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Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

DEZEMBRO 1954

3 de Dezembro de 1954 – Primeira Sexta-feira

Sofrer sozinha, em silêncio, é o meu viver. Não tenho forças para falar. A minha alma tem de abafar em si os tormentos que a fazem agonizar. Quando chega ao auge a agonia, choro e digo qualquer palavra desfalecida.

― Perdoai-me, meu Deus, não quero ofender-Vos. Quero só crer e confiar, mas ai! Quantas vezes nem uma coisa nem outra! Ai de mim, como me apavora o meu viver!

Grande tormento é para a minha alma o que fez que o meu corpo sofresse mais, muito mais. Senti que alguém na minha alma, como se ela tivesse sangue e grande alimento. Eu via e sentia este alguém, de olhos esgazeados, cabelos desgrenhados, mãos em forma de garras, a agarrar-se a mim, a fitar-me com olhares desesperadores e faminto de comer todo o meu ser. Cansava-me a alma. Por vezes parecia-me que o coração falhava e eu ia morrer. Nesta angústia e indizível tormento, veio-me a saudade da alimentação, saudade da morte. Queria comer todos os manjares. Soo mundo inteiro, cheio de iguarias, me podia satisfazer.

― Meu Deus, não posso exprimir-me melhor e não tenho forças para mais. Ah! Se houvesse quem me compreendesse e se compadecesse do meu martírio. Só a eternidade, só a luz da eternidade. Jesus, por Vosso amor, abraço tudo dentro em meu peito.

Todo este sofrimento me apavorou tanto que no Horto e no Calvário não tinha outra coisa senão pavor. O que virá sobre mim? Quem vem sobre mim? Temia qualquer fatalidade. Se vem algum desgosto grande não resisto à dor. O coração apagava-se como a lâmpada que se extingue.

― Creio, Jesus, creio. Não olheis para a minha mentira. Eu creio sem mentir, eu amo-Vos sem amar.

Confio e espero em todas as coisas sem fé e sem confiança. Creio, creio, fui repetindo sempre, apenas o coração. Veio Jesus. Bradou alto, mas o Seu brado deixou transparecer toda a ternura e doçura.

― “Crê, minha filha, crê. Crê, esposa querida. Não deixes de repetir essa palavra consoladora “creio, Jesus, creio!” Ó minha filha, ó minha filha, tu és fontanário de dor e de amor, fontanário universal, fontanário infinito. Coragem, coragem! Que este fontanário esteja sempre cheio, cheio, como fontes, rios e mares nos dias mais chuvosos. És fontanário de dor, dor que dá a vida ao mundo. O que tens sentido e sentirás em tua alma são as almas pecadoras, são as almas desesperadas que se agarram às fibras em sangue da tua alma. Elas têm fome da verdadeira vida. Elas estão aterradas com a visão do inferno. Agarram-se a quem lhes possa valer, não querem cair lá. Coragem, minha filha, é a humanidade pecadora agarrada à tua dor, à tua vida sofredora. A tua fome é infinita; é a minha fome. Eu quero todas as iguarias do mundo, todos os manjares dos corações. És fontanário de amor. Em ti sacio-me, por ti quero ser saciado por todos os corações. Minha filha, olha para o meu Divino coração, vê e aceita o que Ele te dá. Distribui: é amor, é misericórdia, é perdão. Ah! Se o mundo quisesse aceitar, voltava-se de repente para Mim.”

Pela parte inferior do Coração Divino de Jesus saía uma labareda e mais coisas numa só mistura que abundava tudo. Vinha para o meu pobre coração, mas, depois de mim, toda a humanidade nadava em tanta luz, brilho e riqueza. Parecia que aquele Coração Divino nunca se esgotava em dar e nunca cessava de dar. Desapareceu esta riqueza que me deixou confortada e só a voz de Jesus se fazia ouvir.

― “Dá, minha filha; o mundo é rico, porque tu o enriqueces com a minha riqueza. Ah, se ele ouvisse a minha voz, se ele atendesse aos meus pedidos, neste ano da minha Bendita Mãe, neste d’Ela e teu, teu, teu, sim, teu!... Ah, se fossem compreendidas estas palavras e ainda fosse feita a minha vontade!... Que pena, que pena para o meu Divino Coração! Eu podia realizar doutra forma as minhas promessas, mas espero; atendei ao Senhor, fazei a vontade do Senhor! Coragem, minha filha, coragem! Estás pior que o ceguinho. Este tem um guia que o conduz ao seu destino. Coragem! Eu, às ocultas, guio-te, amparo-te. Olha, fala das ameaças do meu Pai, fala ao mundo da Sua tremenda justiça. Escuta como é rigorosa e tremenda a Sua ameaça.”

