2 de
Outubro
Pude
por dois dias respirar melhor : dignou-se Jesus suavizar por algum
tempo os meus sofrimentos. Hoje sobrecarregou-me mais com o peso
amorosíssimo da Sua cruz. Sinto-me à porta da eternidade. Dois
combates violentos do demónio lá me conduziram. Ó meu Deus, que
tremendo sofrimento ! Lutei, lutei, implorei o auxílio de Jesus, da
Mãezinha e de S. José. Jesus, pela Vossa cruz, pelo Vosso amor,
valei-me, não quero ofender-Vos. O demónio provocava-me
continuamente, ameaçava-me com palavras feias e aterradoras. Eu era
um monstro encaixado noutro monstro maior ainda. Com os olhos no
crucifixo dezenas e dezenas de vezes repetia : “Jesus, sou a Vossa
vítima”. Enraivecido, escarrava no chão e dizia-me :
― “Pior
te é ainda. Dizes que não queres pecar, mas olha como pecas”.
Chorei
com grande dor. Ao mesmo tempo dizia a Jesus : “Aceitai as minhas
lágrimas ; quero que cada uma delas seja um mar imenso de amor no
qual eu possa encerrar todos os Vossos sacrários para não poderem
ser mais feridos e atacados pelos filhos Vossos. O primeiro combate
ofereci-o a Jesus por um sacerdote em grande perigo. O segundo
ofereci-o por todos os sacerdotes. A fúria do demónio era
aterradora. Parecia-me estar envolvida num nevoeiro de trevas que
quase não me deixava ver. Ó meu Jesus, e as dúvidas de ter pecado ?!
Não podia recordar-me que estava na presença de Deus, que O tinha
dentro de mim, a minha vida íntima com Ele. Que confusão Ele ter
visto tudo, ter assistido a tão feia cena ! Terminada a luta, não
podia ver nem ouvir nada, sentia-me morta, à porta da eternidade.
Era já noite ; veio Jesus.
― “Minha filha, entre ti e o demónio há uma grande distância ; no
meio de Vós estou Eu. São manhas dele, não é nada do que ele te
pinta et te faz passar ; está preso por Mim. Não o deixo
aproximar-se de ti. Coragem, minha amada, minha pomba bela. És
minha, toda minha. O teu corpo é puro, é inocente, é imaculado para
Mim”.
Revivi
mais e pude por algum tempo sossegar.
3 de
Outubro
Mais
triste que a noite preparei-me esta manhã para a visita de Jesus.
Não sabia como poder recebê-lo. Recordava o que tinha passado e se
uns ardentes desejos de receber a Jesus vibravam na minha alma, por
outro lado, uma dor e confusão imensa me deixavam prostrada. Ó meu
Jesus, não ter eu um sacerdote a quem diga o que foi passado ! Veio
o meu Jesus : esforcei-me por O amar e por Lhe dizer todas as
coisas. Só queria consolá-lo e viver para Ele. Pobre de mim ! Fiquei
fria, mesmo gelada. Ia caminhando o meu pequenino ser que é um pouco
de pá desfeito, mesmo a desaparecer coberto de outras cinzas, tantas
cinzas, uma imensidade de cinzas ! E este pequenino ser só de longos
em longos dias dá sinal de ainda ter vida, vai penetrando, vai
infundindo-se nesse cemitério imenso. Silêncio profundo, tudo é
morte, tudo é morte. Sem luz e sem vida, chegou-me às mãos uma carta
de quem tinha direito a dizer-me algumas coisas que me pudessem
aliviar. Animei-me, senti até por alguns minutos alegria que
suavizou a minha dor e deu-me força para os grandes combates que ia
ter. Veio o demónio com as suas artes manhosas. Falava-me de longe,
mas falava-me escandalosamente. Meu Deus, valei-me, dizia eu ; se
Deus não me vale, quem me há-de valer ? Renovava a minha oferta de
vítima a Jesus, ao que o demónio se dizia :
― “Cada
vez te é pior, mais ofendes a Deus, mais te hei-de combater”.
Bradava
ao Céu, chorava, só receosa de ofender a Jesus. Ouvia o malvado
cuspir e cheio de raiva dizer coisas horrorosas contra mim. “Pecas,
pecas, etc.” ― dizia ele. Veio Jesus no fim do último combate.
― “Minha filha, estou em ti, sempre em ti ; contigo, sempre contigo.
Não temas, não consinto que Me ofendas, não posso consentir isso,
minha esposa e amada minha. Tu és vítima, filhinha, deixa-te imolar
por amor”.
― Sim,
meu Jesus, mas olhai, meu Amor, vencei em mim. Vede que o malvado me
deixa sem forças para combater. Não me deixeis, meu Jesus, perder a
confiança em Vós.
― “Confia, diz-me que és minha, diz-me que Me amas e isso me basta”.
Quando
o demónio me dizia que não se separava de mim e que eu ia ser
atacada mais fortemente, foi dum momento para o outro que ele me
deixou. Veio Jesus e fugiu ele.
4 de
Outubro
Durante
a noite fui atacada violentamente pelo demónio. Com os olhos
levantados ao Céu, chamei por Jesus, chamei pela Mãezinha, implorei
socorro. Ouvi do malvado o que nunca disse nem pensei na minha vida.
A luta foi tremenda. Afirmou-me muitas vezes que eu ofendia a Deus o
mais gravemente. Atirei-me para os braços de Jesus e da Mãezinha ;
parecia-me não ser aceite por Eles. Contudo não deixei, quando me
era possível, de invocar os seus santos Nomes. Só ouvia a voz
maliciosa de Satanás. Disse então a Jesus :
― Coloco-me no altar do sacrifício, deixo-me imolar por Vosso amor e
pelas almas, seja qual for a imolação. Fiz de conta que era mártir :
de boa vontade aceitava o martírio, custasse o que custasse, fosse
qual fosse o sofrimento que Jesus lhe aprouvesse dar-me.
Ó meu
Deus, não quero pecar ; ofender-Vos não, meu Jesus !
Continuou a luta e eu já sem forças, parecia que o demónio fazia de
mim o que queria, conseguindo tudo quanto desejava e me afirmava.
Ouvi uma voz que me dizia :
― “Basta, basta, Satanás : retira-te para o inferno com tuas artes
manhosas e infernais. Vem, minha filha, para os meus braços,
descansa em meu Coração”.
Senti-me nos braços de Jesus e senti que Ele me fazia entrar no seu
divino Coração ao mesmo tempo que ouvia ao longe o demónio uivar e
gritar desesperado. E numa grande paz adormeci fechada no Coração
divino. Atormentava-me a ideia de ter pecado e receava de não poder
receber Jesus por quem sempre suspiro olhava para uma imagem do seu
divino Coração que tenho ao lado da minha cama e parecia-me que Ele
já não olhava para mim. Meu Deus, que vida de dor e de amargura ! Ai
de mim ! Não sei como posso viver sem ter vida ! Ó meu Jesus, não
permitais que eu deixe de Vos receber, não consintais que eu Vos
perca pelo pecado.
Talvez
meia hora depois da vinda de Jesus começaram os combates que se
repetiram por algumas vezes durante o dia. Sentia ser tentada por
quem me rodeava. Temia e temo ser o demónio o causador de eu perder
a minha união com Jesus. Não posso recordar-me que estou sempre na
sua divina presença. Não quero separar-me d’Ele, mas vejo-me tão
ameaçada ! Sinto-me esmigalhada e humilhada na presença do meu
Jesus, de quem não me posso separar. O que será de mim, meu Jesus !
