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Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

SETEMBO 1953

4 de Setembro de 1953 – Primeira Sexta-feira

Quando acabará na terra a minha eternidade? Quando poderei ver e ficar para sempre no céu com o meu Senhor? Sinto que não posso suportar por mais tempo esta dolorosa e tremenda eternidade, este martírio a que Jesus me submeteu. Preciso de partir, preciso de voar até Deus. Tenho medo de vacilar. Receio perder para sempre o meu Senhor. Está sempre em ser a minha vida. Tudo o que eu sofro morre antes de viver e assim temo e tremo da minha revolta contra tudo e contra o céu. Meu Deus, meu Deus, ai de mim se Vos perco, ai de mim se Vos ofendo. Sou capaz de tudo o que é mau. Nenhuma utilidade tenho para Vos servir e amar. Não deixei de oferecer ao Senhor o sacrifício de uns dias de separação da minha irmã. Ofereci-o por várias intenções e fi-lo só por amor, mas tudo se perdeu na inutilidade e na eternidade. Fugi quanto pude. Ontem, do solo do horto não quis aproveitar-me dos seus frutos. Hoje, fiz o mesmo da viagem para o calvário. Via e sentia que me estendiam redes como que a apanhar-me. Eu fugia-lhe o que podia. Não os deixavam tocar-me. No calvário, no alto da cruz, essas redes eram estendidas por alguém para mim. Saíam-me do coração, eram minhas e vinham para mim. Eram redes de fogo e de amor. Assim expirei. Passei pelo silêncio da morte. Pouco depois Jesus fez-me viver com a sua vida e falou-me assim:

― “É terno, muito terno o meu coração. É doce, bem doce o meu amor. Falar dele é dizer tudo. O amor tem de ser correspondido. Todo aquele que ama não ofende a pessoa amada. Eu amo, amo e peço amor. Se Eu for amado, não sou ofendido. Ó minha filha, ó minha filha, em que agonia está o meu Divino Coração. Sofro, sofro, sofro! Coragem, coragem, coragem no teu sofrimento! A tua dor, a tua dor arranca muitas almas das garras de Satanás. A tua dor faz com que Eu seja amado, muito amado por muitos corações. A tua dor acode a muitos, muitos pecadores, prestes a caírem no inferno. Ai o mundo, minha filha, ai o mundo! As almas, as almas correm loucas, tão loucas, para o abismo da perdição. Olha, olha, repara bem como o meu Divino Coração derrama sangue. Feriram-me as lançadas e punhaladas de pecados gravíssimos. Ferem-me a vaidade e desonestidades nas praias, nos cinemas e bailes. Peca-se horrivelmente nos  casinos e casas de vício. Peca-se na família, peca-se em todos os estados. Ai, quanto sofre o meu Divino Coração. Atendei, atendei à voz terníssima do Senhor. Atendei, atendei ao brado amorosíssimo do seu Coração. Vinde a Mim todos os que errastes. Vinde a Mim todos os que estais frios; quero perdoar-vos, quero aquecer-vos. Vinde a Mim, vinde a Mim todos os que estais doentes. Quero curar-vos, quero sarar-vos as vossas almas”.

― Ó Jesus, eu vi o Vosso divino sangue correr. Vi e vejo as chagas do Vosso amorosíssimo Coração. Ele está todo chagado, todo em sangue. Não o quero ver assim, ó amantíssimo Jesus. Vós sois o médico dos médicos, curai-Vos a Vós mesmo. Aceitai as minhas ânsias de Vos dar tudo, sem nada ter que Vos dar. Quero provar-Vos o meu amor e para isso a Vós me entrego e abandono. Fazei de mim o que quiserdes, que eu, pobrezinha, a Vós me abandono.

