2 de Janeiro – Sexta-feira
Vida nova, vida
nova, é o brado da minha alma e do meu coração, no princípio deste novo ano. O
que faz este brado tão repetente? São os sentimentos tristes, dolorosos e
profundos. O passado desapareceu como se nunca existisse. E eu, louca de dor,
estou de mãos vazias. Nada tive e nada tenho para oferecer ao Senhor. Tudo em
mim é um mundo de misérias, de horrorosos crimes e vinganças contra o Céu. é
pavoroso o meu estado de alma. Ano Novo, vida nova. São tantos e tão variados os
meus propósitos! São tantas e tão profundas as minhas ânsias de perfeição e de
amor a Jesus! Mas as horas e os dias vão passando, e eu, na minha pobreza e
miséria extrema, sem nada amontoar, sem nada ver nem sentir, a que possa chamar
alguma coisa. O passado foi morte, o presente é morte e de morte se me mostra o
futuro. A inutilidade, a inutilidade! Meu Deus, só Vós sabeis quanto ela custa.
Ela é a senhora de todos os meus actos, obras e desejos; ela rouba-me tudo
quanto há de bom, sem ao menos por um momento me deixar saborear o seu delicioso
sabor. Rouba-me tudo o que é bom, sem me deixar contemplá-lo e saber que ele
existe; deixa-me tudo o que é mau, faz-me responsável de todo o mal, deixa-me na
tristeza, na amargura, na noite tremenda e na tremenda morte. Bendito seja o
Senhor! Eu vejo e abraço a cruz que Ele me dá, curvo-me reverente à Sua divina
mão benfazeja e vou repetindo muitas vezes: obrigada, obrigada, meu Jesus, eu
sou a Vossa vítima; dai-me mais, sempre mais, quanto Vos aprouver. Eu não sei
viver sem sofrer. Sofrer e amar, amar e sofrer, seja a minha vida, se assim o
quereis, mas dai-me a Vossa graça e a Vossa força. A vontade está pronta. A
natureza é fraca e apavora-se, mas sempre beija, beija a mão benfazeja do meu
Criador. Estou louca, louca de dor. Parece que tenho asas e estão enterradas no
lodo e na lama. Quero batê-las, desprendê-las, para voar para Deus e para as
Suas coisas e não posso: nada vale o meu esforço. Toda me orgulho no lodaçal do
mundo, na sua podridão nojenta. E mais ainda, mesmo assim mergulhada, estou
presa, toda presa com fortes cadeias de vícios, sem poder fazer o mínimo esforço
para o bem. Faça-se, faça-se, Senhor, a Vossa vontade; o que eu quero é
amar-Vos, o que eu quero é o Vosso amor. Porque me amais e eu Vos desejo amar,
deixo que o meu coração sangre e a minha alma agonize. Os dias de festa são os
dias de maior tormento. Quanto maior alegria no mundo, mais dor e agonia, maior
tormento e calvário para mim. Sou feliz, porque sofro; sou feliz, porque o
Senhor se inclina para mim. Ontem, passei o dia a sentir sempre no coração com
que uma lança atravessada. Causava-me uma dor infinita e sentia uma tristeza
profunda.
Era já de noite, e
pareceu-me descer de uma torre tão alta que chegava ao Céu e vinha envolver-me
em toda a terra. Manchei-me nela e fiquei prostrada no solo duro do horto, a
sentir os tormentos de Jesus. A noite já foi um calvário para o meu corpo e,
ainda não tinha rompido o dia, já a minha alma agonizava, tremia de pavor. O
calvário estava à minha frente. Não resistia à dor, se Jesus por mim não
velasse. Senti-O e vi-O com os olhos da alma vir para junto do meu leito com o
Seu Divino coração a arder em grandes chamas e a ferver como uma panela de água
sobre o lume. Tomou-me para o Seu regaço, deitou-me nos Seus braços, envolveu-me
nas Suas chamas e fez que eu fervesse naquela fervura do Seu Divino coração.
Estive assim algum tempo, e desapareceu sem nada me dizer. Fiquei mais forte
para seguir o Calvário. A inutilidade tirou-me tudo. Andei por longe, muito
longe, tornando inútil todo o meu viver e fui encontrar-me no cimo do Calvário
com Jesus crucificado. Estava Ele para expirar, quando a Ele me uni e senti a
Sua agonia. Depois de com Ele bradar e antes de Ele entregar ao Pai o seu
espírito, senti como se Ele se desprendesse de toda a terra manchada e o Seu
espírito voasse para o Pai, para viver só a Sua mesma vida. Fiquei como morta,
por alguns momentos, mas Jesus não demorou a fazer-me viver novamente e falou-me
assim:
— “Glória, glória
ao Senhor! Escutai, escutai quem fala. É Jesus. Atendei, atendei bem ao que Ele
vai pedir. Venho pedir a pureza e o amor dos vossos corações. Venho pedir a
pureza e o amor dos vossos corações. Venho pedir-vos uma vida perfeita, no
cumprimento do vosso dever para com o vosso Criador. Venho pedir, atendei,
filhos meus. Quero o amor dos vossos corações, quero a pureza da vossa vida.
Fazei, fazei que Eu seja amado. Fazei, fazei que todos os homens sejam puros,
que todos os corações me amem e sirvam fielmente. Minha filha, minha filha,
aceita os agradecimentos do teu Jesus. Muito te pedi, muito me deste. Pedi-te
muito para Mim, muito te pedi para as almas. O que te pedi para Mim foi por amor
das almas: são filhas do Meu sangue, são filhas do Meu calvário, são filhas do
Meu calvário, são filhas da Minha vida. Agora, filha minha, esposa do Meu
coração, mais te peço, mais te peço. O teu calvário não diminui. O teu calvário
será cada vez mais doloroso, até terminar a tua existência aqui. A dor atingiu o
seu auge, mas a tua sensibilidade mais há-de sofrer. São meios de que Eu Me
sirvo para a salvação do mundo”.
— Ó Jesus, não
tendes que agradecer a esta miserável filhinha. Sofri muito. Não fui eu, Jesus,
fostes Vós no meu corpo. Só Vós fostes a minha força. Dei-Vos muito, meu Amor?