6 de
Outubro
Não
posso olhar para Jesus, tenho vergonha que Ele o meu viver. Que
será de mim, meu Deus ? Sinto-me obrigada a deixar de Vos receber. O
demónio continua com os seus ataques violentos. Lança-me em rosto o
que há de pior. Diz-me que não é ele, mas sim que sou eu que digo e
faço tudo.
― “Olha
como tu pecas e tens coragem de enganar ?”
E mais,
e muito mais ainda. Meu Deus, e eu viver na Vossa presença ! Eu não
quero separar-me de Vós, nem quero que de mim desvieis os Vossos
olhares. O horror que me causam as minhas iniquidades querem-me
obrigar a dizer : montanhas caí sobre mim, escondei-me, escondei-me.
Ontem,
meu Jesus, ao terminar um tremendo combate, ouvi a Vossa doce voz
que me animava dizendo :
― “Não
pecas, não pecas, minha filha, dás-me uma grande prova do teu amor.
Anima-te com as palavras de quem tem direito de te animar. Confia,
confia”.
Senti-me logo outra, meu Jesus, mas por tão pouco tempo ! Veio logo
o demónio dizer-me tudo o que há de mais feio e levar-me a duvidar
de Vós.
Hoje
estava assustadíssima a preparar-me para receber-Vos. Só Vós, meu
Jesus, vistes como foi dolorosa e triste a minha preparação. A Vossa
vinda ao meu coração fez desaparecer tudo e reviverem em mim as
ânsias maiores e desejos de Vos amar. Senti paz, doce paz por algum
tempo. Bendito sejais, Jesus : depressa veio a dor. Esta morte total
que sinto em mim. Uma força invisível vai-me arrastando sem eu dar
sinal algum de vida por entre as cinzas deste cemitério imenso. Vou
baixando, vou profundando ao fundo, muito ao fundo, levada não sei
por quem. Estou morta, não tenho vida. Mas, ah ! Bem sei : é o Vosso
divino amor que me leva, sois Vós, são as almas, nada mais. Confio,
Jesus, confio !
7 de
Outubro
― “Minha filha, a pureza e a candura das virgens encanta o meu
divino Coração. Sinto-me bem à sombra da tua graça, da tua pureza.
Anima-te, minha pomba bela. Só duma virgem casta e pura Eu posso
tirar tal reparação. Coragem, querida, coragem, amada, tu não pecas,
não desgostas o teu Jesus ; estou contigo a amparar-te, está contigo
a tua Mãezinha. Tiramos em ti a reparação que desejamos. Que alegria
e consolação para nós ! As tuas lutas com Satanás permito-as Eu e
exijo-as, mas só as podia exigir duma virgem como tu aureolada da
mais heróica pureza e virtude. Olha, minha filha, olha : oferece-mas
pelos sacerdotes. São tão poucos em Portugal os padres seculares que
são puros e castos ! É tão pequenino o número ! É por isso, meu
encanto, que de ti exijo dois sacrifícios. Anima-te com a palavra
afirmativa do teu Jesus : não pecas, não me ofendes. Estás no fogo
mais ateado sem te queimares sem ficares com a mais pequenina
mancha. Estás no fogo para apagares as paixões, vives no fogo para
purificares os outros. Se não fosse a ordem da obediência que tens,
as tua lutas seriam constantes. Obedeço aos que tu obedeces, mas
necessito, meu encanto, exijo de ti tudo isto. Nas horas que os
combates forem mais violentos é nas que as paixões atingem o seu
auge. Vê depois por quantas mais almas tens que reparar, quantos
pecadores pecam contra a pureza com toda a gravidade. Repara,
repara ! É neste dia consagrado à minha Bendita Mãe que Eu tenho
estes desabafos contigo. Diz ao teu Paizinho que ele vai ser posto à
frente da tua alma, que vai retomar o seu cargo, levar-te à entrada
do Paraíso e que lhe mando uma enchente das minhas graças, do meu
amor. Que se dê inteiramente às almas logo que se sinta de asas
soltas que voe, voe como a pombinha que, depois de muito tempo
presa, volta saudosa ao seu querido ninho. Diz ao teu médico que
continue com toda a vigilância sobre ti : necessitas dela. Escolhi-o
para isso, preciso dele para te amparar. Que cuide de ti com todo o
cuidado e amor. Que Me veja a Mim em ti, que faça de conta que lhe
apareci para ele cuidar de Mim. Não espero só para a eternidade para
lhe dar a recompensa. Já a tem sentido aqui na terra e continuará a
senti-la. Dá-lhe abundância das minhas bênçãos, das minhas graças,
do meu amor para ele a para todos os que lhe são queridos. Recebe,
filhinha, do teu Jesus e da tua querida Mãezinha coragem para as
tuas lutas. Eu e Ela compadecemo-nos do teu sofrer”.
A
Mãezinha acariciou-me, cobriu-me de beijos, encheu-me de amor com
Jesus e repetia-me :
― “Coragem, coragem, minha filha querida e do meu Jesus”.
― Jesus, Mãezinha, que dolorosos sofrimentos me pedis. Não tenho
coragem para dizer-Vos que não, mas tenho coragem para Vos jurar :
não quero pecar, quero só amar-Vos e dar-Vos as almas.
A vinda
de Jesus ao meu coração, que é cinza e já tão desfeita, por pouco
tempo fez brilhar a luz e suavizou a minha dor. Estou sempre tímida
e aterrada. As lutas do inimigo apavoram-me. Ele ameaça-me
descaradamente e diz-me :
— “Assim pecando vais comungar ? Isto não termina mais. Dizes que
amas muito à tua Mãe do Céu... olha se Ela te vem acudir. Agora
estou cá eu”.
Outras
vezes finge não ser culpado de nada do que se passa. Muito sentado
lá ao longe, parece que grava em minha alma os seus olhares
maliciosos e tenta mesmo de longe escarrar-me ; os escarros não
chegam a mim. Desafia-me dizendo :
— “Vês
como queres tudo isso ?”
Bate as
palmas, dá gargalhadas. No meio da fúria, não sei porquê, de repente
ele é obrigado a retirar-se para onde eu não o veja, não o sinta,
não o ouça. Quando se retira, uiva muito ao longe desesperadamente.
Ó Jesus, que vergonha a minha ! Nem ao menos me atrevo a levantar os
olhos para Vós. E Vós sois tão bom, Jesus ! No momento em que
baixais a mim, ao menos me deixais sentir que a gravidade do mal não
é aquela que me parece na hora do combate e em quase todo o resto do
tempo. Que vida, Jesus ! Não há alegria para mim, sempre a viver no
receio de pecar. Viver sem viver, sofrer sem sofrer. Só Vós
compreendeis, meu Jesus. Tende dó. Aqui me tendes : sou a Vossa
vítima. Que mais vem ainda ? O meu coração já há dias que sente
sobre ele um grande assalto. Tem de ser esmagado de dor. Mas se ele
é cinza, como pode ser ? Que mais me dais, Jesus ? Estarão mais
golpes para ferir-me ? Ou será isto resultado dos assaltos de
demónio ? Estou pronta, Jesus, abraço por amor à Cruz.
9 de
Outubro
O
demónio continua com os seus tremendos ataques e manhas infernais.
Influenciou de tal maneira a minha imaginação até chegar ao ponto de
julgar ter consentido nos maiores crimes e vai repetindo com
satisfação infernal, acompanhada por olhares maliciosos :
— “Vês
como consentiste ?”
E ao
longe sempre sentado de perna alçada desandando a cara ao lado como
se tivesse nojo de tal coisa, escarra para o chão e vai dizendo :
— “Olha
a tua Mãezinha por quem chamas e a quem dizes que amas muito, olha
se Ela vem acudir-te”.