― “Minha filha, esposa predilecta do meu Divino Coração. As tuas dores, os teus suspiros e gemidos são tudo para Mim. De tudo me sirvo para oferecer ao meu eterno Pai. É urgente afastar a sua justiça, sustentar o seu braço vingador. De tudo me sirvo para bálsamo das minhas feridas das chagas do meu Coração e do da minha bendita Mãe. Vem, vem receber a gota do meu Divino Sangue. Mais uma vez se uniram os nossos corações: o da vítima divina com o da vítima deste calvário. Passou abundante a gota do sangue, a vida de que tu vives. Alimenta-te e dá às almas. Comunica-lhes esta mesma vida. Tenho fome, tenho fome de as possuir. Fala-lhes, fala-lhes muito de Mim. São tuas, são tuas, porque te entreguei a humanidade. Coragem, coragem, farol e luz do mundo. Coragem, mimo e flor eucarística. Dá-te, dá-te sempre pelas almas, pelo mundo. Fica na tua cruz. Tem coragem e confia. É cruz de vitória e de salvação”.

― Ó Jesus, fazei que eu sempre confie e espere em Vós. Não Vos esqueçais dos meus grandes pedidos, de todos os meus pedidos e dos da humanidade inteira. Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. Obrigada, meu Amor.

5 de Setembro de 1953 – Primeiro Sábado

A minha preparação para receber Jesus foi de lágrimas e principiou durante a noite. Foram lágrimas saudosas, mas confortantes. Jesus veio, entrou no meu coração e conservou-se silencioso durante bastante tempo. Ao terminar o seu silêncio, senti-O e vi-O dentro de mim, no meu coração, sentado e com a sua sacrossanta cabeça apoiada nas mãos como quem dorme, mas levantando-se falou-me assim:

― “Inclinado no teu coração, minha filha, dormi nele o sono do amor. Cheguei fatigante, escorraçado de muitos corações criminosos. O que é o mundo!... O que são os pecadores para comigo!... O que é o mundo!... O que são os pecadores, os filhos para com o seu Pai!... O que é o mundo, o que são os sacerdotes, as almas, as almas consagradas a Mim!... Escuta, escuta, esposa querida, estes tristes desabafos do teu esposo, do teu Jesus; escuta, porque vão acabar. Vai ser nesta eternidade dolorosa e aparentemente sem Mim que vais terminar os teus dias neste exílio, neste vale de lágrimas. Suporta tudo, flor mimosa, mimo dos meus sacrários. Esta tremenda eternidade, mas só temporária, para que muitas, muitas almas, milhares, milhões de almas não tenham que suportá-la eternamente. A tua generosidade levou-te a aceitar tudo e Eu de todos os meios me sirvo para que os meus filhos não se percam para sempre, para sempre. Avante, avante, heroína, heroína forte, heroína incomparável. Avante, avante, está pertinho o Céu. Tem coragem, tem coragem. Deixa-te crucificar. Confia em Mim. Eu não consentirei, não consentirei, não consentirei que os homens ultrapassem os seus limites, aqueles limites por Mim marcados. Já basta, já basta de veneno e ódio à minha divina causa. Basta, basta de irem contra a minha vontade. Quantas coisas se fizeram que muito me entristeceram… E o veneno continua ainda. Não querem a luz, não querem a luz. Mas ah! Que contas, horríveis contas, que tremendas contas, por Mim lhes serão pedidas.

Diz ao teu Paizinho, diz, minha filha, ao teu Paizinho, aquele que Eu escolhi, sim, que Eu escolhi para a tua alma, que Eu preparo sempre os caminhos e tudo hei-de guiar ainda mesmo contra a vontade dos homens. Diz-lhe que tenho sempre presente, que toda a sua vida dolorosa foi pedida por Mim para a reparação do meu Divino Coração. Dá-lhe ternura, carinho e amor, toda a abundância do meu amor. Diz ao teu médico que Jesus, a Força, a Verdade, o Poder Supremo está com ele. Diz-lhe que ele não desce, mas sobe, sobe para as grandezas celestes, mais, mais para Mim. Dá-lhe amor. Deposita nele todo o amor do meu Coração Divino, do meu Coração de Pai. Diz-lhe que é para ele e para os dele e será sempre a fortaleza deste amor a luz do meu fogo divino que o fortalece e para tudo o ilumina. O Céu, o Céu, todo o Céu está com ele. Coragem, coragem e confiança.

Vem, minha bendita Mãe, vem ó Mãe das Dores, vem confortar a vítima das dores, vem confortar a vítima deste calvário”.

