1º
de Fevereiro de 1945
– Dai-Me forças, dai-me graça, meu Jesus, se quereis que eu dite o
que me vai na alma, se quereis que eu cumpra o meu dever de
consciência. Não tenho forças, Jesus, e ditar os sentimentos da
minha alma causa-me tanta repugnância!
Parece-me que não só morri, mas que nunca existi no mundo. Mas
existe agora e existiu sempre a minha negra ingratidão, as minhas
maldades e horrorosos crimes; fazem-me tremer e arrepiar de pavor.
Desejo tanto os sofrimentos, sinto que os quero tanto, parece-me que
estou louca por eles. Quanto mais sofro mais quero sofrer, mas sofro
apavoradamente. Amo a dor e quero a dor e tenho dela o maior medo, o
maior pavor. Corro para os sofrimentos numa alegria doida de os
abraçar e ao mesmo tempo parece-me que com eles choro lágrimas de
sangue e deles me queria esconder. Ó horror, tremendo horror! Quero
sofrer, quero fugir à dor.
Nestes
dias, em que tanto tive de dar a Jesus, não pude ter um momento de
alegria ao oferecer-Lhe os meus sofrimentos. Muitas vezes repetia:
por Vós tudo, meu Jesus, e pelas almas. Esse tudo, que oferecia a
Jesus, não era meu, não era nada. Passei dias, passei noites neste
estado, a dar, a oferecer, sem ter que dar, sem ter que oferecer. O
que fiz eu? Entreguei-me à cruz, de mãos e pés cravada nela, dizia:
– Aceitai-me, Jesus, tal qual me sinto. Não sofro? Aceitai os
desejos que tenho de sofrer! Não amo? Aceitai as ânsias que tenho de
amar. Não sou eu, não vivo. Não tenho que oferecer? Aceitai tudo de
quem é como se eu vivesse, se eu sofresse, se tudo me pertencesse.
Estou na cruz, dei-me à cruz, espero da cruz passar à Vossa glória,
ao Vosso amor, ao Vosso céu. Confio, confio, meu Jesus. Sinto na
minha alma tantos maus-tratos! E sinto também remorsos ou não sei
quê de várias pessoas que me têm feito sofrer. O que é isto, meu
Jesus? Não bastam os sofrimentos que me causaram, ainda tenho de
sofrer a traça que lhes rói a alma! Sou a Vossa vítima, Jesus. Pecar
não, mas tudo o que seja para eu Vos amar e Vos dar glória: quero
tudo, aceito tudo, meu Jesus.
O
demónio não veio ainda com os seus ataques tremendos. Tem-me
aparecido, sim, em forma de tremendas feras, feios esqueletos, a
fazer-me gestos maus e a dizer-me se ainda não estou restabelecida
das minhas forças para continuar a minha vida de vícios, de gozos e
de crimes. Nesta noite, apareceu-me em forma de homem, de pé junto
da minha cama. A altura dele era quase a do meu quarto. Na cabeça
tinha um chapéu grande, parecia-me de ferro. Vestia três cores:
vermelho-encarnado, verde e preto. O rosto parecia um monstro, olhos
muito feios. Demorou-se junto de mim, mas não me tocou. A visão foi
assustadora, ele podia engolir-me inteira. Que mais poderá ele
pintar!
Sou
sempre a vítima de Jesus. Os espinhos não cessam de cair sobre mim,
caem com tanta força! Ferem-me o corpo, ferem-me a alma. E, há dois
dias, sem receber o meu Jesus! Onde hei-de ir buscar a força para os
suportar? Estão sempre gravados diante de mim os quadros
tristíssimos que Jesus desenhou na minha alma: o mundo, o limbo, o
inferno. Quantas vezes nem posso respirar, para nada vejo remédio,
nada posso fazer por eles. Só agora, caminha para dois dias que a
minha alma sente uma chuva miudinha, chuva de nevoeiro, uma chuva de
sangue que orvalha a humanidade inteira. Sofro incessantemente com
isto, não por ver e sentir esse orvalho de sangue, porque é orvalho
de amor, é orvalho que dá de tudo, mas sim porque esse sangue que
orvalha sai de mim mesma, sai do meu coração, das veias do meu
corpo.
— Ó que
dor, ó que dor, que só ela tirava a vida ao mundo! Ó tarde de
quinta-feira que me trazes tudo; que mar de sofrimento! Estou tão
manchada, causa-me tanta repugnância ver-me assim! Tenho tanta
vergonha que o Eterno Pai me veja e observe a traição que me
preparam! Se pegassem em mim e me pusessem à boca duma fera, não
teria tanto medo, não me causariam tanto horror os sofrimentos de lá
como me causam estes e a sexta que se aproxima. Ó sofrimento que por
tão poucos és compreendido! Aumentai em mim, Jesus, amor, só amor.
2 de
Fevereiro de 1945 – Sexta-feira
Escusado é fugir, nem esconder-me; não posso, não tenho para onde.
Tudo é noite. E sinto-me à porta do inferno. Ó meu Deus, que
tormentos arrepiantes me esperam.
Chegou
a sexta-feira, triste sexta-feira! Vi a minha cruz, vi-a ainda cedo;
preparavam-na a toda a pressa. Ela era precisa, fosse qual fosse a
sentença que eu recebesse. Dentro da minha alma sentia a mansidão, a
bondade sem igual; dentro dela também, e ao mesmo tempo, sentia
contra a mesma bondade e mansidão o ódio, o rancor, o desespero e
uma autoridade orgulhosa; orgulho sem igual. Feras contra o
Cordeirinho mais pequenino e inocente. Meu Deus, que dor por esse
cordeirinho tão cheio de bondade! Senti essa autoridade orgulhosa
ainda antes de lavrar a sentença contra o cordeiro inocente; com um
furor diabólico rasgaram de cima a baixo os seus vestidos.
Ao
encontro destes sofrimentos vieram os sofrimentos causados pelo
demónio. Ele anda desesperado, não sei porquê, mas certamente por
Jesus não ter deixado, ainda não continuou as suas manobras
infernais. Veio para a minha frente em figura de fantasmas, mas de
tal altura que não lhe via o princípio nem o fim. Mostrava-se muito
nojento por mim. Senti-o a querer escarnecer-me dentro da boca,
piores ainda, não as digo aqui, é porco, é escandaloso. Ele não se
satisfaz com tudo isto; a sua raiva é por não conseguir fazer o que
tantas vezes tem feito.
— Jesus, aceitai o meu sacrifício, custa-me tanto falar; é
obediência, santa obediência; se não fosses tu, sofria sozinha, em
silêncio, só Jesus o sabia.
E hoje,
dia da Mãezinha, e eu ainda sem comungar, sem receber do meu Jesus
força para tanta dor, dor que desfaz, dor que rasga e volta a rasgar
a minha pobre alma. Subi a montanha do calvário com tanto custo,
sempre a parecer ir expirando. Clamei, clamei sem cessar:
— Pai,
ó meu Pai, até tu me deixas, até tu me abandonas!
O meu
sangue corria, encosta abaixo. Escondeu-se o sol, encobriu-se
envergonhado de tanta malícia. E eu, envergonhada, estava na cruz,
despida, à vista da canalha mais vil. Os meus vestidos foram
cortados e distribuídos. A minha tristeza e amargura não cessaram. A
alma tremia com dor e com medo como o corpo treme de frio. A bradar
sempre por Jesus, Ele veio e trouxe com Ele um sol luminoso e
abrasador. Cessaram as tremuras da alma, o medo e toda a dor; só
tinha paz, só tinha luz e amor. O coração principiou a receber uma
vida que não sei explicar, todo o peito se me abrasou em chamas. Que
suavidade eu gozei e por muito tempo. A abóbada do céu desceu sobre
mim toda ela almofadada em algodão, a qual envolvia os anjos com
instrumentos. Ouvia os seus hinos maravilhosos, não os compreendia
bem, mas sei que eram a Jesus Sacramentado. Ouvi as palavras
Corpus Domini Jesu Christi, senti que Jesus se deu a mim e me
prendeu mais e mais a Ele. Os anjos continuavam a cantar; por entre
eles sobressaiu um canal fortíssimo directamente a mim, dele caíam
chamas de fogo e muitas e muitas coisas, tudo entrava para mim. E
então principiou Jesus a dizer-me assim:
— Este
canal, minha filha, é do coração da tua e minha Mãe Bendita; dele
recebes o nosso amor na maior das abundâncias; dele recebes as
nossas graças, virtudes e dons, riquezas divinas e tudo o que é do
céu. Dele recebes vida para viveres, vida para dares às almas. É
este o orvalho, o sangue que sentes cair sobre a humanidade. É uma
mistura que faço das minhas riquezas, das minhas graças com a tua
dor. És a nova redentora. Passo para ti tudo pelo canal da minha
Bendita Mãe; és tu com Ela que salvas o mundo. Não te entristeças,
minha filha, por não me receberes na Eucaristia. Quanto mais fores
humilhada e a minha divina causa combatida mais maravilhas, maiores
prodígios opero em ti. A minha divina ciência tem sempre que dar-te
e tu, minha pomba bela, tens sempre que oferecer. Já que é sem igual
a tua dor, o teu martírio, é sem igual o meu amor, as minha
maravilhas em ti. São luzes confusas para aqueles que as não
quiseram ver claras. Vida maravilhosa e prodigiosa é a tua, ó filha
querida. Tu és orvalho que fecunda e dá vida. Tu és de Jesus, tu és
das almas. És a bolinha de Jesus, és a bolinha dos meus
entretimentos, dos meus encantos, assim como és a bolinha de
encantos atraentes para os pecadores. És de Jesus e és deles. És
vítima que amas e encantas o céu, és vítima que dás a vida momento a
momento pela humanidade. Recebe toda esta vida divina, dá-a ao mundo
faminto, dá-a ao mundo em perigo. A ti o entreguei, a ti o confiei.