Repete-me as palavras mais indecentes e fala-me no que há de pior :
coisas que eu desconhecia. Nos momentos de maior perigo, sinto-me
como se despertasse de um sono e é então que brado ao Céu, de alma e
coração :
— Jesus, não quero pecar ! Valei-me, valei-me ! Não quero, não quero
ofender-Vos ! Ó Mãezinha, tende dó de mim !
Cheguei
até a dizer a Jesus :
— Se
para Vos não ofender é preciso renunciar ao Céu, renuncio, Jesus, de
boa vontade, a uma eternidade de gozo para não ter um momento de Vos
ofender. Antes o inferno !
Depois
de horas seguidas, que duram umas vezes o dia inteiro ou grande
parte da noite, sinto o meu corpo prostrado a ponto de não ser capaz
a minha irmã sozinha de me erguer para o mais pequeno movimento.
Assim vou continuando arrastada sem sinal algum de vida. As minhas
cinzas a desaparecer aprofundando momento a momento na imensidade do
cemitério em que me encontro. Vou enterrando-me e sinto sobre mim
uma montanha sob a qual penetram também muitas feras diferentes,
passando sobre as cinzas que vão desaparecendo. Enterram nelas o
focinho causando em mim um sentimento de terror.
Antes
de receber a Jesus estou em grande tribulação que, causada pelo
demónio, aproveita-a para repreender-me :
— “É
assim que te preparas ?”
Não sei
descrever a luta que se passa em mim para tranquilizar-me e
convencer-me de que não dei consentimento. Mas Jesus chega ao meu
quarto trazido pelo sacerdote e uma grande paz volta à minha alma,
esquecendo completamente o que se tem passado. Pouco depois volta a
tempestade que não tenho palavra para descrever e que mal posso
esconder às pessoas queridas, que não queria ver sofrer por minha
causa.
11 de
Outubro
Ontem,
Jesus, compadecido da minha dor, trouxe junto de mim a quem eu pude
abrir a minha alma e que eu não espertava nem teria pedido.
Custou-me muito ; fiz um enorme sacrifício a falar e olhando para
Jesus ofereci-o por aqueles que ocultam as suas culpas por maldade.
Chorei lágrimas de alívio e de vergonha, mas entrou logo em mim uma
grande paz, desaparecendo da minha alma toda a treva, dúvidas e tudo
o que era dor. Senti uma força que me fez levantar, cantei a Jesus e
à Mãezinha pelo espaço de uma hora e meia.
Durante
a noite, vi num grande abismo de trevas um grande número de
demónios, vestidos de fogo escuro, os quais me fitavam com olhares
aterradores e ameaçadores mas sem proferirem palavras. Por graça de
Deus, a visão durou muito pouco ficando eu muito assustada. Ao
receber hoje a Jesus, senti que Ele me estreitou fortemente e
abrasou-me em suas chamas divinas e disse-me :
— “Prendo, minha filha, o teu coração ao meu. Prendo a todos os que
te são queridos ! Dá; minha filha, ao meu querido P. Humberto, os
meus contínuos agradecimentos. Diz-lhe que lhe dou o meu divino amor
com toda a abundância para ele dar às almas e quero dele de cada vez
mais ânsias de se dar a elas por meu amor porque com isso consola-me
muito”.
Sinto-me hoje mais livre dos assaltos do demónio, mas sinto em minha
alma terríveis ameaças. Ele está como esteja preso e mudo.
Passou
em mim um desejo veemente de poder bradar a Jesus que O amo e ser
tão forte o meu brado que obrigasse todo o Céu a implorar de Jesus
para mim o amor que eu tanto desejo, isto é, o amor com que Jesus é
digno de ser amado. Encarrego a todo o Céu para O amar por mim.
Quantas
vezes nos ataques mais violentos em que me parece consentir no mal,
mas em que o pensamento e o afecto não se afastam do meu Jesus,
sinto-me estar num lugar de martírio onde alguém me condena, e a
minha cabeça estar já separada do corpo. A minha língua junta a ela
enquanto o meu sangue se derrama pela terra, ela vai repetindo :
“Amo-te, Jesus, amo-te, amo-te, Jesus !”
12 de
Outubro
De
manhã, tinha feito a minha preparação para receber a Jesus e chegou
o meu pároco e colocando o Suspirado da minha alma sobre a mesa
depois de acender as velas, disse-me :
— “Aqui
tens Nosso Senhor a fazer-te companhia um bocadinho. Vem aí o Sr.
Padre Humberto e dá-to”.
Logo
que ele se retirou, uma força vinda não sei de onde, obrigou-me a
levantar-me. Ajoelhei-me à frente de Jesus, inclinei-me sobre Ele. O
meu rosto e o meu coração nunca tinham estado tão pertinho d’Ele.
Que felicidade a minha, gozar tão de perto da minha loucura.
Segredei-lhe muitas coisas minhas, de todos os que me eram queridos
e do mundo inteiro. Sentia-me arder naquelas chamas divinas. Jesus
falou-me também.
— “Ama,
ama, ama, minha filha, não tenhas outra preocupação a não ser a de
amar-me e dar-me almas. Onde está Deus está tudo, há o triunfo, há a
vitória”.
Pedi
aos anjos para virem louvar e cantar a Jesus comigo e cantei sempre,
até que fui obrigada pelo Senhor Padre a ir para a minha cama.
Presa e
abrasada no amor divino, comunguei. Momentos depois, disse-me
Jesus :
— “São
maravilhas, são provas dadas por Mim. Diz, minha filha, ao meu
querido Padre Humberto : Fui Eu que tudo permiti. Da minha parte,
nada mais é preciso. É só necessário agora lutar, lutar, combater
com os olhos postos em Mim. A causa é minha, é divina. Pobres homens
que imolam assim as minhas vítimas. Pobres almas que assim ferem o
meu divino Coração. Consolo-me no amor desta pomba inocente, desta
vítima amada, senhora dos meus tesouros e de toda a minha riqueza.
Vem, ó mundo inteiro, vem depressa a esta fonte beber. É água que
lava e purifica, é fogo que ateia e santifica”.
Meu
Jesus, amo-Vos, sou toda Vossa, sou a Vossa vítima. Obrigado...
(NOTA :
Neste instante, tendo percebido o Sr. P. Humberto que ia acabar-se a
comunicação da Alexandrina com Jesus — por ter lido nos êxtases
anteriores que acabavam quase sempre pela palavra
“obrigada” — pediu-lhe prontamente para que oferecesse a Nosso
Senhor todo o seu amor e o amor de todas as almas que lhe são
queridas e lhe estão confiadas. Viu-se, então, a Alexandrina
ofegante, como que a transbordar alguma coisa, e : “Aceitai o amor
do Padre Humberto e de todas as almas que lhe são queridas. Aceitai
o amor do P. Humberto e todas as almas que lhe são confiadas.
Aceitai o amor de todas as que me são queridas e do mundo
inteiro”. — “Estou entregue de toda a oferta”. — Obrigada, meu
Jesus !)
Não foi
muito duradoira a paz da minha alma ; voltei para a cruz, dores e
trevas e as dúvidas a atormentarem-me. Levantei os olhos para o
Sagrado Coração de Jesus e disse-lhe :
— Confio, confio em Vós. Bem sabeis que não quero enganar ninguém ;
podeis lá consentir que eu me engane e engane alguém ? Vós não me
enganais. Olhai, meu Jesus : ainda que todos os que estão ao meu
lado me desprezassem e abandonassem, convencidos de que eu estava no
erro e eu não tivesse ninguém, ninguém por mim, ainda confiava em
Vós. Juro-Vos, juro-Vos, ó Jesus. E se Vós por mim, quem contra
mim ? Ó Mãezinha, vede a minha dor e compadecei-Vos da Vossa pobre
filhinha. Eu não sou digna do Vosso amor, eu não mereço ser Vossa
filha, mas sou, Mãezinha, e só a Vós quero e ao meu Jesus.