― Ó Mãezinha, o Vosso manto, as Vossa setas, o Vosso semblante entristeceram o meu coração. Tudo me faz transparecer luto, tristeza, tristeza e dor. Passai tudo para mim, Mãezinha, e ficai contente, ficai alegre com o Vosso e meu Jesus.

― “Filhinha, filhinha, minha amada filhinha, aceita as minhas carícias e o acalentar dos meus lábios. Aceita os meus beijos e mimos de Mãe. São beijos e mimos celestes. Tem coragem, tem coragem! Bem depressa venho ao teu encontro a levar-te para o Céu. Dá tudo a Jesus. De quanto mais longe o sentires mais presente Ele está em ti. Os nossos Corações estão tristes com o incêndio de vícios do mundo. És tu que alegras, és tu que consolas os nossos dois corações. Recebe, recebe deles todo o amor, todo o amor, todo o amor. Recebe, recebe deles todas as riquezas, todos os tesouros, toda a paz e conforto. Vai distribuir, tu, que és a mensageira do Céu, tu que és a portadora de tudo, de tudo quanto se pode dar às almas. Distribui por todos os que se abeiraram de ti e deixa-os, deixa-os, ou melhor, como deseja Jesus, deseja Maria”.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, obrigada, muito obrigada. O meu coração está quente, está a ferver. Está forte e tem mais luz. Obrigada, obrigada. Não Vos esqueçais dos meus pedidos.

― “Vai, minha filha, vai em paz. Nada temas, nada temas. Acode ao mundo, acode às almas. Convida-as ao arrependimento, à emenda de vida. Convida-as à oração e à penitência para que se afaste a justiça de Jesus. Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Sede a minha força. Sede a força de todos os que me amparam e dos que me rodeiam. Obrigada, obrigada.

11 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

Dor sobre dor, tormento sobre tormento, assim vai sendo a minha vida que não parece passar nada mais do que uma morte contínua. Ai, meu Deus, ai, meu Deus, que tremenda é esta morte, que pavorosa a minha eternidade. Passei o dia da Natividade da Mãezinha sem receber o meu Jesus, por o Sr. Abade não estar cá. Sofri muito, custou-me imenso. Pensei muito o que seria o Céu nesse dia, como todos os bem-aventurados haviam de louvar, amar e bendizer a sua Celeste Rainha. Porém a data de 19 anos em que Jesus me pediu pela segunda vez todo o meu corpo para ser crucificado e eu num impulso de alma não pude abafar por mais tempo, fui obrigada a comunicar tudo ao meu pai espiritual, fez-me sofrer indizivelmente, recordando quase em todos os momentos toda a dor que daqui nasceu. E esta dor roubada pela inutilidade mais uma vez roubou-me toda a alegria que eu poderia sentir, com o pensamento no Céu, com a alma unida a todos aqueles que em uníssono festejavam a Mãe de Deus e, apesar de eu ser a criatura mais indigna, é a minha tão querida Mãezinha. Por tudo seja louvado o meu Senhor. Eu com a Sua graça sou e serei sempre a Sua vítima. O meu Horto de ontem, o meu calvário de hoje foi e será inútil para mim. Perdi todos os seus méritos, perdi o Céu para sempre, nunca mais verei a Deus, sou uma revoltosa contra Ele. Subi ao cima da montanha, como que desesperada, blasfemando com línguas de fogo contra o Senhor e contra os autores dos meus dias. Que horror e que pavor, meu Senhor! Eu não tenho forças para mais desabafar e a minha ignorância nada mais me deixa saber exprimir.

