SITE DOS AMIGOS DA ALEXANDRINA - SITE DES AMIS D'ALEXANDRINA - ALEXNDRINA'S FRIENDS WEBSITE

     

Capítulo 2°

A sua doença

 

Já pelos doze anos, adoeceu gravemente, chegando a receber os últimos sacramentos, mas melhorou, podendo retomar os trabalhos do campo. Deram-lhe então na freguesia « o cargo de catequista e cantora ; trabalhava com muito gosto tanto num cargo como no, outro, mas pelo canto — atesta ela — tinha uma paixão louca ».

Aos catorze anos e quatro meses, porém, começou a sofrer da doença que para toda a vida a viria a inutilizar. Originou-se, ao que parece, de uma queda. Oiçamo-la a ela :

« Até aos catorze anos trabalhei nos campos, e com tal cuidado, que me pagavam o jornal como a minha mãe. Uma vez andava a apanhar hera, numa carvalheira, para dar ao gado e caí abaixo, ficando algum tempo sem me poder mexer e sem respirar, levantando-me pouco depois, para continuar o meu serviço. Aos catorze anos e quatro meses deixei o trabalho para sempre, embora há meses trabalhasse com muito custo...

Principiei a consultar médicos, coisa que me custava imenso. Eles trataram-me de varias doenças ; ao principio tudo corria bem e todos tinham pena de mim e eu só sentia o desgosto dos meus males. Isto porém, durou bem pouco tempo. As minhas melhores amigas, pessoas de família e até o próprio pároco (já falecido) revoltaram-se contra mim. Chegaram a fazer caçoada de mim, do meu modo de andar, da posição que tinha na Igreja... Mas eu não podia estar de outra forma.

O Sr. Abade dizia-me que eu não comia, porque não queria e, se morresse, que ia para o inferno. Quando me ia confessar, dizia-me também que o meu maior pecado era não comer. Estas palavras fizeram-me sofrer muito sozinha ; com Nosso Senhor é que eu desabafava...

Como piorasse cada vez mais e ao verem o meu estado, foi o próprio Sr. Abade quem aconselhou minha mãe a levar-me a um médico conhecido dele. Foi esse que me veio tirar do martírio em que vivia, dizendo aos que lhe perguntavam : “que eu não comia, porque não podia” ».

Uma das coisas que certamente contribuiu para o agravamento da doença foi outro salto, dado em circunstâncias que já por ai andam um pouco romanciadas. Conta-nos ela mesmo o caso :

« Uma ocasião estando eu, minha irmã e uma pequena mais velha do que nós a trabalhar na costura, avistámos três homens : o que tinha sido meu patrão, outro casado e um terceiro solteiro. Minha irmã, percebendo alguma coisa e vendo-os seguir o nosso caminho, mandou-nos fechar a porta da sala. Instantes depois, sentimos que eles subiam as escadas que davam para a sala e bateram à porta. Falou--lhes minha irmã. O que tinha sido meu patrão mandou abrir a porta, mas como não tivessem lá obra, não lhes abrimos a porta. Ele conhecia bem a casa e subiu par umas escadas pelo interior da habitação e os outros ficaram à porta onde tinham batido. Ele, não podendo entrar pelo interior por um alçapão que estava fechado e resguardado por uma maquina de costura, pegou num maço e deu fortes pancadas nas tábuas, até arrebentar o alçapão, tentando passar par ai.

Minha irmã, ao ver isto, abriu a porta da sala e conseguiu escapar-se, apesar de a prenderem pela roupa. A outra pequena foi a segunda a fugir, mas essa ficou presa e eu, ao ver tudo isto, saltei pela janela que estava aberta e que deitava para o quintal. Sofri um grande abalo, porque a janela distava do chão quatro metros. Quis levantar-me logo, mas não pude, porque me deu uma forte dor... Cheia de coragem, peguei num pau e entrei pela porta do quintal para o eirado, onde estava a minha irmã a discutir com um dos dois casados. A outra pequena estava na sala, com o solteiro. Eu aproximei-me deles zangada e disse que, ou deixavam vir a pequena ou então gritava contra eles. Aceitaram a proposta... Não lhes demos mais confiança ; eles retiraram-se e nos continuamos a trabalhar... Pouco depois, comecei a sofrer mais e toda a gente dizia que foi do salto que dei : os médicos também afirmaram que muito concorreria para a minha doença ».

Aos 16 anos, pouco mais ou menos, foi para à Póvoa de Varzim, a ver se mais facilmente encontrava remédio para seus males.

« Aos dezanove anos — escreve ela — acamei. Nesta altura, o médico do Porto, Sr. Dr. João de Almeida, informou minha mãe de que temia que eu entrevasse ».

Foi de facto o que aconteceu. Exames sérios, feitos mais tarde, em Julho de 1941, rectificadas em Maio de 1942 e anotados em 19 de Janeiro de 1943, pelo Dr .Gomes de Araujo e confirmados pelos Drs. Carlos Alberto Lima, professor laureado da Faculdade de Medicina do Porto, e Dr. Manuel Augusto de Azevedo, formado pela mesma Faculdade, dizem que « A doente Alexandrina Maria da Costa é portadora de compressão medular alta só, ou complicada de outros focos compressivos baixos ».

« A historia da doença, os sintomas de que anteriormente se queixava e que hoje (Maio de 1942) apresenta, fazemcrer que se trata de uma mielite de vários focos, mas principalmente lombo-sagrada, ou compressão medular de um ou mais focos. ..É portadora também de uma cistite possivelmente devida aos cateterismos efectuados, durante longo tempo, mas o que principalmente avulta, na sua sintomatologia, é a compressão medular, ou mielite que a impossibilita de mexer-se, atento o grau que ela atingiu, na sua evolução de anos ».

Par isso, « sentia astenia profunda e dores por todo a corpo ; dizia não haver parte nenhuma que estivesse sem dores, sendo estas acentuadíssimas na região lombo-sagrada e nos membros inferiores. A pressão em qualquer parte do seu corpo produzia dores horríveis, mas principalmente na região lombo-sagrada, no hipogastro e no flanco esquerdo.

“Estas dores são tão intensas — escrevia o Sr. Doutor Manuel Augusto de Azevedo — que tornam por vezes lívido o seu rosto, mas sem um queixume, havendo resignação completa e constante ».

   

 

Para qualquer sugestão ou pedido de informações, pressione aqui :