descoberto. Que vergonha para ti quereres-te fazer melhor do que és.

      A respeito do que lhe mandei dizer na outra carta, afim de Nosso Senhor não me levar para o purgatório dizia-me o maldito:

      — Não lho mandes dizer.

      E dizia-me que Nosso Senhor era impostor e mentiroso e depois não tens quem peça por ti.

      Adeus, por hoje. Lembranças da mãe e da Deolinda. Da Senhora Dª Sãozinha, destes dias nada lhe sei dizer. Esteve aqui no domingo e na segunda-feira. Contra a vontade dela, levaram-na para Braga para passar a Semana Santa. Anda melhor, mas maldito nervoso que a consome. Lembra-se de fazer cada coisa! Precisa muito que peçam por ela e é o que ela muito, muito recomenda. E por mim, bem vê que tem que pedir muito a Jesus. Sou muito fraca, tenho muito medo de O ofender. Eu, por Vª Revª, continuo a pedir muito nas minhas pobres orações e prometo esta noite recomendá-lo muito, muito a Nosso Senhor.

      Abençoe por caridade a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 25-4-1935

      Viva Jesus,

      Cá estou a dizer a Vª Revª como passei a noite de Quinta para Sexta-feira Santa. Peguei no livro que Vª Revª me deu e procurei acompanhar Nosso Senhor em toda a Sua Santíssima Paixão. Mas não deixava de recordar, de vez em quando, os pedidos que tinha feito a Nosso Senhor. Rezei pouco, porque não me sentia com forças para isso. Fiz a via sacra, rezei um terço de jaculatórias em honra do Santíssimo Sacramento que me tinham ensinado e pouco mais. Deixei Nosso Senhor na paixão e pelas três horas da madrugada adormeci, mas não foi por muito tempo. Pela manhã, ainda cedo, recomecei a minha tarefa, mas com muito custo. A algumas horas da tarde já não podia mais: estava tão doente! Já não podia fazer as minhas habituais orações. Ainda assim fiz a comunhão espiritual das sete às oito horas da tarde e falou-me o Nosso Senhor:

— Cá estou eu minha filha, meu amor, a agradecer-te a bela e santa união que tiveste comigo de noite e de dia em toda a minha paixão. Aumentei-te muita glória no Céu. Lá te espero, em breve a irás gozar. Meditaste no que eu sofri? Cometem-se tantos pecados no mundo e com um só ainda sofro mais. E o mundo dorme e não atende aos meus discípulos, não deixa de me ofender. Eu não posso mais, vou castigá-lo. Dá-me a tua opinião! Queres que eu crucifique mais o teu corpinho já tão frágil, para lhe acudires? Tens acudido a muitos e ainda hás-de acudir a mais.

      Eu respondi a Nosso Senhor: consumi-mo e destruí-mo com tanto que eu vos ame e vos salve almas. Dizia-me Nosso Senhor:

— Estou tão contente contigo! És o meu anjo, és o meu amor que Eu escolhi para me amares e me salvares as almas.

      E disse-me mais:

— Quero que esta noite descanses: não resistas ao sono: Faz as orações que puderes que Eu aceito tudo. Precisas de descanso para Eu poder continuar a minha obra e para te poder crucificar mais. Manda dizer ao teu pai espiritual que Eu estou tão triste! Os pecadores não deixam de me ofender! Que pregue e faça a guerra, em tudo que ele puder, contra ao pecado da carne, a maldita impureza.

      Eu sentia-me tão acariciada por Nosso Senhor! Parecia-me que era abraçada, beijada, e que me faziam mimos. E dizia-me Nosso Senhor:

— Ó, filha, amo-te tanto! Que familiaridade a minha contigo. Vai, vai à tua irmãzinha para te escrever.

      Sabe porque Nosso Senhor me falava assim? Porque eu costumo, quase logo que Nosso Senhor me fala, mandar a Deolinda escrever num caderninho que tenho de propósito para isso.

      Mais nada, por hoje, que estou muito cansada. Isto está tudo dado em nada a minha secretária também fica bastante doente. Muitas lembranças dela, da minha mãe e da Senhora Dª Sãozinha e, por caridade, não se esqueça de pedir por ela. Apesar de estar melhorzinha ainda está longe de estar sã, a não ser um milagre. E por mim não se esqueça de pedir, sim? Eu também não me esqueço de Vª Revª.

      Adeus e abençoe por caridade a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 2-5-1935

      Viva Jesus,

      Para não faltar no meu dia de escrever a Vª Revª, cá estou eu a fazê-lo, apesar de ser com grande dificuldade.

      Passaram-se catorze dias sem que Nosso Senhor me falasse. Procurei fazer em tudo a Sua Santíssima Vontade e proceder sempre como se ouvisse a sua divina voz, passando os dias unida, o mais que me foi possível, ao meu querido Jesus Sacramentado. E que consolação para a minha alma quando chega a noite e vejo que não tenho tido grandes distracções! Toda e tudo o que se passar em mim ofereço a Nosso Senhor, tanto de noite como de dia. Muitas vezes digo a Nosso Senhor: Ó meu Jesus eu não vos quero sozinho nem um momento nem de dia nem de noite. Em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde habitais sacramentado quero viver sempre unidinha a Vós. Quando tenho visitas que me distraio fico triste, mas paciência, tudo será permitido pelo meu querido Jesus.

      Confessei-me hoje para lavar a minha alma para hospedar nela amanhã o meu Jesus Sacramentado. No fim rezei a penitência e continuei as minhas orações. Das onze e meia ao meio-dia dizia eu assim: ó meu bom Jesus vinde à minha alma! Não desprezeis a minha indignidade! Vivei em mim. E então falava-me Nosso Senhor:

— Ó minha filha, sempre em ti vivo. Escuta o teu Jesus; anda passar parte desta noite nos meus sacrários. Contempla-os. Pede-me pelos pecadores nas horas em que tantos dormem e tantos me ofendem. Sê a minha vítima! Vela comigo. Assim o pedi aos meus discípulos. Não durmas tu; sê-me fiel no que te peço. Vou enriquecer-te dos meus tesouros, dos meus frutos, vou encher-te dos meus dons. Vela comigo, faz-me companhia com os anjos nos meus sacrários. Oferece-te como vítima. Oh! Como me consolas. Eu habito em ti finjo abandonar-te, mas nunca te abandono.

      Sentia, então, tudo aquilo que já várias vezes tenho falado a Vª Revª.

      Já por duas vezes me pareceu ver Nossa Senhora. Por uma vez, pareceu-me ser Nossa Senhora das Dores, sentada. Não sei o que tinha nos braços, mas era com certeza Nossa Senhora: era tão linda! Doutra vez, pareceu-me ser Nossa Senhora da Conceição. Mas desapareceram rapidamente.

      Um dia destes, quando estava a rezar a estação, ouvi que me falavam assim:

— Não rezes, não te consumas; não te vale de nada. Ainda que tivesses a pedir por ti o mundo inteiro já não alcançariam a tua salvação.

      O que hei-de eu fazer a isto? Nosso Senhor me ajude porque com Ele nada temerei. Lembranças da mãe, da Deolinda e da Senhora D, Sãozinha. Por caridade, continue a pedir por ela, que, graças a Deus, está melhor. Ontem esteve aqui e já me vai parecendo a mesma que era dantes. Ó meu Deus! Que diferença tão grande! Aula por enquanto não dá.

      Adeus. Por amor de Jesus não me esqueça e dum modo particular neste mês bendito de Nossa Senhora. Abençoe por caridade a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 9-5-1935

      Viva Jesus,

      Hoje estou muito doentinha; é tal o meu cansaço que não posso falar. Até o tomar a respiração me cansa. São mimos que Nosso Senhor me manda e que eu aceito com muito amor, por me serem enviados pelo meu querido Jesus. Assim, já vê que é com grande sacrifício que lhe falo hoje. Mas custa-me tanto passar este dia sem escrever a Vª Revª!

      No dia três, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Vive para mim toda para mim, para o teu esposo, para o teu Jesus, para o teu amor, para o teu tudo. Ama-ma muito. Oh como Eu te amo! Olha o meu amor que me levou a criar-te para coisas tão altas. Aceita a cruz que eu te dou, abraça-a com amor; deixa-me crucificar-te com aquela paciência como eu me deixei crucificar aos meus algozes. Eu era Deus, mas o mesmo Deus está contigo para te dar força para tudo. Não temas. Se me deixares crucificar-te e aceitares tudo o que Eu te enviar, podes dizer que me amas como são os meus desejos. É para acudires aos pecadores. Eu amei tanto o mundo! Dei por ele todo o meu sangue! E o mundo odeia-me e ofende-me. Oh! Se tu soubesses como Eu sou ofendido, morrerias de dor.

      Disse-me Nosso Senhor assim:

      — Manda dizer ao teu pai espiritual.

      Disse-me o meu Jesus que dissesse a Vª Revª :

— Eu que quero ser amado na Santíssima Eucaristia, a ti e a ele imponho este cargo e espero ser bem correspondido neste meu apelo; e não receeis se Eu for amado, que o mundo seja santo e se converta muito e muito para mim, porque se Eu for verdadeiramente amado não posso ser ofendido. É lá a fonte de todas as graças. O prémio é comigo, sou Eu quem vo-lo dou, está-vos preparado no Céu.

      Eu era abraçada, acariciada, e um forte calor me abrasava. E dizia-me Nosso Senhor:

— Vive para mim que para ti vivo: para te amar e te consolar. Silêncio, minha filha, silêncio. União, união comigo, terás tudo que quiseres.

      Tenho passado estes dias tão desanimada! Parece-me que não há ninguém no mundo como eu. Que não há ninguém tão pecadora como eu e que tão mal sirva a Nosso Senhor. Parece-me que não tenho fervor nenhum. Se não eram estes tão fortes desejos que sinto de amar a Nosso Senhor, não sei o que seria de mim, desanimava de todo. Mas ao menos vou repetindo: ó meu Jesus vede quanto eu vos quero amar.

      No último dia de Abril mandei colocar aos pés de Nosso Senhor numa taça, entre flores, trinta e um bilhetinhos para obter de Nosso Senhor, pelos meus sofrimentos, umas graças que neles pedia. Vou tirando à sorte um cada dia, e não me podia esquecer de meu paizinho espiritual: Calhou ontem o dia de Vª Revª. Ainda não tomei a resolução do que havia de fazer aos bilhetes no fim do mês.

      Lembranças de Deolinda e da mãe. Adeus e não se esqueça, por caridade, de pedir a Jesus por mim. Preciso tanto! Não se esqueça também de pedir pela minha querida Sãozinha. Ela, graças a Deus, está melhor; e ela não ter perdido o juízo tem sido uma graça muito grande que Nosso Senhor lhe concedeu. Abençoe, por caridade, esta que nunca o esquece junto de Nosso Senhor.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 16-5-1935

      Viva Jesus,

      Só por grande força de vontade escrevo hoje a Vª Revª. Não calcula como estou e como tenho a minha cabecinha. Mas são esses os desejos de Nosso Senhor, bendito Ele seja. Portanto, também são os meus. Vou-lhe repetindo, muito do íntimo da minha alma e do meu coração: ó meu Jesus seja em tudo feita a vossa Santíssima Vontade. Ai meu querido paizinho, quem me dera ver Nosso Senhor amado por todas as criaturas, ainda que para isso eu tivesse que sofrer sozinha todos os sofrimentos do mundo e morrer a todos os instantes com os sofrimentos mais horríveis. Oh! Quem me dera dizer ao meu querido Jesus, Vós não sois mais ofendido.

      No dia dez, das 9 às 10 horas da manhã, fiz a visita ao Santíssimo Sacramento e a Comunhão espiritual só com o pensamento porque com os lábios não podia. Falou-me Nosso Senhor assim:

— Se soubesses, minha filha, como consolas o teu Jesus ao dizeres que és toda minha! Como consolas o teu esposo quando te ofereces como vítima pelos pecadores! Que mais posso eu exigir de ti! Queres amar-me e fazer-me amar por todos. É abraçando com amor a cruz que te envio. Minha filha, Eu amo-te muito loucamente, imensamente. Tem confiança em mim e está certa que também me amas como são meus desejos. Frequenta os meus sacrários; vive lá como Eu vivo em ti no sacrário da tua alma, nesse teu leito de dor que dentro de pouco deixarás. Minha filha, o mundo continua desregrado nas paixões. Estou a escorrer sangue das minhas chagas, que com os pecados me foram avivadas. Durante estes dias tantos milhões de almas caíram no inferno porque quiseram; não quiseram ouvir o meu chamamento. Infelizes delas e infelizes de tantos outros, se não fosses tu e mais almas que escolhi. Muitos pecadores se têm reconciliado comigo, à hora da morte, devido aos teus sofrimentos. Manda dizer ao teu pai espiritual que tem sido grande o resultado que tenho tirado de ti e pelo esforço dele. Que continue. Eu fico-vos muito agradecido. Continua com a tua missão que dentro em breve acabará.

      Disse-me Nosso Senhor que me inspiraria tudo como eu havia de dizer, e que não desse ouvidos ao demónio, ele que lhe pedia para me tentar por todos os modos e Ele que lhe permitia, mas não lhe permitia vencer-me. Porque eu tenho muito receio do que digo a Vª Revª porque não queria dizer de mais nem de menos e aquele malvado de tudo se serve para me consumir.

      Sentia-me muito acariciada por Nosso Senhor numa união tão grande! Aquele calor de que lhe tenho falado. Uma força que lhe não sei explicar, mas não é uma força como a que nós empregamos. E dizia-me Nosso Senhor:

— Sou todo teu e és toda minha, minha filha, minha esposa, minha bela, minha amada. Não me posso ausentar de ti. Adeus e frequentarei a minha escola para te ensinar.

      Um dia destes estava a rezar e recebi ordens do demónio: dizia-me ele que não escrevesse a Vª Revª :

— Olha que ele não faz caso nenhum de tuas cartas, poucas lê, e as que lê é para andar a fazer pouco delas com os camaradas. Não rezes, não te vale de nada, persuade-te dessa, estás condenada: estás aqui estás a arder no inferno.