Tudo se escureceu. Fiquei num bosque, apavorada. Tudo eram estrondos. Parecia que as nuvens se debatiam e desfaziam a queimar a terra.

― Ó Jesus – bradei – eu creio no meio deste pavor. Creio e confio no Vosso perdão! Pedi ao Eterno Pai que afaste a Sua justiça.

Jesus, que tinha fugido, apareceu-me, uniu o Seu Coração para me dar o Seu Sangue e disse-me:

― “Coragem! Repara por todos os crimes. Recebe a gota do meu Sangue Divino. É o sangue que te dá a vida e vai reparar tanto estrago que a dor consumiu. Coragem! Dá a minha vida, dá o meu amor e confia em Mim! Não cesses! Repete o teu “creio”.”

― Creio, Jesus, creio! Sede comigo. Afastai depressa a justiça do meu Pai. Ouvi as minhas humildes preces. Perdoai, perdoai ao mundo!

10 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

Continuo a sentir na minha alma o mesmo tormento e as mesmas lutas contra a fé. Tenho as mesmas garras, os mesmos olhares esgazeados, aquele faminto a chupar todo o meu sangue, a comer todo o meu ser. Se eu pudesse falar e se fosse possível exprimir-me, nunca, nunca se me acabava que dizer. Não posso. Fico na minha agonia dolorosa, silenciosa. Das tentações contra a fé, meu Deus, meu Deus, será possível descrever alguma coisa?!...

No dia da Mãezinha quis recordar o que seria aquele dia no Céu. Não me foi possível. Sem querer, tive de interrogar a mim mesma: mas há Céu? Existe Deus? Logo pedi perdão ao Senhor. Repeti-Lhe o meu “creio” muitas vezes e, apesar da perda de Jesus e da Mãezinha me parecer ser para sempre, não deixei de Lhe dizer muitas vezes:

― Amo-Vos, Jesus! Amo-Vos, Mãezinha! Acreditai na minha mentira, que é mentira verdadeira.

Quantas vezes tenho chorado, quantas vezes tenho chorado, quantas vezes as lágrimas me têm rolado pelas faces! E eu, abandonada de tudo e de todos, sem poder acreditar em coisa alguma, as oferecia aos sacrários, ao Prisioneiro de Amor, como actos de amor. A minha vida não é mais que um sopro de vento que passa pelos ares e vai levar a toda a parte o veneno, a peste, a dor, a morte de toda a podridão.

Assim vivi sobre o horto e o calvário e, quando este sopro tão tremendo baixou ao cimo da montanha, ali repeti o meu “creio”. Muitas vezes me esforcei por viver da fé e da esperança. Veio Jesus, chamou-me:

― “Vem, minha filha, violeta escondida, vem, vem, pequenina, que és grande aos olhos de Deus. Repete o teu “creio”, vive da fé. És violeta escondida, apesar do teu nome, a tua vida já corre mundo além. As verdadeiras grandezas, a minha obra, o meu trabalho divino em ti, só depois da tua morte, e verdadeiramente à luz da eternidade, serão vistos e compreendidos. Tantas maravilhas, tantos prodígios!... Isto com a tua correspondência e fidelidade!... O mundo, o mundo como te está devedor!... E como te está devedor Portugal! Sofre, minha filha, sofre. Repara o meu Divino Coração e o de minha Bendita Mãe. Sê escora sempre firme na qual dia e noite repouse o braço da justiça vingadora, mas tão merecida, de meu Eterno Pai. Coragem, minha filha. O teu Céu está perto. Confia que existe o Céu. Confia no meio dessas trevas indizíveis e inigualáveis sofrimentos. Descansa aqui, e vamos falar das minhas coisas, do meu amor.”