Tenho eu, Jesus, toda a confiança em ti. Confio tanto quanto tu me
amas, quanto amas as almas. És rica comigo, comigo as salvas, comigo
e minha Bendita Mãe. Vai, minha jardineira, para a minha
agricultura. Vai dar, vai distribuir.
— Deixai-me, meu Jesus, dar tudo o que de Vós recebi a todos aqueles
onde vai agora o meu pensamento.
E
nomeei as pessoas a Jesus. Ainda abrasada no Seu divino amor, cantei
à Mãezinha:
No
meu calvário, na minha cruz,
Clamei alto, clamei sempre
Por
ti, ó Mãe, ó Mãe de Jesus!
Mãe,
ó Mãe de Jesus,
Mãe,
ó Mãe do meu Senhor,
Vem,
dá-me luz, vem dá-me amor,
Suaviza a minha cruz!
Desprendi-me de Jesus. Desapareceu o céu com todo o brilho, e o
canal do coração da Mãezinha desapareceu com ele. Fiquei de novo
sozinha na minha cruz, mas com o coração a arder, todo o peito está
em chamas. Com a força que recebi pude ditar tudo isto sem grande
sacrifício das minhas palavras. Sinto ainda o fogo no coração, mas
os lábios já mal têm força para mover-se.
5 de
Fevereiro de 1945
Na
noite de dois para três ainda longe de aparecer o dia, ao
recordar-me que era o primeiro sábado, senti em mim uma alegria
indizível, até a mim me causou espanto; eu, que tenho tanto medo e
tanta repugnância aos êxtases, como podia ansiar e alegrar-me com a
lembrança de que Jesus ia falar-me? Numas ânsias loucas do céu,
esperava com alegria o colóquio com Jesus. Enganei-me: nesse dia
ainda não comungara, e Jesus não me falara como de costume. Esperei
uma hora, esperei outra, sem O ouvir. Oh! quanto eu sofri! Como não
Lhe falei, sofri por não Lhe falar. Se Ele tivesse vindo, sofria
talvez com receio de me ter enganado. Bendito seja o sofrimento de
cada dia. Estava tão triste! Parecia-me que o mundo tinha coalhado
de gelo. Queria possuir o mundo e aborrecia-me dele. Estava cansada
de viver, sem sentir a vida.
— Ó
Jesus, seja tudo para Vossa maior honra e glória. Servi-Vos de tudo
para eu Vos amar e fazer amado. Aceitai tudo, para que as almas
sejam salvas. Valei-me, Jesus, valei-me, só o céu pode dar remédio a
tantos males.
Esperei
todo o sábado, todo o domingo, sem que Jesus viesse, sem que me
falasse.
— Ó meu
Deus, não pode ser maior o meu abandono.
O
demónio rodeava-me em forma de feras; sempre gestos pecaminosos e
porcos. Arreliava-me por Jesus não me ter falado; dizia-me que Ele
não voltava a falar-me. Veio a noite. Quando rezávamos o nosso
terço, já ele me ameaçava e dançava à minha frente de contentamento.
Depois que fiquei sozinha, ele principiou a chamar os camaradas dos
infernos para virem pecar comigo. Que ia ser uma noite de pecados,
prazer e gozo.
— Agora
já descansaste, já queres voltar à mesma vida de vícios.
Parecia-me que tinha as mãos atadas; não tinha o terço nem a
Mãezinha e não podia bradar ao céu. O coração custa-lhe muito a
resistir às suas manhas infernais, parecia-me morrer. Pude então
dizer a Jesus:
— Morrer não me importa e morrer da forma que Vos agradar mais, mas
pecar não, isso nunca; valei-me, Jesus.
A Sua
divina voz fez-se ouvir. Ele falou em meu coração:
— Anjo
bendito, obedece à voz do teu Senhor; levanta a minha vítima
inocente, livra-a das garras de Satanás.
Nestes
momentos, eu estava sobre uns abismos medonhos traçados a sangue.
Fiquei de repente nas minhas almofadas, já de mãos soltas e
libertada do demónio. Não sei dizer a dor que sentia, desfazia-me o
coração. Que pena eu tinha de Jesus! Que receio de O ter ofendido!
Não fiquei assim por muito tempo. Voltou Jesus a falar-me:
— Não
te entristeças, minha filha, tu não pecaste. Não queres dar-me
consolação? Não queres dar-me reparação? Necessito tanto dela nesta
hora! Olha, vim ao teu coração buscar alegria, vim ao teu coração
buscar amor, consolação e a reparação que desejo. Alegra-te, confia,
em ti encontro tudo. Não queres alegrar-me? Alegra-te comigo.
— Bem
sabeis, meu Jesus, que tudo Vos quero dar, que só quero viver para
Vós e para as almas. Mas sabeis também que a minha tristeza, a minha
dor, é o receio de ter pecado. Não posso viver sem Vós.
— Não
pecas, filhinha, não te deixo pecar; não vives sem mim. Olha, queres
saber porque ontem não te falei? Olha, dei-me a ti com mais amor,
com mais intimidade do que se comungasses e não te falei para mais
de ti receber. Por não te falar, foi que te tirei o medo e o receio
de falares comigo e pus em ti as ânsias, os desejos de me ouvires e
de mais te unires a mim. Procedi assim, primeiro para aclarar mais e
melhor a tua vida, para dar mais luz àqueles que não querem ver.
Quero que eles vejam, que eles conheçam como me comunico a ti, como
é a minha vida em ti. Em segundo lugar, para saciar mais a minha
sede em ti e tu a tua em mim. Tu és a fonte pura, és fonte de água
cristalina. Vem o Rei beber à fonte da sua rainha, e a rainha sacia
a sua sede no seu Rei. Vem o Esposo matar as suas ânsias divinas na
sua esposa amada, na esposa sem igual. Vem o jardineiro ao seu
jardim, ao jardim que aos pecadores pertence. Venham eles a ele
colher as flores angélicas. Venham eles a ele abrilhantarem-se,
venham eles a ele perfumarem-se; são aromas celestes, são aromas
divinos. Ó mundo, que não conheces a preciosidade que te foi dada.
Estuda, aprende, pratica. Diz, minha filha, ao teu paizinho que tudo
vai a caminhar para o seu fim; comparando-se com os meus breves, o
tempo que falta para ele estar junto de ti a desempenhar e a
terminar a tua missão na terra é um abrir e fechar de olhos, é a
rapidez do relâmpago. Eu não falto, as minhas palavras cumprem-se.
Entrega-lhe o meu divino Coração com a abundância do meu amor, do
amor com que o amo, do amor com que quero que ele se dê às almas.
Criei-o para elas, são elas a causa da sua dor. Diz, minha filha, ao
teu médico que lhe dou o meu amor, os meus agradecimentos para ele e
para os que com ele trabalham na minha divina causa. Diz-lhe que
continue comigo a operar milagre. Vigilância, toda a vigilância.
Como prémio do sacrifício dele um orvalho salutar cairá sobre ele e
os que lhe são queridos até a finalidade dos seus dias. É orvalho de
amor, orvalho de riquezas do céu. Sacrifício, sacrifício. Ele
mereceu ser escolhido por Jesus para cuidar da sua esposa mais
amada, da sua vítima mais querida. Mãe, minha bendita Mãe, vem
comigo dar as tuas carícias, a tua vida celeste à nossa filha
querida. Vem dar-lhe o que ontem lhe havíamos de dar; dá-lhe a vida
do céu, a vida que na terra vive sem a sentir.
Inclinou-se a Mãezinha para mim, tomou-me nos seus braços, cobriu-me
das suas ternas carícias, acalentou-me, bafejou-me e dizia-me:
— Recebe a vida que te é dada, recebe-a e dá-a aos pecadores, ó
pombinha do meu Jesus. Consola-O, sofre tudo por Ele. A nossa
consolação e alegria são uníssonas; o que dás a Jesus eu recebo
também, o que me dás a mim recebe Jesus.
— Ó
Mãezinha, é só por Ele e por vós que eu quero e amo os meus
sofrimentos. Dai-me força, velai por mim. Estou em tanta dor! Tenho
tanto receio de pecar!
— Ó
pombinha querida, tabernáculo riquíssimo do meu Jesus, repara,
repara, não temas pecar. Posso lá consentir que manches a tua
pureza, eu que tanto a amo e tanto me consolo ver-te ao meu lado
aureolada, enriquecida de pureza angelical! Coragem! Como eu te amo,
como te ama Jesus!
Fui de
novo estreitada fortemente por Jesus e pela Mãezinha e logo me senti
na minha cruz. Quase logo me vieram as dúvidas e a dor dolorosa de
ter pecado e de enganar. Exclamei:
— Jesus, ó meu Jesus, eu não quero enganar-me nem enganar ninguém.
Jesus
segredou-me de novo:
— Paz,
paz na tua alma, sossega, filhinha, não enganas, não te enganas. É
Jesus que te fala, é o Jesus louquinho por ti, que to afirma.
Hoje já
comunguei, bendito seja Jesus. Enlouqueci-me tanto ao recebê-lO!
Senti por alguns instantes a grandeza do Seu amor e a Sua união
íntima comigo. Pouco depois fiquei envolta em espinhos e rasgos
contínuos na minha alma a parecer-me não poder suportar esta vida e
a querer partir para o céu.
— Ó meu
Jesus, quero tudo e não tenho nada. De quem é esta vida? Vivei,
vivei em mim, eu não vivo. Eu sinto um doloroso martírio, mas o que
sinto não me pertence; é Vossa a minha agonia.
