A
liturgia de hoje comemora a festa da Transfiguração de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Dos Evangelistas é São Mateus que refere por minúcias
esse fato admirável da vida de Nosso Senhor.
Os
Santos Padres ocupam-se muito do mistério da Transfiguração de Nosso
Senhor, principalmente São Crisóstomo, que escreveu coisas
admiráveis sobre o mesmo assunto. O que se segue, são pensamentos
daquele Santo Padre, como os propôs aos ouvintes, explicando o
evangelho do dia de hoje.
Nosso
Senhor, tendo falado muitas vezes da sua Paixão e Morte, profetizara
aos Apóstolos perseguição e morte cruel; tendo-lhes dado mandamentos
positivos e severos, quis mostrar-lhes a magnificência e glória com
que voltará no fim do mundo, provar e revelar-lhes, já nesta vida
sua majestade, para animá-los e confortá-los nas tristezas presentes
e futuras.
São
Mateus (cap. 17, 1-13) escreve, contando o fato da Transfiguração:
"Seis dias depois, (isto é, depois da predição de sua Paixão e
Morte) Jesus tomou a Pedro, Tiago e a João". Um outro Evangelista
(Lucas 9, 28) diz: "Oito dias depois". Não há contradição entre os
dois, porque este conta o dia em que Jesus cursou perante os
Apóstolos e o dia em que subiu o monte Tabor, quando São Mateus
conta apenas os dias que estão entre estes dois fatos. Reparamos
também a modéstia de São Mateus, que menciona os Apóstolos que mais
do que ele, foram honrados por Nosso Senhor. Nesse ponto, segue o
exemplo de São João, que minuciosamente refere os elogios com que
Jesus distinguiu a Pedro.
Jesus
tomou os chefes dos Apóstolos e levou-os a um monte, a sós. E
transfigurou-se diante deles. Resplandeceu-se-lhe o rosto como o
sol, e os vestidos tornaram-se brancos como a neve. Por que motivo
Nosso Senhor levou só estes três Apóstolos? Porque ocuparam um lugar
saliente entre os demais. Pedro salientava-se pelo amor a Jesus;
João era o mais querido de Nosso Senhor e Tiago por causa da
resposta que juntamente com o irmão dera ao Divino Mestre: "Nós
beberemos o cálice". E não só por causa desta resposta, como também
em virtude das suas obras, que provaram a verdade daquela asserção.
Era tão odiado pelos judeus, que Herodes, para ser-lhes agradável, o
mandou matar. Por que razão, disse Nosso Senhor aos Apóstolos: "Em
verdade vos digo: alguns de vós aqui presentes não verão a morte,
enquanto não tiverem visto o Filho do Homem em sua glória?" (Mt. 16,
28). Com certeza para lhes estimular a curiosidade de ver aquela
visão, da qual lhes falava e enchê-los do desejo de ver o Mestre
rodeado da glória divina.
"Eis
que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com Ele". Por que
apareceram essas figuras do Antigo testamento? Há diversas razões
que explicam esta circunstância. A primeira é esta: Porque entre o
povo dizia-se que Jesus era Elias, Jeremias ou um dos profetas do
Antigo testamento, ficar-lhes-ia patente a grande diferença que
existia entre o servo do Senhor, e que bem merecido fora o elogio
que coube a São Pedro, por ter chamado Filho de Deus a Nosso Senhor.
Segunda razão: Repetidas vezes inimigos de Nosso Senhor o acusavam
de blasfémias, da pretensão de dizer-se Filho de Deus" (Jo 9, 33).
Estas acusações eram frequentes e como proviessem de inveja, quis
Nosso senhor mostrar que não transgredira a lei e nenhuma blasfémia
proferira, dizendo-se Filho de Deus. Para este fim, Jesus fez
aparecer dois profetas de maior destaque. De Moisés era a lei, e não
era admissível que justamente Moisés distinguisse com sua presença o
transgressor da mesma que era Jesus Cristo, na opinião dos judeus.
Elias, o grande zelador da honra de Deus, por seu turno, nunca teria
honrado com sua presença a Jesus Cristo se este de fato não fosse o
filho de deus. Um terceiro motivo seria este: Aparece um profeta
que morreu e um outro que não sofreu a morte. Esta circunstância
devia fazer compreender aos discípulos, que seu Mestre é o Senhor da
vida e da morte, e seu reino é no céu e na terra. Um quarto motivo,
o próprio Evangelista menciona: Para mostrar a glória da cruz e para
animar os pobres Apóstolos, na triste previsão de sofrimentos. Os
dois profetas falaram da glória, que na cruz seria manifesta, em
Jerusalém; (Lc 9, 31), isto é, da sua Paixão e Morte.