Não Vos dei nada do que era meu: dei-Vos o que era Vosso. Sou eu, Jesus, sou eu
a agradecer. O meu eterno “obrigada”, Jesus. O que tinha eu feito, meu Amor, o
que tinha eu sofrido sem a Vossa graça, sem a Vossa força? Obrigada, obrigada,
Jesus, obrigada. Senhor, o meu eterno “obrigada”. Estendo as minhas mãos para
aceitar o aumento da minha cruz. (Estendeu as mãos). Eu temo, Senhor, a minha
natureza apavora-se, mas a vontade, a vontade está forte; levanta-se,
levanta-se, vai ao Vosso encontro. O que quereis que eu faça, Jesus? Sou a Vossa
vítima. Abraço, estreito ao meu coração tudo quanto Vos aprouver dar-me.
— “Encontrei neste
calvário as minhas delícias. Encontrei neste coração o encanto dos meus divinos
olhos. Encontrei neste coração, nesta vítima por Mim escolhida tudo quanto podia
encontrar para o bem das almas, para a reparação do Meu eterno Pai. É deste
Calvário que sai a fortaleza, a fortaleza que sustenta o braço da justiça do
Senhor. É deste Calvário que sai a graça para milhões, milhões de almas. O mundo
não te conhece!... Que dor a Minha, Minha filha!... Se o mundo te conhecesse!...
Se os corações te amassem, eram mais gratos para contigo. Amavam-Me e eram mais
gratos para com Jesus. Amavam-te, porque sofres por eles, amavam-te, porque te
escolhi para continuares a obra da salvação.”
— Ó Jesus, ó Jesus,
eu não me importo da ingratidão dos homens para comigo. Eu não me importo, não,
que eles sejam gratos para mim. O que eu quero, Jesus, é que Vós sejais amado e
que todos sejam gratos ao Vosso Divino Coração, ao Vosso Divino Amor. O que eu
queria era ser desconhecida aos olhos do mundo, viver escondida, sofrer
escondida só por Vosso amor e por amor às almas. São os meus desejos, são os
meus desejos.
— “Minha filha, tem
confiança. Vives conforme a vontade do teu Esposo, do teu Jesus. Bastam os teus
desejos e as tuas ânsias de viveres escondida. Nesta hora gravíssima, em que
está o mundo, nestes momentos de tanta perdição, é necessário a luz deste
calvário a iluminar. São necessários, são urgentes todos estes sofrimentos. O
mundo está louco, oh! as almas perdem-se! Ilumina-as, ilumina-as! Dá luz ao
mundo, ilumina as almas. A luz que possuis é a luz do sol. A vida que vives é
vida do Senhor, é vida de Cristo! Faz que as almas, que te rodeiam, que vêm
junto de ti, vivam esta mesma vida. Coragem, coragem! Avante sempre, florinha
eucarística! Avante, avante, avante, avante sempre, louquinha das almas,
louquinha de Jesus. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Oh maravilha, oh
maravilha! Os anjos, os anjos formaram trono, os anjos, os anjos cantam seus
hinos: glória, glória, glória ao Senhor por tão grande maravilha. Glória, glória
ao seu Deus por tão grande prodígio. Uniram-se os dois corações num só coração:
o Coração do Esposo ao coração da Sua esposa. A gotinha do sangue passou.
Levou-te nova vida, nova força para novas dores. Coragem! Coragem! Dá tudo ao
teu Deus, dá tudo ao teu Senhor! Vives só de Mim. Vives para salvares as almas.
Vives para iluminares o mundo. Fica na cruz, fica na cruz. Coragem e confiança!”
— Fico na cruz, mas
não quero que Vos separeis de mim. Sede a minha força. Fico na cruz, mas não
quero a Vossa ausência sem Vos lembrar todas as intenções, todas, Jesus. Sabeis
por onde principio… Vou acabar na humanidade inteira. Quero que a socorrais.
Valei-lhe, valei-lhe, Jesus.
— “Vai em paz, vai
em paz. Jesus atende, Jesus nada te nega. Confia! Tem coragem!”
— Obrigada,
obrigada, Jesus!
3 de Janeiro – Primeiro Sábado
— “Minha filha,
minha filha, o Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo cobre-te com a Sua
sombra e enche-te da Sua graça. Instrui-te com a Sua ciência e sabedoria. O
Senhor é contigo, sim, minha filha, o Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo
ilustra-te com a Sua ilustração. Fala nos teus lábios. Ilumina todo o teu
espírito. Confia, confia, esposa minha. O Senhor é contigo, sempre contigo. O
Senhor está contigo e vem dizer-te mais uma vez um muito obrigado. Sofreste
muito, sofreste tudo o que te foi pelo Senhor enviado. Obrigado, muito obrigado.
As almas aproveitaram, as almas enriqueceram-se com os teus sofrimentos. O
mundo, o mundo foi feliz, feliz, feliz com este calvário”.
— Ó meu Jesus, meu
Jesus, confunde-se, envergonha-me o Vosso “obrigado”. Sou eu, sou eu que tenho a
agradecer-Vos. Não esqueçais, meu Jesus, que o meu obrigado é eterno. Ai de mim,
sem Vós; ai de mim, sem a Vossa graça e força. Apiedai-Vos de mim, Jesus. Fazei
que eu saiba sofrer. Pobre de mim! De nada me aproveitei.
— “Nada tens, minha
filha, para maior martírio. Nada tens, tudo tens. Apenas sentes que nada tens.
Foi o mundo, foram as almas a aproveitarem-se do teu martírio, mas a tua glória,
grande glória, ditosa glória está preparada. Tudo está escrito no livro eterno.
Não esqueças, minha filha, que muito vais sofrer, mas o Senhor está em ti e ao
teu lado. Muito vais sofrer, mas este ano será também um ano de graças, um ano
de luz, um ano de paz e de muita realização das promessas do Senhor. Diz ao teu
Paizinho um “obrigado” do Senhor, um “obrigado” do seu Deus. Diz-lhe que é a
estrela polar, vinda do Céu que tudo ilumina, tudo irradia. Diz-lhe que os que
são do Senhor triunfam com o Senhor. Diz-lhe que os que vivem para Jesus vivem a
vida de Jesus. Diz-lhe que os que se humilham por Jesus e pelas almas com Jesus
triunfam, com Jesus são exaltados. Dá-lhe, no princípio deste novo ano, o meu
“obrigado” com toda a minha paz, com todas as minhas graças, toda a abundância
do meu amor com a certeza que ele é meu e será contado eternamente no número dos
meus santos. Dá, minha filha, ao teu médico, dá com toda a clareza os parabéns
de Jesus, o “obrigado” de Jesus. Diz-lhe, diz-lhe, minha filha, que Eu o amo
louca e apaixonadamente, com os seus entes queridos, com os pedaços da sua alma
e do seu coração. Diz-lhe que o amo loucamente e ao seu jardim florido. Diz-lhe
que Eu quero que ele faça que se realizem as promessas do Senhor a respeito da
minha causa, da causa maior, da causa que mais respeito diz à pobre humanidade.