Passaram as dúvidas e eu fiquei sempre mergulhada na dor e nas
trevas. Pouco depois do meio dia, uma onda de frescura passou por
mim, refrescando a minha alma e todas as cinzas do meu corpo. Gozei
duma grande paz e suavidade. Não sei bem ao certo, mas talvez por
espaço de duas horas.
Ao
aproximar-se a noite, voltei a sentir o mesmo, desta vez por menos
tempo. Como Jesus e a querida Mãezinha olham por mim, tomando e
caminhando com a minha cruz. Bendito seja o Amor do Céu !
16 de
Outubro
Caminhando sempre arrastada por alguém, sem já há tanto tempo darem
sinal de vida, lá vão as minhas cinzas aprofundando-se, momento a
momento neste cemitério imenso num abismo sem fim. Uma montanha de
ruínas, de misérias e de crimes cai sobre elas enfunando-as mais e
mais nesse abismo. Ó meu Deus, tudo passa, tudo desapareceNão sei
pelo que sinto agora uma chuva de sangue cair sobre estas pobres
cinzas amortecidas, quase a desaparecerem por completo. Esse sangue
forma rios, banha essas cinzas que ficam mergulhadas nele, ficando
assim numa massa de sangue, só sangue. O que é isto, meu Jesus ? Não
o sei : é dor para mim e o resto basta que Vós o saibais. Se no meio
disto eu Vos amasse ! Os meus desejos são profundos, são vivíssimos.
Eu não queria que um só momento da minha vida se passasse sem eu
repetir sempre : Amo-Vos, meu Jesus, eu amo-Vos. Não queria outro
movimento nem outra palavra para os meus lábios. Jesus, o demónio
enfurecido não cessa os seus combates ; sede comigo para eu
resistir, é furor diabólico. Num deles, dos mais violentos,
acusava-me como a maior das criminosas.
— E
dizes que és inocente e que não queres pecar e é só isso o que tu
queres.
Dizia-me mais, muito mais.
— Ó meu
Deus, bem sabeis que não me tenho por inocente e que por graça e
misericórdia Vossa conheço a minha miséria. Meu Jesus, sou a Vossa
vítima.
Enquanto que eu renovava a oferta a Jesus e lhe dizia : não quero
pecar, o demónio repetia :
— Criminosa ! Criminosa !
E Jesus
dentro de mim, prontamente a defender-me :
— “Inocente ! Inocente !
O
demónio espavorido, de cara voltada para trás como que a olhar
alguém, fugia para muito longe, desesperado. Não ouvia bem, mas
parecia blasfemar contra Jesus. Tudo se serenou e pouco depois eu
adormeci.
Vivo
triste e aterradíssima. Meu Deus, que medo eu tenho de pecar. Ainda
hoje ouvia ao longe as seduções e palavras feias de Satanás. Às suas
tremendas ameaças, cada vez me aterrava mais. Olhei para Jesus
crucificado e disse :
— Bendita seja a cruz de cada dia, benditos sejam os sofrimentos de
cada momento !
Fez-me
lembrar um condenando que vai para o martírio, mas que vai porque é
obrigado, e enquanto caminha, desesperadamente vai amaldiçoando
tudo. Assim me acontecia a mim. O demónio levava-me com as suas
manhas, desafiava-me com as suas maldades. O amor a Jesus e às almas
obrigava-me a caminhar. No auge da minha aflição, as minhas
maldições foram estas :
— Sou
Vossa, Jesus ! Tudo por Vós e pelas almas ! Não quero pecar ! Ai,
pecar não, meu Jesus ; sou a Vossa vítima.
Ao
terminar a luta, o coração a desfazer em dor, banhada em suores,
acabei com lágrimas, com o triste receio de ter pecado. Bem sabeis,
Senhor, que não quero ofender-Vos ; confio em Vós e nas palavras de
quem me dirige. Em recompensa da minha dor, dai-me almas, todas as
almas e o Vosso amor sem fim.
17 de
Outubro
Hoje
sinto o meu corpo em um tal cansaço, basta dizer : está moído, é
cinza, só cinza. O demónio deixou-me mais em paz, ou melhor, Jesus
assim o permitiu. Mas ele serviu-se do meu estado de desfalecimento
para me atacar violentamente. Foi só um ataque no dia de hoje, mas
valeu não sei por quantos. Chamando-me muitos nomes feios,
dizia-me :
— Dizes
que sou eu que te atormento, e vês que és tu que queres pecar. Hoje
não tens feito nada do costume, porque te sentes cansada. Vês que és
tu que pecas e queres pecar.
Continuando a dizer-me as coisas mais horrorosas, acrescentou :
— Prepara-te para uma noite de crimes, para uma noite de ofensas a
esse Deus a quem dizes amar, o qual tem por ti o maior aborrecimento
e desprezo.
O
combate foi aterrador a mais não poder ser. Foi no auge de tanta
agonia que recorri a Jesus e à Mãezinha. O meu pobre coração
parecia-me que tinha o movimento e o barulho de uma fábrica. O meu
peito era peque nino para o conter. Jesus, sou a Vossa vítima,
Jesus, não quero pecar ; Mãezinha, valei-me ; ai, o que será de
mim ! Banhada em suor, principiei a chorar. Depois de reflectir bem
no perigo em que estava metida, exclamei profunda e dolorosamente :
— Ó meu
Deus, eu estou na Vossa divina presença. Que vergonha, que vergonha,
meu Jesus !
Depois
disto, uma voz vinda só de Deus tranquilizou a minha alma ;
sosseguei e não pensei por algum tempo que tinha ofendido a Jesus.
Fiquei em ânsias de O amar e dizia-lhe :
— Ó
Jesus, se houvessem novas invenções de amor, como ei Vos queria
amar ! Se houvessem fábricas que inventassem amor e me fosse
possível construir o mundo todo em fábricas, era isso o que eu
fazia, Jesus. Queria ver o mundo todo, o Céu e a terra a amar-Vos
por mim. Não cabo em mim, Jesus ; Jesus, meu doce Amor, fazei que eu
Vos ame, vede os meus desejos, vede as ânsias que me consomem.
18 de
Outubro
O
demónio bem me ameaça, mas de nada valeram as suas ameaças. Jesus
não consentiu que ele me atormentasse durante a noite.
Nesta
manhã, quando me preparava para comungar, atormentaram-me as dúvidas
por algum tempo. Depois de Jesus entrar no meu coração, tudo que
eram dúvidas desapareceram, senti uma grande paz e doce união sem me
poder separar daquele por quem só suspiro. Esta doçura e suavidade
de alma, estas ânsias e loucura de amor por Jesus deram alento,
deram vida às cinzas do meu pobre corpo. De tudo necessitei. Após
umas horas da sagrada Comunhão inventou o maldito novos meios de me
atormentar. Eram horas do comboio, nele deviam regressar da Póvoa
minha mãe e uma prima. Foi minha irmã esperá-las ao apeadeiro. A
demora era grande ; não aparecia ninguém. Principiou o malvado, um
pouco retirado de mim, com as maiores injúrias e afrontas, com as
palavras mais indecentes e feias.