No alto do calvário passei aquelas horas atirando para Jesus, que estava na cruz crucificado, contínuos punhais que iam atravessar o seu Divino Coração. Atirava-os com ódio e rancor e não sei como estes mesmos punhais vinham cravar-se no meu. Assim feridos, expirámos os dois, Jesus e eu. Ele na cruz e eu sobre o solo do calvário. Pouco depois, Ele cheio de vida fez-me viver, cheio de luz iluminou-me e falou-me assim:

― “Longe do Céu, longe de Jesus está todo aquele que está longe do sacrário. Eu quero almas, muitas almas verdadeiramente eucarísticas. O sacrário, o sacrário, ou se fosse bem compreendido o sacrário! O sacrário é a vida, o sacrário é o amor, o sacrário é a alegria e a paz. O sacrário é lugar de dor, é lugar de afronta, é lugar de sofrimento. O sacrário é desprezado. O Jesus do sacrário não é compreendido. Do sacrário vivem algumas das minhas vítimas, das minas esposas escolhidas. O sacrário não é compreendido, não, não, minha filha. E como há-de ser compreendida a tua vida? Coragem, coragem e avante. Pobres daqueles que não querem conhecer e amar o Senhor do sacrário. Pobres daqueles que não querem ver com aquela luz que produz o sacrário. Vives de Mim e para Mim. Vives de Mim e para as almas. Coragem e confiança, esposa querida. A tua vida é rica, cheia de prodígios do Senhor. Há-de triunfar, há-de triunfar, há-de triunfar!”

― Ó Jesus, ó Jesus, ó Jesus, ó meu Amor, a minha alma vê, a minha alma vê o Vosso Divino Coração feito sacrário. Estão abertas as portas de par em par. Os raios, as chamas devoradoras que dele saem vêm ao meu encontro. Queimai-me, Jesus, queimai-me. Consumi-me. Fazei-me desaparecer em Vós. Fazei, fazei, Senhor, que todas as almas se abeirem e vivam do sacrário, sempre e só do sacrário.

― “Repara, repara, minha esposa querida, no teu Esposo Eucarístico, no Prisioneiro do Amor. Eu quero almas eucarísticas, mas verdadeiramente eucarísticas e não almas que profanam e ultrajam o meu Divino Coração. Fala, fala às almas. É esta a tua missão. Foste criada para elas. Fala-lhes do meu Amor Eucarístico e convida-as a virem a Mim. Fala ao mundo, fala ao mundo que é teu. Entreguei-to para o salvares. Fala-lhes, fala-lhes, minha filha, neste pouco tempo que te resta de vida na terra. Toda a tua vida lhe fala e comunica o meu Amor. Dou-me ao mundo, dou-me aos pecadores e dou-me por ti. Tu és o canal por onde ele recebe as minhas graças e o meu perdão”.

― Ó Jesus, Vós sois tudo e eu sou nada. Vós sois a fortaleza e eu nada posso sem Vós. Sede comigo, Jesus, para que eu desempenhe como quereis a minha missão tão dolorosa e tão difícil. Espero tudo de Vós e nada de mim, meu Amor. Vem, flor eucarística, luz e farol da humanidade, vem, vem receber a gota do meu divino sangue. Os nossos corações uniram-se, calcaram-se nas mesmas cadeias de amor. Ficaram os dois num só. A gotinha do sangue passou. Passou forte, forte e levou todo o amor que em Mim se encerra. A dor consome a tua vida. O meu Sangue divino, o meu amor, a eucaristia dá-te nova vida. Fortalece-te para a dor. Fortalece-te para te dares por Mim, fortalece-te para a vitória, para o triunfo. Em breve, muito em breve cantarás para sempre as glórias do teu Jesus. Em breve, muito em breve desempenhas a tua missão junto da Majestade Divina. Fica na tua cruz. Fica no teu martírio. Deixa-te, deixa-te imolar noite e dia. Jesus com a tua Mãezinha querida está contigo. Jesus com todo o céu te assiste”.

Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus; sempre o meu eterno obrigada. Não Vos esqueçais de todos os meus pedidos, de todos, todos. Neles entra a humanidade inteira. Não posso esquecê-la; ai, não posso deixar de orar e sofrer, nem por uma só alma. Quero sofrer, quero sofrer para conseguir salvá-las.

― “Coragem, coragem, minha filha, vai em paz”.

― Obrigada, obrigada, Jesus.