8 de
Fevereiro de 1945
A minha
dor! Nem eu sei dizer. Que noite tão tenebrosa e triste. Que
horrores dentro em mim. Sinto que não posso resistir a tanto. Ó dor,
ó dor, horrível tormento. Não posso demorar aqui mais tempo. Assim o
disse ontem a Jesus:
— Não
posso, não posso, meu Amor, demorar-me aqui.
Quero
deixar o mundo e quero levá-lo comigo; não o quero e amo-o; não lhe
pertenço e ele é meu; aborreço tudo o que é do mundo e quero
prendê-lo, abraçá-lo a ponto de não mais o deixar.
— Ó
mundo, o que hei-de fazer por ti. Quero voar para o céu, quero
partir para fora deste desterro, quero ir para a minha Pátria e
quero levar-te comigo; quero entrar no céu, mas com toda a
humanidade.
— Ai,
meu Jesus, o que hei-de eu fazer? Ó meu Jesus, deixai-me ir ao
limbo, não Vos esqueçais que são Vossas as almas que lá estão. Quero
ser vítima, levai-me ao sacrifício por elas. Dai-lhes o céu, o céu,
meu Jesus, dai-lho pela Vossa morte, pelas dores da Mãezinha
querida. Eu não queria ter um minuto de sossego para o meu corpo,
enquanto o mundo existisse, queria que a minha vida fosse
percorrê-lo todo dum lado ao outro, sem parar um momento, sempre de
rasto, sempre a pisar espinhos, num banho de sangue, numa só chaga,
para libertar da escuridão as almas queridas, filhas do Vosso
sangue, meu Jesus. Não sei que mais sofrimentos possa desejar para o
meu corpo. Ouvi o meu brado, meu Deus e Senhor. Eu aceito tudo o que
seja dor, eu aceito tudo o que seja o martírio, mas quero o mundo
salvo e na Vossa glória as almas do limbo. É pelo amor com que Vos
quero amar, é com a ânsia de Vos dar a maior das consolações que eu
quero salvar e levar ao céu todas as filhinhas do Vosso Divino
Coração. Amo-as, porque em todas Vos vejo a Vós; amo-as, porque
primeiro de tudo e acima de tudo sois o preferido, ó meu Amor. Sim,
parece-me estar louca por Vos amar. Não sinto o amor que Vos tenho,
mas sinto a loucura por Vós. Sim, meu Jesus, fazei-me perder e
desaparecer para sempre no Vosso amor infinito.
O
demónio odeia-me, atormenta-me. Apresentou-se na minha frente na
figura dum monstro aterrador; era grande como uma casa. Saíam dele
tantas serpentes da grossura de pessoas, de bocas abertas e as
línguas de fora alguns palmos; estendiam-se até perto de mim.
Passado algum tempo, caiu sobre o meu corpo a manha maliciosa desse
maldito. Arrumou de mim o terço: não o queria. Ele dizia-me: “vamos
ao prazer”, acrescentando palavras do que há de pior.
— Vale
mais um momento de prazer – dizia ele – do que milhões e milhões de
céus.
Soo
quando me pareceu ele ter conseguido o que desejava é que eu, de
olhos fitos no céu, clamei muitas vezes:
— Valei-me, valei-me, ó querida Mãezinha.
Senti a
dor que já expliquei ao reverendíssimo Padre. Não era dor de tirar
só uma vida, era dor de tirar todas as vidas, eu parecia-me perder a
minha. Quando esta dor caiu tão fortemente sobre mim, o maldito mais
se enfureceu, não gostou que eu a sentisse. A raiva dele ainda mais
consumiu o meu corpo. A Mãezinha veio a socorrer-me, tomou-me nos
seus santíssimos braços e disse-me:
— Aqui
estou, minha filha, a defender-te. Vem para os meus braços, vem
descansar. É a Mãe a defender a sua filhinha, é a Mãe a defender e a
consolar a esposa mais amada de Jesus. Não pecaste, filhinha. São
momentos de tanta reparação, de tanto amor para Jesus! Coragem,
sofre contente!
— Ó
Mãezinha, que martírio que me custa tanto, tenho receio de pecar.
Tenho vergonha de estar na vossa presença e na de Jesus.
— Oferece-nos tudo isto, sossega, não pecas. Recebe graça, pureza e
amor.
Estreitou-me ao seu santíssimo coração com tanto carinho, cobriu-me
de beijos e mimos e retirou-se. Apesar da vida e conforto que
recebi, fiquei por muito tempo a sentir a dor de que acima falei.
Custou-me a resistir. Contudo, confiei na Mãezinha, Ela não vinha
enganar-me. O que teria sido de mim e o que será ainda sem este
conforto do céu. Ó vida triste e amargurada. Sofro com tudo.
Continuo a sofrer os remorsos, essa traça que vai roendo nas almas
de alguém. Quero-lhes tanto em Jesus e receio tanto a presença
delas. Sofro com as infelicidades de alguém que me tem ferido tanto.
É tão grande a dor que sinto por saber que sofrem, entristeço-me por
eles. Lá vem a morte para mim. O que vejo em mim. O que sinto na
minha alma. Que tristes recordações. Sinto e vejo os tormentos que
me esperam. Sinto que sou apedrejada, as pedradas batem em meu
coração. Sinto que me retiro do convívio das pessoas, fujo para a
solidão para em silêncio poder chorar. Oh! quantas lágrimas de
perda, oh! quantas lágrimas de vergonha por me ver revestida de
todas as maldades e estar assim na presença do Eterno Pai. O amor
obriga-me à dor. De lábios mudos, olhos cerrados, entrego-me a tudo,
lá vou para a morte. Uma chuva de espinhos cai sobre mim, o meu
corpo vai ser um leproso. Mas estou de braços abertos com um terno
sorriso e uma mansidão sem igual, escondendo o disfarce de tudo.
— Ai,
meu Jesus, eu só queria para maior honra e glória Vossa saber dizer
o que vai dentro em mim, o que sofrestes por nós. Ó que ternura, ó
que bondade. O inocente, o inocente Jesus.
9 de
Fevereiro de 1945
Se
todos os dias, ao despertar dos meus ligeiros sonos, desperto
mergulhada numa grande dor e tristeza, às sextas-feiras redobra este
sofrimento. Não tenho palavras nem sabedoria para o saber exprimir.
Quando hoje despertei, sentia-me cansadíssima. Parecia-me que os
meus cabelos estavam ensopados em sangue assim como a roupa que
tinha ensopada estava também e colada ao meu corpo. Eu estava
sozinha numa escura prisão. Sentia a dor do abandono em que me
tinham deixado aqueles que me eram mais queridos. Onde estavam as
palavras afirmativas de não me deixarem? Tudo isto é um livro de
letras bem claras que tenho gravado em minha alma; não são coisas da
imaginação. Oh! quantas vezes me esforço por me distrair, para ver
se desaparece este sofrimento da alma. Que grande engano. É ferida
profunda, é dor vivíssima que só Jesus ou a Mãezinha ma podem
suavizar.
Veio
depois o demónio em forma de lobo e de leão para a minha frente
fazer cenas horrorosas. Confio que não pequei, porque confio na
afirmação de Jesus de não me deixar pecar. Se assim não fosse, ai de
mim. Maldito demónio, que grande escola de pecado. Eu só queria que
as almas conhecessem as suas manhas diabólicas, para não se deixarem
iludir por ele. Com a visita de Jesus sacramentado, com o calor do
Seu amor divino, que me fez sentir com abundância, revivi um pouco.
O conforto que Ele me deu animou-me para poder durante a manhã
percorrer o caminho do calvário. Fui tão maltratada! Caí tantas
vezes com o peso da cruz e com cordas fui arrastada para trás a
tanta distância! Caía com o rosto em terra, e as minhas carnes
ficavam pelas pedras aos bocadinhos. Todos os sofrimentos à minha
frente aniquilavam-me o coração; era um aperto que o sufocava e
tirava a vida. Na cruz, de todos abandonada, ao ouvir as maiores
injúrias, sentia correr no meu corpo bagadas do suor da morte.
Juntavam-se às gotas do sangue que da minha cabeça e das minhas
chagas caíam com abundância. Sentia no sofrimento grande doçura por
ser a moeda das almas, mas não podia ter um sorriso. Neste abismo de
dor, veio Jesus.
— Minha
filha, estou no meu trono, no palácio da minha realeza. É o Rei do
Céu unido à sua rainha, à rainha da terra. Aqui, sim, minha pomba
bela, aqui não sou ferido, estou bem ao calor do teu amor, aqui está
bem guardado o meu divino Coração. A sentinela do teu palácio é a
tua pureza, os guardas são as tuas angélicas virtudes, o fogo das
armas é o teu amor. São armas que estenderão as suas balas, o seu
fogo aos confins do mundo. Não é fogo de morte, é fogo que dá a
vida, é fogo que atrai os corações e as almas ao meu Divino Coração.
Tu és um mar imenso de riqueza, és porto de salvação. Quando
estiveres no céu, junto do trono divino, e lá chegarem em teu nome
súplicas a favor de pecadores em perigo, quando a tua voz se fizer
ouvir: “meu Pai, quero que aquele pecador se salve”, no mesmo
momento ele sentirá o toque da graça; todos por ti serão salvos.
Serás um fio de oiro finíssimo que a mim os prende para sempre.
— Ó meu
Jesus, já que na Vossa bondade e poder infinito me fazeis no céu
assim poderosa, fazei que já na terra todos os pecadores que eu Vos
nomear se convertam e sejam salvos.