— Olha,
minha criminosa, tua mãe e tua prima estão mortas ; o corpo delas
está em ruínas, nem um hospital, nem um cemitério. Umas galgueiras
estão abertas para as sepultar no lugar do desastre, a elas e a
centenas e centenas de pessoas : não escapou uma só. Tantos
inocentes mortos por tua causa, que és culpada. Deus não via outra
forma de castigar e punir os teus crimes ; foi para te castigar que
procedeu assim. Manda-me aqui avisar-te que tudo isto foi por tu O
ofenderes tão gravemente. Tua irmã foi ao seu encontro, foi vítima
junto das ruínas delas.
Via e
sentia na minha alma as galgueiras, o sangue e todos aqueles
estilhaços desastrosos. Não eram cadáveres, era sangue, eram as
carnes todas em bocadinhos. Meu Deus, tudo isto por causa minha !
Sentia-me de verdade das maior criminosas e a causadora de todo
aquele desastre.
— Ó
Jesus, confio em Vós, espero que tudo isto é mentira. Perdoai-me,
tende misericórdia de mim. Bem sabeis que os meus desejos são de Vos
amar ; nada de pecado, nada de desgosto para Vós.
O
demónio às gargalhadas, acompanhadas de nomes, fingia tocar viola.
Recordou-me a minha prima que havia ordem de quem tinha autoridade
para isso de o mandar retirar. Pegando no crucifixo, aspergindo água
benta, usou das palavras que tinha ouvido dizer e ele retirou-se.
Mas antes de se retirar, enfurecido escarrava virado para o rosto
dela. Cheguei a perguntar-lhe se ela sentia os escarros ;
respondeu-me que não. Foram duas horas de luta. Lutei sempre com os
olhos em Jesus e sem dar uma palavra ao inimigo. Estava cansada e
aterrada de tão triste cena. Veio Jesus com o seu bálsamo divino,
curou por algum tempo as minhas chagas.
— “Minha filha, minha filha, não acredites em Satanás : é meu
inimigo, é inimigo das almas. Não houve desastre nenhum, foi apenas
um atraso ; os teus estão para chegar. Confia no teu Jesus que te dá
tudo ; dá-te paz, doçura e amor. Confia, confia : sou o teu Jesus,
louquinho de amor por ti. Confia plenamente em Jesus”.
Não
duvidei mais. Minutos depois, chegavam todos os que me eram
queridos. Pobres almas, que se deixam convencer por Satanás. Pobre
de mim, se Jesus me abandonasse um momento só ; seria eu então a
mais desgraçada.
20 de
Outubro
Meu
Deus, falham-me as minhas forças, o corpo é cinza, a dor morre
também. Tudo passa, vem a eternidade e eu de mãos vazias. Quero
chorar, Jesus, sinto que é necessário banhar o mundo de lágrimas e
de sangue. Quero chorar as minhas culpas, quero chorar as do mundo
inteiro. Quero sofrer, desejo sofrer e sofro e sinto que a dor não é
minha ; sinto que não sou eu que sofro. Ó miséria, ó miséria. Que
ruínas no meu pó, nas minhas cinzas. Trato com o meu Jesus
friamente, trato com Ele tão de longe. Meu Deus, que horror, que
distância me separa de Vós ! Parece-me não haver nada no mundo que
possa conduzir-me ao Vosso amor e unir-me para sempre ao Vossa
divino Coração. Senhor, eu não sou eu, não posso estar aqui, esta
vida não é minha, Jesus, tende compaixão, não Vos retireis de mim,
não volteis as costas à mais miserável das Vossas filhas. Jesus, sou
miséria, mas é com esta miséria que eu quero amar-Vos, é mesmo assim
que eu quero ser Vossa, inteiramente Vossa. Deixai, Jesus, esta
pobre filhinha desprender seus voos, deixai-me, deixai-me voar para
Vós. O Céu, o Céu, Jesus, criaste-me para ele ! Vede as minhas lutas
com Satanás. Esta noite ! Meu Deus ! Tentou o maldito levar-me ao
desespero de salvação. Dizia-me que já me não salvava.
— Deus
já lavrou a sua sentença de condenação para ti. Tu queres gozar e
podes gozar todos os prazeres à vontade porque já não tens salvação.
Dava
gargalhadas, chamava-me os nomes mais feios e dizia-me :
— Queres salvar as outras almas e não salvas a tua. Estás condenada,
estás condenada.
Gargalhadas, mais gargalhadas e gestos maliciosos.
— Sou a
Vossa vítima, Jesus, quero sofrer tudo e não pecar. Quero amar-Vos,
quero louvar-Vos. Sou vítima, Jesus, sou vítima das almas. Dou-Vos o
meu sangue, dou-Vos tudo, tudo. O demónio estava furioso, atirava-se
para mim com fúria de leão. Como estava preso com cadeias de ferro e
não conseguia chegar-me, uivava de desesperação e mordia nele mesmo
e dizia-me :
— O
inferno está fechado, mas o teu corpo é que as paga. Olha que noite
de crimes. Sofres pelos outros e não sofres por ti. Renuncia a todos
os sofrimentos, renuncia a todas as ofertas que fizeste a Deus ;
diz-lhe que não queres nada, porque afinal já estás condenada.
Fechaste o inferno para os outros e abriste-o para ti. Que
eternidade desgraçada te espera ! Acredita no que te digo.
— Antes
o inferno, meu Jesus ! — brado ao Céu no meu tão tremendo
combate. — Antes o inferno que pecar ! Antes uma eternidade
desgraçada, do que desgostar-Vos na mínima coisinha. Amo-Vos,
amo-Vos, meu Jesus, nas lutas, nos combates, no calvário e na cruz.
Serenou
a tempestade e adormeci. Pouco depois preparei-me para comungar,
triste, triste e como um mendigo a tiritar de frio. Tinha medo de
receber a Jesus, não era digna de o receber, de o possuir. Ele veio,
esquecido da minha miséria ; uni-me a Ele, aumentaram-me as ânsias
de O amar. Quero corações, quero línguas para O amarem e louvarem
por mim. Ó Jesus, ó Mãezinha, o Céu dá-me amor para eu amar com esse
amor.
24 de
Outubro
Morri,
morri para o mundo, morri para tudo. Deu o último suspiro aquele
pequenino sopro de vida que já há muito vinha a agonizar,
desaparecendo de toda a força que o arrastava pelo cemitério imenso.
Até os próprios bichos desapareceram, aqueles que vinham sobre as
minhas cinzas e sobre outras que não eram minhas, mas que estavam ao
meu cuidado. Há dias que principiou a cair uma chuva de sangue,
vinda do alto. Choveu sangue e ainda continua a chover. A princípio
banhou as cinzas. Depois levou-as de tal forma até que
desapareceram, já não existe nada. O sangue continua a vir do alto ;
cai sobre o que está limpo, já não tem mais que lavar.
— Ó meu
Deus, como posso eu falar duma coisa que não existe ! Eu sou nada,
vou falar da dor, da dor que não é minha, da dor que não me
pertence. Ó meu Jesus, sinto a dor e não sou eu que sofro, faltou a
vida à dor que era minha. Vejo-a agora a sofrer de rasto, faz-me
lembrar a cobra quando lhe falta o veneno. Vejo esta dor envolta na
lama e no lodo tombando para um e outro lado. Essa vida que era dela
está a viver mais alta, deixou-a para não mais voltar. Vive lá em
cima, muito lá em cima, olhando a dor cá em baixo e olha-a com
compaixão. Esta vida que vive no alto é uma vida semelhante àquela
vida de que falei no dia da Assunção da Mãezinha, deste mesmo ano.
Não sei exprimir melhor os meus sentimentos.
Ó
Jesus, Vós sabeis e compreendeis tudo ; eu não sei que vida é esta.