      Tenho dias em que me vejo consumida, começam a vir-me coisas fracas à cabeça e ajudando-me o corpo também e parece que me dizem assim quero fazer isto: mas não sou eu que o digo porque eu não quero fazer coisas fracas, nem tão pouco que elas me viessem à ideia. Eu muitas vezes digo a Nosso Senhor: "Ó meu Jesus não vos quero ofender nem com a mais leve sombra de pecado". Tenho muito que combater mas Nosso Senhor não me faltará com seu divino auxílio.

      Adeus, por hoje; muitas lembranças da mãe, da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha. Ela, talvez, vá até Lisboa para a semana. Não há a certeza, mas se ela for não se demora a ir fazer-lhe uma visita, pois tem grande necessidade disso. Ninguém é capaz de a convencer de que é nervoso e não o demónio como ela pensa. Confessa-se e não comunga nem uma vez. Verdadeiramente o que ela pensa só sabe a família, eu e a Deolinda. Mas, apesar de tudo, está muito melhor, não tem comparação.

      Abençoe, por caridade, esta que promete não o esquecer junto de Nosso Senhor e pede para fazer o mesmo. Espero ansiosa o dia de lhe poder falar pessoalmente.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 23-5-1935

      Viva Jesus,

      Umas palavrinhas apenas a contar-lhe o que se tem passado comigo, porque mais não posso. Parece que Nosso Senhor se escondeu de mim por completo. Faz amanhã quinze dias que Nosso Senhor me não tornou a falar; não me tenho confessado nem comungado. Tenho grandes desejos de receber o meu querido Jesus, e muito o queria receber ao menos mais uma vez, neste mês bendito de Nossa Senhora. Mas o que hei-de eu fazer? Seja feita em tudo a vontade do meu bom Jesus.

      Também tenho rezado pouco e mal; não tenho forças para o fazer e, nem ao menos com o pensamento, como eram os meus desejos, porque a cabeça não ajuda.

      Tenho sofrido muito: vejo nisso que Nosso Senhor se tem abeirado cada vez mais da minha indignidade. A doença tem-se desenvolvido: tenho dores nos ouvidos e nos olhos que me obrigam a tê-los parte do tempo fechados. Faz-me lembrar muitas vezes a coroa de espinhos de Nosso Senhor, e as dores que ele sentiu quando lhas cravaram na Sua Santíssima Cabeça, que lhe trespassaram os olhos e os ouvidos. Mas Nosso Senhor, a mim não se satisfaz só com as sextas-feiras; há tempos que me exige todos os dias, e eu do fundo do coração digo-lhe que sim. Ó meu bom Jesus que consolação eu sinto, que alegria me inunda a minha alma! Vós bem vedes, meu Jesus, eu convosco tudo posso; terei forças para tudo. O que eu quero é amar-vos muito, dar-vos almas, muitas almas.

      Na noite de terça para quarta-feira estive muito malzinha; tinha a febre a trinta e nove, parecia que não tinha no meu corpo onde se pousasse o bico dum alfinete sem me doer. Pensei na morte. Não disse adeus a Vª Revª até ao Céu, aqui do meu leito, porque me alentava a esperança que não morreria sem Nosso Senhor me conceder a graça de o não tornar a ter ao pé de mim. Eu com os lábios não, mas do coração dizia: "Ó meu Jesus, quem me dera passar assim todas noites para melhor vos acompanhar em todos os lugares onde habitais sacramentado: eu com Vós tudo podia".

      O demónio, este coitado, disse-me que está tudo descoberto:

— Não tens mais nada para inventar. Mandaste-lhe dizer que foi grande o resultado tirado do esforço dele e ele bem sabe que não fez nenhum; está tudo descoberto, sou eu que to juro.

      Adeus por hoje. Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha. Ela, se continuar a ter melhoras, não vai por enquanto para Lisboa.

      Por caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor que eu prometo fazer o mesmo. Peço que abençoe a pobre

      Alexandrina

      Já mandei o retrato à minha irmãzinha.

Balasar, 30-5-1935

      Viva Jesus,

      Cá estou hoje outra vez, mas com dificuldade, em virtude do meu estado se ter agravado cada vez mais.

      Eu tinha por costume oferecer todos os dias o meu coração a Nosso Senhor dizendo-lhe assim:

Ó meu bom Jesus, eu vos ofereço o meu coração neste momento como prova de meu amor para convosco e vos peço que, neste momento, o coloqueis em todos os lugares onde habitais sacramentado. É pobre, muito pobrezinho, mas enriquecei-o com o vosso divino amor e com vossos divinos tesouros. Incendiai-o todo em fortes labaredas de amor e colocai-o muito unidinho a Vós em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde habitais sacramentado a servir de lâmpada amorosa e luminosa para vos alumiar. Prendei o meu coração aos sacrários com grossas cadeias de amor.

      Eu pedia a Nossa Senhora:

Mandai uma multidão de anjos querubins e serafins, em meu nome, para todos os sacrários para todos os lugares onde Jesus habita sacramentado, para amarem, louvarem, desagravarem e fazerem companhia a Jesus sacramentado".

      E pedia à minha Mãezinha do Céu para ir também e me levar com Ela.

      Quando pensava em morrer e deixar o meu Jesus sozinho nas suas prisões de amor, tinha pena. Veio-me à lembrança pedir a Nosso Senhor para me aceitar a oferta do meu coração, não só quando eu vivesse mas sim enquanto o mundo durasse; só depois deste ter acabado, eu viria o buscar juntamente com o corpo para o Céu. E pedi a Nosso Senhor para proceder do mesmo modo, como atrás tenho escrito, fazer tudo como se eu vivesse. Fiz o mesmo pedido ao meu anjo da guarda para depois de entregar a minha alma a Nosso Senhor vir para os Sacrários fazer o mesmo. Deve bem calcular como eu depois me sentia bem: já não tinha tantas saudades de deixar o meu Jesus nos sacrários. Também tinha muita pena por não poder sofrer pelos pecadores, mas espero e tenho confiança em Nosso Senhor que irei no Céu continuar a mesma missão. Sofrer lá não posso, mas pedirei muito a Jesus por eles. Às vezes penso para mim que quero tudo que for a vontade de Nosso Senhor, aqui na terra, e que depois Ele também há-de querer tudo que eu quiser no Céu.

      Eu não sei o dia em que fiz a oferta, mas, como verá, foi em Maio e penso que deveria ter sido no princípio. Confessei-me na terça-feira, porque a Deolinda lhe foi pedir dizendo-lhe eu que estava mais doente. Trouxe-me Nosso Senhor na quarta-feira e hoje também. No fim da Sagrada Comunhão, sentia um calor que me abrasava e não sei mais o que se passava em mim. Passados alguns momentos falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, pensas que este meu silêncio e este meu escondimento em ti não é para te unir mais a mim e para te elevar mais no meu amor? Tem confiança em mim, esconde-me debaixo das tuas faltas; tudo o que faço em ti é para teu bem. És o amor do meu amor: Eu deixo-te sozinha para te experimentar a ver se procedes da mesma forma: vejo que sim. É chegado o tempo em que depositas em mim toda a confiança: procede sempre assim. Não descanse o teu espírito de ir em revoada, com os anjos e a minha Mãe santíssima, fazer-me companhia para os meus sacrários. Faz que Eu seja amado, que os outros sigam o teu caminho e calquem as tuas pegadas. Se soubesses a alegria que deste no Céu à Santíssima Trindade e à Mãe santíssima com a oferta e o pedido que fizeste! Foi aceite. Só no fim do mundo o teu coração sairá dos meus sacrários e virás buscá-lo para o Céu. Depois da tua morte será mais festejado no Céu o mês de Maio, por ser nele que fizeste a tua oferta e o pedido e por nele tantas vezes o renovares. Manda dizer ao teu paizinho espiritual que lhe peço enternecidamente e como quem quer ser atendido que faça a guerra à carne, à maldita carne, ao pecado da impureza; que são milhares de almas que caiem no inferno com este pecado. O sangue de um Deus derramado inutilmente para eles.

      Eu sentia-me muito acariciada e dizia-me Nosso Senhor:

— O tempo é breve e vai passando e dentro em pouco te virei buscar para mim. Silêncio minha filha o mais que puderes. Pensa só em mim.

      Hoje, no fim da Sagrada Comunhão, pareceu-me que me abraçavam e que me tornavam a deixar. Fiquei assim por algum tempo sem ouvir a voz de Nosso Senhor; mas, por fim, ouvi que me falavam assim:

— Anda cá, minha filha, meu amor, anjo da minha companhia; anda receber ordens do teu Jesus, escuta-me. Amo-te tanto! É um amor inexplicável, para ti incompreensível. É a recompensa da tua generosidade em te ofereceres como vítima por meu amor e por amor das almas, e abraçares com amor a cruz que te envio. Dá-me almas, muitas almas. Eu precisava de tantas vítimas para levantarem o mundo dos crimes! E tenho tão poucas que generosamente queiram sofrer! Sofre, sofre, minha filha, que essas dores se transformarão em pedras preciosas para completar a tua coroa, e pérolas para adornar o manto que te há-de cobrir. Manda dizer ao teu pai espiritual que avise: ou o mundo se levanta da maldita impureza e dos pecados que tão horrivelmente me ofendem ou vêm sobre ele os castigos que o ameaçam, cai sobre ele a justiça divina. Pede-me por esses infelizes, é perda irreparável; custaram a morte de um Deus, e morte horrorosa de cruz.

      Eu era muito acariciada e dizia-me Nosso Senhor:

— És a minha esposazinha, o meu amor, a companheira dos meus sacrários.

      Não acha bem o demónio que eu recomende isto da impureza tantas vezes a Vª Revª, que se torna chato e que Vª Revª de cada vez fica mais aborrecido comigo.

      Muitas lembranças da minha mãe, da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha, que continua a ter alguma melhoras. Por caridade, quando puder diga-me daí alguma coisa. Sempre terei a visita de Vª Revª? Confio muito em Nosso Senhor que sim, que não morro sem isso.

      Abençoe, por amor de Jesus, a pobre

      Alexandrina

Balasar, 6-6-1935

      Viva Jesus,

      Estou deveras admirada com o silêncio de Vª Revª. Por acaso ter-lhe-ia dado causa para assim proceder? Estou sossegada na minha consciência; se em alguma coisa o ofendi foi por ignorância, por isso maior deve ser o perdão.

      Eu continuo muito doentinha; mas tenho tido a consolação de receber Nosso Senhor todos os dias. Isto só por um milagre do Céu, pois o Senhor Abade nunca me fez tal. Algumas vezes recebo o meu Jesus e fico muito desconsolada. Bendito Ele seja! Tudo é permitido por Ele, seja em tudo feita a Sua Santíssima Vontade.

      No dia dois, depois das nove horas da noite, estava eu a fazer a oferta de tudo o que se passasse em mim durante a noite como actos de amor a Nosso Senhor Sacramentado. Fazia-o mais com o pensamento do que com os lábios porque não podia. Eu disse ao meu Jesus se fosse da Vossa Vontade eu ficar convosco nos vossos sacrários durante esta noite! Sim antes queria fazer companhia a Nosso Senhor do que dormir. E dizia também: "Vinde meu bom Jesus e vivei em mim como eu desejo viver convosco; operai em mim tantas graças como se eu vos recebesse sacramentalmente." Principiei a sentir a presença de Nosso Senhor em mim e logo ouvi que me chamava:

— Filha, filha, ó minha querida filha anda passar a noite comigo nos meus sacrários: anda consolar o teu Jesus. Anda com a tua reparação curar as minhas chagas que estão tão vivas! Fui hoje tão ofendido! Caíram tantas almas no inferno! Cortei-lhe o fio da vida antes do tempo marcado por não as poder sofrer mais.

      Eu ofereci a Nosso Senhor todo o meu corpo para Ele crucificar pelo seu divino amor para a salvação das almas; e dava-lho de tão boa vontade como Ele se deixou crucificar por meu amor. E dizia-me Nosso Senhor:

— Como me consolas! É o bálsamo com que curas as minhas chagas. Atenção, minha filha, para mandares dizer ao teu pai espiritual. Esta noite vão cair no inferno mil almas e o pecado que me leva a condená-las é o pecado da impureza, a maldita carne. Já lá estão a cair fartas de me ofenderem e Eu abundado de as suportar. São de todas as classes: jovens e donzelas, casados e viúvos, velhos e novos. Que horror! Como Eu sou ofendido! Estão mais para lá cair; se me dás o teu corpo para sofrer por eles ainda lhes acudirás. Pede-me por elas, dá-mas são minhas. Custaram-me o meu sangue. Eu não exijo de ti a noite inteira porque não podes. Mas só no Céu verás como lhes acudistes nestas horas. Eu preciso de destruir o mundo, poucas famílias deixar, mas não o faço, enquanto tiver almas que como tu sustentem o braço da minha justiça.

      Parecia-me que era tão beijada e abraçada! E dizia-me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto, minha filha! Amo-te tanto! Tenho mais cuidado pela tua alma do que um da terra teria se possuísse todos os tesouros do mundo. Ama muito a minha Mãe Santíssima que Ela também te ama muito. Como me consolas quando me pedes o aumento do amor dela e da SS. Trindade.

      No dia três, no fim da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, lá caíram no inferno as almas. Como Eu fui ofendido! Como me renovaram a minha paixão! Muitas também que mereciam lá estar, mas poupei-as pela tu reparação. Não posso exigir mais de ti, dando-me o teu corpo e dizendo tudo ao pai espiritual para ser comunicado às almas. Queres ver os anjos?

      E eu disse a Nosso Senhor: "— Mostrai-mos, Jesus, Mostrai-mos Jesus." Principiei, então, a ver uma coisa alta do feitio do Céu com uma cor tão linda! Via nela não sabia o quê. Não sei como fiquei. Como havia de mandar eu dizer a Vª Revª que eram os anjos se eu não divisava o que era?

      Dizia-me Nosso Senhor:

      — Faço isto para te obrigar a obedeceres e a escreveres e a confiares nisto.