Mãos à obra, a actuar com os homens. Eu quero que haja clareza. Eu quero as
coisas no seu lugar. Eu sou o Senhor; pedirei rigorosas contas àqueles que
impedem que a causa triunfe, com todo o seu brilho, que lhe põem estorvos, que a
querem cobrir com negros véus. Ela há-de brilhar, ela há-de triunfar, para
glória de Deus e para bem das almas. Coragem, coragem, todos! Dá, dá ao teu
médico a abundância das minhas graças e a certeza de que o Céu é dele, e que
velo por todos os que lhe pertencem, por todos os que ele ama. Dá, minha filha,
o meu “0brigado” a todos os que te rodeiam, a todos os que trabalham por ti e te
defendem, a todos os que te amparam, protegem e te são queridos. Espalha,
espalha por todos a minha paz, a abundância das minhas graças, o enchente do meu
amor. Diz-lhes que todos os seus nomes estão escritos no meu Divino Coração e no
da minha bendita Mãe. Enriquece a todos com as minhas riquezas. Dá a todos a
minha graça, a minha graça em abundância, em abundância. Vem, minha bendita Mãe,
não deixes sem as tuas carícias a Nossa filha. Dá-lhe toda a tua pureza, dá-lhe
toda a tua graça e todo o teu amor”.
— “Minha filha,
minha filha, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada
Conceição. Dou-te tudo, tudo o que é meu. Dou-te tudo o que é de Jesus. Dou-te o
que Ele te dava. Peço-te o que Ele te pediu. Agradeço-te como Ele te agradeceu.
Dou tudo para todos os que Ele deu. Agradeço a todos os que Ele agradeceu. Não
esqueças, filha querida, que Jesus está contigo e que a tua Mãe celeste, a
Imaculada, a toda pura, a toda bela aos olhos do Senhor, te assemelha a Ela e
por ti vela, contigo sofre. Com a minha graça ajudo-te a sofrer, ajudo-te a
amar, ajudo-te a vencer. Confia, confia e tem coragem!... Recebe as minhas
carícias. Estreito-te docemente ao meu santíssimo Coração. Enche-te de mim,
enche-te de Jesus. Sofre por mim, sofre por Jesus, sofre por amor das almas.
Coragem! Coragem! Vai distribuir o que recebeste de Jesus, o que recebeste de
Maria”.
— Ó Mãezinha, ó
Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, sejam sempre benditos e
reparados os Vossos Divinos Corações! Obrigada! O meu eterno obrigada pela paz e
pelo amor que me destes. Obrigada, o meu eterno obrigada por todas as graças que
me concedestes e ides conceder-me. Ó Jesus, ó Mãezinha, lembro-Vos todos, todos
quantos me são queridos. Dai-lhes tudo, dai-lhes tudo, concedei-lhes tudo para
os seus corpos e sobretudo para as suas almas. Lembro-Vos toda a minha família,
lembro-Vos todas, todas as intenções que me têm sido pedidas; lembro-Vos a
humanidade inteira. Perdoai-lhes, perdoai-lhes a todos os corações, a todas as
almas.
— “Vai em paz,
minha filha. Tem sempre presente este colóquio do teu Jesus e da tua Mãezinha.
Leva-Lhes a todos a paz do Senhor e pede em meu nome e em nome de minha bendita
Mãe: penitência, oração, emenda de vida”.
— Obrigada, Jesus;
obrigada, Mãezinha!
9 de Janeiro – Sexta-feira
Desfaleço no meu
calvário. Por vezes, agonizo e parece-me que é para não mais viver. Que
segredos, meu Deus, que segredos tem a dor. No meio destes desfalecimentos,
quando estou louca de dor e tudo o que em mim se passa parece-me receber do
mundo e transmitir ao mundo, repito com os olhos no Céu: faça-se, faça-se, meu
Deus, a Vossa divina vontade. Sou a Vossa vítima. Entrego-me, abandono-me à
Divina Providência. Neste transe doloroso, vou agonizando nos braços de Jesus e
da Mãezinha sem sentir, por um momento, o seu amparo e protecção. Só a esperança
e a confiança são o bálsamo do meu sofrer. Não sinto que confio, mas confio, não
pode deixar de ser. Ou sofrer, ou morrer, meu Jesus. São tão grandes as ânsias
que tenho do sofrimento que me levam a murmurar silenciosamente: é o meu coração
a falar no mais íntimo com Deus: ai de mim, ai de mim, meu Jesus, se me tiráveis
a dor. Eu não saberia viver sem sofrer. A vida sem dor seria para mim
insuportável. Tenho a certeza, Jesus, que sofreria mais, se é possível, sem
sofrer, do que com os sofrimentos que me dais. Não há nada que se compare com a
doçura da cruz, quando a aceitamos e levamos por amor. É por Vós, Jesus, e pelas
almas que eu sofro e que quero e aceito o que Vós quereis e me dais. Amo e beijo
a mão bendita do meu Senhor. Caio e não me levanto. A dor desfaz todo o meu ser.
A natureza apavorada sente quase impulsos de revolta contra a dor. Mas a
vontade, no abraço mais íntimo, estreita-a, prende-a, enleia-a toda em fortes
cadeias do mais puro amor; não pode deixá-la, não pode separar-se: dor e Jesus,
Jesus e a dor. Sou ignorante, e a minha inutilidade roubou-me o sabor e o
esforço de tudo quanto ditei. Menti-me a mim mesma; no sentir da minha alma é
mentira tudo o que está dito. Como são dolorosos os brados do meu coração.
Parece que todo o meu sangue cai sobre a podridão e o lodaçal do mundo. Tudo em
mim são vícios e toda a humanidade sou eu, tudo lhe comuniquei. Meu Deus, meu
Deus, não posso mais.