Tende dó de mim, valei-me nos meus combates, nas minhas lutas com
Satanás. Ele continua a seduzir-me ao mal. Quer instruir-me com as
suas lições vergonhosas e maliciosas. Vede que tudo sofro por Vosso
amor e pelas almas. Vede que não quero pecar, não quero ferir o
Vosso divino Coração. Feri-lo sim, feri-lo sempre mas com setas de
amor, não com o pecado ; não quero ferir-Vos, não quero
desgostar-Vos. Por Vossa bondade e amor, ele não tem vindo tão
frequentes vezes. Mas ai, meu Jesus, a manha dele ! Quando vem, vem
mais furioso e desastrado. E faz sofrer tanto a minha pobre alma
quando me diz :
— Vês
como és tu que queres pecar e pecas quando queres ! Agora que sentes
o teu corpo desfalecido, entregas-te aos prazeres menos vezes. Vês
como és tu em não eu ?
E
insulta-me então com todos os nomes feios e maus. Ameaça-me que vou
ter uma noite de crimes e depois demora-se a vir, deixando-me na
alma desejos de pecar. Depois, quando vem, lança-me em rosto esses
sentimentos de manha alma para assim me afirmar mais que sou eu que
quero, que sou eu que peco.
— Meu
Jesus, bem sabeis que não quero. Ó Vós vedes como fico assustada
quando o ouço ao longe com as suas ameaças. Fico sempre aterrada a
ver quando chega a hora do martírio. Banhada em suor e lágrimas,
recorro a Vós nos momentos mais graves. Jesus, valei-me ! Mãezinha,
mostrai que sois minha Mãe, entregai-me a Jesus como vítima, quero
desagravá-lo, quero reparar mas não quero pecar. Entreguei-me a Ele
como escrava ; quero servi-lo, quero amá-lo e dar-lhe almas. Pecar,
nunca, ó Jesus, ó Mãezinha ! Sou vítima, sou vítima !
No
último ataque, das 11 à meia noite desta mesma noite, banhada em
suor chorei sentidas lágrimas. O coração não podia resistir mais.
Quantas vezes repeti :
— Sagrado Coração de Jesus, tenho confiança em Vós ! Juro-Vos que
não quero pecar. Valei-me, Mãezinha, valei-me lá do Céu.
O
malvado punha-se ao lado, dançava, batia palmas. Dizia-me que os
meus escritos estavam na mão dele, que ia ser uma vergonha em todo o
Portugal. Eles não chegam mais à mão do P. Humberto nem do P.
Pinho ; e chamava-lhes nomes feios. Pronunciava também o nome do
Médico e dizia-me dele coisas feias. Desesperado, gritava ao longe :
— Não
os posso ver, tenho-lhes raiva, odeio-os !
Terminada a luta, fiquei tristíssima, só com o receio de ter pecado.
— Ó
Jesus, eu quero confiar em Vós e na palavra de quem me dirige. Pobre
de mim, se aqui confio e me encorajo, ali desfaleço e fico
duvidosa. Vinde, Mãezinha, em meu auxílio. Valei-me, valei-me,
Jesus.
Fiquei
em paz. Muito unida aos sacrários, contente por estar acordada,
dizia :
— Jesus, quero velar, quero amar pelos que estão a dormir. Quero
sofrer, quero reparar pelos que estão a pecar.
Assim
passavam as horas e eu estava em mim para falar com as personagens
divinas da minha alma. Sinto por tantas vezes a sua realeza divina
dentro em mim ! Gosto tanto de viver na solidão e no silêncio com
estas Personagens ! Sinto que o divino Espírito Santo no seu trono,
no trono do meu coração, no meio do Pai e do filho, mas acima deles,
bate as suas asinhas brancas como para me despertar e dizer-me que
estão ali. Irradia-me com o seu amor, dá-me efusões do seu fogo
divino, leva-me a santas inspirações, move-me a praticar obras boas,
obras de caridade e tantas vezes com tanto sacrifício. Para quantas
coisas sinto a sua acção divina. Quando estou em êxtase com Jesus e
Ele me manda escrever tudo, eu não chego a dizer-lhe nada, mas fico
triste por me lembrar que não sou capaz. E Ele, que tudo conhece,
diz-me logo :
— “Vai,
que o divino Espírito Santo está contigo, tens toda a sua luz
divina”.
E é bem
verdade ! Vou para escrever, lembro-me de tudo, compreendo tudo sem
dificuldade. Sinto uma luz que alumia todos os caminhos. O divino
Espírito Santo ! Com a sua luz vejo tantas coisas nas almas,
ansiosas tantas vezes por mas dizerem e não têm coragem.
Dá-me o
Espírito Santo conhecimento de tudo. E quantas vezes pressentimentos
reais, como da vinda de pessoas junto de mim, acontecimentos,
etc. ... O divino Espírito Santo é fogo que me ilumina e eleva
muitas vezes às alturas : perco-me nele, irradio-me nele. Oh ! Quem
me dera todas as almas conhecessem e sentissem nelas a presença do
Pai, do Filho e do Espírito Santo ! Meu Jesus, tenho tantas ânsias
de Vos amar ! Desfaleço com tantas saudades do Céu. Que tristeza
viver aqui ! Tende dó de mim ! Sinto-me tão ferida, e por pessoas
que desconhecem ferir-me assim ! Assemelhai o meu coração ao Vosso.
Por Vosso amor quero perdoar a todos, por Vosso amor e por amor às
almas aceito estes espinhos que tão profundamente ferem a minha
cabeça em tantas horas do dia. Se o mundo compreendesse a dor ! Se o
mundo compreendesse uma ofensa feita a Vós, não pecava, só Vos
amava. Jesus, dai-me amor sem fim, dai-me amor para todos. Dai-me
força e coragem para eu obedecer escrevendo tudo como me mandam. Que
repugnância, meu Jesus, em tudo que escrevo ! Se não fosse a
obediência, não escrevia nada apesar da grande necessidade que sinto
de o fazer. Amo a obediência, custe o que custar ; quero ser fiel,
quero obedecer em tudo.
Muito
obrigada, meu Jesus, pelo alívio que me destes trazendo junto de mim
quem tão bem compreende a minha alma. Com os olhos fitos em Vós,
embora sempre na cruz, pude respirar mais fundo. Ó cruz, ó amor do
meu Jesus, quero-te, quero-te, morro por ti.
25 de
Outubro
Dia a
dia, momento a momento, torna-se a minha vida mais penosa e triste.
Por um lado a ordem da obediência obriga-me a viver escondida não
recebendo pessoas para assim, a pouco e pouco ficar esquecida. Ó meu
Deus, se eu tivesse querer, era assim que eu queria ; mas que
engano ! Quanto mais me querem escondida, mais me fazem conhecida.
Chegam-me visitas dum lado e doutro. Despertou agora a curiosidade
dos médicos : que tormento para mim ! Ó almas, ó almas, quanto é
preciso sofrer para Vos salvar ! Ó Jesus, ó Jesus, quanto custa a
conquista do Vosso amor.
Esta
manhã, quando me preparava para a visita do meu Amado, sentia-me
triste e amargurada. Meu Deus, receber-Vos assim, tão cheia de
misérias ! Tende dó de mim, Jesus ! Ó Mãezinha, purificai o meu
coração, o meu corpo e a minha alma ; preparai-me para a visita de
Jesus. Ele veio, fez serenar tudo, sentia-o na minha alma, suavizou
a minha dor unindo-me toda a Ele. A seguir uns momentos, deram-me a
notícia que os meus escritos que se julgavam perdidos e que o
demónio afirmava estarem na mão dele tinham aparecido. Senti muita
alegria. Já que tinha Jesus em meu coração, aproveitei a ocasião de
Lhe agradecer mais de perto. Pouco depois principiaram as visitas.