Apareceu um altar. A porta do sacrário estava aberta. As hóstias brancas no cibório. Jesus sentou-se ao lado do altar e fez que dou outro lado eu me sentasse também. Não vi os assentos em que nos sentámos. Jesus sobre o altar colocou a Sua mão e sobre ela a Sua sacrossanta cabeça. Ele fez que eu fizesse o mesmo. A minha mão direita ficou unida à Sua mão esquerda. De dentro do sacrário daquelas hóstias tão brancas saíam raios doirados e mais brilhantes que o sol, passaram por entre nós. Jesus, cheio de doçura, dizia-me:

― “Minha filha, mimo eucarístico, estou ali no sacrário, naquela hóstia pura em corpo, alma e divindade, tal como estou aqui. Confia, minha filha, e esposa querida. Fala ao mundo deste amor. Diz aos homens que se abeirem de Mim. Quero dar-Me a eles, muitas vezes, todos os dias, se for possível. Que venham com os seus corações puros, muito puros e sequiosos. Se vierem ao sacrário nas devidas disposições e rezarem o rosário ou uma parte do rosário, isto é, o terço, todos os dias, nada mais é preciso para que se afaste a justiça de Deus. O rosário, o sacrário e as minhas vítimas, a vítima deste calvário, são o suficiente, para que ao mundo seja dado o perdão e a paz. Quem vem ao sacrário, vive puro. Quem vive à sombra da minha Bendita Mãe, vive da Sua pureza. E assim a humanidade vive a vida nova, pura e santa neste quartinho, tantas vezes por Mim recomendada.”

Desapareceu esta visão e eu fiquei nas trevas, a repetir o meu “creio”. Jesus fez-me sentir que apenas as trevas a tinham feito desaparecer e disse-me:

― “Vem, minha filha. Fica aqui comigo no sacrário. Aqui recebes a gota do meu Divino Sangue. É ela com a Eucaristia que te faz reviver. Não estás só. Aqui ficas na minha hóstia comigo. Comigo te imolo e te dás ao Pai. Coragem! Comunica esta vida às almas. Nada temas. Jesus, Maria estão contigo.”

― Ó Jesus, creio firmemente em Vós. Sou a Vossa vítima, sou a Vossa vítima. Atendei aos meus primeiros pedidos, a todos os meus pedidos. Perdoai ao mundo. Apiedai-Vos de mim. Ai de mim sem Vós!

17 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

A noite da minha alma, as trevas do meu espírito, mergulhada neste universo imenso de trevas. Não tenho vida para esta vida, nem vida para a eternidade. Luto, luto neste sofrimento indizível. Luto sem poder lutar. É indizível o sofrimento do corpo. É inexplicável o sofrimento da alma. Quero agarrar-me, não tenho a quem, mas tenho quem se agarre a mim, à minha alma alguém se agarra. Fico sem vida. Os olhares, os dentes descarnados, as mãos em garras e os cabelos desgrenhados, a alma desfaz-se em fibras de sangue. Oh! Como ela chorava!

As minhas tentações contra a fé continuam. Tive quem me confortasse, mas, oh! a noite e a inutilidade tudo me roubam. Eis-me sozinha nesta dúvida tremenda. Existe Deus, a eternidade, e mais, muito mais… A noite de ontem para hoje, ainda cedo, eu estava num mar de dor e só em espírito dizia:

― Jesus, eu amo-Vos! Sou a Vossa vítima.

De repente, vi o Menino Jesus, sentado no presépio, em palhas de prata. Ele era mais lindo e brilhava mais que o sol. Desapareceu Ele, e apareceu o trono da Santíssima Trindade. Que coisa deslumbrante! Logo ao lado desse trono, apareceu a Mãezinha da Conceição, bela, bela, encantadora! Uma visão fazia desaparecer a outra. Tudo isto tão rápido, tão rápido… Eu senti bem que, se assim não fora, eu perderia a vida. Caí logo no mesmo abismo de trevas, nas mesmas lutas, mas só com a alma mais confortada. Não tive a vida do Horto nem a do Calvário.

― Oh, meu Deus, o que é isto? Nem a vida nem a eternidade! Nem Jesus nem a Mãezinha! Creio, creio firmemente.