Ontem, no Horto,
naquela dolorosa agonia, não eram os meus lábios, mas sim o coração que dizia:
Jesus, se é possível, afastai de mim este sofrimento. Mas logo me atirava para
ele, de braços abertos, como se fosse queimada pelas chamas a atirar-me ao mar
de frescura e suavidade. Não se faça a minha, mas a Vossa vontade. Ó meu Deus e
meu Senhor, quero consolar-Vos e dar-Vos as almas. Hoje, logo de manhãzinha,
sentia colados ao coração os vestidos de Jesus ensopados em sangue do Seu suor
de sangue no Horto. E, logo em seguida, já caminhando para o Calvário, sentia na
alma todas as feridas do corpo sacrossanto de Jesus. Feridas dos açoites,
feridas das quedas, feridas que Lhe causaram o meu mundo de pecados. E os
vestidos a elas solados causavam-me indizíveis dores, dores insuportáveis, dores
infinitas. No cimo do Calvário, pregada na cruz, o meu coração abriu-se por
contínuas punhaladas. Abriu-se por amor, abriu-se para se dar, abriu-se para
toda a humanidade acolher, abriu-se para lhe dar vida. A dor, que o meu coração
sentia, feria o coração do próprio Jesus; era grande como Ele. O brado agonioso
era constante. Eu não podia calar o meu coração. Antes de expirar, sob o peso
imenso das humilhações e de injúrias, o coração levou a última lançada e deu a
última gota de sangue. E, ainda antes do último suspiro, senti como se Jesus
fosse descido por ele já morto. Com estes sentimentos e no mesmo momento fiz a
entrega do espírito ao Pai. Houve o silêncio da morte. De repente, Jesus
glorioso deu entrada no meu coração, comunicou-me a Sua vidam o Seu regozijo e
falou-me assim:
— “À porta do
palácio chegou o Mendigo. É o Mendigo divino. Entrou e foi ocupar o seu trono,
que é o teu coração, o teu coração, minha filha, esposa querida. Estou sentado à
sombra das mais heróicas virtudes. Estou rodeado das mais belas e encantadoras
flores. Perfume delicioso!... Aqui, sim, aqui esqueço, posso esquecer os
crimes, os crimes horrorosos, crimes com que sou ofendido!... Minha filha, minha
filha, escuta atenciosamente o teu Jesus. Esqueço, esqueço só por momentos. Não
posso esquecer sempre. Esqueço neste colóquio delicioso, neste colóquio de
maravilhas celestes. Se eu pudesse esquecer sempre!... Se pudessem ser ocultos
aos meus divinos olhos os crimes da pobre humanidade! Mas ainda bem que
encontrei um coração puro e generoso que suaviza as dores do seu esposo. Confia,
confia, minha filha, este calvário é calvário de vitória, é calvário de
salvação. Confia, confia, minha filha, este calvário é calvário de reparação, é
calvário de glória e de alegria para Mim e para o meu eterno Pai. Minha filha,
escuta, escuta, escuta as mágoas do teu Jesus. Sou ofendido, sou ofendido. A
justiça do meu eterno Pai é continuamente desafiada. Ele não pode ver o seu
Filho divino assim ferido, assim ultrajado. A sua justiça, a sua justiça, o seu
braço vingador vem cair, vem cair bem depressa sobre a terra. O mundo não
atende. Os pecadores não cedem à palavra do seu Senhor. Jesus avisa, Jesus avisa
com toda a compaixão. Jesus avisa, avisa, porque ama; avisa, porque quer
salvar.”
— Ai, meu Jesus,
ai, meu Jesus! Entraste, meu Amor, no meu pobre coração numa alegria triunfal.
Entraste, Jesus, deste-me alegria, deste-me a Vossa vida. Mas agora, agora, meu
Amor, nuvens negras vieram encobrir a alegria, a vida, a luz que me destes. Que
alegria profunda invadiu o meu coração!
— “Minha filha,
minha querida filha, dei-te a minha alegria para te alegrar. Dei-te a minha luz
para as horas das trevas. Dei-te a minha vida para sempre viveres de Mim. Faço
sentir agora tudo quanto Eu podia sentir sem a tua dor, sem o teu sofrimento.
Sofre, sofre, esposa amada. Sofre como mãe que está para dar à luz. Tu és a mãe
dos pecadores. Sofre, sofre, minha filha, sofre por eles; dá-lhes a vida,
dá-lhes a vida, dá-lhes a salvação. Minha filha, é infinita a tua dor, porque é
infinito o teu amor. A tua vida é vida de Jesus. O teu triunfo é a vitória, é o
triunfo e a vitória de Jesus. Sofre, sofre com alegria. Chama ao meu Divino
Coração os pecadores, as ovelhas tresmalhadas.”
— O que fazer, meu
Jesus? Vede a minha fraqueza, compadecei-Vos dela. Quero e não posso, quero e
não posso. Ensinai-me, Jesus, ensinai-me, meu Amor, ensinai-me a sofrer, a ser
pura, ensinai-me a amar.
— “Vem, louca,
louca do sacrário, florinha eucarística, esposa do Amor divino; vem, vem receber
a gota do meu divino sangue. Passou a vida, passou o alimento divino, o alimento
celeste, a vida de que tu vives. Os anjos, os anjos contemplam esta maravilha
celeste. Os anjos, os anjos contemplam este prodígio, esta graça de que eles não
gozam.”
— Ó Jesus, meu doce
Amor, voltei de novo à luz, à Vossa vida, ao Vosso amor. A dor desapareceu. Já
sou outra, já sou outra, meu Jesus. O fardo mundial que me sobrecarregava
deixou-me. Tenho a Vossa luz, tenho o Vosso amor na minha alma.
— “Fortalece-te,
minha filha, fortalece-te. Enche-te de mim para te darem por Mim. Enche-te do
que é do Céu, para te dares toda, toda à humanidade, aos pobres pecadores. Tem
coragem, tem coragem! Fica na cruz! Vai para a tua dor. Vai para o teu calvário,
para o teu doloroso calvário. Não esqueças, não esqueças, minha filha. Manifesta
sempre a tristeza de Jesus. Diz às almas que estou triste, porque muito sou
ofendido. Pede-lhes que Me amem, que Me não ofendam, que se corrijam da sua vida
criminosa, da sua vida de vícios. Vai em paz e dá a minha paz”.
— Obrigada, Jesus!