— Pede,
pede, filhinha, és poderosa. Lembra todos quantos quiseres ao meu
Divino Coração. A tua vida na terra é fazer bem à mesma terra, nela
espalhares o bem. A tua vida no céu será enriquecer o mundo, será
orvalhá-lo com um orvalho de purificação e salvação. Ó que riqueza
tenho para te dar no céu, para distribuíres para a terra. Já aqui, e
depois, de lá incendiarás o fogo do meu divino amor. Escuta, minha
filha amada, fulanos – e nomeou-mos – estão em perigo de se
perderem. Estão tão cegos nas paixões! Ofendem-me tão gravemente,
tão escandalosamente! Queres oferecer-me por eles alguma reparação,
para eles se não perderem?
— Ó meu
Jesus, eu quero oferecer-Vos tudo, para Vos consolar e para os
salvar. Escolhei a reparação que quereis, dai-me a Vossa graça e
força divina, com ela estou pronta para todo o sacrifício.
— Aceitas quinze ataques do demónio a mais do que terias de sofrer?
Algumas noites sofrerás dois combates. Oferece-me cinco por cada um
deles em honra das minhas divinas chagas. Desejava tanto que elas
fossem mais amadas e mais amado fosse o meu divino Coração. Espalha,
espalha, incendeia no mundo o meu divino amor. Aceita e oferece-me
mais um combate em honra da chaga do meu sagrado ombro; oferece-ma
pelo sacerdote. Concorreu tanto para ma aprofundar! Oh! quanto eu
sofri com ela!
— Bem
sabeis, meu Jesus, que os combates do demónio são o maior sacrifício
que podeis pedir-me, mas, se com eles Vos posso dar consolação, se
só eles podem reparar, como é preciso para tão grandes crimes, aqui
me tendes, Jesus, aqui me tendes, Amor, sou a Vossa vítima. quero
salvar essas almas ceguinhas pelo pecado, quero desviar para longe
do Vosso divino Coração esses cruéis golpes que vêm ferir-Vos.
— Minha
pomba, minha pomba, flor angélica, alvura da graça, jardim de
delícias, trono de amor para o meu divino Coração, bati, abriste-me
a porta, pedi e tudo recebi. Recebe também em troca o meu amor, todo
o meu amor. Amo-te como se não houvesse na terra nem no céu mais a
quem amar. Vive a minha vida, vive a vida do céu aqui na terra,
vive-a, para ensinares, vive-a, para que em ti aprendam. O teu céu
vem, não demora, depressa te levo comigo.
Jesus
acariciou-me, beijou-me docemente, ao mesmo tempo que me abraçou e
abrasou no fogo do Seu divino amor. Poucos momentos fiquei alegre,
depressa caí na minha cruz, depressa o meu coração principiou a
sangrar de dor. Lembro-me tanto das almas de que Jesus me falou! Mas
mais da do sacerdote que, por ser sacerdote, mais ofende a Jesus.
13 de
Fevereiro de 1945
Que
hei-de eu dizer da minha dor? Nada em comparação do que sinto. Ó meu
Deus, que dias tão cheios de dores, tristezas e amarguras. Oh!
quanto eu tive de oferecer a Jesus. Oh! se eu Lhe soubesse oferecer
tudo quanto magoou o meu coração, o meu corpo e a minha alma! Pobre
de mim, não sei falar ao meu Amado, ao meu tudo. Ai, quem me dera
que estes dias fossem cheios de amor a Jesus, como foram cheios de
grande martírio. Que miséria a minha, eu não O sei amar. Sinto que é
Ele a minha loucura em tudo e acima de tudo; sinto que tudo o que
faço é por Ele e para Ele. Sinto que todo o amor que dedico a todos
os que me são queridos nada é em comparação daquele com que desejo
amar o meu Jesus. E não tenho nisto consolação alguma. Não tenho
gosto em nada do que sofro e Lhe ofereço, nada é meu, nada vejo em
mim a não ser os maiores horrores de miséria.
— Ó
Jesus, ó Mãezinha, como nada mais tenho para oferecer-Vos, aceitai
esta minha miséria, fazei que ela sirva de honra e consolação para
Vós e proveito para as almas.
Ando
louquinha à volta do mundo, numa canseira incessável, levo comigo
fortes cadeias, quero cercá-lo, quero prendê-lo nessas cadeias.
Quero o mundo todo num molhinho, no meio dele Jesus e a Mãezinha. Ó
meu Deus, se eu conseguisse não deixar sair deste molhinho nenhuma
alma. Se o fogo de Jesus e da Mãezinha incendiasse todos os corações
deste molhinho, que bendiria eu por toda a eternidade todos os meus
sofrimentos. A chuva orvalhosa continua a cair sobre a humanidade.
— Jesus, Jesus, fazei que seja chuva de amor, chuva de salvação. Não
digo nada do que me vai na alma, não digo nada das aspirações que
sinto. Se eu deixasse o mundo preso e pudesse ir para o limbo
baptizar as almas! E se, depois disso, pudesse ir ao inferno
arrancar para Vós as que lá estão! Meu Deus, não sei o que hei-de
fazer. Jesus, resisti Vós à minha dor. Vede o meu coração e a minha
alma a rasgarem-se continuamente com esta amargura. É por Vós, é
pelas almas.
Jesus
disse-me que o demónio viria em algumas noites com dois ataques e
logo na primeira noite ele não faltou: foram dolorosos.
Atormentou-me tanto e por tanto tempo! Vi o inferno e nele uma chuva
de almas. E tantos demónios, não tinham conta. Dizia-me coisas tão
feias, um que era o senhor deles todos. Sentado numa bancada de
delícias, como ele lhe chamava, dizia as palavras mais feias e
maliciosas. Tanto queria recorrer ao céu e só tarde o consegui
fazer. Ele dava-me a afirmação de me levar ao prazer, ao pecado, à
ofensa a Deus. O primeiro ataque ofereci-o a Jesus em honra da chaga
do Seu santíssimo ombro e para reparar pelo sacerdote, como Jesus me
pediu. Quando eu dizia a Jesus que era pelo sacerdote, então é que o
demónio se enraivecia contra mim. Senti a dor, dor mortal, que já
expliquei. Sem poder resistir a ela, disse:
— Morro, morro, Jesus. Se morrer, morro contente, morro vítima do
Vosso amor, morro vítima daquela alma.
Ao
dizer isto, uma aragem passou por mim, colocou-me nas minhas
almofadas. Horas depois, ofereci o segundo combate em honra das
cinco chagas de Jesus por uma das outras almas. Quando me parecia
estar sem vida, num cansaço indizível, ouvi Jesus dizer:
— Anjo
bendito, suaviza a dor da minha esposa querida, coloca-a no seu
lugar. És, à minha ordem, o seu enfermeiro celeste.
Fiquei
libertada das artes manhosas de Satanás e direitinha sobre as minhas
almofadas. Não sinto mãos, mas sim um enlevo fofo, uma frescura
suave. Fiquei em tanta amargura, na tristeza mais profunda. Se
houvesse um lugar onde eu pudesse esconder-me de Jesus, fugiria para
lá. Ó meu Deus, que vergonha! E quando Jesus veio para eu O receber!
Ansiava pela Sua vinda, mas queria fugir e desaparecer-Lhe; não era
digna de O receber em meu coração. Já ofereci mais três combates a
Jesus, pois só Lhe ofereço os mais dolorosos. O maldito aparece-me
em formas de bichos e feras tão desconhecidas! É horroroso vê-los à
minha frente. Um em forma de crocodilo, só mais alto do que eles;
tinha uns poucos de metros de comprido. E o inferno com umas cabanas
tão feias, tão medonhas! Fogo, um fogo tão escuro e atormentador.
Por entre ele tantos cornos de demónios a sobressair. Ele dizia-me
coisas tão feias. Que vergonha ao eu ouvi-las e que medo de as
ouvir. No auge da minha aflição, bradei por Jesus, porque a dor
atormentadora tirava-me a vida.
— Morro, morro, Jesus, e não quero pecar.
O meu
coração dava estalos estrondosos, só a morte podia causar tão grande
sofrimento. Ao meu brado de agonia, veio Jesus.
— Não
pecas, não morres, minha esposa amada. A morte que sentes não é
real, a tua morte dá a vida, vida de pureza, vida de amor. Se
soubesses o valor desta reparação! Levanta-te, toma o teu lugar, sou
o teu Jesus, tenho poder para o fazer, assim como tive poder para
mandar levantar e caminhar os mortos.
Já nas
minhas almofadas, Ele estreitou-me ao Seu Divino Coração,
acariciou-me e beijou-me.
— Se o
mundo conhecesse, minha filha, o que é a vida do amor divino!
Dito
isto, senti-me sozinha, confortada, sim, e só em ânsias de consolar
o meu Jesus, mas logo mergulhada num mar imenso de dor. De vez em
quando a receber espinhos, que vêm cercar o meu coração, e
continuamente a ser esmagada por desgostos e humilhações. Esperava
receber um pouquinho de alegria, não por mim, mas por ver os meus
contentes. Jesus não o permitiu, tirou-me a ocasião dessa alegria,
desse bocadinho de consolação que eu queria sentir. Ao ver que Jesus
me tirava tudo, não tive outras palavras a não ser repetir muitas
vezes:
— Bendito seja o Senhor, a Sua santíssima vontade se faça. Ó meu
Jesus, aceitai a consolação e alegria que eu poderia sentir, seja
ela consolação e alegria para Vós. Aceitai a alegria e aquele
regozijo que eu poderia ver entre os que me são queridos. Seja tudo
pela salvação das almas.
Ontem,
depois das três horas ou mais que passei a falar das coisas de Jesus
com uma alma arredada d’Ele há muitos anos e que nunca conheci a
frequentar a igreja, fiquei banhada em suor e cansada sem poder
mover meus lábios para dizer palavra. Mas este meu esforço não ficou
sem recompensa. Jesus permitiu que eu sentisse por algum tempo
alegria em meu coração. Essa alma deu-me sinais de arrependimento e
prometeu-me esforçar-se por em breve mudar de vida. Parece-me bem
que, dentro de breves dias, ela vai ser arrancada das garras de
Satanás.
