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Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

JANEIRO 1953

2 de Janeiro – Sexta-feira

Vida nova, vida nova, é o brado da minha alma e do meu coração, no princípio deste novo ano. O que faz este brado tão repetente? São os sentimentos tristes, dolorosos e profundos. O passado desapareceu como se nunca existisse. E eu, louca de dor, estou de mãos vazias. Nada tive e nada tenho para oferecer ao Senhor. Tudo em mim é um mundo de misérias, de horrorosos crimes e vinganças contra o Céu. é pavoroso o meu estado de alma. Ano Novo, vida nova. São tantos e tão variados os meus propósitos! São tantas e tão profundas as minhas ânsias de perfeição e de amor a Jesus! Mas as horas e os dias vão passando, e eu, na minha pobreza e miséria extrema, sem nada amontoar, sem nada ver nem sentir, a que possa chamar alguma coisa. O passado foi morte, o presente é morte e de morte se me mostra o futuro. A inutilidade, a inutilidade! Meu Deus, só Vós sabeis quanto ela custa. Ela é a senhora de todos os meus actos, obras e desejos; ela rouba-me tudo quanto há de bom, sem ao menos por um momento me deixar saborear o seu delicioso sabor. Rouba-me tudo o que é bom, sem me deixar contemplá-lo e saber que ele existe; deixa-me tudo o que é mau, faz-me responsável de todo o mal, deixa-me na tristeza, na amargura, na noite tremenda e na tremenda morte. Bendito seja o Senhor! Eu vejo e abraço a cruz que Ele me dá, curvo-me reverente à Sua divina mão benfazeja e vou repetindo muitas vezes: obrigada, obrigada, meu Jesus, eu sou a Vossa vítima; dai-me mais, sempre mais, quanto Vos aprouver. Eu não sei viver sem sofrer. Sofrer e amar, amar e sofrer, seja a minha vida, se assim o quereis, mas dai-me a Vossa graça e a Vossa força. A vontade está pronta. A natureza é fraca e apavora-se, mas sempre beija, beija a mão benfazeja do meu Criador. Estou louca, louca de dor. Parece que tenho asas e estão enterradas no lodo e na lama. Quero batê-las, desprendê-las, para voar para Deus e para as Suas coisas e não posso: nada vale o meu esforço. Toda me orgulho no lodaçal do mundo, na sua podridão nojenta. E mais ainda, mesmo assim mergulhada, estou presa, toda presa com fortes cadeias de vícios, sem poder fazer o mínimo esforço para o bem. Faça-se, faça-se, Senhor, a Vossa vontade; o que eu quero é amar-Vos, o que eu quero é o Vosso amor. Porque me amais e eu Vos desejo amar, deixo que o meu coração sangre e a minha alma agonize. Os dias de festa são os dias de maior tormento. Quanto maior alegria no mundo, mais dor e agonia, maior tormento e calvário para mim. Sou feliz, porque sofro; sou feliz, porque o Senhor se inclina para mim. Ontem, passei o dia a sentir sempre no coração com que uma lança atravessada. Causava-me uma dor infinita e sentia uma tristeza profunda.

Era já de noite, e pareceu-me descer de uma torre tão alta que chegava ao Céu e vinha envolver-me em toda a terra. Manchei-me nela e fiquei prostrada no solo duro do horto, a sentir os tormentos de Jesus. A noite já foi um calvário para o meu corpo e, ainda não tinha rompido o dia, já a minha alma agonizava, tremia de pavor. O calvário estava à minha frente. Não resistia à dor, se Jesus por mim não velasse. Senti-O e vi-O com os olhos da alma vir para junto do meu leito com o Seu Divino coração a arder em grandes chamas e a ferver como uma panela de água sobre o lume. Tomou-me para o Seu regaço, deitou-me nos Seus braços, envolveu-me nas Suas chamas e fez que eu fervesse naquela fervura do Seu Divino coração. Estive assim algum tempo, e desapareceu sem nada me dizer. Fiquei mais forte para seguir o Calvário. A inutilidade tirou-me tudo. Andei por longe, muito longe, tornando inútil todo o meu viver e fui encontrar-me no cimo do Calvário com Jesus crucificado. Estava Ele para expirar, quando a Ele me uni e senti a Sua agonia. Depois de com Ele bradar e antes de Ele entregar ao Pai o seu espírito, senti como se Ele se desprendesse de toda a terra manchada e o Seu espírito voasse para o Pai, para viver só a Sua mesma vida. Fiquei como morta, por alguns momentos, mas Jesus não demorou a fazer-me viver novamente e falou-me assim:

— “Glória, glória ao Senhor! Escutai, escutai quem fala. É Jesus. Atendei, atendei bem ao que Ele vai pedir. Venho pedir a pureza e o amor dos vossos corações. Venho pedir a pureza e o amor dos vossos corações. Venho pedir-vos uma vida perfeita, no cumprimento do vosso dever para com o vosso Criador. Venho pedir, atendei, filhos meus. Quero o amor dos vossos corações, quero a pureza da vossa vida. Fazei, fazei que Eu seja amado. Fazei, fazei que todos os homens sejam puros, que todos os corações me amem e sirvam fielmente. Minha filha, minha filha, aceita os agradecimentos do teu Jesus. Muito te pedi, muito me deste. Pedi-te muito para Mim, muito te pedi para as almas. O que te pedi para Mim foi por amor das almas: são filhas do Meu sangue, são filhas do Meu calvário, são filhas do Meu calvário, são filhas da Minha vida. Agora, filha minha, esposa do Meu coração, mais te peço, mais te peço. O teu calvário não diminui. O teu calvário será cada vez mais doloroso, até terminar a tua existência aqui. A dor atingiu o seu auge, mas a tua sensibilidade mais há-de sofrer. São meios de que Eu Me sirvo para a salvação do mundo”.