Obrigada, Jesus. Entrego-Vos o meu coração com todas as intenções da humanidade
inteira. Não Vos esqueçais. Atendei, atendei, meu Senhor!
16 de Janeiro – Sexta-feira
Para obedecer e
assim desta forma consolar a Jesus com a migalhinha do meu sacrifício, vou dizer
só umas palavras, por mais não poder dizer. Não tenho forças. A cada esforço, a
cada movimento dos lábios, sinto como se o coração desse uma gota de sangue. É
tão doce derramar o sangue por amor de Jesus! Ele não permite que eu sinta essa
doçura – bendito Ele seja! – mas faz que a alma se fortaleça, redobre de
esforços a voar para Ele. Parece que eu fico toda a vida a bater as asas presas
no lodo e na lama, sem nunca as poder desprender. Não importa. A doçura de
sofrer por Jesus não está em saboreá-la, mas sim em enfrentar a cruz, beijá-la,
abraçá-la e querer o que o Senhor quer. E, assim abandonada a Ele, vou para onde
Ele me leva, aceito o que Ele me dá e só quero o que Ele quer. A vontade está
pronta a aceitar toda a dor da humanidade inteira, se isso fosse possível. A
natureza, a i a pobrezinha! Não sabe fazer outra coisa senão chorar e gemer,
apavorada numa revolta contra si mesma. Ó cegueira, ó morte, ó inutilidade, ó
calvário da minha vida, como tu és grande para aqueles que te sabem sofrer e não
são pela inutilidade roubados. Meu Jesus, por Vosso amor quero ser cega,
ignorante e inútil. Vós sois o guia dos meus caminhos, a força da minha cruz. E
eu sou sempre a Vossa vítima. A minha dor tão grande, tão infinita, vai nos
confins da terra, rompe os rochedos, despedaça montanhas, fere o Coração do meu
Senhor. E o mundo não se compadece, os corações não têm pena da minha dor.
Parece que o meu coração não pode estar calado, quer falar incessantemente das
coisas grandes, das coisas do Céu, tem desejos infinitos de que todos os
corações dos homens o escutem. O que eu sofro, o que eu anseio, só Jesus o sabe,
só Ele o compreende. Não posso nem sei exprimir-me, sou ignorante. Sempre inútil
na minha vida, cheguei, ontem à noite, inútil, ao solo duro do Horto. Fiquei
sobre ele como um cadáver. A urna em que fui metida foi feita de podridão, de
vícios e dos mais vergonhosos crimes. Era tão grande que preenchia a humanidade.
Toda a terra era uma urna criminosa e eu cadáver feito da mesma podridão, dos
mesmos vícios. O Céu estava fechado e nuvens grossas muito negras o separavam da
terra. Dele saiu uma nova luz; as nuvens abriram-se a dar-lhe caminho, desceu
até mim, penetrou no meu cadáver apodrecido. Uma vez ali, já não era eu morta.
As veias rasgaram-se e um sangue vivo e puro regou a terra. Ela principiou a
viver.
Hoje na minha
inutilidade segui para o Calvário. Ia continuar a minha obra começada. Fiquei
crucificada na cruz, lá no cimo do calvário. Era eu mesma que me apunhalava e
retalhava o coração; o sangue saía a jorros; a terra, os corações humanos iam
vivendo cada vez mais. Antes de expirar, senti o coração a desfazer-se pela sede
ardentes de entregar a vida ao Pai. Só assim dava ao mundo a verdadeira vida.
Expirei na maior agonia, no maior abandono. Jesus não se apressou a fazer-me de
novo viver. Quando entrou no meu coração, eu vivi na Sua luz, no Seu amor. Ele
em mim e eu n’Ele, ouvi nestas palavras a Sua divina voz:
— “À sombra da
cruz, à sombra deste calvário, as almas, as almas encontram abrigo, encontram
lugar de salvação. Minha filha, minha filha, Jesus está aqui tal e qual como no
Céu, tal e qual como na Eucaristia. Estou aqui, sim, estou aqui para fazer desta
sombra um maná vivificante, um maná que vive para o Céu, para Deus. Eu quero,
minha filha, sim, Eu quero fazer de ti a minha vida, a minha vida completa. Eu
quero que sejas das almas, que vivas para as almas. Eu quero que as almas ao
abrigo deste calvário se alimentem deste maná celeste, se cubram com esta sombra
de salvação. Vives de Mim e para Mim. Eu quero que as almas vivam de ti, para
por ti virem a Mim. O que as almas recebem, de Mim o recebem. Tu és o canal das
graças e da vida de Jesus. Tu és o porta-voz dos desejos de Jesus. Eu quero que
as almas venham sequiosas à Eucaristia. É por ti, por este calvário que elas
vêm. Eu quero, Eu quero almas, muitas almas eucarísticas. Eu quero almas, muitas
almas a rodearem os sacrários, a voarem para Mim como as andorinhas em bando a
voar para os seus ninhos. Vive, vive, florinha eucarística, vive a minha vida,
tu que vives do meu Corpo e do meu Sangue, tu que continuas a minha obra
redentora, a minha obra de salvação. Que pena, que pena, minha filha, o meu
Coração sofre a indiferença de tantos, tantos corações! O meu divino Coração
sofre a insensibilidade dos homens. Na hora presente, na hora gravíssima que
passa a humanidade, põe neste calvário um meio de salvação. Dei aos homens este
calvário como prova do meu infinito amor. Sofro porque não se aproveitam dele
todos quantos o meu Divino Coração deseja. Sofro porque não correspondem a tão
grande graça e prova de amor do meu Divino Coração”.
— Ó Jesus, não me
digais mais, meu Jesus, não me digais mais. Não quero ouvir-Vos dizer que
sofreis. Eu quero sofrer tudo por Vós. Eu quero reparar-Vos por todos os
corações, por todas as almas. Eu quero, Jesus, eu quero, Jesus, sim, que eles
creiam em Vós. Eu quero que eles vão aos sacrários. Eu quero que eles Vos
recebam. Eu quero ver o mundo a arder nesse fogo em que Vós estais a arder agora
e no qual, meu Jesus, fazeis arder o meu pobre coração. Que eles me descreiam,
para crerem em Vós; quero que eles me desprezem, para se abeirarem de Vós. Que
eles se aborreçam de mim, para Vos amarem a Vós!