— Ai,
se eu visse assim nestas disposições todas as que estão arredadas de
Jesus! Quero sofrer, quero sofrer, quero salvá-las. Amo-as, são de
Jesus.
15
de Fevereiro de 1945
Não
acredito nas minhas dores nem no que digo nem no que faço; tudo me
parece mentira, uma completa intrujice. Sinto que o é, mas por graça
de Deus não encontro nada em mim a que possa chamar intrujice. O que
sofro é por Jesus e pelas almas, o que faço é com os olhos n’Ele e
por Seu amor. Alguém me julga da forma que eu me sinto, por isso
sofro ainda mais. O que seria de mim, se Jesus não visse e não
soubesse tudo. O que eu quero é agradar-Lhe a Ele e consolá-Lo com
esta penosa vida, que não é vida ou, se o é, não me pertence. Tudo
passa, tudo me foge; tudo passa, tudo me roubam. E eu sempre aqui,
não chega o meu céu. Para não faltar à minha palavra com Jesus não
lho peço. Mas ai que saudades e que sofrimentos, mais do tempo a
parecer-me insuportáveis. É no meio da dor que o coração vai
perdendo a vida, não pode resistir; não explico o meu tormento. É
certo que Jesus sofre em mim, mas mesmo assim a dor domina-me, caio
no desfalecimento. Sinto que a morte vai caminhando para mim, a
morte por que tanto suspiro, a morte que eu quero chamar vida, a
morte que me leva a gozar de Jesus e da Mãezinha. Deixo então as
minhas tristezas, dores e amarguras, vou pedir por todos os que amo,
vou pedir pelo mundo inteiro; não vou esquecer os causadores de
tanto sofrimento para mim; hei-de pedir por eles, quero que Jesus
lhes dê amor, quero que lhes dê o céu. Sinto que sou o mundo, um
mundo do rochedo mais duro e fechado e sinto que estou dentro desse
mundo. Tenho de transformar esse rochedo, de pedra dura
transformá-lo em pedras preciosas, em oiro fino. Que esforço o meu
no meio desse rochedo sem poder mover-me para nada; tenho de o
mover, de o desfazer, tenho que fazer dele um mundo belo, agradável
a Jesus, de encantos para todo o céu.
— Ó
Jesus, vede esta louquinha, vede o martírio que a consome. Que
hei-de fazer pelo mundo, como hei-de transformá-lo? De que forma
hei-de consolar e alegrar o Vosso divino Coração? Faltou-me a acção
do Divino Espírito Santo; parece-me que não tenho as Suas graças, as
Suas luzes. Sou pobrezinha que nada tem e nada pode vir a ter. Que
será de mim, meu Jesus! Não posso viver sem Vós, sem Vós nada posso
sofrer.
Ofereci
a Jesus mais um ataque do demónio para acudir às almas que Ele me
pediu. Os mais violentos são por elas, os outros ficam por quem
Jesus quiser. Que coisas feias me diz o maldito, de pessoas, para me
ensinar a pecar, e de Jesus, acusando-O de grandes crimes. Horror,
horror, é o que mais me custa ouvi-lo dizer coisas contra Jesus.
Durante alguns ataques, sinto que eu mesma sou o inferno com todos
os sofrimentos e horrores e que eu mesma sou o demónio com todas as
manhas e toda a malícia. Não sei explicar-me melhor, o que sei é que
em alguns momentos sou um verdadeiro inferno, um verdadeiro demónio.
Ele apareceu-me em forma de homem muito feio, vestido de caçador, de
arma às costas, passeando à minha frente. Ao lado, estavam muitos em
forma de esqueletos, de armas em pontaria direitas a mim.
Causavam-me muita impressão, mas não me assustei grande coisa. Eles
não podiam matar-me. Temo mais que me matem a alma com outras coisas
que ele faz e diz. Oh! como eu receio ofender o meu Jesus! Não posso
lembrar-me que hoje é quinta-feira. Que sofrimentos tristes me
trazem estes dias. Durante a tarde, sentia-me a passar por entre
ruas, seguia o meu caminho e por todos quantos me viam era
escarnecida e apontada como ré de todas as culpas e a maior
criminosa. Pouco tempo depois do anoitecer, senti-me num convívio de
amigos e nessa amizade sentia um traidor, que pouco depois havia de
beijar-me, e senti a dor que esse beijo ia causar-me. Senti que era
Jesus, e sobre o Seu peito se inclinou um rosto que eu muito amava.
O meu coração enterneceu-se de amor por esse rosto. Que conversação
de tantos mistérios, de tanta grandeza. Senti que nesse convívio
lavei os pés a todos os que me rodeavam. Em mim estava a água, a
toalha e a bacia. Senti que um, a quem causava muita impressão
lavar-lhe os pés, a um olhar e poucas palavras, até já se despia
para, se preciso fosse, lavar-lhe todo o corpo. Ah! se eu pudesse
exprimir aqui todo o amor, toda a bondade e ternura de Jesus que bem
podia fazer às almas; mas não sei melhor.
— Supri
Vós, Jesus, a minha falta.
16 de
Fevereiro de 1945
— Quanto
sofro, meu Jesus. Sede a minha força. Só Vós sabeis o sacrifício que
faço para ditar o que em mim se passa. Este esforço parece
arrancar-me tudo o que tenho dentro em mim. Servi-Vos dele para
arrancardes ao demónio todas as almas. Faço sacrifício por não poder
e faço-o por revelar os segredos da minha alma. Gosto tanto de
sofrer sozinha, em silêncio, encobrindo o mais possível as minhas
mágoas. Ó meu Jesus, quanta dor abafada, quantas lágrimas
escondidas. Perdoai-me a minha falta de eu hoje exclamar: “ó meu
Jesus, não acabam as sextas-feiras! Se eu pudesse fugir delas e
esconder-me, para não passarem por mim!” A Vossa bondade, Senhor, o
Vosso amor, meu Jesus.
Logo de
manhã cedo, senti tão maltratado o meu coração; a dor, as
humilhações espremiam-me, já não tinha sangue para dar ao corpo.
Senti o caminho do meu calvário, saiu-me ao encontro a Mãezinha;
fitou-me, eu fitei-a a Ela. Uniram-se os nossos corações na mesma
dor. A troca dos nossos olhares não se demoraram, tive de caminhar à
frente, maltratada, empurrada, arrastada. Mas a dor dos nossos
corações não se separou. Era como que dois fios eléctricos que dão
ligação um para o outro. Quase logo que cheguei ao calvário, fui
cravada na cruz. Que grande tempo de agonia. O sangue corria, as
chagas rasgavam-se cada vez mais. As lágrimas da Mãezinha corriam em
meu coração. Ela era um farol para mim e eu outro para Ela, farol
que dava luz para descobrir todos os nossos sofrimentos. Ainda sem
ter expirado, senti que me rasgaram o coração. Essa dor
antecipou-se, porque, depois de morrer, não a podia sentir. Quando
assim sentia o coração, lancei um olhar ao mundo e disse-lhe:
— É por
ti que estou assim.
Veio
então o meu Jesus. Senti a entrada d’Ele em meu coração. Sentou-se e
inclinou-se a mim e disse-me:
— Minha
filha, loucura de amor pelas almas, loucura de amor por mim. És
louca pelas almas à minha semelhança. Assemelhei o teu calvário ao
meu. A tua vida é vida de Cristo, vive Cristo transformado em ti.
Sobes o calvário, porque não posso subi-lo eu agora. Levas a cruz,
porque não posso levá-la eu também. És o cordeirinho sacrificado e
imolado, dás a vida na maior das agonias, porque agora não posso eu
sofrer assim. É revestida de mim que sofres, é comigo que levas a
cruz, é comigo que nela expirarás.
Por um
grande intervalo de tempo, vi Jesus com a cruz aos ombros. Não O
senti, vi-O. Mas eu era Jesus e era a cruz. Que cruz tão grande! E
Jesus tão curvado debaixo dela; o Seu santíssimo rosto quase chegava
ao chão.
— Minha
filha, assim me obrigam os pecados do mundo, assim me obriga o meu
amor às almas. São os crimes, é o amor a causa de caminhar quase de
rosto em terra. Sofre, minha amada querida, sofre à minha
semelhança, és vítima escolhida por mim. Minha filha, fonte
salvação, fonte de toda a humanidade, és fonte que não seca, és água
que sacia todo o mundo; todo em ti pode beber, todos nesta água se
podem purificar. Minha filha, língua de louvor. Pela tua língua
sagrada toda a terra me louvará até ao fim do mundo. E já no céu os
anjos e santos me louvam ao verem o teu sofrimento e a glória que me
dás. Minha filha, coração de fogo de amor, fogo que se estenderá e
abrasará milhares e milhares de corações. Minha filha, corpo de
pureza, pureza angélica, assaltada sempre e sempre guardada no meio
dos mais agudos e penetrantes espinhos. O teu corpo de pureza,
adornado de todas as virtudes, as mais ricas e preciosas, estende as
suas pétalas de lírio com toda a sua alvura e perfume. Crescem
açucenas tenras e viçosas, abrem as suas pétalas e com a aragem que
passa estendem ao longe o seu perfume, vicejam em prado mimoso;
fazem sombra ao mundo que te confiei. Ditosos todos aqueles que
estão à sua sombra, ao teu abrigo se colocaram. Causa espanto a tua
vida, as minhas maravilhas em ti. Não há igual, porque igual não há
ao teu sofrimento. Tu partes para o céu. Coragem, ele aproxima-se.