De Jesus recebi força para tão grandes sacrifícios. Eram duas horas
e meia da tarde e entraram no meu quarto cinco homens. Tive logo o
pressentimento de que algum deles era médico. Principiaram a
interrogar-me ; não sei porquê, os meus olhos fitavam-se mais num.
Soube depois que era esse o médico. Como tinha o pressentimento de
que estava a falar com um médico, respondia a tudo e fazia por me
explicar bem da minha doença. Não me faltou a serenidade. Ó Jesus,
só Vós sabeis quanto custa tudo isto. Quando acabará, ó meu Deus ?
Com certeza só com a minha morte ! Respondia com firmeza, pois a
verdade só tem um caminho. Chegou a ocasião de me falarem na
alimentação. Duro golpe ! Quem me dera que ninguém soubesse !
— “Então não come nada ?”
Eu não
sabia se estava a falar com pessoas religiosas. Mas sem respeito
humano, respondi :
— Comungo todos os dias.
Um
silêncio profundo por uns momentos se travou sobre todos ; nem um
gesto, nem um sorriso. Pouco depois retiraram-se muito delicada e
respeitosamente. Ó Jesus, ó Mãezinha, divino Espírito Santo, dai a
Vossa santa luz a estas almas ; fazei que sejam só Vossas e sigam os
Vossos caminhos. Que as minhas humilhações e sacrifícios sirvam para
a salvação de todos. Ó Jesus, quero viver para Vos amar e para a
salvação das almas !
26 de
Outubro
Durante
a noite tive com o demónio um violento combate. Eu Deus, tantas
coisas feias, tantos gestos e ameaças e convites para o mal ! Não
sei o que ele punha em minha alma, não sei das manhas de que ele se
servia, o que me parecia era a minha alma tinha desejos de pecar e
que os meus lábios pronunciavam : quero pecar, troco à Céu, troco
Jesus pelos prazeres, pelos gozos do mundo. Isto eram manhas do
demónio ; Jesus bem sabia que eu não queria pecar. Mãezinha,
guardai-me, valei-me, oferecei-me a Jesus como vítima. Dizei-lhe que
não renuncio aos sofrimentos, mas que renuncio ao pecado. Pecar,
não ; amar-Vos, sim ! Amar-Vos a Vós, amar a Jesus ! O maldito, no
meio de horríveis coisas, convidava-me a que o beijasse. Então
redobrei de forças e atirava beijinhos para a Mãezinha e dizia-lhe :
— Dai-os a Jesus e levai-os por mim aos sacrários.
Procurava entrar em mim o mais intimamente possível e aí beijar o
Pai, o Filho e o Espírito Santo, rico tesouro que possuo. O demónio
retirou-se mostrando-se contente por me ter levado ao ponto que
desejava e afirmava-me eu ter pecado gravemente. Apesar dos meus
esforços para não ofender o meu Jesus, fiquei triste e duvidosa.
Unidinha aos sacrários, mas envergonhada diante de Jesus. Queria
acreditar nas palavras de quem me dirige, que não pecava, e
custava-me a acreditar. Eram quatro horas da manhã e eu
desfalecidíssima preparava-me para a visita de Jesus. Ele não
esperou que eu o recebesse, veio consolar-me antes. Chamou-me :
― “Minha filha, vem para os meus braços. Deixa a tua cruz, descansa
em mim, toma conforto”.
Senti
que Jesus me desprendeu da cruz, via-a separada de mim : era grande.
E eu então sentia-me nos braços de Jesus, estreitada por Ele ao seu
divino Coração. Ao ouvir que Ele me dizia :
― “Sacia a tua fome, sacia a tua sede, recebe o meu Sangue que é a
tua vida, o teu alimento. Estou em ti como Rei no palácio do teu
coração. Venho a ti como esposo fiel e cheio de amor. Venho a ti
como Pau cheio de doçura, ternura e compaixão”.
Chegou
aos meus lábios o seu Sangue divino, deu-mo a beber por algum tempo.
Depois senti o meu coração e peito aberto, e dentro em mim caía uma
chuva de sangue. Jesus dizia-me :
― “Recebe, é o Sangue das minhas veias. Toma coragem, enche-te de
mim para levares a tua cruz. Se soubesses o bem que estás aqui a
fazer às almas, morrerias de pasmo. Confia nas palavras de quem te
dirige. Não me ofendes ; confia nas palavras afirmativas do teu
Jesus, que valem mais do que uma jura. Confia, confia ; não me
ofendes, não posso consentir que me ofendas”.
Dito
isto, estreitou-me de novo forte e docemente. De novo fiquei na cruz
de pés e mãos cravadas e a cabeça bem penetrada de agudos espinhos
inclinada bem firme sobre a cruz. Pouco depois, comunguei ; não
senti novos alívios. Passei o dia abraçada à cruz. Ai, quantas
recordações tristes ! Quantas amarguras e torturas de alma ! Quantas
ânsias de amar o meu Jesus ! Quantos pensamentos ! Eu só queria quem
me ensinasse a amá-lo ! A chuva de sangue vinda do alto continua a
cair sobre o cemitério, mas já não encontra cinzas para lavar : tudo
desapareceu. Bendito seja o amor de Jesus, benditas sejam as suas
invenções para salvar as almas !
28 de
Outubro
Hoje
foi um dia cheio; espinhos, só espinhos penetraram o meu corpo de
cima a baixo ; nem um só bocadinho me foi poupado. Tantas
contrariedades ! Tantos sofrimentos ! Meu Jesus, por Vosso amor.
Tudo o que é por Vosso amor não custa ! Olhava o Santíssimo Coração
de Jesus, olhava-o crucificado na cruz e murmurava ao mesmo tempo
que sorria aos sofrimentos. Bendita seja a cruz de cada dia, bendita
a dor de cada momento.
Passavam-se as horas e com elas iam passando as dores e angústias da
minha alma. De vez enquanto era ferida por novos golpes. O demónio
de longe a longe ameaçava-me e atormentava-me a imaginação. Queria
confiar em Jesus e não podia, queria confiar nas palavras de quem me
dirige e não me era possível, queria confiar em mim mesma, nos
sentimentos da minha alma, pior ainda.
— Ó meu
Deus, ó meu Deus, se no meio disto eu Vos amasse ! Ficava por algum
tempo com os olhos fixos no Sagrado Coração de Jesus. Que sede de O
amar ! Era já noite, feriram-me agudas espadas. Pratiquei actos de
humildade não por entender que fosse necessário fazê-los, mas sim
para dar bom exemplo de ensinar alguém a ser humilde para consolarem
a Jesus e o amarem cada vez mais. Durante a noite com o coração a
sangrar de dor via correr dum lado e do outro muitos regatozinhos de
sangue. Sobre eles poisavam bandos de pombinhas sem conta bebendo o
sangue e de contentes batiam às asas. A amargura da minha alma
continuava. O demónio com as suas feias palavras e acções tentava
levar-me ao desânimo, ao desespero. Fazia actos de f é a ver se
tinha confiança para melhor resistir. Ó amargura, triste amargura !
30 de Outubro – Dia de Cristo Rei.