— Ó Jesus, não tendes que agradecer a esta miserável filhinha. Sofri muito. Não fui eu, Jesus, fostes Vós no meu corpo. Só Vós fostes a minha força. Dei-Vos muito, meu Amor? Não Vos dei nada do que era meu: dei-Vos o que era Vosso. Sou eu, Jesus, sou eu a agradecer. O meu eterno “obrigada”, Jesus. O que tinha eu feito, meu Amor, o que tinha eu sofrido sem a Vossa graça, sem a Vossa força? Obrigada, obrigada, Jesus, obrigada. Senhor, o meu eterno “obrigada”. Estendo as minhas mãos para aceitar o aumento da minha cruz. (Estendeu as mãos). Eu temo, Senhor, a minha natureza apavora-se, mas a vontade, a vontade está forte; levanta-se, levanta-se, vai ao Vosso encontro. O que quereis que eu faça, Jesus? Sou a Vossa vítima. Abraço, estreito ao meu coração tudo quanto Vos aprouver dar-me.

— “Encontrei neste calvário as minhas delícias. Encontrei neste coração o encanto dos meus divinos olhos. Encontrei neste coração, nesta vítima por Mim escolhida tudo quanto podia encontrar para o bem das almas, para a reparação do Meu eterno Pai. É deste Calvário que sai a fortaleza, a fortaleza que sustenta o braço da justiça do Senhor. É deste Calvário que sai a graça para milhões, milhões de almas. O mundo não te conhece!... Que dor a Minha, Minha filha!... Se o mundo te conhecesse!... Se os corações te amassem, eram mais gratos para contigo. Amavam-Me e eram mais gratos para com Jesus. Amavam-te, porque sofres por eles, amavam-te, porque te escolhi para continuares a obra da salvação.”

— Ó Jesus, ó Jesus, eu não me importo da ingratidão dos homens para comigo. Eu não me importo, não, que eles sejam gratos para mim. O que eu quero, Jesus, é que Vós sejais amado e que todos sejam gratos ao Vosso Divino Coração, ao Vosso Divino Amor. O que eu queria era ser desconhecida aos olhos do mundo, viver escondida, sofrer escondida só por Vosso amor e por amor às almas. São os meus desejos, são os meus desejos.

— “Minha filha, tem confiança. Vives conforme a vontade do teu Esposo, do teu Jesus. Bastam os teus desejos e as tuas ânsias de viveres escondida. Nesta hora gravíssima, em que está o mundo, nestes momentos de tanta perdição, é necessário a luz deste calvário a iluminar. São necessários, são urgentes todos estes sofrimentos. O mundo está louco, oh! as almas perdem-se! Ilumina-as, ilumina-as! Dá luz ao mundo, ilumina as almas. A luz que possuis é a luz do sol. A vida que vives é vida do Senhor, é vida de Cristo! Faz que as almas, que te rodeiam, que vêm junto de ti, vivam esta mesma vida. Coragem, coragem! Avante sempre, florinha eucarística! Avante, avante, avante, avante sempre, louquinha das almas, louquinha de Jesus. Vem receber a gota do meu Divino Sangue. Oh maravilha, oh maravilha! Os anjos, os anjos formaram trono, os anjos, os anjos cantam seus hinos: glória, glória, glória ao Senhor por tão grande maravilha. Glória, glória ao seu Deus por tão grande prodígio. Uniram-se os dois corações num só coração: o Coração do Esposo ao coração da Sua esposa. A gotinha do sangue passou. Levou-te nova vida, nova força para novas dores. Coragem! Coragem! Dá tudo ao teu Deus, dá tudo ao teu Senhor! Vives só de Mim. Vives para salvares as almas. Vives para iluminares o mundo. Fica na cruz, fica na cruz. Coragem e confiança!”

— Fico na cruz, mas não quero que Vos separeis de mim. Sede a minha força. Fico na cruz, mas não quero a Vossa ausência sem Vos lembrar todas as intenções, todas, Jesus. Sabeis por onde principio… Vou acabar na humanidade inteira. Quero que a socorrais. Valei-lhe, valei-lhe, Jesus.

— “Vai em paz, vai em paz. Jesus atende, Jesus nada te nega. Confia! Tem coragem!”

— Obrigada, obrigada, Jesus!

3 de Janeiro – Primeiro Sábado

— “Minha filha, minha filha, o Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo cobre-te com a Sua sombra e enche-te da Sua graça. Instrui-te com a Sua ciência e sabedoria. O Senhor é contigo, sim, minha filha, o Senhor é contigo. O Divino Espírito Santo ilustra-te com a Sua ilustração. Fala nos teus lábios. Ilumina todo o teu espírito. Confia, confia, esposa minha. O Senhor é contigo, sempre contigo. O Senhor está contigo e vem dizer-te mais uma vez um muito obrigado. Sofreste muito, sofreste tudo o que te foi pelo Senhor enviado. Obrigado, muito obrigado. As almas aproveitaram, as almas enriqueceram-se com os teus sofrimentos. O mundo, o mundo foi feliz, feliz, feliz com este calvário”.

— Ó meu Jesus, meu Jesus, confunde-se, envergonha-me o Vosso “obrigado”. Sou eu, sou eu que tenho a agradecer-Vos. Não esqueçais, meu Jesus, que o meu obrigado é eterno. Ai de mim, sem Vós; ai de mim, sem a Vossa graça e força. Apiedai-Vos de mim, Jesus. Fazei que eu saiba sofrer. Pobre de mim! De nada me aproveitei.