Tantos te verão partir com amor e saudade e quantos com remorso e
dor por terem sido causa do teu martírio, por terem servido de
estorvo à minha divina causa, por tentarem encobrir ao mundo as
minhas maravilhas em ti. Rastejam pela terra, não olham ao alto, não
compreendem, nem procuram compreender a minha vida divina, apesar de
eu em todos os caminhos lhes pôr um guia e uma luz. Fecham os olhos,
deixam os guias, seguem caminhos errados. Que mágoa para o meu
divino coração e que mal para as almas. Dou todas as graças, dou
todo o remédio para as salvar, e tudo é desprezado, não olham à
minha dor nem à minha divina vontade.
— Meu
Jesus, não estejais triste, dai-me a Vossa tristeza, dai-me toda a
dor do Vosso divino Coração. Não posso consentir no Vosso
sofrimento. Conheço a loucura do Vosso amor pelas almas; aqui me
tendes pronta a sofrer por elas, a dar a vida por elas. Ficais assim
consolado, meu Jesus? Deixai os homens ferir o meu coração para
assim Vos poder salvar mais almas. Mas não consintais que o Vosso
seja ferido.
— Não,
não, minha filha, não, não, minha amada, não posso consentir que
esta cegueira se prolongue. A luz vai brilhar, a minha divina causa
triunfa estrondosa e brilhante. É necessário, é urgente, as almas
necessitam de conhecer as minhas maravilhas e de aprender em ti a
amarem o meu divino coração, a amarem tudo o que é meu, amarem a dor
e a cruz que lhes dou. Filhinha, filhinha, dor e amor sem igual,
descansa em meu coração como eu descansei no teu. Descansou o rei no
seu trono, no palácio da sua Alexandrina. Descansa a rainha no trono
do seu rei, no palácio do seu Jesus.
Jesus
abriu-me o Seu divino Coração, eu entrei e inclinei-me a Ele, n’Ele
descansei. O meu Jesus cobriu-me de beijos e carícias e apertou-me
com tanta força e com tanto amor que me parecia perder-me nesse amor
e nesse amor morrer. Ai, que dita a minha morrer de amor e dentro do
Coração do meu amado Jesus. Como será a morte que me dá a vida
eterna?
— Ó meu
Jesus, fazei que seja de amor, só de amor.
20 de
Fevereiro de 1945
Que
horrível, que extrema é a agonia da minha alma. Eu queria esconder a
minha dor, não queria falar mais dela, queria abafá-la por completo.
Parece-me que o coração chora de amargura. De longe a longe as
mágoas que ele sente fazem-me bailar nos olhos as lágrimas. Quero
encobrir tudo, bastava que Jesus soubesse; mas não posso, manda-me a
obediência. E, embora como que arrastada, vou descobrindo, vou
arrancando de dentro para fora alguma coisa do que sofro, do que
sinto. Não sei se pelo estado grave do sofrimento em que me
encontro, ou se é a realidade, sinto-me no pôr-do-sol da vida;
parece-me que a morte se avizinha de mim. Curvo-me, inclino-me de
boa vontade a receber o golpe que Jesus lhe aprouver dar-me. Sinto
no meu coração a separação dos que me são queridos. Vou para a minha
Pátria, mas alguma coisa quero deixar entre eles para os animar e
consolar na sua dor. Não sou daqui, vou para o meu lugar, depressa
nos veremos nessa glória sem fim.
— Meu
Deus, meu Jesus, o que será isto?
Quero
partir, tenho de partir e custa-me tanto esta separação. A dor que
isto me causa, parece-me arrancar o coração e com ele todas as veias
do meu corpo. Seja tudo pelo amor do meu Jesus e pela salvação das
almas. Sinto que o mundo está em tanta desordem, tanta miséria e
crimes! E eu quero pôr termo a tudo isto e não posso; queria
remediar todo este mal e não sei como; não tenho mais que dar por
ele. Ah! se houvesse alguém que por ele quisesse sofrer, que o
pudesse salvar, o que lhe daria eu? O meu amor, tudo o que
possuísse, o céu com toda a glória, se esse me pertencesse. Ai de
mim, não sei a quem pedir e não tenho que lhes dar. Sinto a
repugnância que há ao sofrimento e à cruz. Se houvesse quem de boa
vontade a aceitasse, e eu pudesse levar a minha e ajudar os outros a
levarem a sua, seria a maior alegria e consolação para o meu pobre
coração.
— Meu
bom Jesus, vede o que por Vosso divino amor e amor às almas quero
sofrer e aceitai como se o fizesse, porque não posso mais.
Para
atender aos pedidos de Jesus, ofereci-Lhe mais ataques do demónio.
Para esse fim, só Lhe ofereço os mais custosos. Os de menos
sofrimento deixo-os para reparar todas as almas. Ele aparece-me em
forma de bichos tão variados, tão feios, em monte, misturados uns
com os outros. Mas é o que me faz sofrer menos. Atormenta-me muito
mais, quando ele diz que eu não faço certas coisas, porque o
sofrimento mas não deixa fazer, o cansaço e males do meu corpo, que
são o que o impedem. Isto causa-me mais dor, faz sangrar mais o meu
coração. Quer ele dizer que tudo é feito por mim, por minha malícia.
Nos dois ataques mais fortes, veio sempre Jesus a confortar-me.
Depois de eu ter ouvido os insultos mais feios e as palavras mais
vergonhosas, depois de ele usar de todas as manhas para me levar ao
pecado e ao prazer, como ele me diz, fiquei sobre abismos
assustadores.
— O que
será de mim, meu Jesus? Valei-me, valei-me – repetia eu.
Senti
Jesus a meu lado, sobre mim espalhou o Seu sopro divino, sopro quede
repente me levou às almofadas. Jesus continuou a bafejar-me e a
dizer-me:
— Coragem, minha filha, não pecaste. É para livrar as almas de
caírem neste abismo e perderem-se eternamente que tu estás sobre
eles.
As
palavras de Jesus encorajam-me, mas não me tiram da dor em que fico
mergulhada. Na segunda afronta do demónio, causou-me uma amargura
como ainda não me tinha causado. Foi muito demorado o combate. Os
gestos, as palavras, os nomes, os conselhos eram vergonhosíssimos.
Eu estava cansada de tanta luta. E o demónio, furioso por não
conseguir de mim o que desejava. Principiei então a sentir desejos
de pecar, eram uns desejos de fora para dentro e não de dentro para
fora. Algumas vezes, dizia a Jesus: “não, não, eu não quero pecar”.
Estas palavras saíam-me do coração, mas a vontade de pecar parecia
ser mais forte do que o brado que eu levantava ao céu. Ó agonia,
triste agonia. Ao parecer-me que estava tudo conseguido, os desejos
do demónio realizados, gritei por Jesus e pela Mãezinha:
— Ai de
mim, o que é isto? Valei-me, valei-me.
Senti a
dor indizível que muitas vezes já tenho sentido. Meu Deus, com
certeza a morte não custa tanto. Estava banhada em suor, parecia ter
saído dum lago. O coração batia alto e apressadamente. Em espírito,
oferecia tudo a Jesus e não cessava de chamar por Ele, pois era
dolorosa a posição em que estava e a vergonha e dor que sentia com o
receio de ter pecado. O demónio não saía de junto de mim, mas à voz
de Jesus retirou-se.
— Basta, basta, maldito, deixa a minha vítima, a vitória é dela; a
honra, a glória são minhas, a reparação é pelas almas. Sofre por
amor, é minha filha querida.
Sem
saber como, tomei a minha posição, recebi as carícias de Jesus,
enquanto o demónio, voltado para Ele, amaldiçoava-O e raivosamente
queria retalhar-me. Retirou-se Jesus, e eu fiquei absorvida numa
noite triste e assustadora e numa dor sem fim.
Sinto
na minha alma que se levantam à volta de mim ondas fortíssimas como
as ondas do mar. Cercam-me com a mesma fortaleza, mas como as do mar
que muita vez se infrangem uma contra a outra; longe da praia, estas
também desaparecem sem causarem estragos. Esta visão e o seu ruído,
chegando aos meus ouvidos, atormentam-me dolorosamente. Tenho a
sensação de que sejam coisas que se levantam contra mim.
22 de
Fevereiro de 1945
De
manhã cedo, comecei a sentir a minha alma atormentada pela dor que
me causava a viagem que a Deolinda ia fazer. Ia com pessoas que
tanto estimava e visitar pessoas que tanto amava. Fazia muito gosto
que ela fosse, mas gostava de eu ir também. Ofereci a Nosso Senhor o
sacrifício de não manifestar os sentimentos que me iam na alma. Mas,
por fim, não fui capaz de me vencer, mostrei a minha pena e saudade.
Fiquei na minha cruz, aumentada pela preocupação do que se passaria
na viagem pela fraqueza da minha irmã, e que correria mal a viagem
para todos, e pelo paizinho que eu esperava fossem visitar, o que
teria dado a ele um grande gosto, coisa que se não pôde realizar.
Senti-me também mais pequenina por ver que pessoas de respeito tanto
se incomodavam por nós. Este sentimento persegue-me nestes dias,
sentindo cada vez a minha indignidade diante de qualquer pessoa que
me vem visitar. Na noite deste mesmo dia, sofria amarguradamente as
consequências daquela tarde. Sem querer, recordava o que se tinha
passado. Nem ao menos Jesus deixou a minha alma sentir o conforto da
confissão. Oh! Não. O bondoso sacerdote não me deu conforto; já não
foi a primeira vez. Vejo que Jesus até isso tirou para Ele. Anseio
sempre a visita do confessor para mais purificar a minha alma e
depois confessar-me. Meu Deus, que amargura! Amargura, sim, grande,
muito grande, mas estava em paz, tinha a tranquilidade da alma,
porque não menti nem pensei em enganar.