Logo de
manhã na preparação para a comunhão esforcei-me por consolar a
Jesus. Pedi à Mãezinha que Lhe fizesse a oferta das minhas orações e
de todas as coisas para Sua maior glória, para que Ele triunfasse e
reinasse no mundo inteiro em todos os corações. Dei-me a Jesus por
Maria. Veio Jesus para o meu coração. Voltei aos mesmos regatozinhos
de sangue : tantos, tantos bandos de pombinhas alegres, satisfeitas
bebendo, levantando-se aqui e poisando-se acolá. O sangue corria e
eu sem saber de onde. Terminou a visão e eu sem saber o que
significava, mas nem por isso me preocupava. A agonia da minha alma
não me deixava pensar em nada disso. Fingia no meio dos meus que
estava muito satisfeita para assim ver em todos a paz e a alegria.
Fui visitada por muita gente. Perguntas esquisitas, coisas
desagradáveis : faziam-me sofrer muito.
Ó
Jesus, ó Mãezinha, tudo por Vosso amor, dai-me coragem para eu
sorrir a tudo sem dar a conhecer a minha dor. Sentia-me tão nada, um
nada que nunca existiu. Sentia-me morta e morta toda a humanidade,
mas era tal morte que nunca teve vida. Ó meu Deus, que há-de ser de
mim, que doloroso tormento. Pelo meio desta mortandade apareciam
ânsias quase insuportáveis de amar a Jesus, amar sem sentir, amar
sem conhecer o amor. Chegou a noite. Terríveis ameaças do demónio
atormentavam-me e enchiam-me de medo e pavor. Meu Jesus, quero só o
que Vós quiserdes, estou pronta para tudo, não me deixais
ofender-Vos.
O
demónio é mentiroso, mas desta vez não mentiu. Ontem com feias
palavras mandava-me preparar para a noitada e não faltou. Eu não sei
bem, mas talvez das 10 para as 11 horas veio ele com toda a fúria e
maldade infernal. Ó meu Deus, nem posso pensar, ai que horror !
Lutei, lutei por muito tempo. O grande tormento da minha alma era
parecer-me que ele conseguia que eu dissesse : não quero Jesus, não
quero Maria, não quero o céu, odeio-os, volto-lhe as costas, quero o
prazer, quero gozar. Eu não o juro, mas parece-me que não dizia nada
disto. Só de longe a longe eu podia chamar por Jesus ou pela
Mãezinha e oferecer-me como vítima e escrava. Uns momentos em que me
parecia pecar sem remédio apertei como pude na minha mão o crucifixo
e a Mãezinha e dizia-lhes : amar sim, pecar não. E foi tal a aflição
do meu coração que pensei que morria por espaço de muito tempo.
Vinha-me ao pensamento a realização das promessas de Jesus e
animava-me. Eu quero o céu, mas quero uma morte de amor, não quero
morrer nas mãos de Satanás. Via-me sobre um horroroso abismo ; por
entre as trevas dele sobressaíam uns ganchos rebicados muito
polidos. Assustadíssima porque me parecia cair nele sem remédio,
fiquei desfalecida. O coração estava em fortes arrancos e aflito
fazia grande ruído ; parecia-me que a morte estava para aquele
momento. Só com a minha mente dizia : Ó meu Jesus, se eu ao menos
não pecasse não me importava todo este sofrimento. Fiquei nesta
prostração e triste agonia. O pecado, o pecado, que preocupação a
minha. Passaram-se uns momentos : nova visão de sangue e bandos de
pombinhas. Mas desta vez falou-me Jesus :
― Não
pecas, não pecas, minha filha. Confia, meu amor, tem coragem. Exijo
de ti esta reparação. Vistes aquele abismo ? Com este sofrimento
evitas de cair nele muitas almas. Os ganchos que nele estão são as
prisões em que ficam presas para sempre. Este sangue é o sangue da
tua dor, do teu martírio. As pombinhas que nele bebem são as almas
que por nele se lavam e purificam. Alegra-te querida, alegra-te,
amada, és minha, só minha. Não pecas, amas-me, reparas, desagravas o
meu divino Coração. Amo-te, amo-te, minha loucura.
A noite
ia adiantada, uns pequeninos intervalos de sono, queria estar muito
unidinha a Jesus, esforçava-me para isso, mas mal podia. Com una
lanterna que ardia fitava o seu divino Coração, fitava a Mãezinha e
a Jesus pequenino em seus braços, pedia-lhe amor, graça e pureza,
pedia-lhes tudo. Chegou a hora de comungar : fiquei unida a Jesus.
Pouco depois passou-me pelo pensamento o grande combate da noite,
desfaleci mais ainda. Indiferente a tudo e de tudo depreendida,
sentia lá no alto aquela vida que já me pertenceu enquanto que a dor
lutava e rastejava no lodo nojento e na lama. De vez em quando o
Divino Espírito Santo batia as asas em meu coração e dentro dele
infundia o seu biquinho como para me alimentar e dar coragem.
Sinto-o em mim em forma de pomba. É já noite. O que me espera nela ?
Jesus o sabe.
31 de
Outubro de 1944
Tudo
desconhecia, nada compreendia. A maior parte deste dia passei-o sem
sentir nem vida nem morte, nem tempo nem eternidade. Parecia-me não
existir, portanto nada me esperava. Não deixava de viver a minha
vida íntima com Deus, entrar muitas vezes em mim para adorar as
personagens divinas que vivem no meu coração e na asinha alma. Mas
sem nada sentir, sem nada me pertencer vivia assim como por um
hábito. Aproximava-se a noite ; nasceram em mim uns desejos de
missionar, queria correr todo o mundo à conquista das almas. Como
estas ânsias, já não cabiam em mim disse para Jesus e para a
Mãezinha : XE "Correr o mundo de joelhos" Se Vós me désseis toda a
graça e amor eu queria ir de joelhos bater à porta de todos os
corações da humanidade, aqueles que estivessem em graça dava-lhes só
amor e aos que estivessem em pecado dava-lhes tudo, graça e amor.
Queria enchê-los a mais não poder, deixá-los a transbordar. Queria
ver sair de todos eles as chamas como duma chaminé, para todos eles
formarem uma só chama, um só amor. Queria fechá-los Jesus com uma
chave só Vossa para que nenhum deles pudesse abri-lo para assim
nunca deixarem de amar e nunca perderem a graça. Ó Jesus, ó
Mãezinha, quero amar-Vos quero que todos Vos amem. Quero a graça e a
pureza do meu corpo e da rainha alma e quero que todos os filhos
Vossos a possuam. Sou a Vossa vítima. Era já noite, veio o demónio
com toda a fúria, veio em forma de crocodilo, assustou-me muito,
veio até pertinho de mim, mas não me tocou. Com as suas artes
manhosas parecia-me que fazia de mim tudo quanto ele queria.
Dizia-me : Venho para satisfazer os teus desejos não porque eu
quisesse vir. Tenho nojo de ti ; e mostrava-se muito enojado. “Tu
pecas o mais gravemente e podes pecar à vontade porque Deus já não
te quer nem eu te quero, não me serves, para mim quero pessoas puras
e honestas”. Parecia-me que eu mesma dava risadas de contentamento e
que repetia uma e muitas vezes : troco tudo por um gozo, por um
prazer. Quero pecar, quero pecar, com esta e com aquela pessoa e
nomeava-as. Meu Deus, creio firmemente que me parecia dizer tudo
isto, mas que não disse. As palavras e ensinamentos eram horrorosos.
Desconheço muitas coisas, outras nunca as disse nem as pensei. Que
luta triste e tremenda. Por mais que uma vez parecia-me morrer. Fiz
as minhas ofertas a Jesus, mas com tal desfalecimento que parecia-me
nada valer.
Meu
Jesus querer é poder ! Bem sabeis que só quero amar-Vos e nada, nada
de ofender-Vos. Fiquei triste e tímida. Que vida a minha meu Deus !
Seja tudo por Vosso amor. O malvado retirou-se desesperado.
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