— “Nada tens, minha filha, para maior martírio. Nada tens, tudo tens. Apenas sentes que nada tens. Foi o mundo, foram as almas a aproveitarem-se do teu martírio, mas a tua glória, grande glória, ditosa glória está preparada. Tudo está escrito no livro eterno. Não esqueças, minha filha, que muito vais sofrer, mas o Senhor está em ti e ao teu lado. Muito vais sofrer, mas este ano será também um ano de graças, um ano de luz, um ano de paz e de muita realização das promessas do Senhor. Diz ao teu Paizinho um “obrigado” do Senhor, um “obrigado” do seu Deus. Diz-lhe que é a estrela polar, vinda do Céu que tudo ilumina, tudo irradia. Diz-lhe que os que são do Senhor triunfam com o Senhor. Diz-lhe que os que vivem para Jesus vivem a vida de Jesus. Diz-lhe que os que se humilham por Jesus e pelas almas com Jesus triunfam, com Jesus são exaltados. Dá-lhe, no princípio deste novo ano, o meu “obrigado” com toda a minha paz, com todas as minhas graças, toda a abundância do meu amor com a certeza que ele é meu e será contado eternamente no número dos meus santos. Dá, minha filha, ao teu médico, dá com toda a clareza os parabéns de Jesus, o “obrigado” de Jesus. Diz-lhe, diz-lhe, minha filha, que Eu o amo louca e apaixonadamente, com os seus entes queridos, com os pedaços da sua alma e do seu coração. Diz-lhe que o amo loucamente e ao seu jardim florido. Diz-lhe que Eu quero que ele faça que se realizem as promessas do Senhor a respeito da minha causa, da causa maior, da causa que mais respeito diz à pobre humanidade. Mãos à obra, a actuar com os homens. Eu quero que haja clareza. Eu quero as coisas no seu lugar. Eu sou o Senhor; pedirei rigorosas contas àqueles que impedem que a causa triunfe, com todo o seu brilho, que lhe põem estorvos, que a querem cobrir com negros véus. Ela há-de brilhar, ela há-de triunfar, para glória de Deus e para bem das almas. Coragem, coragem, todos! Dá, dá ao teu médico a abundância das minhas graças e a certeza de que o Céu é dele, e que velo por todos os que lhe pertencem, por todos os que ele ama. Dá, minha filha, o meu “0brigado” a todos os que te rodeiam, a todos os que trabalham por ti e te defendem, a todos os que te amparam, protegem e te são queridos. Espalha, espalha por todos a minha paz, a abundância das minhas graças, o enchente do meu amor. Diz-lhes que todos os seus nomes estão escritos no meu Divino Coração e no da minha bendita Mãe. Enriquece a todos com as minhas riquezas. Dá a todos a minha graça, a minha graça em abundância, em abundância. Vem, minha bendita Mãe, não deixes sem as tuas carícias a Nossa filha. Dá-lhe toda a tua pureza, dá-lhe toda a tua graça e todo o teu amor”.

— “Minha filha, minha filha, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada, Eu sou a Imaculada Conceição. Dou-te tudo, tudo o que é meu. Dou-te tudo o que é de Jesus. Dou-te o que Ele te dava. Peço-te o que Ele te pediu. Agradeço-te como Ele te agradeceu. Dou tudo para todos os que Ele deu. Agradeço a todos os que Ele agradeceu. Não esqueças, filha querida, que Jesus está contigo e que a tua Mãe celeste, a Imaculada, a toda pura, a toda bela aos olhos do Senhor, te assemelha a Ela e por ti vela, contigo sofre. Com a minha graça ajudo-te a sofrer, ajudo-te a amar, ajudo-te a vencer. Confia, confia e tem coragem!... Recebe as minhas carícias. Estreito-te docemente ao meu santíssimo Coração. Enche-te de mim, enche-te de Jesus. Sofre por mim, sofre por Jesus, sofre por amor das almas. Coragem! Coragem! Vai distribuir o que recebeste de Jesus, o que recebeste de Maria”.

— Ó Mãezinha, ó Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, ó Mãezinha, ó Jesus, sejam sempre benditos e reparados os Vossos Divinos Corações! Obrigada! O meu eterno obrigada pela paz e pelo amor que me destes. Obrigada, o meu eterno obrigada por todas as graças que me concedestes e ides conceder-me. Ó Jesus, ó Mãezinha, lembro-Vos todos, todos quantos me são queridos. Dai-lhes tudo, dai-lhes tudo, concedei-lhes tudo para os seus corpos e sobretudo para as suas almas. Lembro-Vos toda a minha família, lembro-Vos todas, todas as intenções que me têm sido pedidas; lembro-Vos a humanidade inteira. Perdoai-lhes, perdoai-lhes a todos os corações, a todas as almas.

— “Vai em paz, minha filha. Tem sempre presente este colóquio do teu Jesus e da tua Mãezinha. Leva-Lhes a todos a paz do Senhor e pede em meu nome e em nome de minha bendita Mãe: penitência, oração, emenda de vida”.

— Obrigada, Jesus; obrigada, Mãezinha!

9 de Janeiro – Sexta-feira

Desfaleço no meu calvário. Por vezes, agonizo e parece-me que é para não mais viver. Que segredos, meu Deus, que segredos tem a dor. No meio destes desfalecimentos, quando estou louca de dor e tudo o que em mim se passa parece-me receber do mundo e transmitir ao mundo, repito com os olhos no Céu: faça-se, faça-se, meu Deus, a Vossa divina vontade. Sou a Vossa vítima. Entrego-me, abandono-me à Divina Providência. Neste transe doloroso, vou agonizando nos braços de Jesus e da Mãezinha sem sentir, por um momento, o seu amparo e protecção. Só a esperança e a confiança são o bálsamo do meu sofrer. Não sinto que confio, mas confio, não pode deixar de ser. Ou sofrer, ou morrer, meu Jesus. São tão grandes as ânsias que tenho do sofrimento que me levam a murmurar silenciosamente: é o meu coração a falar no mais íntimo com Deus: ai de mim, ai de mim, meu Jesus, se me tiráveis a dor. Eu não saberia viver sem sofrer. A vida sem dor seria para mim insuportável. Tenho a certeza, Jesus, que sofreria mais, se é possível, sem sofrer, do que com os sofrimentos que me dais. Não há nada que se compare com a doçura da cruz, quando a aceitamos e levamos por amor. É por Vós, Jesus, e pelas almas que eu sofro e que quero e aceito o que Vós quereis e me dais. Amo e beijo a mão bendita do meu Senhor. Caio e não me levanto. A dor desfaz todo o meu ser. A natureza apavorada sente quase impulsos de revolta contra a dor. Mas a vontade, no abraço mais íntimo, estreita-a, prende-a, enleia-a toda em fortes cadeias do mais puro amor; não pode deixá-la, não pode separar-se: dor e Jesus, Jesus e a dor. Sou ignorante, e a minha inutilidade roubou-me o sabor e o esforço de tudo quanto ditei. Menti-me a mim mesma; no sentir da minha alma é mentira tudo o que está dito. Como são dolorosos os brados do meu coração. Parece que todo o meu sangue cai sobre a podridão e o lodaçal do mundo. Tudo em mim são vícios e toda a humanidade sou eu, tudo lhe comuniquei. Meu Deus, meu Deus, não posso mais.