— Aceitai, Jesus, a minha amargura; eu quero-a, eu amo-a, porque Vos
amo e amo as almas.
Estavam
duas noites em contacto uma com a outra: a noite que ia lá fora e a
noite dentro de mim. O demónio afirmava-me ter havido desastre na
viagem dos que eram tão queridos. É o pai da mentira, queria
atormentar-me. Pouco depois, acabavam de chegar. A alegria não foi
para mim, Jesus não permitiu que eu a sentisse. Estive algum tempo
com o santo sacerdote que veio para dar luz à minha alma e tirar-me
das minhas dúvidas. Parecia-me mentira ele estar junto de mim;
sentia-o a uma distância tão longe que nada havia que pudesse
alcançá-lo. O seu rosto parecia-me apenas uma casca de ovo.
— Ó meu
Deus, como são variados os Vossos sofrimentos.
Ia alta
a noite, eu estava sozinha, veio o demónio, insultou-me, convidou-me
ao mal, à carne, ao prazer. Lutei tanto, tanto, estava num banho de
suor. O coração de momento para momento parecia perder a vida. O
maldito, sem conseguir de mim o que desejava, disse-me:
— Hei-de levar-te ao prazer. Já que eu não basto, chamo a minha
tropa. Vêm já, eu sou chefe de comando.
Chamou
pelos camaradas: principiaram a subir dum profundo abismo por entre
chamas muitos demónios em forma de esqueletos. A minha aflição era
grande, temia que fossem ouvidos os meus gemidos. O maldito
dizia-me:
— Caladinha, que não venha aqui aquele fulano - e chamou um nome
feio ao santo sacerdote – Desde que me satisfizer em ti, vou
matá-lo, vai morrer debaixo do meu pé, ao fio da minha espada.
Eu
estava sobre abismos assustadores. Meu Jesus, que escuridão! Só de
longe a longe caíam sobre eles umas folhas brancas que mais faziam
mostrar os seus horrores, as suas negras trevas. Ou porque os
demónios se satisfizessem de me atormentar, ou porque Nosso Senhor
assim o permitisse, deixaram-me. Já não podia mais; era tão violenta
a minha posição! O que fazer, se eu não podia mover-me? Triste,
muito triste, na dúvida de ter pecado, clamei, clamei por Jesus.
Enquanto isto fazia, corriam os demónios, virados ao quarto do
bondoso sacerdote, dizendo-me, já de longe, que o iam matar. Levavam
nas mãos espadas, ou não sei o quê. Ainda com esta visão, ouvi Jesus
dizer:
— Anda,
meu anjo, desempenhar a tua missão.
Fiquei
logo direitinha nas minhas almofadas. Jesus disse-me então:
— Não
pecaste, minha filha, coragem. Viste as pétalas brancas que sobre os
abismos caíam? São pétalas da tua reparação. Com a sua alvura,
iluminam as almas que neles estão, atraem-nas a si e vêm ao meu
Divino Coração.
Mais
confortada com Jesus, o ferimento de todo aquele passado continuou a
causar-me imensa dor. Não tinha susto que os demónios tivessem feito
a morte que tinham dito. Só de manhã, como achava que ele estava
muito em silêncio, veio-me o temor que ele estivesse morto. Nosso
Senhor nada disso tinha permitido. Recebi o meu Jesus, desprendida
d’Ele, despreocupada, só de momentos a momentos é que Lhe dizia:
— Ó meu
Jesus, como eu estou, não Vos amo, não Vos dei graças. Perdoai-me,
tende dó de mim.
Veio o
sacerdote para falarmos das coisas da minha alma, e eu continuei a
sentir-me longe, sempre longe, mergulhada num mar de dores na alma e
no corpo. De vez em quando, sentia dentro de mim estremeções,
horrores, grande repugnância por ter de dizer o que se passava em
mim, por me sentir pequenina e miserável, tímida e envergonhada
diante das pessoas queridas, por não compreender a minha vida e não
amar Jesus, e atormentada a mais não poder com a lembrança de ser
quinta-feira. Oh! se desaparecessem estes dias – dizia eu. Sinto que
se aproximam de mim todos, todos os sofrimentos e que estão a
armarem-se laços para me prenderem. Era já noite, e eu sentia na
minha alma a intimidade dos que me eram tão queridos, dos que junto
a mim estavam reunidos. Tinha de deixá-los, tinha de partir para o
céu, mas de alguma forma ficar entre eles, não me separar deles. Ó
sofrimento amado, quem te compreenderá?!
23 de
Fevereiro de 1945 – Sexta-feira
Na
madrugada de hoje, quando me despertei do meu leve sono, logo me
senti numa escura prisão. Senti o corpo tão magoado e cansado! A
minha tristeza era tão profunda! Sentia tanta dor de ser tratada
como louca! Essa loucura era amor, era a loucura das almas.
Pouco
depois, veio o demónio para acabar de consumir o meu pobre corpo.
Manhoso como sempre, tentou levar-me a praticar acções criminosas e
feias.
— Hei-de satisfazer-me em ti, hei-de deliciar-me em ti apesar de me
causares nojo.
Encheu-me de insultos e mostrava-se enojadíssimo de mim mesma. Foi
dolorosa a luta, foi triste e triste me deixou. Chamei por Jesus e
pela Mãezinha, afirmei-Lhes não querer pecar. Parecia-me chamar por
Eles só depois do mal feito. Invoco os seus santos nomes sempre que
posso, mas é quando o demónio deixa. Uma aragem suave veio apagar os
meus suores e suavizar a minha dor. Fui suavizada por pouco tempo.
Não sabia como preparar-me para receber o meu Jesus. Apoderou-se de
mim a vergonha de O receber em meu coração, de viver na presença de
Deus depois de passar por coisas tão feias.
— Jesus, que sofrimentos tão grandes, os ataques do demónio, as
sextas-feiras. Aceitai tudo, é pelas almas, é uma prova do meu amor.
Veio
Jesus, e, por Sua grande misericórdia, só um pedaço depois de O ter
recebido é que me lembrei da triste cena que com o demónio tinha
passado, e logo de novo continuou essa dor juntamente às dores
horríveis da minha cabeça, causada pelos espinhos. Sentia-a toda
cercada deles e bem profundos. O sangue, que dela corria, ou antes,
que eu sentia como se ele corresse, passava-me aos lábios,
sufocava-me, por vezes perdia a respiração. Logo que cheguei ao
calvário, cravaram-me na cruz. Era tal a violência que sentia
fazerem-me ao meu corpo, parecia-me os ombros deslocarem-se do
corpo. O sangue das chagas corria a jorros, banhava o pé da cruz e
corria pelo chão. A Mãezinha, ao pé, unia à minha a sua agonia.
Abandonada, completamente abandonada, ia a expirar. Veio Jesus.
Senti-O entrar no meu coração e nele se sentar ainda antes de O
ouvir. Sentou-se e, como para descansar, inclinou nele a Sua
santíssima cabeça e disse:
— Minha
filha, desce o amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas
trevas. Dor, noite, escuridão e densas trevas permitidas por mim. É
o remédio, é a medicina das almas. Aqui posso descansar, aqui não
pode o mundo ferir o meu divino coração, aqui recebo tudo, tudo o
que pode dar uma criatura ao seu Deus; aqui consolo-me, delicio-me.
— Meu
Jesus, custa-me tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão
miserável, sou só miséria. Como podeis dizer isso? Como podeis
consolar-Vos, depois de tanta maldade e ingratidão que encontrais em
mim, para me falardes desta forma?
— Escuta, filhinha amada, não quero, não posso consentir que voltes
a dizer-me o que encontro em ti para assim te falar. Não posso eu
honrar-te com honrosos títulos, levar-te à maior altura, à mais alta
dignidade? És minha filha, falo do que é meu. És minha esposa,
esposa que possui as qualidades do seu Esposo, esposa que só ao
Esposo se assemelha. Enriqueci-te das minhas riquezas, elogio e
honro as minhas coisas, o que é meu. Tu és a minha pomba bela, um
coração de fogo, fogo que queima, fogo que purifica, fogo que atrai
a mim os corações, fogo que é capaz de incendiar o mundo, o mundo
que te confiei, o mundo que é teu. Pede, pede, minha filha, pede
oração e penitência e emenda de vida, pede, e que peçam aqueles que
desejam ver o reinado do meu divino coração. Oh! O que espera o
mundo, se não se levanta e se reconcilia comigo.
Jesus
levantou-se do meu coração, ergueu as Suas santíssimas mãos, e dos
Seus santíssimos olhos corriam lágrimas em grande abundância:
pareciam duas fontes. A soluçar muito, continuou:
— Vês o
meu divino Coração aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o
pecado, é o mundo. Salva-o, salva-o, minha filha, não deixes perder
o meu Sangue. Pede-lhe que se converta, faz que as almas venham a
mim, reúne em meu divino Coração as minhas ovelhas, todo o meu
rebanho. Pede, pede em nome de Jesus. Penitência, oração e sincera
reconciliação.
— Jesus, Jesus, basta, não façais isso. Ofereço-Vos a minha vida e a
minha morte; ofereço-Vos todo o meu corpo e todo o meu sangue;
dou-Vos o meu amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me, toda esta
vida de sofrimento, mas levantai-Vos já, meu Jesus, descei as Vossas
santíssimas mãos, estancai as Vossas lágrimas. Que horror, meu
Jesus, não posso ver-Vos assim. Como pode a grandeza infinita
ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!