Se
Nosso Senhor levou consigo estes três Apóstolos, foi também porque
deles havia de exigir uma virtude mais apurada que dos outros. "Quem
quer seguir-me, tome a sua cruz e siga-me". Os dois profetas do
Antigo Testamento eram homens que, pela lei de Deus e pelo bem do
povo, estavam sempre prontos a deixar a vida. Ambos, Elias e Moisés,
usaram da máxima franqueza na presença de tiranos, este diante do
Faraó, aquele diante de Achab; ambos se empenharam em favor de
homens rudes e ingratos; ambos foram quais vítimas de malícia
daqueles, a que mais benefícios dispensaram; ambos trabalharam para
exterminar a idolatria entre o povo. Tanto um como o outro
desprezavam a riqueza. Moisés e Elias eram pobres e viviam num
tempo, em que os grandes servidores de Deus não possuíam o dom de
fazer grandes milagres. É verdade que Moisés dividiu as águas do
mar; Pedro, porém, andou sobre as ondas, expulsou maus espíritos,
curou muitos doentes e transformou a face da terra. É verdade que
Elias ressuscitou um morto; os Apóstolos, porém, chamaram muitos
mortos à vida, no tempo em que ainda não tinham recebido o Espírito
Santo. Jesus Cristo faz aparecer estes dois profetas, para
apresentá-los aos discípulos, como modelos de firmeza e constância;
como Moisés devem ser mansos e humildes; iguais a Elias, deviam ser
zelosos e incansáveis; como ambos, prudentes e circunspectos. Elias
passou fome durante três anos, por amor ao povo. Moisés disse a
deus: "Perdoai-lhes os pecados e exonerai-me ou se assim não
quiserdes, extingui meu nome do vosso livro". Tudo isso Jesus faz
lembrar aos Apóstolos mostrando-lhes, em misteriosa visão, a glória
de Elias e Moisés.
Propondo-lhes Elias e Moisés como modelos, a imitação dos mesmos
ainda não é o ideal, que Jesus Cristo quer ver nos Apóstolos. Quando
estes disseram: "Senhor, se assim quiserdes, chamaremos fogo do céu,
que destrua esta cidade", talvez assim falaram lembrando-se de
Elias, que de tal forma procedeu. Jesus, porém, respondeu-lhes: "Não
sabeis de que espírito sois". (Lc 9, 55). Queria assim ensinar-lhes,
que é melhor sofrer uma injustiça, quando se perceberam graças
maiores. Não quer isto dizer que Elias não fosse santo e perfeito.
Elias vivera num outro tempo, em que a humanidade, atrasada ainda na
cultura, carecia de meios educativos mais fortes. O campo de acção
dos Apóstolos não devia ser o Egipto, a terra de Moisés, mas o mundo
inteiro; não era ao Faraó que haviam de contradizer, mas aceitar a
luta do demónio, o tirano da maldade, vencê-lo e desarmá-lo.
E não o
conseguiram dividindo as águas do mar. A tarefa era, armando-se do
ramo de Jessé, dividir as águas furiosas do oceano da impiedade.
Reparemos bem as quantas coisas não amedrontaram os Apóstolos: a
morte, privações e mil martírios não menos os intimidaram, que aos
Judeus e o Mar Vermelho e as hostes de Faraó; mas Jesus, seu Mestre,
levou-os a tal grau de perfeição que não hesitaram em aceitar tudo.
Para torná-los capazes de uma missão tão difícil, apresentou-lhes os
dois grandes heróis do Antigo Testamento.
"Senhor, bom é estarmos aqui", disse São Pedro a Jesus. Ouvindo as
referências à Paixão e Morte do querido Mestre, o coração encheu-se
de temor; mas desta vez, faltando-lhe a coragem de dizer: "Longe de
ti estas coisas", formulou os receios nas palavras já mencionadas. O
monte onde se achavam, bem longe de Jerusalém, já era a seu ver uma
garantia; fazendo ainda três tendas para lá morar, dispensava
perfeitamente a viagem a Jerusalém e removido o perigo do Mestre
cair nas mãos dos inimigos. "Bom é estarmos aqui", com Elias, que
chamou fogo sobre a montanha; com Moisés, que falou com Deus no cimo
do monte - ninguém sabe que aqui estamos. Quem não descobre nestas
palavras a profunda e sincera amizade de São Pedro ao Mestre? Os
Evangelistas, referindo-se às palavras de São Pedro, dizem: "Não
sabia o que falava, pois tão atónito de medo se achava" (Mc 9, 5 e
Lc 9,33).
Falando
ainda, eis que uma nuvem os envolveu. Não era noite, era dia claro.
A luz, o esplendor assombrava-os e atónitos caíram de rosto por
terra. Qual foi a atitude de Cristo? Nem ele, nem Elias, nem Moisés,
disseram coisa alguma. Mas da nuvem saiu a voz daquele que é a
Verdade. Por que da nuvem? Porque deus sempre fala da nuvem.
"Rodeado está de nuvens e trevas" (Sal 96, 2). "O Filho do Homem vem
entre as nuvens" (Dan 7, 13). Saindo a voz da nuvem, não lhes
restava dúvida que era a voz de Deus.
E eis
que uma voz do meio da nuvem disse: "Este é meu Filho muito amado,
em quem me agradei; ouvi-o". No monte Sinai Deus publicou ameaças
contra o povo. Aqui se via uma nuvem branca e lúcida. Pedro tinha
falado em três tendas. Deus, porém, mostrou uma única tenda, não
feita por mão de homem; daí a circunstância da aparição de uma luz
claríssima e a audição de uma voz. Para não deixar dúvida sobre a
pessoa em questão, Elias e Moisés desapareceram e a voz disse: "Este
é meu filho muito amado". Se é Ele o amado, o medo de Pedro é
infundado. Embora já devesse estar convencido da divindade do
Mestre, embora não tivesse dúvida da sua futura ressurreição, Pedro
ainda é vacilante em sua fé. Ouvindo agora a voz confirmante do
Eterno Pai, deviam desaparecer-lhe os temores e as dúvidas. Se Ele é
o Filho muito amado, o Pai não o abandonará. É seu amado, não só por
ser seu filho, mas também por Lhe ser igual. "Nele achei meu
agrado", quer dizer, pois: Ele é meu agrado, minha alegria, porque,
como Filho, é igual ao Pai, é regido pela mesma vontade, é um com
ele eternamente. Ouvi-o.
FONTE :
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