— “Minha filha,
minha querida filha, o fogo, em que Eu ardo e te fiz arder, é o fogo da
Eucaristia. O teu desinteresse de ti mesma dá maior alegria ao meu Divino
Coração. Tem coragem, tem coragem, minha filha. Os homens não fazem como Eu
quero, mas a tua vida, a tua vida vai chegar aos confins do mundo. Vai ser para
as almas um íman atraente. O Senhor triunfa e com Ele triunfa este calvário. O
Senhor é Rei e com ele há-de reinar sobre os corações, sobre as almas. Tu és
vida, tu és farol, tu és luz e vida divina que se lhes comunica. Quem vive a
vida de Cristo, só a vida de Cristo faz viver. Vem, minha filha, receber a gota
do meu Divino Sangue. Foram os anjos, foram os anjos a unirem os nossos dois
corações; o meu e o teu ficaram num só. A gotinha do Sangue passou. Os anjos, os
anjos ficaram deslumbrados à vista de tão grande prodígio. Fica na cruz, minha
filha. Vai para o teu martírio. Pede, pede ao meu querido e santo Patriarca que
comunique ao Papa, ao sábio dos mistérios divinos, que Jesus o tem inteiramente
dentro em Seu Divino Coração. Ele é o grande sábio da vida de Deus. Ele é o
inigualável compreendedor da vida de Deus nas almas. Já lhe prometi, volto a
prometer-lhe: ele vai direitinho para o Céu. Passa deste exílio para o Paraíso.
Diz-lhe que é Jesus a pedir-lhe que fale, que fale muitas vezes, muitas vezes à
humanidade inteira. Sempre que ele fala, sou Eu a falar. Tudo quanto ele quer e
exige, sou Eu que o quero e o exijo. Que peça oração, muita oração, muita
penitência. Que peça uma vida nova, uma vida pura. Que peça para que haja almas,
muitas almas no meio do mundo, almas vítimas, verdadeiramente vítimas para
repararem os crimes, para aplacar a justiça do Senhor. Coragem! Coragem! Sempre
alegre na tua cruz, sempre na tua cruz”.
— Obrigada, meu
Jesus, obrigada, meu Jesus. Cá estão como sempre todas as minas intenções; mais
que nunca sabeis o dia que passa, meu Jesus. Movei os corações: Vós sois o
Senhor! Movei os corações! É por Vosso amor que eu Vos peço, é para bem das
almas. Lembro-Vos todos os que eu amo e são meus. Lembro-Vos a humanidade
inteira.
— “Coragem,
coragem, minha filha! Confia no teu Senhor! Coragem, coragem, minha filha, crê
em Mim, espera em Mim! Estou contigo”.
— Obrigada, Jesus!
Obrigada, meu Amor!
23 de Janeiro – Sexta-feira
Morta, e à sombra
da morte, passo os meus dias. Eu estou morta, e uma sombra mundial me cobre. Não
sei como aguentar, não sei como poder resistir a tão grande sofrimento. Só o meu
Jesus, só o Senhor todo-poderoso pode triunfar em tão doloroso martírio. O
coração e a alma choram lágrimas de sangue. A inutilidade vem bebê-las,
chupá-las todas à saída das chagas, não as deixa aparecer, sinto como se até
Jesus não as visse. Não tenho nada, mesmo nada, para a eternidade; não tenho
nada, nada com que possa consolar Jesus e provar-Lhe o meu amor. Contudo, as
ânsias são indizíveis de me dar, dar, derreter, desaparecer n’Ele. Tenho ânsias,
infinitas ânsias de me derreter no crisol do sofrimento, só por Jesus, por Jesus
e pelas almas. Eu não tenho nada; a inutilidade rouba-ma tudo, mas a dor
angustiosa, os espinhos mais agudos e penetrantes surgem-me de todos os lados,
vêm ao encontro destas ânsias, para logo a inutilidade, como lobo ou leão
furioso, arrancar-me tudo para jamais me deixar possuir alguma coisa.
Eternidade, eternidade, como hei-de eu ir para ti nesta pobreza, despida de
tudo, mergulhada apenas num abismo infindo de trevas, de podridão e de crimes.
Sou um mundo de maldades, das mais criminosas maldades que encheram toda a
terra, chegaram ao Céu e estão a cada momento a provocar, a desafiar a justiça
do Senhor. Tremo de pavor. Queria dizer às montanhas que caíssem sobre mim e me
encobrissem: esmaga-me a justiça do Senhor. Se eu soubesse sofrer e
aproveitar-me da cruz que o Senhor me dá, quantos méritos para a eternidade e
quanta glória para o Céu. Ai, pobre de mim! Não sei fazer o que eu mais anseio:
amar a Jesus, sofrer por Jesus. O meu Horto foi de morte e de horror ao
sofrimento. Era noite: eu estava nele mais firme e mais dura do que a mais dura
rocha.
A noite ia alta e
sobre o solo do meu peito ficou o calvário e a cruz plantada. Eu era o mundo, o
calvário e a cruz e a escada por onde subiam as almas a Jesus. Apesar de ser
morte, era a vida, era o Céu. A noite foi tormentosa para o meu corpo. A alma de
vez em quando agonizava de dor com a aproximação da sexta-feira. Hoje de
manhãzinha, sem estar a dormir, pareceu-me que despertei dum sono profundo.
Despertei num sobressalto: a morte, a morte! Vou morrer! E ia morrer ao mesmo
tempo que era a vida. Encaminhei-me para o Calvário; para lá seguiu o meu
coração, para ir ao encontro da morte, para se dar todo, todo, e ser a vida. Eu,
na minha inutilidade, segui caminhos diferentes, caminhos errados. Andei tanto,
tanto, pisei toda a terra culpada. Não sei como, levada por uma força e por um
amor que me impelia, cheguei ao calvário; fui de encontro à cruz de Jesus,
abracei-me aos seus pés, reguei-o com as minhas lágrimas, chorei as minas
culpas. Jesus lavava-me com o Seu Sangue. Quanto mais eu era por Ele lavada,
mais para Ele subia, mais o Seu divino amor me penetrava, até que fiquei toda
Cristo: a mesma dor, as mesmas chagas, a mesma agonia, o mesmo amor. Não era eu
a entregar-me, era Ele em mim a entregar-me ao Pai. O meu pobre coração recebeu
as lançadas que atravessaram o de Jesus. Lançadas estas que deviam ferir-nos em
todos os tempos. Com tal crueldade, Jesus bradou tão fortemente que fez
estremecer o Céu e a terra. Houve neste momento uma tal mistura, ficaram os dois
num só, e Jesus expirou. Reconciliou-se a terra com o Céu. Já todos podíamos
viver a mesma vida. Depois de uns rápidos momentos, Jesus veio como Senhor e
possuidor de tudo, entrou no meu coração como numa mansão Sua, triunfava sobre o
maior triunfo, fez-se sentir o Seu amor, irradiou-me com a Sua luz, inundou-me
da Sua paz e falou-me assim:
— “O Coração Divino
de Jesus transborda de amor. Faísca para toda a terra, para todos os corações e
todas as almas as mesmas chamas, o mesmo incêndio de amor. É Pai, e Pai bondoso.