Repeti tantas vezes, no cimo da montanha, espetada numa lança, mas tão em prumo que não pendia mais, nem para um nem para o outro lado. Ou Deus ou o demónio; ou eternidade ou nada. Assim ferida, toda em sangue, caí para o lado, em que fui repetindo o meu “creio”, “creio firmemente”. Creio, embora o meu sentimento seja todo mentiroso. Veio Jesus, disse-me:

― “Crê, minha filha, crê, minha esposa amada, crê, flor mimosa do Paraíso. Crê que Eu existo. Crê que estás na verdade! Crê que toda a tua vida é a minha vida. Coragem, coragem! É pouco mais. O teu Céu está perto. O Céu a quem dás almas aos milhares, aos milhões com o teu sofrimento. O mundo exige o teu martírio, inaudito martírio. O mundo, sedento de paixões e de todos os vícios, não ouve a minha voz, não atende à minha voz, voz de Pai, que quer perdoar, voz de pai que ama loucamente, infinitamente. Coragem, minha filha. A tua morte dá vidas. As tuas trevas dão a luz ao mundo. Descansa aqui, junto do meu trono.”

Jesus estava num trono, vestido de rei, de coroa brilhante e o ceptro, pousado ao Seu lado.

― “Sou Rei, minha filha, e hei-de reinar. Minha Mãe é Rainha e reina no Céu e na terra. Satanás com a sua astúcia infernal convida as almas, sedu-las a tudo o que é erro, vício e crime. Elas cedem. Eu sou ofendido. A justiça do meu Pai, desafiada, mas em vão. Fala às almas. Sofre pelas almas. Chama-as. Diz-lhes o remédio para a sua salvação. Satanás será vencido. Coragem! Eu e a minha Bendita Mãe queremos honrar-te, cedendo-te da Nossa realeza, ficando sempre com a mesma realeza. És rainha dos pecadores. Reinarás sobre eles. Felizes os que invocarem, quer estejas na terra ou no Céu.”

Jesus desapareceu. A noite tirou-me tudo. Vagueava em trevas a repetir o meu “creio”. Jesus voltou novamente a dar-me a gota do Seu Divino Sangue. Uniu os nossos corações. Fez que ela passasse. Deu-me sangue, deu-me amor.

― “Vive esta vida, vive neste amor. Dá a minha vida. Distribui o meu amor. Tem coragem, tem coragem!...”

― Ó Jesus, não me falteis, não me falteis, não me deixeis sozinha. Atendei aos meus pedidos, ao meu principal pedido. Perdoai à humanidade.

24 de Dezembro de 1954 – Sexta-feira

Luto com as minhas trevas, com a noite tenebrosa. Luto, luto!... Lutar é o meu viver!... Ai de mim, se o Céu não me acode! A minha vida é uma vida de incerteza, sem fé, confiança e amor. Não posso ver a luz do dia. Tenho de estar o mais possível na escuridão. O corpo assemelha-se à alma. Não têm vida, não têm luz. Que sopro eu sou, mas sopro venenoso e matador. Tenho na alma as garras chupadoras do meu sangue. Para maior tormento, uma serpente grande, muito grande, se enrola, por vezes, num pequenino trono, ou então firmada na extremidade da cauda atira-se de galão, com a língua de fora e boca aberta, de um lado para o outro. Tenta devorar essas garras presas às fibras da minha alma. Elas, apavoradas, mais se agarram e maior tormento me causam.

― Por tudo, Senhor, sejais bendito.

Não posso falar. Tenho de sofrer no meu silêncio. Não tenho horto nem calvário. Passeio no segundo andar superior à terra que me leva às nuvens negras, onde fico mergulhada. Repeti muitas vezes o meu “creio” e dizia:

― Ó Jesus, na incerteza de que Vós existis, eu quero amar-Vos, nunca deixar de amar-Vos. Na incerteza de ir para o inferno condenar-me eternamente, não queria deixar de sofrer e amar-Vos na terra, para suprir aquilo que no inferno não posso fazer, nem sofrer, nem amar. Eu creio, Jesus; valei-me, Mãezinha! Valei-me, meu amor!

Assim, veio Jesus ao meu encontro. Bateu palmas alegremente, como para despertar-me:

― “Minha filha, coragem! Alerta! Tu não perdeste Jesus, nem perdeste a Mãezinha. Antes pelo contrário, mais e mais Os possuíste. Tu não deixaste de Nos amar. A tua vida é de amor, de consolação, de alegria e reparação para os Nossos Divinos Corações. A tua vida é vida da maior reparação para a Majestade Divina. Sofre, sofre esse indizível martírio. As almas, os pecadores de quem és mãe e rainha, assim o exigem. O mundo criminoso, mergulhado nos seus vícios, pertence-te, é teu, salva-o.