Jesus
levantou-se, sentou-se de novo em meu coração, estendeu sobre os
meus ombros o Seu santíssimo braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao
meu, apertou-me fortemente, cobriu-me de beijos e incendiou no meu
coração o fogo que no d’Ele ardia.
— Quanto consolou o meu divino Coração a tua oferta, o teu amor.
Vejo em ti a graça, a pureza, a heroicidade das almas.
— Não é
isso que eu quero, Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes
assim? Sendo Deus, ajoelhaste-te diante da criatura mais pobre e
miserável. Só Vós sabeis quanto isso me atormenta.
— Minha
pura, minha bela, maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-me.
Escuta então. Não é de joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se
movem os corações à compaixão? É tão grande o amor que tenho às
almas como grande é o meu poder. O meu procedimento é a sede das
almas. Não se pode comparar a sede humana à sede divina. Quantas
vezes as criaturas, para saciarem a sua sede ardente, ajoelham-se,
mergulhando seus lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a
grandeza sem igual, para saciar minha sede, para pedir a salvação
das minhas almas, ajoelhei-me na minha esposa querida, revestida de
mim, transformada em mim, a pedir-lhe as almas, a pedir-lhe o mundo,
esse mundo que é lodo e lama nojenta. Assim transformada em mim,
nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a minha
grandeza. Não é verdade que eu disse: “o que é grande faça-se
pequeno”? Tu és o espelho que tudo reflecte. Em ti, como quando
passei no mundo, vou dando o exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a às
almas. És tu, filha minha, que lhe dás o passaporte para a
eternidade. Ai do mundo, ai de Portugal, se não corresponderem às
graças que lhes dou. Ai do mundo, mas ai mais ainda de Portugal, se
não agradecer os benefícios que por ti recebe. Espalha pureza,
espalha a graça, incendeia amor, amor, amor. E descansa, vítima
inocente, em meu divino coração, toma conforto para a tua dor sem
igual e inigualável martírio.
Inclinei-me eu então para Jesus, descansei no Seu Divino Coração, e
nova efusão de amor, vinda d’Ele, abrasou o meu coração. Já vai alta
a noite, sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.
— Tomai, meu Jesus, tomai em conta o meu sacrifício. Se em mim
houvesse querer, preferia andar sempre, sempre de rosto em terra e
nada dizer do que se passa em minha alma.
26 de
Fevereiro de 1945
Custa-me tanto falar da dor! É tão grande o meu sacrifício! Se eu
pudesse encobrir as minhas amarguras!
— Meu
Deus, não me deixes, tenho de obedecer, tenho de falar dela; é a dor
a minha vida contínua.
Sofro
de dia, sofro de noite, sofro a toda a hora e momento. Sinto-me
rolar pela terra; rolo, corro mundo sem parar, e é a dor que me
obriga. Rasga-se-me o coração e a alma e todo o ser. Sinto que um
mundo de feras cai sobre mim, todas com trombas como elefantes, que
penetram no meu corpo, me chupam todo o meu sangue; estou
esgotadíssima, não tenho mais para lhes dar. De boa vontade eu mesma
lhes abro as veias para elas chuparem. Mas, pobre de mim, estou como
um rio que secou, e só se encontram nele areias espessas e
ressequidas.
— Ai,
meu Jesus, que hei-de eu fazer mais por Vós? Que mais hei-de fazer
pelas almas? Ai, o mundo que não vê, e eu não tenho luz para lhe
dar. Ai de tantas almas que têm sede, e eu não posso saciá-la.
Deixai-as, meu bom Jesus, fazei que elas entrem todas no Vosso
Divino Coração: aí encontram luz, nele podem saciar-se. De Vós podem
receber toda a vida que necessitam e que eu não tenho para lhes dar.
A minha
preocupação é Jesus, a minha preocupação são as almas.
— Ó
dor, triste dor, eu quero-te, eu amo-te; vens de Jesus, beijo-te,
abraço-te, sorrio-te de alma e coração. Mas, meu Deus, como viver
esmagada debaixo deste peso universal?
Os
olhos do meu corpo não podem ver o sol que com os seus raios teima
entrar pela janela e vir até junto do meu quarto. Os meus olhos não
podem vê-lo nem o meu espírito recordar que ele existe, porque os
olhos da minha alma só vêem noite, tremenda noite dentro e fora de
mim. Os meus ouvidos não podem ouvir os gorjeios das avezinhas que,
com os seus trinados, fazem lembrar a primavera que se aproxima. Não
posso ouvir o mar com o seu barulho estrondoso, porque o mar sem
fim, ameaçador, sempre ameaçador, com ameaças destruidoras, está
sempre sobre a minha alma. Tudo isto me faz lembrar a grandeza e o
poder do meu Deus e obriga-me a entrar dentro de mim, a viver dentro
em mim, a não sair fora de mim, juntando Jesus com Sua grandeza, com
o Seu poder, com o Seu amor à amargura, à dor, à noite da minha
alma. Vivo na presença do meu Deus sem O amar, sem O conhecer, sem
nada Lhe dar. É a grandeza sobre o nada, é o fogo no gelo, a vida na
morte. Jesus assim o quer.
— Ó
vontade do meu Senhor, só a ti quero também.
Mais
uma noite em que o demónio veio duas vezes, com os seus penosos e
tremendos ataques. A princípio, lutei só com ele. Como demorasse a
conseguir de mim o que desejava, disse-me que ia chamar mais
demónios para satisfazer-me. Assim o fez: vieram mais. Combati por
muito tempo ainda. Nova ameaça:
— Não
vais ao prazer por tua vontade, convido mais para te levarem ao
pecado, ao crime.
Tudo
isto era acompanhado de palavras e nomes horrorosos. Pobre de mim. O
suor escorria-me, o coração palpitava aflitivamente. Só depois do
mal feito, ou que a mim me pareceu que foi mal feito, coberta duma
dor sem igual, bradei, afirmei:
— Valei-me, Jesus, não quero pecar.
Era
impossível eu mover uma aresta. Meu Deus, que posição violenta! Ouvi
Jesus que falava a meu lado, enquanto eu estava sobre um abismo
cercado em toda a volta dum enleio de espinhos. Vi-os claramente,
porque, por entre os espinhos, brilhava mais branca que a neve não
sei o que era, pareciam pedacinhos de nuvens; com a sua alvura,
brilhavam e apareciam os espinhos agudíssimos, enleados uns nos
outros. Era tão grande o abismo, não tinha fundo. Era negro, negro,
assustador. Só me encantavam os espinhos com a alvura daqueles
pedacinhos brancos. Quando Jesus chamava: “anjo, meu querido anjo,
anjo da minha esposa e vítima, leva-a ao seu lugar, com todo o amor
e carinho”, no mesmo instante tomei a minha posição, fiquei nas
minhas almofadas. Principiei a ver o fundo do abismo que vinha
subindo, subindo quase até cima como se fosse uma enchente de água.
Jesus cobriu-me de carícias e disse-me:
— Não
pecaste, não pecaste, minha amada. A tua reparação, as raízes
fortíssimas do teu amor arrancam deste medonho abismo as raízes do
pecado das almas que nele estão. Vêm subindo para mim, embora caiam,
não voltam a cair tão fundo, caem para se levantarem e, a pouco e
pouco, ficarão firmes. Coragem, filhinha! Não tens nisto consolação?
— Meu
Jesus, não tenho outra senão a de Vos ter consolado. E Vós estais?
— Muito, muito, minha pomba bela. Espremo, espremo o meu cachinho de
uvas, consolo-me, delicio-me nos preciosos licores que ele me dá.
Chupo tudo para minha consolação e alegria, tudo aproveito para as
almas. É por isso que não te dou alegria nem consolação com a
presença daqueles que ta podiam dar, privando-os a eles de se
consolarem e alegrarem de te verem alegre e consolada.
— Obrigada, meu Jesus, seja feita a Vossa vontade.
Horas
depois, voltou o demónio, principiou com as mesmas manhas e actos
feios. Logo que o pressenti, ofereci-o a Jesus em reparação pelas
almas que Ele me pediu. Fi-lo depressa, enquanto o maldito mo
deixava fazer. Quase nos mesmos momentos, dizia:
— Jesus, Jesus, não quero pecar.
No
mesmo instante, repetia em mim sem eu querer:
— Quero, quero pecar, quero o prazer, quero gozar.
Imediatamente, voltava a dizer:
— Jesus, Mãezinha, valei-me, não quero ofender-Vos.
Logo
repetia, sem minha vontade:
— Quero
ofender-Vos o mais gravemente.
Pobre
de mim, parecia-me estar toda, toda entregue a Satanás, toda em
ânsias de satisfazer paixões. O meu coração já não podia com tanta
luta. O meu corpo não era cinza, não era outra coisa a não ser dor,
dor que só pode ser conhecida por quem a experimentar. Parecia-me
que o demónio tinha realizado os seus desejos. Voltei a chamar por
Jesus. O maldito dizia-me:
— Chama-O agora, depois de satisfeita, depois de teres pecado.
Veio
Jesus, colocou-se ao meu lado, não fez outra coisa senão levantar a
sua bendita mão à frente de Satanás; deu-lhe sinal de paragem, e,
imediatamente, cessou o ataque, e o maldito fugiu.
— Ó meu
Jesus, em que agonia me preparei para Vos receber. Que grande
confusão a minha. Que vergonha ao dar-Vos entrada no meu coração.
Não posso pensar na Vossa bondade infinita.
Durante
o dia, surgiram-me espinhos dum lado e do outro. De boa vontade, sem
tentar desviá-los, com os olhos em Vós e por amor às almas, todos
deixei cravarem-se em meu coração. Ou sofrer ou morrer. Se não
consolo o meu Jesus, se não salvo almas, que estou aqui a fazer,
para que serve a minha vida? Para nada, nada. |