      Do meio saiam à moda de uns raios dourados e dizia-me Nosso Senhor que era o amor com que eles O amavam, via também à moda de um altar em ponto grande e no meio parecia-me uma pombinha branca. Por cima tinha muitos, muitos anjinhos; estavam em torno sobre a SS. trindade. Passados alguns momentos voltei a vê-los; já os divisava melhor. Eram mais vastos do que moinhos. Parecia que estavam aos montes. Via mais outras coisas, eram os querubins e os serafins. Disse-me Nosso Senhor:

      — Vê-los? Há-de ir a tua alma para o Céu cercada deles.

      Sentia todo aquele calor e força de que tenho falado a Vª Revª e uma união tão grande com Nosso Senhor que não podia deixar. E disse-me o meu Jesus:

— Manda dizer ao teu pai espiritual que Eu quero que sejam realizados os teus desejos: quero que sejas visitada por ele. Foi a ele que confiei a tua alma e teus segredos. O tempo passa. Não queiras nada do mundo: vive como se estivesses comigo em corpo nos meus sacrários que Eu vivo em ti como lá. É a paga do amor que me tens e de quereres viver lá unida a mim.

      No dia seis, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Ó filha, tu não te cansas de me dizer que habite em ti, e Eu não me canso de em ti viver. E como me hei-de cansar se tu és o meu anjo, a companheira fiel dos meus sacrários! Continua a tua missão que dentro de pouco acabará. Deixa-me que te diga que o teu fim está próximo. Vive nos meus sacrários; pede-me pelos pecadores. O meu coração está angustiado nos sacrários. Eu chamo-os por todos os modos: infelizes. Estão surdos à minha voz divina, estão cegos à luz do seu Deus. Sofre, minha filha, que os teus sofrimentos e aflições transformar-se-ão, dentro em pouco, em rosas cobertas de pérolas preciosas. Minha filha, à volta de ti é o paraíso. Os anjos, os querubins, e os serafins e a minha Mãe Santíssima. Como Eu sou bem louvado por eles! Queres voltar a vê-los?

      Eu disse que sim ao meu Jesus. Principiei, então, a ver tantas coisas! Um movimento tão grande! Pelo meio tinha tantos, tantos parecia fios dourados entrelaçados uns nos outros! E dizia-me Nosso Senhor:

      — É o amor em que eles ardem por mim.

      Sentia um calor tão forte e uma força a abraçar-me! E dizia-me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto! Faz que eu seja amado que, dentro em pouco, amar-me-ás e contemplar-me-ás para sempre no Céu.

      Por hoje mais nada. Muitas lembranças da minha mãe, da Deolinda. da Senhora Dª Sãozinha, destes dias não sei nada, pois está para Braga.

      Por caridade, não esqueça de pedir por mim que preciso muito para eu fazer em tudo a vontade de Nosso Senhor, que eu também tenho pedido muito a Jesus por Vª Revª e prometo continuar. Fico ansiosa por receber uma cartinha de Vª Revª.

      Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 11-6-1935

      Viva Jesus,

      Ontem de manhã, estava para tomar o leite, deu-me Nosso Senhor a consolação de receber uma cartinha de Vª Revª. Era feriado, não tínhamos correio, mas este indo ao correio geral e vendo lá a carta para mim e como vinha a Balasar para arranjos dele trouxe-ma. Como o meu querido Jesus é bom! Não quis que eu esperasse mais tempo. Foi a Deolinda que me leu a carta; quando chegou ao ponto que dizia que me vinha fazer uma visita, imagine o meu contentamento: ri-me a bom rir; e pensei como Nosso Senhor é meu amigo. Eu estou às ordens de Vª Revª, portanto, tenha a bondade de resolver à vontade como, lhe convier, que para mim está sempre bem. Quanto à Deolinda ir a Famalicão, ela vai, se Deus quiser, e de boa vontade. Desejava muito saber se Vª Revª janta quando chegar aqui; ou se janta na partida. Alguma coisa é preciso. Espero ordens de Vª Revª. Permita-me Nosso Senhor que eu esteja um pouquinho melhor do que estive ontem e do que estou hoje, para melhor poder falar a Vª Revª. Mas seja o que Nosso Senhor quiser.

      No dia oito, depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, queres consolar o meu coração tão ferido? Queres com a tua reparação curar as minhas chagas tão horrorosamente agravadas? A minha Santíssima Cabeça escorre sangue da coroa de espinhos, como quando pela primeira vez me foi cravada. Tem pena do teu Jesus! Hoje e amanhã vou ser muito ofendido. Pede-me pelos pecadores teus irmãos que andam desregrados e entregues às paixões. Pede-me pelas ovelhas tresmalhadas para que voltem ao meu rebanho. Oh! Tantos vão ser sepultados para sempre no inferno! Derramei por eles todo o meu sangue. Vive unidinha a mim o mais que possas de dia e de noite: oferece-te toda a mim, os teus sofrimentos, sacrifícios e orações. Prostra-te à frente dos meus sacrários; tem mão com a tua reparação nos crimes que vêm sobre mim, que são as pancadas que vêm agravar as minhas chagas e toda a minha paixão. És a esposa da minha Eucaristia, és a rainha do Rei sacramentado. Manda dizer ao teu pai espiritual que é assim que Eu te trato.

      No dia dez, depois da Sagrada Comunhão, dizia-me Nosso Senhor:

— Filhinha, ó filhinha, ó amor de meu amor! Anda falar um pouco com o teu Jesus, anda aprender na minha escola. Filha, ouve, estou abandonado em tantos sacrários! Manda dizer ao teu pai espiritual que procure saber todos os sacrários do mundo pobres e abandonados e que arranje um número de gente para cada um para me amar, me desagravar, me visitarem em espirito, e mandarem as suas esmolas. Eu estou como o mendigo suje e esfarrapado: que façam que Eu esteja limpo e asseado.

      Perguntei a Nosso Senhor o número que queria para cada um deles e respondeu-me que à medida da gente que arranjasse.

— Mas não quero que lhe peçam porque senão eles não cumprem. Quero que isto seja publicado e que seja o coração deles quem o pede. Compreendeste? Manda dizer tudo.

      Oh! que paz eu sentia com Nosso Senhor! Como era acariciada por Ele! E dizia-me ainda:

— Continua tu a acompanhar-me em todos os meus sacrários e a oferecer-te como vítima pelos pecadores que assim muito me consolas: Eu também estou sempre contigo: Vai, filhinha, vai, continuar as tuas orações à medida das tuas forças.

      Adeus, até breve se Deus quiser. Lembranças da mãe e da Deolinda.

      Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina

Balasar, 18-6-1935

      Viva Jesus,

Seja bem-vindo: chegou enfim o dia por mim tão desejado. Graças ao meu querido Jesus que ainda me conserva em vida.

      No dia doze, depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor assim:

— És minha filha, querida, amada. E Eu quem sou? O teu Jesus, o teu amor, o Rei da Eucaristia que vem à sua rainha para a consolar. Estás toda unida a Mim, estás toda transformada no meu amor. Como me tens consolado! Como me tens desagravado! Como tens salvado almas! Lá te esperam no Céu para te agradecer a tua generosidade em sofrer por eles. Quando Eu vier à terra para colher a flor mimosa que adorna os meus sacrários para a plantar para sempre no jardim celeste, virá toda a corte do meu amado a agradecer-te o amor com que abraçaste a cruz que te enviei; é o bálsamo com que curaste as minhas chagas tão gravemente feridas. Toda o corte te aclamará bem vinda.

      Era muito acariciada por Nosso Senhor e Ele dizia-me:

— Continua, minha filha, a tua breve missão. Não cesses de me pedir pelos pecadores e de me fazer companhia nos meus sacrários. Que belo trono está sobre ti! Como és amada pelos anjos!

      No dia dezasseis, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Ó minha querida filha, Eu não podia deixar hoje de te vir falar. Não digo visitar porque estou sempre contigo. Neste dia consagrado à SS. Trindade, a quem tanto tens procurado amar, não podia deixar de vir testemunhar-te a minha gratidão e o meu reconhecimento. Minha filha é hoje uma festa tão linda no Céu! A esta não assistes mas assistirás a todas as outras por toda a eternidade. Pede-me o aumento do amor desta Trindade divina. O teu lugar no Céu é muito à beira destas personagens divinas. Minha filha, eu exijo de ti hoje um silêncio profundo, uma união íntima comigo. Não fales senão o que for de necessidade e o que te perguntarem. Oferece-me os teus sofrimentos e sacrifícios e descerão por ti ,do céu para terra, um número de graças sem conta para os pecadores. Pede-me por eles e continua a viver nos meus sacrários.

      Eu era abraçada e sentia tanto calor! E dizia-me Nosso Senhor:

— É o meu amor a abrasar-te e a consumir-te: vai minha filha, às tuas orações ora com os lábios, ora com o pensamento, Eu estarei sempre contigo e a SS. Trindade.

      No dia dezassete, no fim da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Amor, amor, ó meu querido amor! Minha filha, ó minha querida filha! Eu estou contigo para te consolar. Eu não exijo de ti mais do que o teu corpo e o teu amor para dispor dele como me aprouver. Que seria de ti no meio de tantos sofrimentos se Eu não estivesse contigo? Eu auxilio dum modo particular as almas que com mais amor abraçam e beijam a cruz que Eu lhes envio. Minha filha, pelo teu exemplo virão muitas almas a amar-me. Como estás coroada de anjos! Como eles te amam! Estão-me a dar graças. Estão a obedecer à minha e tua Mãe Santíssima, a teu pedido. Minha filha hás-de estar no Céu, hei-de ser glorificado na terra pelas tuas virtudes. Vai, filhinha, vai. Pede-me pelas almas dos pecadores e vive nos meus sacrários.

      Adeus, até logo se Deus quiser. Abençoe-me sim?

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 25-6-1935

      Viva Jesus,

      Já passa das quatro horas da tarde. Faz hoje oito dias a esta hora sabe quem estava aqui ao pé de mim? Era Vª Revª. Que consolação o meu querido Jesus me deu: mas foi de pouca dura. Mas paciência! As alegrias não são para este mundo. Havia eu de ter na terra, eu que sou uma miserável pecadora, o que o meu Jesus não teve e era inocente e o Senhor de tudo? Deixemos as consolações e as alegrias para o Céu: temos uma eternidade inteira para gozar. O que importa neste vale de lágrimas é fazer em tudo e por tudo a vontade de Nosso Senhor, não é verdade?

      Para o demónio, Vª Revª a ter-me vindo visitar foi, com certeza, motivo de grande desesperação e tentava o maldito roubar-me por completo a paz. Ó meu Jesus, que seria de mim se me faltassem os auxílios do Céu! Logo que Vª Revª daqui saiu, principiou ele a consumir-me. Numa coisa que eu falei a Vª Revª de que ainda não lhe tinha falado, ele tentava persuadir-me que a não tinha dito bem e que me tinha desculpado: eu que não tinha dor dos pecados, e que fazia as coisas por vaidade. E neste ponto esqueci-me eu de falar a Vª Revª. Também me parecia que não rezava bem a penitência o que me obrigou a rezá-la não sei quantas vezes. Enfim, servia-se de muitas coisas para me afligir. Chorei muitas lágrimas. No dia do Corpo de Deus chorei muito, esse dia foi muito triste para mim. Mas ele coitado é muito religioso, queria que eu me confessasse a outro padre. E eu, no meio de tudo isto, recorria a Nossa Senhora e dizia-lhe assim: Ó minha querida Mãezinha do Céu, alcançai-me do vosso e do meu Jesus a paz para a minha alma, se assim for da Sua Santíssima Vontade e se não for, ao menos, não consintais que o demónio me vença. Ó minha Mãe do Céu, vede a minha miséria mas não a desprezeis, compadecei-vos dela; rogai a Jesus por mim. Eu bem não quero pensar no passado para não desobedecer a Vª Revª, mas sou tão fraca!

      No dia vinte e um, depois da Sagrada Comunhão, sentia uma grande união com Nosso Senhor. Depois um forte calor e uma força que me abraçava. Assim passei alguns momentos e por fim falava-me Nosso Senhor:

— Eu venho a ti para que te unas toda a mim. Para quê tanto desânimo? Para que dás ouvidos ao que te segreda o meu inimigo, o demónio? Eu permito isto para te aumentar mais no meu amor; mas não o deixo vencer-te. É certo que me ofendeste muito com as tuas muitas e grandes faltas, mas ainda bem que te levantaste. Eu caí para te dar o exemplo. Grande foi o teu desânimo; tem confiança em Mim, abraça a cruz e não temas, Eu estarei a teu lado para te não deixar cair; subirás sem perigo. Mete-te nos meus sacrários que não corres perigo: vive lá a fazer-me companhia a consolar-me e a pedir-me pelos pecadores. Minha filha, Eu nunca fui tão ofendido como agora. Nunca em tempo algum no mundo a malícia esteve tão aumentada. Por isso mais que nunca preciso de vítimas do meu amor para serem crucificadas por mim. Vai filhinha, vai e não temas que Eu estou contigo.

      No dia vinte e cinco, no fim da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, meu amor, amor da minha Eucaristia! Anda para o teu Jesus, para o teu amor, para o teu esposo. Manda dizer ao teu pai espiritual que é própria a ocasião dele pregar contra a impureza que alastra e envenena o mundo todo. É esta e os filhos desta que são a causa de Eu ser mais gravemente ofendido. Que pregue sem medo e sem receio: que diga que sou Eu quem o peço Que é Jesus que se serve de alguém para o mandar falar. Que pregue contra a profanação do domingo. Que não esqueça a devoção à minha Eucaristia. Eu que preciso muito ser amado naquele sacramento de amor. Continua tu, minha filha, a viveres comigo e a ofereceres-te toda sem condições nem reserva para seres crucificada vítima do meu amor para acudires aos pecadores.

      Eu era acariciada e dizia-me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto minha filha! Abrasa-te toda no meu amor. O amor que Eu tenho à tua alma não me deixa separar de ti.

      Eu, muitas vezes ao dia nas minhas pobres orações, recomendo a Nossa Senhora que não se esqueça de lhe pedir para ela, pedir por mim a Nosso Senhor para que Ele me faça uma grande santa. Mas estou tão verde! E o meu querido paizinho também se não esqueça de mim, não? Sabe bem a minha necessidade. Eu prometo nunca mais o esquecer. Adeus. Fico abafando em mim as saudades por não poder ir aí também.

      Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 4-7-1935

      Viva Jesus,

      Desta vez o demónio não teve lugar para me vir afligir. Fiquei tão bem! Tão sossegada! Oh! dia vinte e nove, dia abençoado como foi de paz para mim. Rezei pouquinho porque tinha pouquinhas forças; mas era tal a minha alegria que eu não sabia o que havia da fazer. Mas durante o dia ia repetindo a Nosso Senhor:

Ó meu Jesus eu não sei como agradecer-vos tantos benefícios. Eu que não sou digna de levantar os olhos para o Céu, nem de Vos chamar pelo dulcíssimo nome de pai, e sou por Vós tão beneficiada. Muito obrigada, meu Jesus, muito obrigada, meu Jesus, eu Vo-los agradeço de todo coração; e me entrego toda a Vós. Fazei em mim e de mim o que for de Vossa Santíssima Vontade. Ó minha querida Mãezinha do Céu, agradecei por mim ao vosso e meu querido Jesus tantos benefícios que D’Ele recebo.

      Tenho recebido todos os dias o meu amado Jesus: apesar de não ouvir sempre a sua divina voz, tenho dias, oh! como eu me sinto bem com a sua divina presença sacramental em mim! Que paz eu sinto em minha pobre alma! Como sinto desejos de O amar sempre e cada vez mais. Hoje recebi-O mas não tinha muito fervor; mas já tem sido pior. Sabe o que me parecia ver? De cada vez mais grandeza em Nosso Senhor, e a mim me parecia ser cada vez mas pequenina: parecia que me aninhava, que me punha de rastos. Por isso de cada vez me sinto mais indigna de receber a Nosso Senhor, aquela grandeza, aquela bondade infinita. Mas confiança na sua infinita misericórdia, não é?

      No dia vinte e oito de Junho, preparei-me o melhor que foi possível para receber o meu querido Jesus, pois tinha grandes desejos de fazer uma comunhão mais fervorosa do que nunca e desejava fazer assim todas as outras daqui em diante. Chegou o meu desejado: recebi-o e fiquei por algum tempo em colóquios amorosos com Ele. E dizia-lhe assim:

Amo-vos meu Jesus, sou toda vossa; desapegai-me de tudo o que é do mundo. Vede quanto eu desejo amar-Vos na Santíssima Eucaristia e a Santíssima Trindade e a minha Mãe Santíssima. Aceitai-me esse amor com que desejo amar-Vos. Minha Mãe Santíssima, dai graças por mim a Jesus e fechai-mo no meu coração para que não mais me possa fugir.

      Renovei a Nosso Senhor algumas coisas que lhe tinha prometido. Ouvi, por fim, a voz de Nosso Senhor:

— Minha filha, ó minha querida filha, ó meu lindo amor! Como me consolas com os teus colóquios: és toda minha e Eu sou todo teu. Não há amor como o meu, não há paz como a minha: o mundo não dá paz. Minha filha, vais hoje passar o dia em silêncio muito unidinha a mim em colóquios; rezando assim: "Amo-Vos muito Jesus, sou toda vossa, Senhor, sou vossa vítima Jesus." Oh! Assim consolar-me-ás muito. Hoje, no dia do meu Santíssimo Coração, que dia de graças para os pecadores! Minha filha, manda dizer ao teu pai espiritual que dentro em pouco vais para o Céu e de lá vais ser missionária com ele na terra: que o vais acompanhar em todas as pregações; que vais ser um poderoso e valioso auxílio para o ajudares na salvação das almas. Vou-vos conceder esta graça. Minha filha, manda-lhe dizer, também, que Eu quero que o Santo Padre saiba da minha união contigo e de tudo quanto te tenho dito, sobretudo acerca da minha Eucaristia. Quero que isto seja espalhado pelo mundo; é o único remédio para tantos males.

      Eu era acariciada por Nosso Senhor. Que união a minha! Que paz sentia! Eu só queria que todas as criaturas da terra a experimentassem: certamente que não haveria ninguém tão louco que quisesse voltar a ofender a Jesus. E como Nosso Senhor ficaria contente se não houvesse mais ninguém que o ofendesse! Eu queria sofrer todas as dores que houvesse no mundo e conseguir isto para Jesus. Parecia-me não me poder separar de Nosso Senhor. Disse-lhe adeus e disse-me Nosso Senhor:

      — Vai filhinha, abrasa-te toda no meu amor e manda dizer tudo.

      No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Passei algum momento em colóquios com Ele, mas não ouvia a sua divina voz. Contudo, sentia alguma coisa em mim; era a sua divina presença. Por fim, ouvi que me diziam:

— Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Eu vou, hoje, ser tão ofendido! Oferece-te a mim, hoje, muitas vezes, mas oferece-te assim: “eu ofereço-me como vítima toda a vós Senhor, mas dum modo particular pelos pecadores que, hoje, mais vos ofendem”. Busco este meio para lhes acudir. Mas para tantos que não há cura, já passam muito além da medida dos pecados. Que aflição para o meu Coração Divino! Ver o meu sangue derramado no meio de tantas dores e de tanta aflição minha filha! Está o inferno cheio de almas que me foram queridas. Infelizes! Deram ouvidos ao mundo e à carne, satisfizeram-se renovando tantas vezes, toda a minha paixão. Desgraçados! Arderão no inferno toda a eternidade.

      Tive as carícias de Nosso Senhor, que me dizia assim:

— Vai filhinha, da minha Eucaristia, prostra-te à frente dos meus sacrários, vive lá e repete-me muitas vezes: “eu vos desagravo e vos consolo, Senhor, das ofensas que recebeis nessas prisões de amor”.

      No dia três, depois da Sagrada Comunhão, demorei-me algum tempo em colóquios com Nosso Senhor, porque nunca me cansarei de lhe dizer: “amo-vos Jesus, mas, vede quanto desejo amar-vos. Sou toda vossa, sou a vítima do vosso divino amor para vos acudir às almas”.

      Fazia, também, os meus pedidos a Nosso Senhor mas nada ouvia. Principiei com os lábios algumas orações e ouvi que me chamavam. Escutei, mas já não ouvi mais nada. Passados algum momentos, ouvi outra vez:

— Minha filha, ó minha amada! Eu estou aqui no íntimo da tua alma e encontro-me bem. Busca-me nos meus sacrários que assim me consolarás muito. Mas procura-me dentro em ti, no sacrário da tua alma que Eu preparei para a minha habitação. Lá, me encontrarás. Minha filha, manda dizer ao teu pai espiritual que é tal a miséria que vai pelo mundo que se não fossem as almas vítimas do meu amor a sofrerem pelos pecadores Eu destruía tudo. Diz filhinha, diz, ao teu paizinho espiritual, que não demore a espalhar pelo mundo o que Eu tenho dito da minha Eucaristia, que não há outro remédio. Que é daí que vêm as escoras firmes para sustentarem a justiça divina. O Santo Padre que dê ordens sobre todo o mundo católico para que Eu reine nos meus sacrários mas no meio de zelo e de amor. Que repreenda ele os meus discípulos que eram ilesos que mais me haviam de amar e dar o exemplo; mas muitos não dão. É deles que vêm muitos males.

      Eu era muito abraçada e sentia um calor tão grande! Parecia-me que o peito me tinha subido para cima e o coração estava perto do ouvido esquerdo. Dizia-me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto! Abrasa-te toda no meu amor. O teu prémio é admirável. A tua coroa está quase completa.

      Adeus, por hoje. muitas lembranças da mãe e da Deolinda que continua muito doente. Não se esqueça, por caridade, da pobre,

      Alexandrina

Balasar, 11-7-1935

      Viva Jesus,

      Apesar de estar muito doentinha, não posso passar este dia sem dar notícias minhas. Tenho sofrido muito, só Nosso Senhor o sabe. Eu, mal o sei explicar. Parece que me queimam, tanto interior como exteriormente; custa-me engolir; não sei o que tenho desde a garganta até ao estômago; dores enormes me vão consumindo o corpo. Mas quanto maior é o sofrimento, mais alegria espiritual sinto em mim, mais tenho para oferecer ao meu amado Jesus, mais o posso consolar e desagravar. Penso muito na morte, e que consolação para mim de pensar que ela se tem abeirado de mim para me ceifar! Bem desejava ter junto do meu leito, o meu pai espiritual para me ajudar a ser o que eu tanto aspiro, que era ser santa, uma grande santa: e para me ajudar na minha última hora. Mas há-de ser o que o meu bom Jesus quiser, porque eu não quero neste mundo nada que não seja a Sua Santíssima Vontade.

      O meu querido Jesus finge esconder-se de mim, mas eu não acredito que Ele me abandone, porque Ele não falta àquilo que promete. E ai de mim se Ele me deixasse sozinha no meio de tantos sofrimentos; é o meu bom Jesus que me dá a força para sofrer.

      No dia oito, no fim da Sagrada Comunhão, sentia-me bem, sentia grande união com Nosso Senhor, o que há dias não tinha sentido. Parecia-me que tudo tinha desaparecido, que não tinha nenhum fervor: recebia o meu bom Jesus e ficava como se nada fosse. Hoje estava melhor, falei algum tempo com Nosso Senhor, mas não o ouvia, Ele estava muito caladinho. Já tinha principiado as minhas orações, quando ouvi que Ele me chamava:

— Minha filha, minha esposa, anda cá rainha do Rei da Eucaristia, esposa do Rei Sacramentado. Eu faço isto, como o teu fim está perto, para te aumentar mais no meu amor, para te elevar ao último grau de amor com que as criaturas criadas por mim possam amar. Minha filha, se tu soubesses como Eu fui ofendido! Se tu soubesses como caíram almas no inferno! Se soubesses como escorro sangue das minhas chagas e da minha divina cabeça! É demais do que quando pela primeira vez fui crucificado. Como me foi renovada tantas vezes a aflição do Jardim das Oliveiras. Anda, minha querida filha, hoje, curá-las com o teu silêncio, com os teus sacrifícios, com as tuas aflições, e com as tuas dores. Diz-me muitas, muitas vezes assim: “eu vos ofereço tudo, Senhor, para curar as chagas feitas com tanta malícia e tanta crueldade e sem nenhuma dor”. Repete-me também as outras que te tenho ensinado para me desagravares das ofensas que a cada momento me fazem. Que ingratidão! A quem ofendem! Um Deus Criador e Rei do Céu e da Terra. Faz isto, que assim muito consolarás o teu Jesus, o teu maior amor e assim irás completando a tua coroa.

      Eu era muito abraçada, mas de tal modo que só Nosso Senhor o pode fazer. Sentia calor e nem sei explicar o que mais me faziam. E dizia-me Nosso Senhor:

— Abraça-te, filhinha, à minha cruz que como Eu sairás vitoriosa e dentro em pouco está tudo consumado.

      Adeus, até quinta-feira, se Nosso Senhor me conservar a vida até lá e eu puder falar, porque o coração atrapalha-me muito. Peço-lhe para me recomendar a essa bondosa Senhora de quem já falou, Dª Maria José, que peça muito a Nosso Senhor por esta grande pecadora, que eu também não me esqueço dela aqui na terra e também no Céu. O meu paizinho espiritual há-de ser o primeiro. Lembranças de minha mãe e de Deolinda que vai melhor, mas veio o médico duas vezes. Já recebeu aí a visita da Dª Sãozinha? Abençoe por caridade a pobre,

      Alexandrina

Balasar, 18-7-1935

      Viva Jesus,

      Mais oito dias de vida que Nosso Senhor me concedeu. Passei-os levando, pelo seu divino amor e para a salvação das almas, a cruz que Ele me enviou. Bendito seja o meu querido Jesus que de tal modo me vai ajudando e suavizando esta cruz bendita, que me faz levá-la com grande consolação e alegria.

      Tenho recebido Nosso Senhor todos os dias, mas só duas ou três vezes tenho sentido fervor e grande união com Nosso Senhor: nos outros dias tudo era frieza e nenhum fervor. Parecia-me que cada vez amava menos a Nosso Senhor. Em vez de caminhar para a frente, caminhava para trás. Mas tudo isto faz parte da cruz do meu amado Jesus, não é verdade? Toda me consolo quando lhe digo: “ó meu querido Jesus vede quanto desejo amar-Vos, alcançai-me esse amor e aceitai-me”. E quando me parece não caber mais em mim o desejo de O amar eu digo-lhe: “ó meu Jesus, eu não vos amo com os olhos no prémio nem por coisa nenhuma deste mundo, amo-Vos por amor, amo-Vos porque sois digno de todo o amor”. E que alegria para mim saber que Nosso Senhor penetra no íntimo da minha alma e do meu coração e sabe quais são os meus mais ardentes desejos.

      No dia quinze, no fim da Sagrada Comunhão, como eu me sentia bem com Nosso Senhor! Que união tão grande! Eu dizia ao meu querido Jesus: “Como é consolador amar-Vos!” E assim me entretive algum tempo com o meu Jesus: e por fim, ouvi que Ele me falava:

— Minha filha, minha querida filha, anda cá ouvir os queixumes do teu Jesus. Anda, minha rainha, ouvir como se encontra o teu Rei Sacramentado. Eu fui tão ofendido e arrastado tão cruelmente e tão horrorosamente crucificado! E isto por causa dos pecados. Diz ao teu pai espiritual que são aos montes as almas que caiem no inferno; que é aos bandos como os mosquitos. Que ingratidão! Não olham a quem ofendem, são piores que as feras. Sim, do que as feras, que elas não têm alma, nem entendimento! Eu quero almas missionárias espalhadas pelo mundo a pregarem contra o pecado da impureza que é a causa de todos os males. Eu quero que ressoe por todo o mundo a voz do Santo Padre, sobre tudo isto e sobre a minha Eucaristia. Que repreenda os meus discípulos com ameaças de grandes castigos. Tantos que não cumprem os seus deveres! Melhor era não terem o nome de discípulos de Jesus; não subirem ao altar a celebrarem o Santo Sacrifício da Missa e a transformarem o pão no meu Divino Corpo. Vêm daqui tantos males! Eu quero que o Santo Padre faça um acto de desagravo e o passe aos Bispos e os Bispos aos Párocos para ser lido todos os anos no Primeiro de Janeiro diante dos meus sacrários. Não de um só, mas de todos os do mundo com uma fervorosa comunhão de fiéis, sobretudo crianças inocentes para me desagravarem as ofensas que Eu recebo durante o ano da maldita impureza, e darem a minha bênção.