A data, o aniversário que comemoro amanhã, marca na tua vida. Não Nos perdeste. Esse dia de tanta dor para ti foi da maior consolação para Nós. Eu virei depressa, depressa, buscar-te para o Paraíso, mas antes virá um êxtase em que hás-de cantar os últimos cânticos na terra. Diz aos teus superiores que estou à espera, à espera, à espera desse dia.”

Era o Coração Divino de Jesus. Enquanto Ele assim me falou, estava ao Seu lado e ao meu lado o Coração Imaculado de Mãezinha, que me cobria de carícias. Dos Seus Corações terníssimos, mas cercados de espinhos, saíam raios luminosos que iam ao encontro uns dos outros, faiscando como nuvens que se chocam. Pelo meio saía o rosário e parecia passar pelo centro dos corações. O meu coração compartilhou de tudo isto.

― Ó Mãezinha, que quer dizer o rosário nos Vossos Corações?

Falou-me a Mãezinha, beijando-me e pegando-me pela mão.

― Fala dele, minha filha. Jesus te pediu e eu te peço também. Pedimos-te o rosário, pedimos-te a Eucaristia, amores dos Nossos Corações. A Eucaristia e o Rosário, os teus sofrimentos com os das outras vítimas, eis os meios por Nós indicados para a salvação da humanidade perdida. Tu és o porta-voz, tu levas ao mundo inteiro os desejos de Jesus e de Maria, o que Eles pedem para o salvar. Sacrário, o rosário, dor sem igual da grande vítima deste calvário, vida nova, vida pura, vida santa. Coragem, coragem, grande heroína! Bem depressa te conduzo pela mão ao Paraíso. Coloca no lugar destes espinhos que temos nos Corações a tua dor, o teu sangue, as flores das tuas virtudes, do teu martírio.”

― Ó Mãezinha, passai para o meu coração esses espinhos todos, para que eu sofra tudo. Colocai Vós nos Vossos o que acabais de me dizer. Estais triste, Jesus, estais triste, Mãezinha, por eu não ter fé, por eu não Vos amar, por eu me impacientar por tão pequeninas coisas?

Disse Jesus, enquanto a Mãezinha me abraçava, depois de me ter dado todos os espinhos:

― “Minha filha, minha filha, minha esposa querida, quem como eu conhece a tua fraqueza?!... Confia!... O Céu assiste-te. Não vacilarás a ponto de Me ofenderes.”

Fiquei sem os dois Amores. Perdi-Os ao mesmo tempo.

― Creio, meu Deus, creio, meu Deus. Espero em Vós.

Depressa veio Jesus, sozinho.

― “Coragem, minha filha! Oh! como esse teu “creio” de tanta dor alegra o céu! Recebe a gota do meu Divino Sangue. Vive a vida que dou à tua alma e ao corpo. Vives de Mim. Vives de Mim. Coragem! Coragem!”

E, assim, fiquei sem Jesus, mas com a alma mais confortada. Fiz-Lhe os meus pedidos, pedi-Lhe para poder encobrir os meus gemidos durante a ceia para conforto dos meus. Assim sucedeu. Fiquei confortada por algumas horas.

― Oh, como Jesus é bom!

31 Dezembro de 1954 – Sexta-feira

O Menino Jesus para mim não nasceu. Não dei conta do Seu nascimento. Só após uns momentos da meia-noite é que me recordei que o fogo que se dava era a comemoração do Seu nascimento. Sofri muito com isso. Foi em grande dor que Lhe fiz os pedidos que desejava fazer.

― Meu Deus, meu Deus, parece que não estou na terra e que a vida sem vida nada me aproveita.

Tive a Santa Missa. Apesar de viver sem fé, pedi à Mãezinha para suprir todas as coisas por mim. Não tenho forças, não posso falar da grande dor, do grande pavor que sinto em minha alma. Limito-me às menos palavras.

