Alexandrina de Balasar

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CAPÍTULO 27

Trata de outro modo com que o Senhor ensina a alma e, sem lhe falar, lhe dá a entender a Sua vontade de uma maneira admirável. Declara também uma visão não imaginária e grande mercê que lhe fez o Senhor. É muito digno de atenção este Capítulo.

1.  Pois, voltando ao discurso da minha vida, estava eu acabrunhada de penas e aflições e faziam-se muitas orações ― como tenho dito para que o Senhor me levasse por outro caminho que fosse mais seguro, pois este, me diziam, era tão suspeito. Verdade é que, embora eu o suplicasse a Deus, por muito que quisesse desejar outro caminho, como via tão melhorada a minha alma, não estava na minha mão desejá-lo, a não ser alguma vez quando estava muito fatigada das coisas que me diziam e dos medos que me metiam, contudo sempre o pedia. Eu via-me outra em tudo; não podia, mas punha-me nas mãos de Deus. Ele sabia o que convinha, que em tudo cumprisse em mim o que era de Sua vontade.

Via que, por este caminho, era levada para o Céu e que antes ia para o inferno; que houvesse de desejar isto e crer que era demónio, não podia forçar-me a isso, embora fizesse quanto podia para o acreditar e desejar; mas não estava isso na minha mão.

Oferecia o que fazia, se era alguma boa obra, por essa intenção. Apegava-me a santos de quem era devota, para que me livrassem do demónio. Fazia novenas encomendando-me a Santo Hilarião, a São Miguel Arcanjo, a quem, por este motivo, tomei novamente devoção e a outros muitos santos importunava, para que o Senhor mostrasse a verdade, digo, para que o conseguissem de Sua Majestade.

2.  Depois de dois anos, em que andava com toda esta oração minha e de outras pessoas para que o Senhor me levasse por outro caminho ou declarasse a verdade, porque eram muito contínuas as falas que, como tenho dito, me dava o Senhor, aconteceu-me isto: Estando um dia do glorioso São Pedro em oração, vi ao pé de mim ou senti, para melhor dizer, pois nem com os olhos do corpo nem com os da alma nada vi; mas parecia-me que Cristo estava ali mesmo junto de mim e via ser Ele que me falava, segundo me parece. Como estava ignorantíssima que pudesse haver semelhante visão, deu-me um grande temor a princípio e não fazia senão chorar, embora, dizendo-me uma só palavra de segurança, ficasse sossegada com regalo e sem nenhum temor, como costumava. Parecia-me andar sempre a meu lado Jesus Cristo; e, como não era visão imaginária, não via sob que forma, mas sentia muito claramente estar Ele sempre a meu lado direito e que era testemunha de tudo quanto eu fazia; e de nenhuma vez em que me recolhesse um pouco, ou não estivesse muito distraída, podia ignorar que estava ao pé de mim.

3.  Fui logo a meu confessor, muito aflita, a dizer-lho. Perguntou-me sob que forma O via. Eu disse-lhe que O não via. Disse-me como é que eu sabia que era Cristo? Eu disse-lhe que não sabia como, mas não podia deixar de entender que Ele estava ao pé de mim e O via e sentia nitidamente, e que o recolhimento da alma era muito maior que em oração de quietude e muito contínuo, e os efeitos muito diversos dos que costumava ter; e que era coisa muito clara.

Não fazia senão usar de comparações para me dar a entender; e certo é que, para este modo de visão, não há uma, a meu parecer, que lhe quadre bem. Assim como é das mais subidas (segundo me disse depois um santo homem e de grande espírito, chamado Frei Pedro de Alcântara, de quem depois farei menção; e mo têm dito outros grandes letrados, e que de todas é onde menos se pode intrometer o demónio), assim também não há termos para a sabermos dizer aqui, as que pouco sabemos; só os letrados rtmelhor o darão a entender. Porque se digo que, nem com os olhos do corpo nem da alma, vejo Jesus Cristo, porque não é visão imaginária, como entendo e me afirmo que está ao pé de mim com mais clareza do que se O visse? Porque, parecer que é como uma pessoa que está às escuras, que não vê outra que está junto dela, ou se é cega, não é bem isso. Alguma semelhança tem, mas não muita, porque essa tal sente com os sentidos: ou a ouve falar ou mexer ou a toca. Aqui não há nada disto, nem se vê escuridão, e só se representa à alma por uma notícia mais clara do que o sol. Não digo que se vê o sol, nem a claridade, mas uma luz que, sem ver luz, alumia o entendimento para que a alma goze de tão grande bem. Traz consigo grandes bens.