Ontem, no Horto, naquela dolorosa agonia, não eram os meus lábios, mas sim o coração que dizia: Jesus, se é possível, afastai de mim este sofrimento. Mas logo me atirava para ele, de braços abertos, como se fosse queimada pelas chamas a atirar-me ao mar de frescura e suavidade. Não se faça a minha, mas a Vossa vontade. Ó meu Deus e meu Senhor, quero consolar-Vos e dar-Vos as almas. Hoje, logo de manhãzinha, sentia colados ao coração os vestidos de Jesus ensopados em sangue do Seu suor de sangue no Horto. E, logo em seguida, já caminhando para o Calvário, sentia na alma todas as feridas do corpo sacrossanto de Jesus. Feridas dos açoites, feridas das quedas, feridas que Lhe causaram o meu mundo de pecados. E os vestidos a elas solados causavam-me indizíveis dores, dores insuportáveis, dores infinitas. No cimo do Calvário, pregada na cruz, o meu coração abriu-se por contínuas punhaladas. Abriu-se por amor, abriu-se para se dar, abriu-se para toda a humanidade acolher, abriu-se para lhe dar vida. A dor, que o meu coração sentia, feria o coração do próprio Jesus; era grande como Ele. O brado agonioso era constante. Eu não podia calar o meu coração. Antes de expirar, sob o peso imenso das humilhações e de injúrias, o coração levou a última lançada e deu a última gota de sangue. E, ainda antes do último suspiro, senti como se Jesus fosse descido por ele já morto. Com estes sentimentos e no mesmo momento fiz a entrega do espírito ao Pai. Houve o silêncio da morte. De repente, Jesus glorioso deu entrada no  meu coração, comunicou-me a Sua vidam o Seu regozijo e falou-me assim:

— “À porta do palácio chegou o Mendigo. É o Mendigo divino. Entrou e foi ocupar o seu trono, que é o teu coração, o teu coração, minha filha, esposa querida. Estou sentado à sombra das mais heróicas virtudes. Estou rodeado das mais belas e encantadoras flores. Perfume delicioso!... Aqui, sim, aqui esqueço, posso esquecer os crimes, os crimes horrorosos, crimes com que sou ofendido!... Minha filha, minha filha, escuta atenciosamente o teu Jesus. Esqueço, esqueço só por momentos. Não posso esquecer sempre. Esqueço neste colóquio delicioso, neste colóquio de maravilhas celestes. Se eu pudesse esquecer sempre!... Se pudessem ser ocultos aos meus divinos olhos os crimes da pobre humanidade! Mas ainda bem que encontrei um coração puro e generoso que suaviza as dores do seu esposo. Confia, confia, minha filha, este calvário é calvário de vitória, é calvário de salvação. Confia, confia, minha filha, este calvário é calvário de reparação, é calvário de glória e de alegria para Mim e para o meu eterno Pai. Minha filha, escuta, escuta, escuta as mágoas do teu Jesus. Sou ofendido, sou ofendido. A justiça do meu eterno Pai é continuamente desafiada. Ele não pode ver o seu Filho divino assim ferido, assim ultrajado. A sua justiça, a sua justiça, o seu braço vingador vem cair, vem cair bem depressa sobre a terra. O mundo não atende. Os pecadores não cedem à palavra do seu Senhor. Jesus avisa, Jesus avisa com toda a compaixão. Jesus avisa, avisa, porque ama; avisa, porque quer salvar.”

— Ai, meu Jesus, ai, meu Jesus! Entraste, meu Amor, no meu pobre coração numa alegria triunfal. Entraste, Jesus, deste-me alegria, deste-me a Vossa vida. Mas agora, agora, meu Amor, nuvens negras vieram encobrir a alegria, a vida, a luz que me destes. Que alegria profunda invadiu o meu coração!

— “Minha filha, minha querida filha, dei-te a minha alegria para te alegrar. Dei-te a minha luz para as horas das trevas. Dei-te a minha vida para sempre viveres de Mim. Faço sentir agora tudo quanto Eu podia sentir sem a tua dor, sem o teu sofrimento. Sofre, sofre, esposa amada. Sofre como mãe que está para dar à luz. Tu és a mãe dos pecadores. Sofre, sofre, minha filha, sofre por eles; dá-lhes a vida, dá-lhes a vida, dá-lhes a salvação. Minha filha, é infinita a tua dor, porque é infinito o teu amor. A tua vida é vida de Jesus. O teu triunfo é a vitória, é o triunfo e a vitória de Jesus. Sofre, sofre com alegria. Chama ao meu Divino Coração os pecadores, as ovelhas tresmalhadas.”

— O que fazer, meu Jesus? Vede a minha fraqueza, compadecei-Vos dela. Quero e não posso, quero e não posso. Ensinai-me, Jesus, ensinai-me, meu Amor, ensinai-me a sofrer, a ser pura, ensinai-me a amar.

— “Vem, louca, louca do sacrário, florinha eucarística, esposa do Amor divino; vem, vem receber a gota do meu divino sangue. Passou a vida, passou o alimento divino, o alimento celeste, a vida de que tu vives. Os anjos, os anjos contemplam esta maravilha celeste. Os anjos, os anjos contemplam este prodígio, esta graça de que eles não gozam.”

— Ó Jesus, meu doce Amor, voltei de novo à luz, à Vossa vida, ao Vosso amor. A dor desapareceu. Já sou outra, já sou outra, meu Jesus. O fardo mundial que me sobrecarregava deixou-me. Tenho a Vossa luz, tenho o Vosso amor na minha alma.

— “Fortalece-te, minha filha, fortalece-te. Enche-te de mim para te darem por Mim. Enche-te do que é do Céu, para te dares toda, toda à humanidade, aos pobres pecadores. Tem coragem, tem coragem! Fica na cruz! Vai para a tua dor. Vai para o teu calvário, para o teu doloroso calvário. Não esqueças, não esqueças, minha filha. Manifesta sempre a tristeza de Jesus. Diz às almas que estou triste, porque muito sou ofendido. Pede-lhes que Me amem, que Me não ofendam, que se corrijam da sua vida criminosa, da sua vida de vícios. Vai em paz e dá a minha paz”.