Quer dar-se, dar-se e fazer que todos os filhos Seus ardam nas mesmas chamas, no
mesmo incêndio de amor. Escutai, escutai a voz do misericordiosíssimo Jesus. Ele
fala pelos lábios da Sua vítima, da heroína dês te Calvário. Alerta, alerta,
muita oração, muita penitência. Depressa, depressa, depressa! Ai do mundo! Pobre
do mundo! Depressa, depressa a reconciliar-se com o seu Deus. Depressa,
depressa, é urgente aplacar a justiça do Senhor. Escutai, escutai e atendei ao
apelo de Jesus. Venho pedir amor, venho pedir a frequência da Eucaristia.
Venho pedir o rosário, a devoção pura e santa à Minha Bendita Mãe. O meu Divino
Coração dá-se, dá-se todo em amor. Dá-se para receber, para possuir. Quero amor,
amor de todos os corações. Todos os corações são meus, todos os corações quero
possuir.”.
— Ó Jesus, ó Jesus,
sinto que o meu coração arde no Vosso amor divino. Sinto que todo ele é amor,
que todo ele é luz. Eu quisera, Jesus, sim, eu quisera poder mergulhar neste
oceano infindo de doçura, paz, amor e misericórdia, a humanidade, a humanidade
inteira. Todos os filhos Vossos. Ah! Se eles gozassem deste amor, desta paz,
desta Vossa vida, não Vos ofendiam, Jesus. Permiti-me, Jesus, permiti-me que eu
Vos diga: este amor, esta paz veio encobrir, veio desviar de mim o pavor
causado, quando me dissestes que era preciso aplacar a justiça de Vosso Pai.
Naquele momento, eu vi o rasgar-se das nuvens e o estralejar do trovão.
Apavorei-me, apavorei-me. Foi como se o Céu viesse desfazer toda a terra.
— “Sim, minha
filha, sim, minha filha, na minha ciência divina Eu vi que era preciso suavizar
o tormento do teu coração e da tua alma causado por tudo quanto viste e
sentiste. Minha filha, minha filha, será assim e muito breve. O Céu destruirá a
terra. Será assim e muito breve, se o mundo se não levanta para o seu Deus. Será
assim e muito breve, se os pecadores se não reconciliam comigo. Será assim e
muito breve, se o meu divino amor não destruir o vício, a maldade e o crime. Sou
Pai que ama e quer ser amado. Sou Pai que ama, avisa e quer perdoar. Coragem,
coragem, minha filha. Vais ter toda a força de Jesus, assim como possuis todo o
amor de Jesus e todas as Suas riquezas. Vais ter a força, porque vais sofrer,
para muito me reparares. Tens o amor, porque muito me amas e fazes amar. Possuis
as minhas riquezas, para as distribuíres. Foste criada para a mais nobilíssima
missão. Foste criada para as almas e para Deus. Foste criada para a dor e para o
amor. A dor e o amor são penhores de salvação. Vem, minha filha, receber a gota
do meu Divino Sangue. Dois corações num só coração a viverem a mesma vida.
Passou a gotinha do Sangue Divino. Passou o alimento do teu corpo e da tua alma.
Passou nova vida, novo conforto. Cada vez que a gota do meu Divino Sangue passa,
mais a ti me comunico, mais me possuis, mais vives da minha graça, do meu amor.
Fica na cruz, sempre na cruz, para a salvação do mundo. Fala às almas, sempre às
almas. Encaminha-as para Mim. Fala-lhes da minha misericórdia e do meu amor, mas
não deixes de lhes falar da minha justiça e justiça de meu Pai. Vai em paz e dá
a minha paz”.
— Quero a Vossa
paz, Jesus, e quero tudo o que é Vosso, mas não quero separar-me sem Vos lembrar
as minhas intenções. Fazeis-me, Jesus, fazeis-me?
— “Faço, faço,
minha filha; confia. Eu sou o Senhor todo-poderoso. Eu permito que bebas o
cálice e possas beber até à última gota, mas depois venho Eu, remedeio tudo.
Haja luz, faça-se luz! Eu quero que os cegos vejam. Eu quero que os inimigos da
minha divina causa se transformem. Vai em paz. Vai em paz. Coragem e confia!”
— Ó Jesus, muito
obrigada! Lembrai-Vos de todas as minhas intenções. Lembrai-Vos de todos os
corações, de todas as almas, de todos os filhos Vossos. Perdoai ao mundo!
Perdoai ao mundo!...
30 de Janeiro – Sexta-feira
A dor, a dor, o meu
pão de cada momento do dia e da noite, a dor inseparável do meu viver. E eu
custa-me tanto falar dela! Mas eu, que não tenho outra coisa a não ser dor,
outra coisa não posso dizer, doutra coisa não sei falar. O Senhor aceite o meu
sacrifício, sacrifício porque não posso. A cada movimento dos lábios, uma
golfada de sangue me parece sair do coração e aos lábios vir afluir. Sacrifício
porque, na minha ignorância, nada sei dizer da dor, em comparação do que sofro.