Ontem à noite, quando em família rezávamos o terço e as orações da noite, eu sem poder ver a luz encobria os olhos o mais possível. Ao terminar as orações na escuridão, eu vi sair por uma negra muralha uma mão negra muito grossa com alguns metros de comprido. Essa mão veio como que a apanhar a minha alma. Logo ao lado, apareceram umas balanças. Quando as vi, julguei que era o momento de comparecer na presença de Deus. Ia a gritar muito alto com o medo que tive. Contive-me e fiquei calada. A mão sempre a tentar arrancar-me a alma e fazer pesar mais o prato da balança que estava do seu lado. Esta manteve-se equilibrada a prumo e de repente pendeu para uma espécie de uma grande sala cheia de luz, muito asseada. Não era Céu nem era terra. Nela via muitas pessoas à espécie de anjos, mas não eram anjos. Batiam palmas, riam-se, saltavam alegremente. Depressa, tudo desapareceu. Fiz a viagem para o calvário, por esse segundo andar da terra. Sem fé, repeti muitas vezes:

― Creio na vida eterna. Creio, creio, amo-Vos, espero e confio! – ia repetindo numa mentira contínua.

Jesus demorou-se muito. Eu então dizia, recordando a data de há um ano:

― Agora é para sempre, Jesus? Quereis deixar-me com a Mãezinha, para nunca mais, nunca mais Vos ver nem ouvir? Creio, creio, meu amor. Sou a Vossa vítima.

E então Jesus, cheio da Sua bondade, falou-me, deixando-me por algum tempo nas mesmas trevas.

― “Crê, crê, minha filha, que Eu estou contigo no jardim do teu coração. Crê que Me amas, crê na vida eterna que em breve tens para gozar. Vem descansar, repousa aqui no teu Jesus. A tua morte é vida. As tuas trevas são luz, a tua frieza, amor. No Céu, por todos será vista toda a reparação que me deste, todas as almas que salvaste e mais, e mais, muito mais, neste ano que hoje termina e em que te parece teres-Me perdido. Confia: tens Jesus, tens a Mãezinha, tens o Paraíso, tens as almas.”

Eu estava sentada sobre a terra. A cabeça repousava sobre os joelhos de Jesus. Ele falava e a Sua mão divina cobria-me de carícias.

― Ó Jesus, eu não acredito em Vós. Eu não tenho fé e Vós nem ao menos me dais um pouquinho de luz?!

Ele continuou a falar e a fazer brilhar uns raiozinhos de luz.

― “Minha filha, a tua reparação é completa. Tu sem luz fazes luz; sem fé dás a fé. Com esse teu martírio dás às almas a salvação.

A mão negra que viste era a mão de Satanás. Ele queria atemorizar-te. Ele queria a tua alma e as almas que às fibras da tua estão agarradas. Nunca, nunca, confia. As almas que viste em grande júbilo foram salvas pela tua dor. Foi ela que fez pender para o meu lado a balança com as obras dessas almas. Nunca mais são dele. Estavam em lugar de purificação e vão gozar eternamente. O temor que tiveste ao ver as balanças não era o teu modo de compareceres na minha presença. Foi o teu sofrimento que deu a essas almas o temor de bradarem por Mim, de Me pedirem perdão ao serem chamadas ao juízo.

Coragem, coragem, e confia. Muitas coisas se cumpriram este ano. Agora quero concluir a realização das minhas promessas.

Diz a todos os que te amparam e velam pela minha causa, diz ao teu médico o meu obrigado. É assim, e avante sempre, a trabalhar, a defender as obras de Deus, a minha causa. Coragem! Sempre no combate a receber balas que ferem mais do que aquelas que tiram a vida.”

Jesus desapareceu. Desapareceu a luz. Eu fiquei sentada, mas sem equilíbrio.

― Ó meu Deus, ó meu Deus, eu caio! Não tenho amparo. Morro de pavor, desfalecida.

Ele veio novamente, mas eu já estava caída. Levantou-me. Fiquei de joelhos, encostada a Ele.

― “Coragem, filha! Coragem, filha! Vou dar-te o meu Sangue, Sangue de vida, de alimento e de amor. Vou fazê-lo passar com abundância. Coragem! Coragem! Dor, sangue e amor, tudo para o mundo, tudo para as almas que não sabem mais meios, não podem inventar mais meios para Me ofenderem. Não pode haver mais dor para ti, nem ofensas para Mim. Coragem a reparar a justiça a de meu Pai. Coragem! Repete o teu “creio” sem fé. Diz que Me amas, sem amor. Com isso dás-Me toda a consolação e alegria.”

Sem fé, fiquei logo a repeti-lo na ausência de Jesus e a fazer os meus pedidos.

   

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