— Obrigada, Jesus! Obrigada, Jesus. Entrego-Vos o meu coração com todas as intenções da humanidade inteira. Não Vos esqueçais. Atendei, atendei, meu Senhor!

16 de Janeiro – Sexta-feira

Para obedecer e assim desta forma consolar a Jesus com a migalhinha do meu sacrifício, vou dizer só umas palavras, por mais não poder dizer. Não tenho forças. A cada esforço, a cada movimento dos lábios, sinto como se o coração desse uma gota de sangue. É tão doce derramar o sangue por amor de Jesus! Ele não permite que eu sinta essa doçura – bendito Ele seja! – mas faz que a alma se fortaleça, redobre de esforços a voar para Ele. Parece que eu fico toda a vida a bater as asas presas no lodo e na lama, sem nunca as poder desprender. Não importa. A doçura de sofrer por Jesus não está em saboreá-la, mas sim em enfrentar a cruz, beijá-la, abraçá-la e querer o que o Senhor quer. E, assim abandonada a Ele, vou para onde Ele me leva, aceito o que Ele me dá e só quero o que Ele quer. A vontade está pronta a aceitar toda a dor da humanidade inteira, se isso fosse possível. A natureza, a i a pobrezinha! Não sabe fazer outra coisa senão chorar e gemer, apavorada numa revolta contra si mesma. Ó cegueira, ó morte, ó inutilidade, ó calvário da minha vida, como tu és grande para aqueles que te sabem sofrer e não são pela inutilidade roubados. Meu Jesus, por Vosso amor quero ser cega, ignorante e inútil. Vós sois o guia dos meus caminhos, a força da minha cruz. E eu sou sempre a Vossa vítima. A minha dor tão grande, tão infinita, vai nos confins da terra, rompe os rochedos, despedaça montanhas, fere o Coração do meu Senhor. E o mundo não se compadece, os corações não têm pena da minha dor. Parece que o meu coração não pode estar calado, quer falar incessantemente das coisas grandes, das coisas do Céu, tem desejos infinitos de que todos os corações dos homens o escutem. O que eu sofro, o que eu anseio, só Jesus o sabe, só Ele o compreende. Não posso nem sei exprimir-me, sou ignorante. Sempre inútil na minha vida, cheguei, ontem à noite, inútil, ao solo duro do Horto. Fiquei sobre ele como um cadáver. A urna em que fui metida foi feita de podridão, de vícios e dos mais vergonhosos crimes. Era tão grande que preenchia a humanidade. Toda a terra era uma urna criminosa e eu cadáver feito da mesma podridão, dos mesmos vícios. O Céu estava fechado e nuvens grossas muito negras o separavam da terra. Dele saiu uma nova luz; as nuvens abriram-se a dar-lhe caminho, desceu até mim, penetrou no meu cadáver apodrecido. Uma vez ali, já não era eu morta. As veias rasgaram-se e um sangue vivo e puro regou a terra. Ela principiou a viver.

Hoje na minha inutilidade segui para o Calvário. Ia continuar a minha obra começada. Fiquei crucificada na cruz, lá no cimo do calvário. Era eu mesma que me apunhalava e retalhava o coração; o sangue saía a jorros; a terra, os corações humanos iam vivendo cada vez mais. Antes de expirar, senti o coração a desfazer-se pela sede ardentes de entregar a vida ao Pai. Só assim dava ao mundo a verdadeira vida. Expirei na maior agonia, no maior abandono. Jesus não se apressou a fazer-me de novo viver. Quando entrou no meu coração, eu vivi na Sua luz, no Seu amor. Ele em mim e eu n’Ele, ouvi nestas palavras a Sua divina voz:

— “À sombra da cruz, à sombra deste calvário, as almas, as almas encontram abrigo, encontram lugar de salvação. Minha filha, minha filha, Jesus está aqui tal e qual como no Céu, tal e qual como na Eucaristia. Estou aqui, sim, estou aqui para fazer desta sombra um maná vivificante, um maná que vive para o Céu, para Deus. Eu quero, minha filha, sim, Eu quero fazer de ti a minha vida, a minha vida completa. Eu quero que sejas das almas, que vivas para as almas. Eu quero que as almas ao abrigo deste calvário se alimentem deste maná celeste, se cubram com esta sombra de salvação. Vives de Mim e para Mim. Eu quero que as almas vivam de ti, para por ti virem a Mim. O que as almas recebem, de Mim o recebem. Tu és o canal das graças e da vida de Jesus. Tu és o porta-voz dos desejos de Jesus. Eu quero que as almas venham sequiosas à Eucaristia. É por ti, por este calvário que elas vêm. Eu quero, Eu quero almas, muitas almas eucarísticas. Eu quero almas, muitas almas a rodearem os sacrários, a voarem para Mim como as andorinhas em bando a voar para os seus ninhos. Vive, vive, florinha eucarística, vive a minha vida, tu que vives do meu Corpo e do meu Sangue, tu que continuas a minha obra redentora, a minha obra de salvação. Que pena, que pena, minha filha, o meu Coração sofre a indiferença de tantos, tantos corações! O meu divino Coração sofre a insensibilidade dos homens. Na hora presente, na hora gravíssima que passa a humanidade, põe neste calvário um meio de salvação. Dei aos homens este calvário como prova do meu infinito amor. Sofro porque não se aproveitam dele todos quantos o meu Divino Coração deseja. Sofro porque não correspondem a tão grande graça e prova de amor do meu Divino Coração”.

— Ó Jesus, não me digais mais, meu Jesus, não me digais mais. Não quero ouvir-Vos dizer que sofreis. Eu quero sofrer tudo por Vós. Eu quero reparar-Vos por todos os corações, por todas as almas. Eu quero, Jesus, eu quero, Jesus, sim, que eles creiam em Vós.  Eu quero que eles vão aos sacrários. Eu quero que eles Vos recebam. Eu quero ver o mundo a arder nesse fogo em que Vós estais a arder agora e no qual, meu Jesus, fazeis arder o meu pobre coração. Que eles me descreiam, para crerem em Vós; quero que eles me desprezem, para se abeirarem de Vós. Que eles se aborreçam de mim, para Vos amarem a Vós!