18 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

Está no mesmo sítio a minha eternidade. O tempo passou, mas ela mantém-se sempre no seu princípio. O tempo passou e como passou ele, meu Senhor? Na tibieza, na indiferença, na inutilidade e no pecado, na maior onda, no maior incêndio de toda a espécie de vícios e de maldades. Só essas aparecem e triunfam, só disto estou cheia. Do que é bom, do amor de Jesus, é um vazio que nunca poderá encher-se. Não tenho nada, nada, mesmo nada. Como é doloroso o martírio de ser útil para o pecado e inútil para a virtude e todo o bem. Do meu desfalecimento, desta dor, deste tormento pavoroso, nascem violentas tentações contra a fé. Eu não quero, não lhe dou lugar, mas momentos há em que me parece que nada adianta o sofrer, que depois desta vida tudo acaba. Ó meu Deus, ó meu Deus, vinde em meu auxílio, vinde depressa socorrer-me. Eu creio, eu creio que Vós existis e sois digno de todo o amor e de toda a dor. Como pode existir a eternidade sem Deus? Eu vivo, eu vivo a minha eternidade e de tal forma a vivo que a vivi ontem no Horto e hoje no Calvário. Não sei como possa ser; estava no Horto, revoltosa, a desprezá-lo, a odiá-lo e com os pés no inferno. E hoje com os mesmos sentimentos subi a ladeira do Calvário. E, no cimo da montanha, sem me unir à cruz e me aproveitar dos seus frutos, era a mesma odienta, revoltosa blasfemadora e todo o meu ser mergulhado no inferno deitava veneno e faiscava fogo por todos os sentidos. A chaga do Coração do meu Jesus jorrava sangue com toda a abundância. A Sua dor passava pelo meu coração e para mim era insuportável, era infinita. Da Sua sacrossanta cabeça, dos duros espinhos que a atravessavam caíam gotas de sangue como grossa e abundantes gotas de chuva. Quanto sofria o meu Jesus e quanto me fazia sofrer com Ele. Apesar de mergulhada no inferno, via o que Ele sofria e sentia a Sua dor. Ele expirou e a minha alma, no momento em que Ele abriu os olhos e entregou ao Pai o seu espírito, pareceu deixar o meu corpo, deixando-me morta, totalmente morta. Pouco tempo demorou a vir a mim a verdadeira vida. Jesus deu entrada no meu coração e falou-me assim:

― “A dor é o fogo que aquece, a dor é o sol que brilha. A dor é a vida, é o enlevo da alma para Jesus. a dor é a vida, a dor é a salvação. Coragem, coragem, minha filha. A dor ressuscita as almas para Jesus e salva-as. A dor tem todo o poder; a dor, a dor é salvadora. Toda a alma que sofre com amor vive unida ao seu Deus. A dor, a dor tem encerrados nela os segredos, todos os segredos do Senhor. A dor, a dor, como é poderosa e não é compreendida! Por não ser compreendida, maior, maior, maior é o seu valor. Sofre, vítima querida, sofre, esposa predilecta de Jesus, sofre, porque o mundo desvairado, o mundo perdido necessita do teu sofrimento, do teu prolongado martírio. Minha filha, ó florinha eucarística a tua vida, toda a tua vida é misteriosa. Tu sofres a eternidade das almas. Passas por tudo aquilo que as condena ao inferno. Vives a eternidade horrorosa, para que vivam elas a eternidade de gozo. Estou triste, sim, estou triste, muito triste, minha filha. O meu Divino Coração sangra e sofre infinitamente. Que mundo, que mundo de pecado! Que mundo, que mundo, que horroroso mundo de vícios! O meu Divino Coração sofre através do teu coração. O meu Divino Coração ama através do teu amor. Amo Eu, e amas tu. Tu amas com o meu amor. Tu dás-te por meu amor. Tu gastas-te, consomes-te pelo meu amor e pelas almas. Tu sofres e Eu sofro em ti. Porque sofro? Porque amo? Porque dei a vida, só para dar vidas, só para dar vidas. Sofro em ti, sem sofrer. Sou em ti a tua força. Tu sofres para que Eu não sofra. Tu amas para que Eu mais e mais seja amado. Toda a dor fica no teu coração e a consolação e alegria vão para o meu”.