Eu queria esconder-me a mim e esconder a dor; não queria falar de mim nem falar
da dor. Ah! Se eu pudesse até escondê-la ao Céu! Se eu pudesse reparar a Jesus
com o sofrimento, sem Ele saber, eu que sofria, eram os meus desejos. Consolá-Lo
a Ele, e eu na maior agonia, oculta aos olhares e à sabedoria de todos. Sinto-me
tão pequenina, tão nada, parece-me que me desfiz no lodo da terra. Nem sou verme
nem sou nada a não ser aquela grandeza mundial de vícios. De crimes de toda a
espécie, um universo de podridão. Todo o inferno está raivoso contra mim. Parece
que eu ando desfeita em farrapos nas garras de Satanás, ou melhor, de uma legião
deles. Conheço tudo o que é mau, e tudo o que é mau é por mim praticado. Tive um
combate pavoroso e nesse combate eu parecia cometer toda a espécie de crimes
descaradamente, sem temor e sem vergonha. Se é Jesus que quer a minha reparação,
bendito Ele seja! O que eu não quero é ofendê-Lo! Ai, quanto se peca, meu Deus,
ai, quanto se sofre! Não posso ditar mais. Só digo umas palavrinhas do meu Horto
de ontem, do meu calvário de hoje.
O barro mundial do
meu corpo foi no Horto amassado com o Sangue de Jesus. Misturou-se o Céu com a
terra, a pureza com a podridão, a vida com a morte. No Calvário de hoje, fui eu
morta nos braços não sei de quem. A inutilidade e a indiferença triunfaram no
alto do calvário, a cruz estava levantada ao alto; Jesus nela crucificado. E eu,
junto do pé da cruz, estava nos braços da Mãezinha. Eu estava morta, mas mesmo
morta sentia a sua dor. Eu era Jesus, e Ela era minha Mãe; eu era o mundo, e Ela
era a Mãe do mundo. O meu coração era só dor e sangue e recebia as Suas
lágrimas. Assim expirei, assim passei pela morte que se prolongou por bastante
tempo. Para viver, foi preciso despertar como dum sono. Despertei mais depressa
com o amor fortíssimo de Jesus do que com a Sua divina voz. Desde que o Seu amor
penetrou em mim, ouvi-O falar desta forma:
— “Está aqui o
Senhor. Desceu do Céu. Neste coração, neste calvário veio repousar. Está aqui o
Senhor com todo o Seu amor, com toda a Sua misericórdia. Enche-te, minha filha,
do meu amor infinito, para o dares, dares com abundância. Estou aqui com toda a
misericórdia, para por ti ela ser sempre dada aos pecadores, a todos os filhos
meus. Está aqui Jesus, está com dor, dor pungente em Seu Divino Coração. Fala,
fala, minha filha; comunica as minhas tristezas, as minhas mágoas. Espinhos e
punhais agudos atravessam o meu Santíssimo Coração. São os pecadores, são os
filhos meus que não têm, não têm compaixão do seu Deus, do seu Pai, do seu
Jesus. Fala, fala, minha filha. Diz quanto sofre e quanto ama o teu Esposo, o
teu Esposo, o teu Amor”.
— Ó Jesus, eu não
sei falar. Eu sou indigna, muito indigna de falar de Vós. Viestes, cheio de
amor, e de amor me enchestes. Viestes cheio de misericórdia, e de misericórdia
me deixastes a transbordar. Mostrastes-me amor, mas o Vosso Divino Coração todo
ele tem espinhos e punhais a atravessá-lo. Ai, tanto sangue, meu Jesus! Ai,
tanto sangue, meu Jesus, e comunicastes-me a Vossa dor. É dor de morte, meu
Jesus. Sou eu, Jesus, são os Vossos filhos a ferirem-Vos assim. Sou eu, Jesus, é
a humanidade inteira que é cruel. Se eu Vos amasse!... Se eu Vos fizesse amar
com amor igual com que nos amais! Pobre de mim! Pobre de mim, meu Jesus! Não Vos
amo, nem faço que sejais amado. É inútil todo o meu viver.
— “É útil, minha
filha, muito útil. Tem a maior utilidade. A tua vida é um portento das graças e
das maravilhas do Senhor. A tua vida, minha filha, a tua vida tão mal
compreendida é do maior proveito para as almas, para a humanidade. Este calvário
prodigioso foi escolhido por Mim. Por Mim foste aqui colocada. Por Mim foi
preparada a tua nobilíssima missão. És de Jesus e és das almas. Vives para Jesus
e para as almas. O teu sofrimento eleva-as para o Céu. O teu sofrimento atrai-as
ao Coração do Senhor. O teu sofrimento salva-as aos milhares, aos milhões.
Coragem, minha filha, que o Senhor é contigo. Coragem, que o Senhor é
fidelíssimo. Não falta ao que promete. Coragem, coragem, minha filha, no teu
calvário. Sofre, sofre muito e alegremente. Sofre tudo o que… Dá, dá a Jesus
tudo quanto Ele te pede. Sofre, porque o teu sofrimento é a escora mais firme
que sustenta o braço do Eterno Pai, sustenta a Sua justiça. Ai do mundo, ai do
mundo! Ai de Portugal, ai de Portugal sem os teus sofrimentos, sem a tua
imolação. É urgente, é urgente. Pede oração, pede penitência, pede emenda de
vida. Vem, vem agora receber a gota do meu Divino Sangue. Oh! Maravilha celeste!
Oh! Maravilha celeste! Oh! Maravilha do Senhor! Dois corações unidos num só
coração! Duas vidas numa só vida! A gotinha do Sangue passou. Passou o alimento
que te fortalece para a graça, para a dor, para a vida, para o amor. Vives a
vida de Cristo. Vives a mesma imolação de Cristo. Vives o mesmo Calvário de
Cristo. Vives a mesma obra salvadora de Cristo. Fica na tua cruz, minha filha.
Espera nova dor, porque te preparei nova efusão de amor. Coragem! Vai e dá a
minha paz, o meu amor, a minha riqueza, tudo o que é meu. Coragem, e convida com
doçura, com amor, as almas a virem ao meu Divino Coração. Lembra-lhes que sou
amor e misericórdia e que sou justiça, tremenda justiça!”
— Ó Jesus, fico na
minha dor, na minha cruz. Fico em trevas pavorosas. Que tudo isto cicatrize o
Vosso Divino Coração. Que todo este sofrimento atraia para as almas as graças
que necessitem, tudo quanto Vos tenho pedido e não sei pedir. Que todo este
sofrimento arranque do Vosso Eterno Pai o perdão, a misericórdia, a salvação
para o mundo inteiro. Perdoai, Jesus. Perdoai, Jesus, e tende presente todas as
minha intenções. Amo-Vos, meu Jesus, e tudo aceito, para que toda a humanidade
Vos ame. Obrigada, meu Jesus. Ficai comigo. Sede a minha força.
— “Vai em paz,
minha filha! Fica na cruz. Confia em Mim!”
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