— “Minha filha, minha querida filha, o fogo, em que Eu ardo e te fiz arder, é o fogo da Eucaristia. O teu desinteresse de ti mesma dá maior alegria ao meu Divino Coração. Tem coragem, tem coragem, minha filha. Os homens não fazem como Eu quero, mas a tua vida, a tua vida vai chegar aos confins do mundo. Vai ser para as almas um íman atraente. O Senhor triunfa e com Ele triunfa este calvário. O Senhor é Rei e com ele há-de reinar sobre os corações, sobre as almas. Tu és vida, tu és farol, tu és luz e vida divina que se lhes comunica. Quem vive a vida de Cristo, só a vida de Cristo faz viver. Vem, minha filha, receber a gota do meu Divino Sangue. Foram os anjos, foram os anjos a unirem os nossos dois corações; o meu e o teu ficaram num só. A gotinha do Sangue passou. Os anjos, os anjos ficaram deslumbrados à vista de tão grande prodígio. Fica na cruz, minha filha. Vai para o teu martírio. Pede, pede ao meu querido e santo Patriarca que comunique ao Papa, ao sábio dos mistérios divinos, que Jesus o tem inteiramente dentro em Seu Divino Coração. Ele é o grande sábio da vida de Deus. Ele é o inigualável compreendedor da vida de Deus nas almas. Já lhe prometi, volto a prometer-lhe: ele vai direitinho para o Céu. Passa deste exílio para o Paraíso. Diz-lhe que é Jesus a pedir-lhe que fale, que fale muitas vezes, muitas vezes à humanidade inteira. Sempre que ele fala, sou Eu a falar. Tudo quanto ele quer e exige, sou Eu que o quero e o exijo. Que peça oração, muita oração, muita penitência. Que peça uma vida nova, uma vida pura. Que peça para que haja almas, muitas almas no meio do mundo, almas vítimas, verdadeiramente vítimas para repararem os crimes, para aplacar a justiça do Senhor. Coragem! Coragem! Sempre alegre na tua cruz, sempre na tua cruz”.

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, meu Jesus. Cá estão como sempre todas as minas intenções; mais que nunca sabeis o dia que passa, meu Jesus. Movei os corações: Vós sois o Senhor! Movei os corações! É por Vosso amor que eu Vos peço, é para bem das almas. Lembro-Vos todos os que eu amo e são meus. Lembro-Vos a humanidade inteira.

— “Coragem, coragem, minha filha! Confia no teu Senhor! Coragem, coragem, minha filha, crê em Mim, espera em Mim! Estou contigo”.

— Obrigada, Jesus! Obrigada, meu Amor!

23 de Janeiro – Sexta-feira

Morta, e à sombra da morte, passo os meus dias. Eu estou morta, e uma sombra mundial me cobre. Não sei como aguentar, não sei como poder resistir a tão grande sofrimento. Só o meu Jesus, só o Senhor todo-poderoso pode triunfar em tão doloroso martírio. O coração e a alma choram lágrimas de sangue. A inutilidade vem bebê-las, chupá-las todas à saída das chagas, não as deixa aparecer, sinto como se até Jesus não as visse. Não tenho nada, mesmo nada, para a eternidade; não tenho nada, nada com que possa consolar Jesus e provar-Lhe o meu amor. Contudo, as ânsias são indizíveis de me dar, dar, derreter, desaparecer n’Ele. Tenho ânsias, infinitas ânsias de me derreter no crisol do sofrimento, só por Jesus, por Jesus e pelas almas. Eu não tenho nada; a inutilidade rouba-ma tudo, mas a dor angustiosa, os espinhos mais agudos e penetrantes surgem-me de todos os lados, vêm ao encontro destas ânsias, para logo a inutilidade, como lobo ou leão furioso, arrancar-me tudo para jamais me deixar possuir alguma coisa. Eternidade, eternidade, como hei-de eu ir para ti nesta pobreza, despida de tudo, mergulhada apenas num abismo infindo de trevas, de podridão e de crimes. Sou um mundo de maldades, das mais criminosas maldades que encheram toda a terra, chegaram ao Céu e estão a cada momento a provocar, a desafiar a justiça do Senhor. Tremo de pavor. Queria dizer às montanhas que caíssem sobre mim e me encobrissem: esmaga-me a justiça do Senhor. Se eu soubesse sofrer e aproveitar-me da cruz que o Senhor me dá, quantos méritos para a eternidade e quanta glória para o Céu. Ai, pobre de mim! Não sei fazer o que eu mais anseio: amar a Jesus, sofrer por Jesus. O meu Horto foi de morte e de horror ao sofrimento. Era noite: eu estava nele mais firme e mais dura do que a mais dura rocha.

A noite ia alta e sobre o solo do meu peito ficou o calvário e a cruz plantada. Eu era o mundo, o calvário e a cruz e a escada por onde subiam as almas a Jesus. Apesar de ser morte, era a vida, era o Céu. A noite foi tormentosa para o meu corpo. A alma de vez em quando agonizava de dor com a aproximação da sexta-feira. Hoje de manhãzinha, sem estar a dormir, pareceu-me que despertei dum sono profundo. Despertei num sobressalto: a morte, a morte! Vou morrer! E ia morrer ao mesmo tempo que era a vida. Encaminhei-me para o Calvário; para lá seguiu o meu coração, para ir ao encontro da morte, para se dar todo, todo, e ser a vida. Eu, na minha inutilidade, segui caminhos diferentes, caminhos errados. Andei tanto, tanto, pisei toda a terra culpada. Não sei como, levada por uma força e por um amor que me impelia, cheguei ao calvário; fui de encontro à cruz de Jesus, abracei-me aos seus pés, reguei-o com as minhas lágrimas, chorei as minas culpas. Jesus lavava-me com o Seu Sangue. Quanto mais eu era por Ele lavada, mais para Ele subia, mais o Seu divino amor me penetrava, até que fiquei toda Cristo: a mesma dor, as mesmas chagas, a mesma agonia, o mesmo amor. Não era eu a entregar-me, era Ele em mim a entregar-me ao Pai. O meu pobre coração recebeu as lançadas que atravessaram o de Jesus. Lançadas estas que deviam ferir-nos em todos os tempos. Com tal crueldade, Jesus bradou tão fortemente que fez estremecer o Céu e a terra. Houve neste momento uma tal mistura, ficaram os dois num só, e Jesus expirou. Reconciliou-se a terra com o Céu. Já todos podíamos viver a mesma vida. Depois de uns rápidos momentos, Jesus veio como Senhor e possuidor de tudo, entrou no meu coração como numa mansão Sua, triunfava sobre o maior triunfo, fez-se sentir o Seu amor, irradiou-me com a Sua luz, inundou-me da Sua paz e falou-me assim:

— “O Coração Divino de Jesus transborda de amor. Faísca para toda a terra, para todos os corações e todas as almas as mesmas chamas, o mesmo incêndio de amor. É Pai, e Pai bondoso. Quer dar-se, dar-se e fazer que todos os filhos Seus ardam nas mesmas chamas, no mesmo incêndio de amor. Escutai, escutai a voz do misericordiosíssimo Jesus. Ele fala pelos lábios da Sua vítima, da heroína dês te Calvário. Alerta, alerta, muita oração, muita penitência. Depressa, depressa, depressa! Ai do mundo! Pobre do mundo! Depressa, depressa a reconciliar-se com o seu Deus. Depressa, depressa, é urgente aplacar a justiça do Senhor. Escutai, escutai e atendei ao apelo de Jesus. Venho pedir amor, venho pedir a frequência da Eucaristia. Venho pedir o rosário, a devoção pura e santa à Minha Bendita Mãe. O meu Divino Coração dá-se, dá-se todo em amor. Dá-se para receber, para possuir. Quero amor, amor de todos os corações. Todos os corações são meus, todos os corações quero possuir.”.

— Ó Jesus, ó Jesus, sinto que o meu coração arde no Vosso amor divino. Sinto que todo ele é amor, que todo ele é luz. Eu quisera, Jesus, sim, eu quisera poder mergulhar neste oceano infindo de doçura, paz, amor e misericórdia, a humanidade, a humanidade inteira. Todos os filhos Vossos. Ah! Se eles gozassem deste amor, desta paz, desta Vossa vida, não Vos ofendiam, Jesus. Permiti-me, Jesus, permiti-me que eu Vos diga: este amor, esta paz veio encobrir, veio desviar de mim o pavor causado, quando me dissestes que era preciso aplacar a justiça de Vosso Pai. Naquele momento, eu vi o rasgar-se das nuvens e o estralejar do trovão. Apavorei-me, apavorei-me. Foi como se o Céu viesse desfazer toda a terra.

— “Sim, minha filha, sim, minha filha, na minha ciência divina Eu vi que era preciso suavizar o tormento do teu coração e da tua alma causado por tudo quanto viste e sentiste. Minha filha, minha filha, será assim e muito breve. O Céu destruirá a terra. Será assim e muito breve, se o mundo se não levanta para o seu Deus. Será assim e muito breve, se os pecadores se não reconciliam comigo. Será assim e muito breve, se o meu divino amor não destruir o vício, a maldade e o crime. Sou Pai que ama e quer ser amado. Sou Pai que ama, avisa e quer perdoar. Coragem, coragem, minha filha. Vais ter toda a força de Jesus, assim como possuis todo o amor de Jesus e todas as Suas riquezas. Vais ter a força, porque vais sofrer, para muito me reparares. Tens o amor, porque muito me amas e fazes amar. Possuis as minhas riquezas, para as distribuíres. Foste criada para a mais nobilíssima missão. Foste criada para as almas e para Deus. Foste criada para a dor e para o amor. A dor e o amor são penhores de salvação. Vem, minha filha, receber a gota do meu Divino Sangue. Dois corações num só coração a viverem a mesma vida. Passou a gotinha do Sangue Divino. Passou o alimento do teu corpo e da tua alma. Passou nova vida, novo conforto. Cada vez que a gota do meu Divino Sangue passa, mais a ti me comunico, mais me possuis, mais vives da minha graça, do meu amor. Fica na cruz, sempre na cruz, para a salvação do mundo. Fala às almas, sempre às almas. Encaminha-as para Mim. Fala-lhes da minha misericórdia e do meu amor, mas não deixes de lhes falar da minha justiça e justiça de meu Pai. Vai em paz e dá a minha paz”.

— Quero a Vossa paz, Jesus, e quero tudo o que é Vosso, mas não quero separar-me sem Vos lembrar as minhas intenções. Fazeis-me, Jesus, fazeis-me?

— “Faço, faço, minha filha; confia. Eu sou o Senhor todo-poderoso. Eu permito que bebas o cálice e possas beber até à última gota, mas depois venho Eu, remedeio tudo. Haja luz, faça-se luz! Eu quero que os cegos vejam. Eu quero que os inimigos da minha divina causa se transformem. Vai em paz. Vai em paz. Coragem e confia!”

— Ó Jesus, muito obrigada! Lembrai-Vos de todas as minhas intenções. Lembrai-Vos de todos os corações, de todas as almas, de todos os filhos Vossos. Perdoai ao mundo! Perdoai ao mundo!...

30 de Janeiro – Sexta-feira

A dor, a dor, o meu pão de cada momento do dia e da noite, a dor inseparável do meu viver. E eu custa-me tanto falar dela! Mas eu, que não tenho outra coisa a não ser dor, outra coisa não posso dizer, doutra coisa não sei falar. O Senhor aceite o meu sacrifício, sacrifício porque não posso. A cada movimento dos lábios, uma golfada de sangue me parece sair do coração e aos lábios vir afluir. Sacrifício porque, na minha ignorância, nada sei dizer da dor, em comparação do que sofro. Eu queria esconder-me a mim e esconder a dor; não queria falar de mim nem falar da dor. Ah! Se eu pudesse até escondê-la ao Céu! Se eu pudesse reparar a Jesus com o sofrimento, sem Ele saber, eu que sofria, eram os meus desejos. Consolá-Lo a Ele, e eu na maior agonia, oculta aos olhares e à sabedoria de todos. Sinto-me tão pequenina, tão nada, parece-me que me desfiz no lodo da terra. Nem sou verme nem sou nada a não ser aquela grandeza mundial de vícios. De crimes de toda a espécie, um universo de podridão. Todo o inferno está raivoso contra mim. Parece que eu ando desfeita em farrapos nas garras de Satanás, ou melhor, de uma legião deles. Conheço tudo o que é mau, e tudo o que é mau é por mim praticado. Tive um combate pavoroso e nesse combate eu parecia cometer toda a espécie de crimes descaradamente, sem temor e sem vergonha. Se é Jesus que quer a minha reparação, bendito Ele seja! O que eu não quero é ofendê-Lo! Ai, quanto se peca, meu Deus, ai, quanto se sofre! Não posso ditar mais. Só digo umas palavrinhas do meu Horto de ontem, do meu calvário de hoje.