      Eu era abraçada tão fortemente e um forte calor me abrasava. Dizia-me Nosso Senhor:

— Vai, filhinha, às tuas orações. Continua a consolar o teu Jesus, como até aqui tens feito, que, dentro em pouco, Eu sentado no trono da minha glória direi consumatus est.

      O demónio, de vez em quando, vem com qualquer coisa para me afligir: mas Nosso Senhor não tem consentido que ele se demore. Quer-me ele dizer por eu mandar dizer estas coisas a Vª Revª, que quando eu morrer nem os bichos nem a terra me hão-de querer; mas eu com isso não faço questão.

      Recebi ontem a boa cartinha de Vª Revª e uns lindos santinhos. Fiquei muito contente. Nosso Senhor lhe pagará. Eu da minha parte, de todo o coração lhe agradeço tudo o que faz por mim e o que promete fazer.

      A minha irmãzinha da Sertã enviou-me a fotografia dela. Fiquei muito contente.

      A Dª Sãozinha partiu de Braga para Lisboa no dia oito, mas ainda não me escreveu.

      Adeus que, para hoje, não posso mais. Custa-me muito resistir ao calor. Passo dia e noite à frente da janela: só por Nosso Senhor posso viver com tanto sofrimento, quase sustentada a fruta.

      Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda que vai indo melhor.

      Abençoe, por caridade, esta que promete nunca o esquecer.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 25-7-1935

      Viva Jesus,

      Umas palavrinhas, poucas, porque as minhas forças não me permitem mais, pois vão desaparecendo cada vez mais. Estou muito ruim da minha cabeça e penso concorrer muito para isto a grande falta de descanso. Por isso, desde já, lhe peço perdão de todas as minhas faltas.

      O meu amado Jesus agora esconde-se muito de mim; deixa-me a lutar com os sofrimentos que, sem cessar um momento, me vão consumindo o meu pobre corpo. Que consolação para mim é o sofrer: tudo ofereço a Nosso Senhor, dei-lhe todo o meu corpo, não tenho mais que lhe dar. Quando tenho fortes desejos de O amar, aflige-me o não saber, mas que hei-de fazer? Eu estou muito doente, não posso mais. A Deolinda vai copiar uma coisa que está escrita no caderninho.

      No dia vinte e um, pouco depois de receber o meu Jesus, ouvi que Ele me chamava:

— Filha, ó minha filha, anda ao Rei do Amor que veio a ti só por amor, para não mais se ausentar. Queres consolar o meu coração angustiado? Consola-me com o teu silêncio e repetindo muitas vezes o que te tenho ensinado. Em que estado doloroso me encontro. E sabes por quê? Pela malícia do mundo. Pede-me, pede-me, não cesses de me pedir pelos pecadores. Oferece-te como vítima, precisava de tantas e tenho tão poucas! E dessas, quantas aborrecem a minha cruz, tirando-lhe por isso todo o merecimento. Sobe, sobe, minha filha, por meu amor, o teu calvário. Abraça e beija a minha cruz que o Senhor está contigo para te ajudar. Prostra-te à frente dos meus sacrários, vive lá comigo! Eu conto lá contigo. Se tivesse lá à minha frente muitas almas como tu, desceriam muitas graças do Céu à terra. Manda dizer ao teu pai espiritual que quero que ele diga, depois da tua morte, que por ti hão-de haver muitas conversões. Que não terei santo nem santa nenhum no Céu a quem Eu atenda mais de que a ti; para tudo, mas sobretudo para os pecadores. Vais no Céu semear para a terra, muitas graças sobre os pecadores!

      Eu não sei como fiquei, mas não disse nada a Nosso Senhor. Mas disse-me Ele:

— Obedece, não te perturbes. Não é por ti mas sou Eu que assim o quero. Atenderei aos pedidos que me fizeres no Céu assim como tu atendes ao que Eu te peço na terra, de sofreres por meu amor.

      Eu sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Tão unida a Ele! Sentia um calor tão forte! E uma força tão grande! Mas era uma força só no interior. E dizia-me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto minha filha! Mas estou contente contigo porque tu correspondes ao meu amor.

      Adeus, por hoje. Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina Maria da Costa

      Já tive notícias de Dª Sãozinha. Diz-me que ainda continua com muitas impressões nervosas. Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda; ela vai melhor mas ainda muito doente. Por caridade, não se esqueça de pedir por ela.

Balasar, 1-8-1935

      Viva Jesus,

      Estou de tal forma que mal posso falar; mesmo assim, não posso passar este dia sem lhe dizer alguma coisa, enquanto o meu bom Jesus me for dando algum sopro de vida.

      Ainda não deixei dia nenhum de receber o meu querido Jesus em minha pobre alma. Como Ele é tão bom para mim! Concedeu-me esta graça tão grande sem eu merecer: Se ao menos, eu lhe soubesse corresponder! Pobre de mim, que não sei. Não o amo tanto como desejo nem como Nosso Senhor é digno de ser amado. Parece que tudo vai acabar; já rezo tão pouquinho! Não tenho forças para o fazer. Hoje confessei-me, fiquei tão desanimada! Nosso Senhor não me abandone, pela sua infinita misericórdia. Se Ele estiver comigo, tudo venço sem dificuldades; o que eu quero é sofrer muito, muito pelo meu amado Jesus, e o que eu queria era que Ele não fosse ofendido. Mas que horror! Como se ofende tão gravemente! Que pena eu tenho do meu querido Jesus!

      No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me muito bem com Nosso Senhor, sentia uma grande união com Ele. Passados alguns momentos ouvi que Ele me chamava:

— Minha filha, ó minha querida rainha, a que alturas te levei, a esposa do Rei Sacramentado. Continua, minha querida filha, a tua breve missão: enquanto vives pede-me pelos ceguinhos, pelos pobres pecadores. Ainda tens muitos para conduzires aos teus caminhos. Eu sou o caminho, a verdade e a vida, conduz-mos para que Eu seja amado. Não me deixes nem um momento sozinho nos meus sacrários. E estou à espera de almas que me dediquem um amor como tu, mas não as tenho. Sou tão desprezado! Mas não é só isso, sou tão ofendido! Tem pena do teu Jesus, meu anjo, meu amor! Cura com a tua reparação esta lepra tão contaminosa. Manda dizer ao teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo inteiro, num dos dias das suas festas, escolhido por ti: Assunção, Purificação ou Anunciação, pedindo à Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles arredem caminho e não me ofendam. Assim, como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao Meu Divino Coração, assim peço-te a ti para que seja consagrado a Ela uma festa solene.

      Sentia as carícias de Nosso Senhor de que já tenho falado a Vª Revª e dizia-me Nosso Senhor:

— Não te descuides com a tua tarefa. Manda-lhe dizer tudo que ele te mandará ordens.

      Hoje mesmo, recebi a notícia que por estes dias ia receber a visita da minha irmãzinha da Sertã: fiquei imensamente satisfeita.

      Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda; digo-lhe e peço para me não esquecer junto de Nosso Senhor que eu continuo a fazer o mesmo. Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 6-8-1935

      Viva Jesus,

      Aqui tenho, desde ontem, a minha querida irmãzinha da Sertã. Estou muito contente com ela; oxalá que ela pudesse dizer o mesmo. A pena que tenho é não a poder estimar como ela merece.

      Eu, hoje, tenho muitas, muitas dores, mas estou contente porque sei que é esta a vontade do meu querido Jesus. Ele precisa que eu sofra muito para lhe dar almas; são esses os meus grandes desejos: dar-lhe muitas almas e fazer que Ele seja amado, muito amado.

      Eu estou quase sem alimento nenhum; já só como pouca fruta e com muito custo; não sei como ainda posso falar alguma coisa. Estou às ordens de Nosso Senhor. Estou a ver quando Ele me vem buscar para o Céu, pois estou ansiosa por lá chegar. Mas, seja feita a Sua Santíssima Vontade. Se o meu amado Jesus se dignasse conceder-me o que eu tanto desejo na minha última hora de ter junto do meu leito, o meu querido paizinho espiritual para me ajudar a subir ao Céu! Muito queria, mas a Sua Santíssima Vontade seja feita em tudo e por tudo.

      O demónio, hoje, afligiu-me muito com dúvidas a dizer-me que invento coisas de minha cabeça e por vaidade. Já me fez chorar. Maldito ele seja!

      Hoje dia seis, logo depois da Sagrada Comunhão, falou-me Nosso Senhor:

— Minha filha, ó minha querida amada, não desanimes com o meu silêncio contigo, tem confiança em mim. Estou sempre em ti: és o meu sacrário, habito em ti como nas minhas igrejas, és o templo da minha habitação. Pede-me pelos pecadores: preciso de almas vítimas do meu amor para me darem as almas. Oferece-me uma parte dos teus sofrimentos pelo bom resultado da pregação que o teu pai espiritual está a fazer: é de grande necessidade. Oferece-me a outra pela que se está aqui a fazer. Ouve a minha queixa! Sou tão ofendido no pecado da impureza na tua freguesia, por tantos que se não pensa! E dizem amar-me e julgam-se católicos. Tem pena de mim! Deixa-me crucificar-te muito estes dias, com violência, mas com amor.

      Eu era muito acariciada e sentia grande união com Nosso Senhor, que me dizia:

— Amo-te tanto, minha filha, com amor e predilecção. Amo-te porque correspondes ao meu amor. Serei Eu quem te virei buscar e te conduzirei pela mão à Pátria Celeste, ao Paraíso, à bem-aventurança. Vive nos meus sacrários, Eu estou lá sozinho.

      Lembranças de minha mãe e de Deolinda. Peço a grande caridade de se não esquecer de mim junto de Nosso Senhor, que eu prometo fazer o mesmo. Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina Maria da Costa

      Principiaram aqui as pregações no dia quatro e acabam no dia onze. Para mim não são como o ano passado, pois faltam as visitas de Vª Revª. Paciência, é preciso sofrer tudo por amor a Nosso Senhor.

Balasar, 22-8-1935

      Que silêncio é esse? Parece que morreu ou pensa que morri eu? Pois aqui tão perto de mim e há tanto tempo que não tenho notícias! Será por eu mais precisar delas? É, com certeza. Mas, seja feita a vontade de Nosso Senhor. Digne-se Ele, pela sua infinita misericórdia aceitar-me tudo, pelo seu divino amor, para a conversão dos pecadores, como eu lho tenho oferecido.

      Ainda vivo no calvário abraçada à cruz. Uns dias, parece-me que Nosso Senhor me vai desprender dela para me conduzir ao paraíso; outros dias parece querer deter-me nela por mais algum tempo. Será quando o meu amado Jesus quiser; mas se Lhe aprouvesse não se demorar em levar-me! Não sei como hei de viver. Tenho tantas saudades do Céu! O meu coração não encontra satisfação na terra. Sinto que ele quer subir mais alto, buscar as delícias do paraíso; só lá, encontrará satisfação amando sem cessar, amando a mais não poder o meu amado Jesus. Parece que Nosso Senhor anda a brincar às escondidas comigo. Todos os dias o tenho recebido, mas não me tem falado. Umas vezes estou fria, desanimada, sem nenhum fervor; outras vezes, que consolação, que união tão grande! Oh! Como eu sinto o meu coração a querer amá-Lo muito, muito mais. Às vezes parece que Nosso Senhor me abraça, mesmo sem me falar. Hoje, pareceu-me que o meu coração tinha desaparecido do seu lugar e que eu tinha ido com ele. Que união tão profunda com Jesus!

      No dia sete, alguns momentos depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, ó minha esposa querida, anda ao teu Jesus. Deixas-me crucificar-te muito, muito? Mas crucificar-te a valer? Diz ao teu pai espiritual que és a vítima do meu amor para salvar-me as almas, como Eu fui vítima dos pecadores do universo. Sofre, sofre, minha filha, nestes dias benditos, que, por ti, hão-de descer do Céu à terra, muitas graças para os pecadores. Hão-de vir muitas do Céu ao teu encontro, ao saberem que a ti devem a sua conversão. Eu não atenderei a mais ninguém, mais do que a ti, para os converter. Vieste ao mundo para sofrer e me desagravar e também para me ofenderes. Mas Eu já esqueci tudo, já desapareceu tudo da minha divina presença. Como é rica, como é bela, como é magnífica a tua coroa!

      Não deixou Nosso Senhor de me fazer as carícias que tenho dito a Vª Revª e dizia-me:

      — Amo-te tanto minha filha, ó minha querida predilecta!

      No dia quinze, pelas sete horas da tarde, depois de rezar a estação ao Santíssimo Sacramento, fiz a comunhão espiritual e ouvi que me falava Nosso Senhor:

— Que riqueza, minha filha, que grandeza a de tua alma, mesmo quando me julgas ausente de ti! Estou-te a enriquecer cada vez mais. Eu não te abandono. Gosto de te ver navegar, mas não deixo as ondas submergir-te. Com isto me consolas e amas muito. Dá-me tanta consolação ver-te navegar sozinha! Vou-te enriquecendo cada vez mais: se pudesses ver a grandeza da tua alma, o trono que habita em ti, morrerias de pasmo. Mas, dentro de breve, breve porque o tempo passa, será rasgado o véu que te esconde de veres tanta grandeza. Minha filha venho-te pedir uma noite de reparação. Se soubesses os milhares de almas que caíram hoje no inferno! Atenta no que te digo. Se soubesses a chuva delas que esta noite lá vai cair! Pede-me por elas: ainda vais acudir a muitas. Em breve verás no Céu as que me salvaste. E ao ver a glória que te está preparada desejarias ter sofrido como sofres desde o princípio do mundo. Eu vou-te deixar lutar com o sono para ser maior a tua reparação.

      Sentia as carícias de Nosso Senhor e dizia-me Ele assim:

— Minha filha, minha amada, ó minha bela, ó trono da minha habitação, ó meu Céu na terra, grandeza incompreensível que no mundo, rara, jamais se encontrará! Não por teu merecimento, mas pela minha bondade e misericórdia.