― Está bem, está certo, Jesus. Com isso estou contente. Sofrer o meu coração, para que não sofra o Vosso são os meus desejos. Amar-Vos e consolar-Vos são as minhas ânsias. Gastar-me por Vós, fazer tudo e tudo sofrer por Vós, sem um momento se perder, meu Jesus. Não tenho, não, não tenho outra ansiedade. Perdoai-me, meu Amor, tanto desfalecimento, tanto, tanto. Meu Jesus. Fazei que toda a minha vida seja perfeita, tanto quanto Vós o desejais.

― “Ó farol, ó sol brilhante, ó continuadora da obra de Jesus na terra. É perfeita a tua missão e com toda a perfeição a desempenhas. O céu aberto e tão pertinho para receber-te. O céu aberto e sempre aberto para dele fazeres cair chuva abundante e torrencial de graças. O céu aberto para a tua sublime missão, para a tua nobilíssima missão, espera-te, espera-te, espera-te. Coragem! Coragem! Um pouco mais e vem receber a gota do meu Divino Sangue. Os dois corações uniram-se bem unidos e ficaram num só coração. Passou forte a gota de sangue, a vida de que tu vives. Passou abundante o teu alimento divino. Fica na tua cruz. Dá-me o fruto da tua cruz. Tem coragem! Tem coragem! Pouco falta! Confia em Mim! Acode ao mundo. Fala às almas! Fala às almas! Salva-as, salva-as! Coragem! Coragem! Convida-as à oração, à penitência, à entrada no meu Divino Coração”.

 ―Obrigada, obrigada, meu Jesus. Não Vos esqueçais dos meus pedidos, todos, todos, meu Jesus.

25 de Setembro de 1953 – Sexta-feira

É eterna a minha dor. Sinto que ela é eterna e sinto que não sou capaz de poder suportá-la sem blasfemar eternamente a Deus. Parece que até mesmo no inferno eu hei-de pecar e ofendê-Lo. Que ódio, que rancor contra o seu Criador. Sinto como que se estivesse a escarrá-lo e a crucificá-lo. Ai, quanto sofre o meu pobre corpo e alma! Parece que sofro sem esperança e sem nenhuma confiança em Deus. Ai, ai, todo o meu ser é esmagado não sei por quem; todo o meu ser desfaz e banha a terra em sangue. Não tem fim a minha eternidade, não tem fim a minha dor. De toda a parte me vêm as mais tremendas humilhações. E a minha eternidade existe sem princípio e sem fim. Tenho de ocultar a minha dor, sofrendo em silêncio e sem desabafo. Nos momentos mais angustiosos, eu digo à querida Mãezinha do Céu: mostrai que sois minha mãe que eu provarei ser Vossa filha. Atiro-me para o Vossa santíssimo coração, por ele quero ir para o de Jesus e ficar nos dois ao mesmo tempo. A angústia continua; a inutilidade tudo rouba e tudo em si absolve. Ó meu Deus, velai por mim; é por Vós o meu viver, é o Vosso amor, são as almas que me prendem. O Horto e o Calvário são um sofrimento inútil e sempre eterno. É pavoroso, pavoroso, é sofrimento que não se exprime. Hoje, na subida para a montanha, o meu coração foi arrastado por cordas, mas a arder em amor. Ia como cordeirinho inocente e mudo. Mas eu fugi, afastei-me, não quis tocar no sangue que Ele derramava, nem incendiar-me nem inebriar-me no amor que O consumia. Era e não era meu este coração; e todo o meu ser mergulhado em trevas, na noite mais tenebrosa, estava possuidor e mergulhado nas maiores maldades. Que tristeza, meu Jesus, e que dor infinita! O coração que não era meu, os olhos que não eram meus, desfaziam-se em dor e em lágrimas. Não podia respirar de tristeza, dor e cansaço. Que desalento, meu Deus, que desalento o da minha alma. No cimo do calvário, deparei com Jesus na cruz crucificado. Continuei a crucificá-lo e na mesma eternidade a odiá-lo e a contra Ele blasfemar. Não tive para o Seu Divino Coração um momento de amor. Nestes rancores ele expirou e eu sem expirar senti como que a separação da alma e do corpo. Prolongou-se por bastante tempo este estado, esta separação. Jesus veio, entrou no meu coração. Trazia consigo o sol que me aqueceu e me iluminou e fez reviver, falando-me assim:

― “Baixou à terra o Rei e Senhor do Paraíso. Veio entrar no coração da sua esposa, da sua vítima querida. Estou aqui, estou aqui, esposa amada. Sou o perseguido, sou o crucificado, sou o abandonado dos sacrários. Coragem, coragem, esposa minha. Perseguem-me a mim, odeiam-me a mim, crucificam-me a mim. Coragem, coragem, filha querida. Quem te persegue, quem te odeia, quem te calunia, são os inimigos de Deus, são os inimigos da minha Igreja. Coragem, coragem! Em breve, muito em breve, terminam os meus colóquios falados, a não ser de longe em longe, quando preciso for. Esperei, esperei, esperei muito. Pouco mais vou esperar. Os meus colóquios, já o disse, volto a dizê-lo, não são para ti, são para as almas. Esperei para que se estudasse, esperei para que se fizesse luz. Haja luz, haja luz, haja luz, faça-se luz, aquela luz que é dos homens e não de Deus, que pertence aos homens e não a Deus. A tua vida, a tua vida, minha filha tão caluniada, tão mal compreendida e perseguida, é a semelhança, a cópia mais fiel de Jesus. São as almas, são as almas, esposa amada, são as almas, são os pecadores a causa do teu tão doloroso e inigualável martírio. Alerta, alerta, almas que arrefecestes e vos afastastes de mim. Quero-vos, quero-vos de novo no meu Divino Coração. Estou sequioso. Tenho sede, tenho fome. Sede ardente, fome devoradora. Sá as almas, o mundo inteiro, o mundo inteiro, me pode satisfazer. Acode-lhe, acode-lhe, acode-lhe, missionária de Jesus, porta-voz de Jesus, farol e luz de toda a humanidade. Fala às almas. Fala às almas. Para elas te criei. És a sua mãe. Alimenta-as com o meu amor e com as graças que de Mim recebes. Aceita, aceita o meu Divino Coração. Deixa-o ficar dentro do teu. É rico, infinitamente rico. Ficas rica, infinitamente rica. Dá tudo, distribui tudo. Enriquece as almas empobrecidas”.

― Ó Jesus, abraço o Vosso Divino Coração amorosíssimo com toda a força e amor possíveis do meu pobre coração. Abraço as Vossa riquezas e o Vosso amor e neste abraço profundo e tão íntimo eu meto a humanidade inteira, para que toda principie desde já a ser por Vós enriquecida. Eu não sou digna do Vosso amor. Eu não digna de Vos possuir, mas, já que tanto me tendes beneficiado, ó Jesus, fazei que eu sempre Vos seja fiel e saiba compreender o Vosso amor. Sou muito ingrata, Jesus. Não Vos amo. Digo-Vos que tudo aceito, mas ai, quando pesa, pesa, desfaleço, desfaleço e caio. Morta assim, quanto sou fraca, pequenina. Perdoai-me, perdoai-me.

― “És forte, forte, muito forte. Eu to afirmo. Tens a minha graça e fortaleza. Tens tudo, tudo o que é meu. Confia, confia! O teu martírio tem reparado e continua a reparar a justiça do meu Pai. Ai do mundo, o que seria do mundo, se assim não sofresses! O teu martírio tem consolado o meu Divino Coração e o Coração Imaculado da minha bendita Mãe. Tem coragem! Tem coragem! Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Passou, passou a gota divina, o alimento de que tu vives. É a eucaristia e a gota deste sangue que te alimentam e te fazem viver. Coragem, coragem! Quanto maiores são as graças e as maravilhas de Jesus produzidas nas almas, mais perseguidas e menos compreendidas elas são. Coragem! Fica na tua cruz, na tua dolorosa cruz. Nela crucificada, nela a sangrar, convida o mundo à oração, à penitência. Coragem! Coragem! Vai em paz!”

― Obrigada, Jesus, obrigada, meu querido amor. Não me abandoneis e lembrai-Vos neste momento de todas as minhas intenções e do mundo inteiro.

   

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