O barro mundial do meu corpo foi no Horto amassado com o Sangue de Jesus. Misturou-se o Céu com a terra, a pureza com a podridão, a vida com a morte. No Calvário de hoje, fui eu morta nos braços não sei de quem. A inutilidade e a indiferença triunfaram no alto do calvário, a cruz estava levantada ao alto; Jesus nela crucificado. E eu, junto do pé da cruz, estava nos braços da Mãezinha. Eu estava morta, mas mesmo morta sentia a sua dor. Eu era Jesus, e Ela era minha Mãe; eu era o mundo, e Ela era a Mãe do mundo. O meu coração era só dor e sangue e recebia as Suas lágrimas. Assim expirei, assim passei pela morte que se prolongou por bastante tempo. Para viver, foi preciso despertar como dum sono. Despertei mais depressa com o amor fortíssimo de Jesus do que com a Sua divina voz. Desde que o Seu amor penetrou em mim, ouvi-O falar desta forma:

— “Está aqui o Senhor. Desceu do Céu. Neste coração, neste calvário veio repousar. Está aqui o Senhor com todo o Seu amor, com toda a Sua misericórdia. Enche-te, minha filha, do meu amor infinito, para o dares, dares com abundância. Estou aqui com toda a misericórdia, para por ti ela ser sempre dada aos pecadores, a todos os filhos meus. Está aqui Jesus, está com dor, dor pungente em Seu Divino Coração. Fala, fala, minha filha; comunica as minhas tristezas, as minhas mágoas. Espinhos e punhais agudos atravessam o meu Santíssimo Coração. São os pecadores, são os filhos meus que não têm, não têm compaixão do seu Deus, do seu Pai, do seu Jesus. Fala, fala, minha filha. Diz quanto sofre e quanto ama o teu Esposo, o teu Esposo, o teu Amor”.

— Ó Jesus, eu não sei falar. Eu sou indigna, muito indigna de falar de Vós. Viestes, cheio de amor, e de amor me enchestes. Viestes cheio de misericórdia, e de misericórdia me deixastes a transbordar. Mostrastes-me amor, mas o Vosso Divino Coração todo ele tem espinhos e punhais a atravessá-lo. Ai, tanto sangue, meu Jesus! Ai, tanto sangue, meu Jesus, e comunicastes-me a Vossa dor. É dor de morte, meu Jesus. Sou eu, Jesus, são os Vossos filhos a ferirem-Vos assim. Sou eu, Jesus, é a humanidade inteira que é cruel. Se eu Vos amasse!... Se eu Vos fizesse amar com amor igual com que nos amais! Pobre de mim! Pobre de mim, meu Jesus! Não Vos amo, nem faço que sejais amado. É inútil todo o meu viver.

— “É útil, minha filha, muito útil. Tem a maior utilidade. A tua vida é um portento das graças e das maravilhas do Senhor. A tua vida, minha filha, a tua vida tão mal compreendida é do maior proveito para as almas, para a humanidade. Este calvário prodigioso foi escolhido por Mim. Por Mim foste aqui colocada. Por Mim foi preparada a tua nobilíssima missão. És de Jesus e és das almas. Vives para Jesus e para as almas. O teu sofrimento eleva-as para o Céu. O teu sofrimento atrai-as ao Coração do Senhor. O teu sofrimento salva-as aos milhares, aos milhões. Coragem, minha filha, que o Senhor é contigo. Coragem, que o Senhor é fidelíssimo. Não falta ao que promete. Coragem, coragem, minha filha, no teu calvário. Sofre, sofre muito e alegremente. Sofre tudo o que… Dá, dá a Jesus tudo quanto Ele te pede. Sofre, porque o teu sofrimento é a escora mais firme que sustenta o braço do Eterno Pai, sustenta a Sua justiça. Ai do mundo, ai do mundo! Ai de Portugal, ai de Portugal sem os teus sofrimentos, sem a tua imolação. É urgente, é urgente. Pede oração, pede penitência, pede emenda de vida. Vem, vem agora receber a gota do meu Divino Sangue. Oh! Maravilha celeste! Oh! Maravilha celeste! Oh! Maravilha do Senhor! Dois corações unidos num só coração! Duas vidas numa só vida! A gotinha do Sangue passou. Passou o alimento que te fortalece para a graça, para a dor, para a vida, para o amor. Vives a vida de Cristo. Vives a mesma imolação de Cristo. Vives o mesmo Calvário de Cristo. Vives a mesma obra salvadora de Cristo. Fica na tua cruz, minha filha. Espera nova dor, porque te preparei nova efusão de amor. Coragem! Vai e dá a minha paz, o meu amor, a minha riqueza, tudo o que é meu. Coragem, e convida com doçura, com amor, as almas a virem ao meu Divino Coração. Lembra-lhes que sou amor e misericórdia e que sou justiça, tremenda justiça!”

— Ó Jesus, fico na minha dor, na minha cruz. Fico em trevas pavorosas. Que tudo isto cicatrize o Vosso Divino Coração. Que todo este sofrimento atraia para as almas as graças que necessitem, tudo quanto Vos tenho pedido e não sei pedir. Que todo este sofrimento arranque do Vosso Eterno Pai o perdão, a misericórdia, a salvação para o mundo inteiro. Perdoai, Jesus. Perdoai, Jesus, e tende presente todas as minha intenções. Amo-Vos, meu Jesus, e tudo aceito, para que toda a humanidade Vos ame. Obrigada, meu Jesus. Ficai comigo. Sede a minha força.

— “Vai em paz, minha filha! Fica na cruz. Confia em Mim!”

   

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