      No dia dezanove, pelas oito horas da tarde, estava eu a fazer algumas das minhas orações, formei a intenção de estar diante de Jesus Sacramentado em todos os sacrários do mundo; lembrei-me, também, de adorar a Santíssima Trindade presente em minha alma. Ó meu Jesus que momentos tão felizes! Como eu me senti bem! Estava a rezar às Santas Chagas de Nosso Senhor, quando me pareceu que Ele me falava e não me enganei. Dizia-me:

— Minha filha, minha filha não me julgues ausente de ti porque nunca te abandono. Em ti habita sempre a Santíssima Trindade. Crê na minha presença sacramental em ti porque nunca, nunca te abandono. Tu não me vês, mas estou sempre, sempre em ti, como nos meus sacrários. Eu quero, minha filha, que amanhã guardes silêncio, não fales senão o que te perguntarem. Quero que me ofereças tudo: os teus sofrimentos pelos pecadores que vão comparecer na minha divina presença. Vão ser tantos, tantos que vão ser colhidos para a eternidade subitamente. E em que estado eles se encontram. Oferece-me tudo. Pede-me por eles para que Eu lhe possa dar um momento de arrependimento. Minha filha não percas tempo com visitas inúteis que não pensam, nem por alto, o que em ti se passa, nem querem aproveitar-se das tuas virtudes. Eu sou teu mestre, quero ensinar-te: vejo os teus desejos; não percas um momento de união comigo para me amares a mais não puderes amar-me.

      Fico com receio de que a minha carta não seja entregue, que lhe não fosse parar à mão. Seria o demónio, para me consumir? Ele todo se esforça por me ver aflita. Diz-me que Vª Revª não escreve mais, que está inteirado das mentiras que lhe tenho mandado dizer, que já sabe o que sou e o que quero ser. A minha alma que já está da cor de fogo do inferno, eu que já estou nas mãos dele, que não há quem me acuda, que nunca mais de lá saio.

Balasar, 25-8-1935

      Viva Jesus,

      Tantos queixumes e, afinal, recebi a carta de Vª Revª, no mesmo dia em que escrevi. Por amor de Jesus, perdoe-me os meus desabafos! As cartinhas de Vª Revª muito me consolam e ajudam a levar a minha cruz. De todo coração lhe agradeço as orações que faz por mim. Por caridade, continue que preciso muito. Mas se pudesse ser tudo orações e cartinhas!

      Era muito de minha vontade ter a visita de Vª Revª antes da minha morte. Mas tenho a firme certeza que, se for também essa a vontade do meu querido Jesus, de tal modo há-de dispor as coisas que Vª Revª há-de poder vir aqui. Mas eu só quero aquilo que for da Sua Santíssima Vontade: são os meus mais ardentes desejos: que ela seja feita em tudo e por tudo.

      Sofrer dores muitas dores, tristezas e aflições por amor daquele que me ama, que morreu por mim, que consolação tão grande, não é?  Venha tudo o que Nosso Senhor quiser, o que eu quero é amá-Lo e fazê-Lo amado. Mas não sei mais o que hei-de fazer para serem realizados estes meus desejos. Vamos ao resto, não digo mais nada que não posso falar.

      Hoje, depois da Sagrada Comunhão, senti o que nunca tinha sentido, nem me sei explicar: o que sei dizer é que me sentia tão leve como uma pena. Passei alguns minutos em colóquios com Nosso Senhor, mas não ouvia a Sua Divina Voz. Depois ouvi o que Ele me dizia:

— Minha filha, minha filha, dizes-me que és toda minha e Eu sou todo teu; já tomei posse de ti, sou Rei e Senhor do teu corpo e da tua alma, e és a minha esposa, és a minha rainha. Minha filha, Eu fazer-me ausente de ti é pelo amor que te tenho. Faço-te assim porque te apanhei firme no meu amor: é para te deixar subir sem limites ao último degrau de amor que tu possas atingir. Minha filha, está quasi tudo terminado no Céu para quando da terra Eu te deixar partir para lá. O dia da tua morte vai ser dia de caça para mim. Felizes dos pecadores que morrerem nesse dia: só se condenam aqueles que me não quiserem ouvir e que já não acende neles a minha Luz divina. Faço isto por ir da terra para o Céu a minha crucificada, mas crucificada por amor no meio de tantas dores. Minha filha dize tudo isto ao teu pai espiritual. Quero que ele saiba tudo para que avalie como as tuas preces terão valor junto de Mim. Como hão-de descer para ti do Céu para terra uma chuva de graças para os pecadores. Minha filha, Eu gosto que sejam imitadas as virtudes da minha Mãe Santíssima. Assim, como Ela quando foi para o Céu levou muitas almas do purgatório com Ela, assim, tu levarás as almas dos pecadores ao menos para um lugar que não mais me possam perder.

      Disse-me Nosso Senhor:

      — Vai minha filha, mas não sem as minhas carícias.

      Eu fui então muito acariciada por Nosso Senhor.

      Eu não me tenho esquecido dia nenhum, e mais do que uma vez ao dia, de pedir pela Lisboa. Então havia de me esquecer! Nunca, nunca me esqueço de quanto me pedir na terra e no Céu.

      Estou muito mal do coração, não posso ir amanhã a Braga. Por isso envio-lhe as minhas notícias, e com elas muitas, muitas saudades. Abençoe, por caridade, esta que o tem sempre presente diante de Jesus.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 3-9-1935

      Viva Jesus,

      Ainda duram as santas saudades com que fiquei de Vª Revª, mas cá as vou oferecendo ao meu querido Jesus, junto com os meus grandes sofrimentos. Sofro muitas e muito fortes dores. O coração continua, teimosamente, a atrapalhar-me muito. Parece-me que o meu querido Jesus vai querer dentro em pouco satisfazer-me os meus desejos que só no Céu serão realizados; e eu sem poder descansar. Mas estive contente, porque assim melhor podia fazer companhia a Jesus Sacramentado. Ofereci a Nosso Senhor o sacrifício da morte em agradecimento por Ele ter instituído este grande sacramento, o mais admirável de todos os sacramentos, o meu sacramento. Como eu digo a Nosso Senhor. Renovei-o depois, na quinta-feira seguinte, depois da Sagrada Comunhão: portanto, está a minha oferta feita. Venha-me  Nosso Senhor buscar quando for da Sua Santíssima Vontade. Na noite de sábado para domingo, recordei-me que Nosso Senhor seria mais ofendido; havia serões na nossa freguesia e que só servem para ofender muito, muito a Jesus e isso era o que eu muito não queria. Pedi a Nosso Senhor que me crucificasse muito nessa noite. Ofereci-lhe para o desagravar de tantos crimes; o que disse a Vª Revª que fazia depois da Sagrada Comunhão, nas quintas, sextas e sábados. Nosso Senhor fez-me a vontade e passei a noite mal. Aí por volta de meia-noite, pouco mais ou menos, apresentou-se à minha visita Nosso Senhor pregado na cruz: tinha muita claridade e alguma distância em volta umas coisas lindas que pareciam flores. Depois mais tarde, vi Nosso Senhor coroado com uma coroa de grandes espinhos: de Sua Santíssima cabeça saíam raios de luz. Mas tudo isto era em tamanho grande. Pensava contar isto a Vª Revª, mas vinha-me a dúvida se isto não seria um sonho, apesar de me parecer que não estava a dormir. Mas, logo pela manhã, ao receber Nosso Senhor, fiquei a saber. Entretive-me em colóquios com Ele por alguns minutos, mas estava muito aflita do coração. Por fim, acalmei mais um pouco e ouvi a voz de Nosso Senhor, que me falava assim:

— Minha filha, minha filha, anda para os meus sacrários. Se soubesses como eles foram profanados! Como Eu fui ofendido! Arranja-me almas para me amarem e viverem lá na mesma união, como tu; quero que sejas a mestra delas. Diz ao teu pai espiritual, que Eu quero que as tuas lições sejam ensinadas e bem compreendidas: são as vítimas dos sacrários que hão-de sustentar o braço da Justiça Divina para não arrasar o mundo, para não virem maiores castigos. A malícia do mundo cada vez refina mais. Eu apareci-te pregado na cruz para veres como naquela hora era crucificado. A claridade que vias em mim e o que te pareciam flores era a tua reparação; era o que fazia desviar de mim os crimes. Apareci-te coroado de espinhos, para veres com que violência me coroavam. Os raios de luz que vias eram o meu sangue, eram as graças que vinham sobre ti e sobre os pecadores a quem acudiste. Anda, minha filha, com o teu silêncio, as tuas dores, sacrifícios e aflições curar-me as minhas chagas: Oferece-me tudo, anda com o bálsamo precioso das tuas orações curar-me as chagas que estão tão vivas. Eu apresentei-me assim na cruz, para veres como tantas vezes sou crucificado. Diz ao teu pai espiritual como tantas vezes sou crucificado, que fale aos meus discípulos dos seus deveres. Que pisa e torne a pisar, Eu, que tenho ordens dadas sob pena de grandes castigos; ai deles se não obedecem. Sou Eu mesmo que lhes dou o castigo.

      Eu era tão acariciada por Nosso Senhor e dizia-me Ele:

      — Como é suave, como é doce a minha união.

      Oh! Como eu me sentia bem com o meu querido Jesus. Eu não o podia deixar e disse-lhe: “Ó meu Jesus, eu não vos posso deixar!” Disse-me o meu amado Jesus:

— Vai, filhinha, Eu não me ausento de ti. Vives em Mim e Eu em ti: desprende-te mais um pouquinho e vai às tuas orações.

      O demónio consome-me: eu não me sei confessar. Vª Revª não conhece os meus pecados com a gravidade que eu os fiz. Que confusão a minha quando aparecer no tribunal de Deus e ouvir a sentença: aparta-te de mim maldita. Pelos outros pecados, que não tinha dúvida mas por inventar estas coisas! Que não mande dizer mais nada e que diga a Vª Revª, que tudo isto foi mentira.

      Lembranças da mãe e da Deolinda. Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina

Balasar, 11-9-1935

Viva Jesus,

      Escrevo-lhe estas palavrinhas apenas para lhe dizer como tenho passado estes dias; e nada mais porque não posso falar. Dão-me umas grandes aflições, resultado do coração. Estou quasi paralisada do braço esquerdo, o qual raras vezes e só com custo posso mexer. Penso também ser por causa do coração, porque quando me dão as grandes aflições parece que me fica preso todo o corpo por algum tempo. Enfim, tem-me Nosso Senhor na cruz, no meio dum mar de sofrimentos. Mas sofro tudo por amor de Jesus, é Ele que me ajuda a sofrer ou, permita-me que lhe diga, é Jesus que sofre em mim.

      Nosso Senhor vai-me experimentando por todos os modos: ainda me não voltou a falar, parece que se escondeu por completo. Que silêncio Ele tem comigo. Parece-me que tudo quanto se tem passado comigo está esquecido, menos os pecados, esses lembram-me. Tenho momentos tão aflitos! E, às vezes, nem sei dizer por quê. Umas ocasiões parece-me que tenho tantos pecados! E se me ponho a pensar, são as mesmas faltas de que me tenho acusado a Vª Revª. Graças a Nosso Senhor, tenho feito por cair nelas o menos possível, para não desgostar a Jesus. Mas lembro-me da comparação que Vª Revª me deu, que me consola muito: foi a da criancinha que, quando cai sem querer, a mãe vai acariciar tomando-a nos braços. Ora, assim, também o meu Jesus me toma para o seus divinos braços não é assim? Passo momentos em que parece que estou no meio dum deserto, sem saber o caminho e sem ter quem me guie. Mas, se isto serve para o aumento do meu amor a Jesus, o fazer amado, salvar as almas dos meus queridos irmãos e para consolar o Seu Santíssimo Coração tão ultrajado, venha tudo que lhe aprouver contanto que se faça a Sua Santíssima Vontade. Assim tenho dito e repetido isto. Muito obrigado, meu Jesus, mil vezes sem conta, obrigada, meu Jesus. Lembro-me tanto das ofensas que se fazem a Nosso Senhor! Tenho tanta pena! O meu coração entristece-se tanto! Eu queria ir para o Céu para satisfazer o meu coração no amor do meu querido Jesus; mas lá não posso sofrer para O desagravar. Poderei eu recompensar no Céu com o meu amor os sofrimentos da terra?

      Eu, desde segunda feira, não voltei a comungar. O Senhor Abade está para a Póvoa. Oh! Que saudades eu tenho do meu Jesus! Custa-me tanto passar sem O receber!

      A Dª Sãozinha já o procurou em Lisboa. Eu mandei-lhe dizer que o voltasse a procurar do dia catorze em diante. Lembranças da minha mãe e da Deolinda. Abençoe, por caridade, esta que nunca o esquece junto de Jesus. Não se esqueça, depois da minha morte, dos pedidos que lhe fiz, que eu lá do Céu não faltarei ao que prometi.

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 19-9-1935

      Viva Jesus,

      Ainda não aprouve a Nosso Senhor vir-me buscar para o Céu; ainda me não desprendeu da cruz; cá estou no meio de grandes sofrimentos. Tenho, ao menos, esta consolação de sofrer e sofrer por muito amor ao meu querido Jesus, que por mim tanto sofreu. Eu só lhe queria pagar amor com amor, viver só para Ele. Mais nada que Lhe dar não tenho, já que Lhe dei tudo o que tinha. Mas, ainda assim, mais que uma vez por dia de novo Lhe ofereço o que já desde há muito Lhe pertence. Não me canso de Lhe oferecer as minhas dores para O consolar e desagravar dos pecados do mundo. Eu não lhe posso explicar a pena que tenho de Nosso Senhor ser ofendido. Lembro-me tanto das ofensas que Jesus recebe! Sinto tanto, tanto esses ultrajes! Quem me dera a mim poder impedir com as minhas dores de se abeirar de Jesus essa imundice de pecados que a cada momento se cometem. Como se paga um tão grande amor com tão grande ingratidão! Como pode haver coragem, depois de conhecer Nosso Senhor, considerando o que Ele sofreu por nós, e vendo que é o nosso Querido Paizinho do Céu, tão amável e tão bom, o melhor de todos os pais, para voltar a ofendê-Lo tão repetidas vezes e tão gravemente!

      Nosso Senhor continua a ter-me no mesmo abandono e nas mesmas trevas ou maiores ainda. Parece-me que se escureceu o sol e que se fez noite em minha pobre alma. Tudo se escondeu para mim. Que momentos tão tristes e tão aflitos eu passo e muitas vezes sem saber por quê. Em algumas ocasiões, afigura-se-me que tenho sobre mim todos os crimes do mundo e eu, em vez de ir para frente, vou recuando para trás. Calcule na aflição em que me encontro no meio de tudo isto e sem ter forças para rezar. Já pouco rezo e já em muitas ocasiões a cabeça não me deixa estar em recolhimento, como queria estar. Mas Nosso Senhor seja comigo!

      Tenho feito o que Vª Revª me recomendou na boa cartinha que recebi segunda-feira. Tenho-a lido muitas vezes porque me dá alguma consolação: parece que alumia um pouco a minha pobre alma. E vou repetindo a Nosso Senhor: “Pai, meu Pai, faça-se a Vossa Santíssima Vontade”.

      Adeus, que não posso mais, já vou além das minhas forças. Faz hoje oito dias que a Deolinda pensou ser chegada a hora da minha partida para o Céu. Já eu estava melhor e ela ainda tremia como um ramo verde. Ela envia-lhe muitas lembranças, assim como a minha mãe. Se a Dª Sãozinha ainda aí não tiver ido, ou se tiver ficado de voltar, peço a Vª Revª, a pedido da mãe dela, para lhe dizer para ela vir tomar conta da escola agora no fim das férias. Pois, os médicos agora não lhe encontram doença que a impeça de poder continuar com o trabalho a não ser a cisma que dizem passar com o tempo. Eu não me esqueço de todas as recomendações de Vª Revª. Nunca se esqueça de mim, não?

      Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina M. Costa.

Balasar, 26-9-1935

      Viva Jesus,

      Vou-lhe ditar umas palavrinhas: serão as últimas? Quem sabe é Nosso Senhor; mas estou mais para isso do que para outra coisa. Cada vez me sinto pior, sofro muito, tanto física como moralmente. Continuo no mesmo abandono. Nosso Senhor está bem escondidinho de mim. Sábado à noite confessei-me, recebi Nosso Senhor por viático e também recebi a extrema-unção. Foi muito por minha vontade, porque temia morrer sem os Sacramentos. Parecia-me não fazer nada bem, estava fria, não sabia agradecer a Nosso Senhor tantos benefícios. Enfim, parecia uma coisa deitada ao esquecimento.

      No domingo, o Senhor Abade, antes de partir para a Póvoa, voltou a trazer-me Nosso Senhor mas eu fiquei como se não comungasse. Sabe o que me fez lembrar? Foi a cidade de Jerusalém quando traziam a Nosso Senhor em triunfo e ela se mantinha fria: mas faça-se a vontade de Nosso Senhor. Penso bem que Ele, apesar da minha grande indignidade, tem atendido aos meus pedidos. Eu costumo dizer-Lhe assim: “Ó meu Jesus crucificai-me convosco, santificai-me, meu bom Jesus, à Vossa Santíssima Imagem de Cristo crucificado. Fazei-me participar de toda a Vossa Santíssima Paixão”. Não me engano, meu bom Jesus ouviu-me. Na Sua Santíssima Paixão, não foi Ele abandonado e não sentiu tristeza mortal? Mil vezes Ele seja bendito que tanto se abeirou e cobriu de benefícios esta grande pecadora que tão mal Lhe sabe corresponder a tanto amor e bondade. O demónio atrapalha-me muito; diz-me que o que é por grandeza e vaidade, acaba. Neste momento, em que estou a falar, ele está-me dizendo: “acaba, acaba maldita, esforçaste-te por inventar quanto quiseste e agora és condenada”. Mete-me tanto medo a morte por eu ter mandado dizer todas estas coisas a Vª Revª! Enfim, em qualquer coisa ele encontra rodeio para me atormentar. Quando ele me fala da morte eu tenho medo, mas ao mesmo tempo lembro-me que Nosso Senhor tem poder sobre ele e confio na Sua Infinita Misericórdia.

      Se eu ainda viver para a semana, não sei se lhe poderei escrever. Não tenho forças, custa-me imenso falar. Não sei como hei-de passar. Nosso Senhor me ajude e seja sempre comigo. Já várias vezes, aqui no meu leito, tenho dito: “Adeus meu paizinho, até o Céu”.

      Já soube que a Dª Sãozinha foi aí. Fiquei contente. Permita Nosso Senhor que seja Vª Revª, agora, o médico dela.

      Lembranças da minha mãe e de Deolinda. Abençoe, por caridade, esta que sempre o tem presente junto de Nosso Senhor e espera que, depois de ver quanto eu preciso, também nunca a esquecerá.

      Alexandrina Maria da Costa

      Fiquei satisfeita por me dizer que vem ao Porto. Se não valer nada para mim, espero que valha para a Deolinda.

Balasar, 3-10-1935

      Viva Jesus,

      Aprouve a Nosso Senhor que ainda não fosse a última a carta que lhe enviei: aqui me tem a agradecer-lhe a consoladora cartinha recebida segunda-feira, assim como o lindo santinho. Nosso Senhor lhe pague tanto cuidado que tem com a minha pobre alma. São apenas elas que me vêm trazer alguma consolação, o resto tudo me desapareceu. Nosso Senhor escondeu-se de mim, mas escondeu-se a valer. Bendito Ele seja e faça-se a Sua Santíssima Vontade. Eu não aspiro a outra coisa, senão a que ela seja feita em tudo como sempre. Eu só queria morrer de amor, queria ser a vítima da Eucaristia. Assim eu digo ao meu querido Jesus, que quero ser vitimada por Ele em todos os lugares onde Ele habita Sacramentado: e que consolação, ser vítima do amor de Jesus para Lhe acudir aos pecadores! E como é consolador dizer a Jesus: eu sou a sentinela dos vossos sacrários, assim como o soldado é a sentinela do seu quartel. Só com a diferença de que o soldado muitas vezes cumpre obrigatoriamente e com medo ao castigo, mas eu quero cumprir e ser fiel por amor a Jesus Sacramentado.

      Eu digo isto a Nosso Senhor, mas falta-me aquela alegria, aquele amor e fervor interior que eu sentia. Agora tudo é desolação e trevas. Mas o que eu quero é crescer sem limites no amor de Nosso Senhor, consolá-Lo muito e salvar-Lhe muitas almas: desempenhar o melhor que me seja possível a minha missão.

      Ainda não chegou a hora da minha partida, Nosso Senhor ainda não quis que eu fosse passar a festa de Santa Teresinha ao Céu, como eram os meus desejos. Eu vivo porque Nosso Senhor quer que viva. Porque as minhas poucas forças estão gastas e os meus sofrimentos são muitos, muitos; mas sofro-os com muito amor a Nosso Senhor.

      Com grande mágoa, digo a Vª Revª que, se ainda Nosso Senhor me quiser aqui algum tempo, tenho que desistir de lhe escrever, porque não posso falar e, se fizer esforço, acho-me pior. A Deolinda dar-lhe-á as minhas notícias.

      Cá chegou, ontem, a minha querida amiguinha, a Srª Dª Sãozinha. Logo que chegou, veio dar-me um abraço e hoje, já voltou a estar aqui. Acho que ela vem muito melhor, graças a Nosso Senhor e a Vª Revª.

      Lembranças da minha mãe e da Deolinda. Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina M. C.

Balasar, 10-10-1935

      Viva Jesus.

      Sr. P. Pinho

      Hoje sou eu quem vai dizer duas palavrinhas a Vª Revª, porque a Alexandrina não pode. Pediu-me para eu escrever porque não queria que passasse este dia sem lhe dar algumas notícias. Oh! como ela tem pena de não poder ditar umas palavrinhas para o seu Pai Espiritual! E então, cheia de saudades, exclama: Nosso Senhor tirou-me tudo ou fingiu tirar-mo.

      Senhor Padre Pinho, a minha querida irmãzinha está muito, muito doentinha.

      Só com um grande auxílio do Céu é que uma criatura humana pode sofrer tanto tempo. Oh! Que dias tão tristes eu aqui passo junto dela! Ela é que sofre as dores, mas eu sofro por a ver sofrer e não a poder aliviar: e também sofro com a lembrança duma breve separação. Vª Revª quer saber o que me consola no meio de tanta tristeza? É ver que ela sofre muito mas sofre por amor, sofre com santa alegria, e só com um grande desejo de consolar muito o seu querido Jesus e de O cobrir com as suas dores para que não caiam sobre Ele os crimes do mundo; e com um ardente desejo de salvar almas, muitas almas. Ela está ansiosa pelo dia de partida. Ouço-a exclamar muitas vezes: “Ó meu Jesus, quando me levais? Quando irei para o Céu para semear para a terra bênçãos para os pecadores e graças para as minhas pessoas mais queridas? Eu tenho pressa Jesus, eu já não sou daqui, quero ir para o Céu continuar o meu oficio: hei-de Vos amar muito, muito”. Também a ouço dizer muitas vezes, “Ó meu Jesus eu quero morrer de amor”.

      Senhor Padre Pinho aprouve a Nosso Senhor dar a cruz completa à Alexandrina, porque, além dos sofrimentos físicos e do abandono em que Nosso Senhor a tem tido e continua, temos sofrido grandes aflições devido à situação em que temos vivido e que contávamos agora que melhorasse, mas grandes dificuldades apareceram de novo. E a pobre Alexandrina ao ver as nossas lágrimas e ao ouvir os nossos desânimos fazia por nos consolar e dizia: “Eu sei que Nosso Senhor, ainda queria que eu passasse por mais estas coisas”. E murmurava: “Ó meu Jesus eu quero que o meu coração seja esmagado e angustiado, que vá à prensa das Vossas Divinas Mãos até esgotar todo o amor, assim como o cachinho vai à prensa para ser espremido e a azeitona para dar todo o azeite”.

      Por tudo isto, já vê quanto precisamos das orações de Vª Revª e por caridade, não nos esqueça junto de Nosso Senhor.

      Muitas lembranças da minha mãe, da Senhora D. Sãozinha e minhas também. Creia-me muito dedicada em Nosso Senhor.

      Deolinda Maria da Costa.

      Pai, meu bom Paizinho abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina

      Eu já recebo a Nosso Senhor todos os dias, mas estou sempre fria sem nenhum fervor.

Balasar, 17-10-1935

      Viva Jesus,

      Senhor Padre Pinho,

      Como hoje é quinta-feira, dia em que a minha querida irmãzinha costumava escrever a Vª Revª e já que ela não pode, vou substituí-la, ainda que muito mal, dando-lhe as suas notícias. São estes os desejos dela, que o faça neste dia, e hei-de ver se lhe faço a vontade enquanto Nosso Senhor lhe der vida; e ao mesmo tempo pratico um acto de obediência, porque Vª Revª assim me disse para fazer na cartinha que me escreveu e que muito lhe agradeço.

      Senhor Padre Pinho, a Alexandrina continua a viver no meio de muitos e grandes sofrimentos. Nosso Senhor esteja com ela até ao alto de tão doloroso calvário, que de contrário, pobre Alexandrina, ser-lhe-á impossível de subir. Mas confio no meu querido Jesus e isso lhe peço em minhas pobres orações, que Ele a levará nos seus braços até ao fim e a nós nos dará coragem para a acompanhar sem desfalecer nesse caminho do Calvário.

      Oh! Como ela anseia pelo grande dia, como ela mesmo lhe chama, em que para sempre se há-de unir ao seu querido Jesus, contemplá-Lo face a face e que o seu coração atinja toda a satisfação e não necessite subir mais. Ela diz também: Oh! Como no Céu hei-de amar a Jesus! Como me há-de ser saciada esta fome e esta sede que o meu coração tem de amor.

      Quer Vª Revª saber o que ela dizia ontem ao saber que Nosso Senhor tinha sido muito ofendido? Dizia assim: para mim tu não tens peninha de Nosso Senhor! É tão ofendido! Se eu tivesse corpos sem conta para sofrer, corações sem conta para amar e línguas sem conta para louvar, tudo era para o meu querido Jesus.

      Senhor Padre Pinho, na próxima quinta-feira, se Deus quiser, vou ao Porto. Estou ansiosa por esse dia, apesar de ter grande dificuldade em ir por ter de deixar a minha irmãzinha, se ainda viver, só com a mãe. Ia na quinta-feira porque a Senhora Dª Conceição parece que também precisa e quer ir.

      Do coração lhe agradeço as orações que faz por nós e peço para continuar. Eu também nunca o esqueço, principalmente na Sagrada Comunhão.

      Muitas lembranças da minha mãe e, por caridade, abençoe esta grande pecadora,

      Deolinda Maria da Costa.

      Meu bom paizinho, muito, muito lhe agradeço a sua querida cartinha e relíquia da Santa Teresinha. Se eu soubesse assim amar a Nosso Senhor como ela O amou! Pobre de mim! Que diferença tão grande! Ela tão pura e tão santa toda abrasada de amor; e eu tão grande pecadora e não sei amar melhor ao meu querido Jesus.

      Abençoe, por caridade, esta que lhe não pode dizer mais nada.

      Alexandrina.

Balasar, 26-10-1935

      Viva Jesus,

      Queria ir amanhã ao Porto. Tenho tantas, tantas saudades! Como remediar este mal! Resignar-me e sofrer tudo por amor do meu querido Jesus.

      Estas saudades, que tanto me consomem, fazem-me lembrar se sempre desta vez seria a última visita e o último adeus até ao Céu. Será ou não? Seja o que Nosso Senhor quiser. Para onde foi aquela consolação e aquela alegria que eu sentia quando via junto de mim o meu tão querido pai espiritual? Não sei. Parece que Nosso Senhor me quer privar de tudo. Bendito Ele seja. O que eu quero, é amá-Lo e consolá-Lo muito, sofra eu o que sofrer. Eu já não tenho mais nada que lhe dar; dei-lhe todo o meu corpo e agora, muitas vezes, lhe tenho oferecido a minha alma para que o meu querido amado faça dela e de todo o meu ser o que lhe aprouver.

      Que me importam a mim as consolações se Jesus está comigo e me dá força para tudo sofrer e estou a fazer a Sua Santíssima Vontade! É o que eu procuro sempre e desejo fazer. Eu queria desagravar muito a Nosso Senhor e desviar D’Ele todos os crimes do mundo. Que pena tão grande eu tenho do meu amado Jesus! Como Ele é ofendido nesta miserável freguesia! Pobre Jesus! E o que será por esse mundo fora! E Nosso Senhor é tão bom e sofreu tanto por nosso amor. Eu também quero sofrer tudo, tudo quanto Nosso Senhor me enviar, por seu amor e para lhe salvar almas, muitas almas.

      Não digo mais nada que não posso. Peço para que abençoe esta que lhe diz adeus e que humildemente lhe pede perdão de tudo quanto o possa ter desgostado e ofendido.

      Alexandrina M. C.

Balasar, 4-11-1935

      Viva Jesus,

      Faz oito dias, hoje, que aqui o tive ao pé de mim. Mas quantas vezes tenho ido eu em espírito para o pé de Vª Revª, nestes dias em que Nosso Senhor se tem dignado ter-me aflita, em trevas sem nenhuma consolação. Muitas vezes estou aflita e não sei por quê.

      O dia de Todos os Santos foi muito atribulado para mim. Logo pela manhã, tive a impressão de aparecer diante de Nosso Senhor sem nada, com as mãos vazias; fazia-me lembrar um mendigo que nem tinha uns tristes andrajos para se cobrir: eu também não tinha nada para a minha pobre alma. Parecia-me que não tinha coração para amar a Nosso Senhor e sentia a impressão que me separavam de mim mas não sei o que era. Assim passei o dia e parte da noite. Em tudo me parece que não amo a Nosso Senhor; o pouco que rezo é sem nenhum fervor e a rezar e a parecer-me que nada vale. Recebo Nosso Senhor e parece-me que O trato como a um estranho. Ontem voltei a sentir o que já há tempos tinha dito a Vª Revª. De repente, pareceu-me que estava carregada com todos os pecados do mundo, que todos os crimes eram meus. Mas eu não sei explicar como é que sinto isto. Enfim, sou uma descontentadiça, que em nada encontra satisfação. Não sei que ânsia é esta, acho que as horas levam tanto tempo a passar!

      No meio de todas estas coisas, o que me anima um pouco, são as boas e santas palavras que Vª Revª teve a caridade de me dizer. Quando estou mais aflita costumo dizer: “Meu Deus, faça-se em tudo e sempre a Vossa Santíssima Vontade. Em Vos confio, amo-Vos muito, Jesus, sou a Vossa vítima” Quando o demónio me vem trazer algum pensamento de vaidade esforço-me por arrumar com tudo e digo: “Meu Deus, eu quero ser pequenina aos olhos do mundo mas grande aos Vossos Divinos Olhos”.

      Adeus, sabe do meu estado e o sacrifício que faço para escrever a Vª Revª. Já tive um grande espaço de tempo em que me parecia que o coração estava parado, mas ainda não era chegada a hora.

      Muitas lembranças da minha mãe e da Deolinda e da Senhora Dª Sãozinha. Parece-me que ela tem muitas melhoras. Abençoe, por caridade, a pobre

      Alexandrina Maria da Costa.

      Peço-lhe a caridade de me recomendar à Senhora Dª Maria Emília, e que lhe diga que eu nunca a esqueço diante de Nosso Senhor nem ao seu querido filhinho, para que venha a ser um santo e todo para Jesus.

      Quando vem para Braga?

Balasar, 7-11-1935

      Viva Jesus,

      Então, já se encontra em Braga? Graças a Nosso Senhor! Vai fazer dois anos que Ele me fez um roubo, mas bendito ele seja que antes da minha partida para o Céu voltou a restituir-mo. Só ontem recebi a carta de Vª Revª. Fiquei triste porque na segunda-feira tinha escrito uma pequenina carta para Lisboa, a contar-lhe o estado da minha alma, como tinha passado estes dias todos cheios de abandono espiritual, aflita e sem nenhuma consolação.

      Cada vez mais me parece que tudo vai desaparecendo no dia a dia. Parece-me que se escurece aquele sol divino que tanto alumiava, aquecia e dava força à minha pobre alma. Mas, paciência! Quero sofrer tudo por amor do meu amado Jesus e para lhe salvar muitas almas. Foi esta a missão que Nosso Senhor me confiou neste mundo, não é assim? Como é bela e consoladora a oração do Pai Nosso! “Faça-se a Vossa vontade assim na terra como no céu”. Seja esta a minha maior consolação, saber que estou a fazer a vontade do meu querido Jesus, que tanto tem amado esta pobre e miserável pecadora.

      Eu não conto a Vª Revª o que lhe dizia na outra carta, porque penso que ela lhe será remetida para aí. Para lhe ditar estas poucas palavras, tem sido aos bocadinhos, esperando a ocasião de poder falar. São tantos os meus sofrimentos que me deixam desalentada e sem nenhumas forças.

      M. P. pode contar com o meu pequenino e pobre auxílio para os exercícios de Vª Revª, quer esteja ainda na terra quer no céu. E Nosso Senhor não deixará de aceitar esses tão grandes desejos que Vª Revª tem de se santificar cada vez mais.

      Muitas lembranças de minha mãe e da Deolinda, Terminados os exercícios de Vª Revª, ela há-de ver se aí vai.

      Abençoe, por caridade, esta que, com toda a humildade, lhe pede perdão,

      Alexandrina Maria da Costa.

      Muitas lembranças da Sra. Dª Sãozinha. Ela só hoje soube que Vª Revª estava em Braga. Ficou com imensa pena, mas já não tinha comboio e o tempo estava fraco. Poderá ir aí no domingo, quando acabarem os exercícios?

Balasar, 16-11-1935

      Viva Jesus,

      Agora, que está prestes a sair do retiro, vou-lhe ditar umas palavrinhas para saber notícias minhas. Estou muito, muito doente. Que grande dia foi hoje, para mim! Que dia de tanto sofrimento! Espero que também tenha sido de grande consolação para o meu querido Jesus, pois que o devia desagravar de tantos e tantos crimes que ele recebe, ajudando-o, assim, com os meus sofrimentos, a salvar as almas dos pecadores. Se eu pudesse fechar as portas do inferno com os meus sofrimentos! Assim repito a Nosso Senhor: “Ó meu Jesus, a cada nova dor e nova aflição, novos actos de amor para os vossos sacrários e novos ferrolhos e fechaduras para as portas do inferno, para que força nenhuma do pecado a possa abrir”.

      Causa-me preocupação o não saber agradecer a Nosso Senhor tanto amor ao sofrimento e tantos benefícios que me concede. Por caridade, lhe peço que louve e bendiga a Jesus por mim.

      Deu-me Nosso Senhor a pérola mais preciosa e a riqueza maior que me poderia ter dado neste mundo. Como é feliz, quem sofre com Jesus! Se eu não o tivesse ofendido tanto, era completa a minha felicidade. Mas, apesar de o ter ofendido muito, ainda me parece que não há ninguém mais feliz do que eu. Sofrer por amor! Sim, por amor, porque conheço que amo Nosso Senhor no meio do sofrimento. Muito sofro, mas muito mais quero sofrer. Mas, não amo Nosso Senhor com um amor que me satisfaça, é por isso que me lamento que O não sei amar.

      Continuo no mesmo estado de alma e no mesmo abandono em que Nosso Senhor se dignou ter-me.

      Digo-lhe adeus, porque não posso mais. Muitas lembranças de minha mãe, de Deolinda e da Dª Sãozinha. Ela vai aí na quinta-feira, se Deus quiser.

      Por caridade, abençoe a pobre,

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 28-11-1935

      Viva Jesus,

      Venho agradecer a Vª Revª a boa cartinha e o lindo santinho que me enviou pela Deolinda. Muito e muito obrigada. Apesar de não sentir consolação espiritual, dá-me sempre muita alegria receber uma carta de Vª Revª. Penso que devem fazer muito bem à pobre da minha alma.

      Vou dizer-lhe só umas palavrinhas, porque mais não posso. Mas custa-me tanto passar este dia sem dizer nada a Vª Revª! E também preciso de desabafar.

      Como o meu querido Jesus se tem dignado ter-me num abandono tamanho! Eu não me sei explicar. Não sinto consolação nenhuma em nada, nem mesmo quando comungo. Estou insatisfeita, apetece-me chorar, mas ainda não chorei.

      Vou falando para o meu amado e, lá no íntimo da minha alma, tenho a certeza de que Ele não deixará de ouvir os meus pedidos e de aceitar as minhas ofertas. No meio de todo este abandono, muitas vezes me passa pela mente, o “faça-se a Vossa Santíssima Vontade em tudo e sempre”. O que eu quero é consolar muito o meu esposo Sacramentado, ainda que, para mim, não haja nenhuma consolação, Assim espero levar a luz a muitas almas e eu queria salvá-las todas! Pobres pecadores! Tanto queria que não fosse mais nenhum para o inferno.

      Vou terminar, pois não tenho forças para mais. Estou muito mal do coração. Tenho todo o meu corpo numa dor só. A mão esquerda começou a inchar e sinto uma grande aflição que vai do coração para o braço. Mas, com isso, sinto uma grande alegria por me lembrar que o meu amado Jesus virá, em breve, buscar-me para o céu.

      Eu não me tenho esquecido de todas as intenções de Vª Revª e da querida Maria do Céu. Peço eu pelos bons, que sou tão pecadora, para eles pedirem por mim. Lembranças de minha mãe, da Deolinda e da Sra. Dª Sãozinha.

      Abençoe, por caridade, a pobre,

      Alexandrina Maria da Costa.

Balasar, 12-12-1935

      Viva Jesus,

      Como hoje é quinta-feira, claro que me estava sempre a vir à cabeça a ideia de escrever a Vª Revª. É certo que não posso. Ó meu Jesus, como me custa falar! Mas vamos a ver se sempre vão umas palavrinhas, pois como para a semana não está, ficava muito tempo sem saber notícias minhas.

      Eu não sei explicar a ansiedade que tenho da minha partida para o céu. Contemplar o meu querido Jesus, amá-Lo por toda a eternidade. Acabar duma vez para sempre com toda a ambição que o meu coração sente. Muitas vezes digo a Nosso Senhor: “Nada no mundo me satisfaz e só o Vosso amor me basta. Ó meu Jesus, Vós todo para mim e eu toda para Vós!”

      Ir para o céu, está bem, recordava eu. E os pecadores? Depois já não posso sofrer por eles. Resolvi, então, fazer um contrato com Nosso Senhor. Apesar deste abandono tamanho e desta enorme escuridão em que Nosso Senhor se digna manter-me, eu confio e tenho a certeza que o meu querido e amado Esposo está comigo. E dizia-lhe eu assim: “Ó meu Jesus, levai-me para o céu. Lá irei continuar a minha missão. Hei-de amar-Vos tanto, tanto, que com o meu amor hei-de recompensar-Vos dos pecados do mundo. Estou certa que Vós, à vista de tanto amor, haveis de esquecer as ofensas dos pecadores e, com a vossa infinita misericórdia, os levareis a reconciliarem-se convosco. Conduzi-los-eis até junto de mim, para aí Vos louvarmos e amarmos por toda a eternidade”. Confio em que Nosso Senhor há-de atender os meus pedidos e que hei-de ver as almas desses infelizes, que agora se os deixam arrastar pelas paixões, voarem em bandos, como as andorinhas, e gozarem a pátria celeste por toda a eternidade.

      Lembranças de minha mãe, da Sra. Dª Sãozinha e da Deolinda, que esta semana não pode ir a Braga, como ela tanto desejava.

      Por caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor, que eu a Vª Revª tenho-o sempre no primeiro lugar, tanto agora aqui na terra como depois no céu.

      Alexandrina.

Balasar, 26-12-1935

      Viva Jesus,

      Estimo que tenha passado umas festas de Natal muito felizes e que essa felicidade perdure nas de Ano Novo e dos Reis.

      Já que tenho portadora de graça, aproveito a ocasião para lhe dizer umas breves palavrinhas. Parece que nem tenho cabeça, mas preciso de desabafar um pouco para ver se fico melhor.

      De todo o coração agradeço a Vª Revª os dois cartõezinhos, aos quais lhe devo resposta. Apesar de Nosso Senhor me tirar tudo, até a alegria e consolação que sentia quando as recebia, me desapareceu. Ao recebê-las, sabendo que são de Vª Revª, fico contente e logo que as principio a ler tudo acaba: fico triste como a noite. O que será isto, pois se eu tanto preciso delas para me animarem e me darem luz e forças para levar a cruz que Nosso Senhor me enviou?

      Há outra coisa que me preocupa muito: parece-me que sou daquelas criaturas que passam os dias e as noites sem se lembrarem de Nosso Senhor e sem nada sofrerem pelo seu Divino Amor. Enfim, que não tenho merecimento nenhum diante do meu querido Jesus. Não sei como pode isto acontecer, pois, desde que cheguei ao uso da razão, não me lembro de passar dia nenhum sem que me lembrasse de Nosso Senhor. Numa palavra: não sei o que se passa em mim. São estas as consolações que o Menino Jesus me envia. Pedi-lhe para passar a Noite de Natal mal e ele fez-me a vontade. Passei-a aflita e no meio de muitos sofrimentos. Estendia-lhe o braço e dizia-lhe: “Crucificai-me à vossa santíssima vontade. Crucificai-me a mais não poder ser. Nestes últimos dias que me restam e nesta noite tão santa, mas em que Vós sois tão ultrajado!” Ai que saudades eu tinha do céu. E dizia assim: “Ó meu Jesus, eu queria estar no céu e assistir à festa do vosso nascimento, mas como ainda me quereis aqui, está bem. Eu não tenho outra vontade a não ser a Vossa, nem outros desejos que não sejam os Vossos também”. E assim fui passando a noite a fazer companhia a Nosso Senhor.

      Adeus e abençoe, por caridade, esta que nunca o esquece diante de Nosso Senhor e, por amor de Jesus, lhe peço para fazer o mesmo.

      Alexandrina.

   

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