4.  Não é como uma presença de Deus que se sente muitas vezes, em especial os que têm oração de quietude e união. Dir-se-ia que, em querendo começar a ter oração, encontramos com quem falar, e parece que entendemos que nos ouve, pelos efeitos e sentimentos espirituais que sentimos do grande amor e fé e de outras resoluções, com ternura. Esta grande mercê é de Deus, e tenha-a em muito a alma a quem foi dada, porque é muito subida oração, mas não é visão. Entende-se que está ali Deus pelos efeitos que, como digo, produz na alma, pois por aquele modo quer Sua Majestade dar-Se a sentir. Nesta, vê-se claramente que está presente Jesus Cristo, Filho da Virgem. Nessa outra oração representam-se umas influências da Divindade; aqui, juntamente com elas, vê-se que nos acompanha e nos quer fazer mercês também a Humanidade Sacratíssima.

5.  Perguntou-me o confessor: quem disse que era Jesus Cristo? Ele mo diz muitas vezes, respondi eu; mas antes que mo dissesse, se imprimiu no meu entendimento que era Ele; até mo tinha dito antes; mas a Ele não O via. Se uma pessoa que eu nunca tivesse visto, senão ouvido novas dela, me viesse falar, estando eu cega ou em grande escuridão, e me dissesse quem era, acreditá-la-ia, mas não poderia afirmar com tanta certeza que era ela como se a tivesse visto. Aqui, sim, que sem se ver, se imprime com uma notícia tão clara que não parece se possa duvidar, pois quer o Senhor que fique tão esculpido no entendimento, que disso não se possa duvidar mais do que daquilo que se vê, e até menos. Porque nisto ainda algumas vezes nos fica a suspeita se foi ilusão ou não; aqui, embora de súbito venha esta suspeita, fica por outra parte uma grande certeza que desvanece a dúvida.

6.  Assim é também numa outra maneira em que Deus ensina a alma e lhe fala sem falar, do modo que fica dito. É uma linguagem tão do Céu, que aqui na terra não se pode dar a entender, por mais que o queiramos dizer, se o Senhor, por experiência, não no-lo ensina. Põe o Senhor, no mais interior da alma, o que quer que ela entenda e ali o representa sem imagem nem forma de palavras, a não ser à maneira desta visão que fica dita. E note-se bem esta maneira de fazer Deus com que entenda a alma o que Ele quer, e grandes verdades e mistérios; porque muitas vezes o que entendo, quando o Senhor me declara alguma visão que Sua Majestade quer representar-me, é assim. Parece-me que é onde o demónio menos se pode intrometer, pelas ditas razões. Se elas não são boas, eu me devo enganar.

7.  É uma coisa tão espiritual este modo de visão e de linguagem, que nenhum bulício há nas potências nem nos sentidos, a meu parecer, por onde o demónio possa tirar alguma coisa. Isto dá-se alguma vez e com brevidade; noutras, bem me parece a mim que não estão suspensas as potências nem perdidos os sentidos, antes muito em si, pois isto nem sempre sucede na contemplação, senão muito poucas vezes. Mas estas, quando o são, digo que não pomos nada da nossa parte nem fazemos nada: tudo parece obra do Senhor.

É como se o manjar já estivesse no estômago sem o termos comido, nem sabermos como aí chegou, mas percebendo-se bem que lá está, ainda que então não se entenda que manjar é, nem quem ali o pôs. Aqui sim: mas como foi posto não sei, que nem se viu nem se entende, nem jamais a alma se havia movido a desejá-lo, nem tinha vindo ao meu conhecimento como isto podia ser.

8.  Na fala que temos dito antes, faz Deus que o entendimento advirta, ainda que lhe pese, em compreender o que se diz. Parece que a alma tem ali outros ouvidos com que ouve e que a fazem escutar e que não se distraia; como uma pessoa que, se ouvisse bem e não lhe consentissem tapar os ouvidos e lhe falassem ali ao pé em voz alta, embora não quisesse, ouviria. E, enfim, alguma coisa faz, pois está atenta para entender o que lhe dizem. Aqui nenhuma coisa faz, pois até este pouco que fazia na fala passada, que era só escutar, lhe é tirado. Tudo encontra cozinhado e comido; não lhe resta mais que fazer, senão gozar, como alguém que, sem aprender nem nada ter trabalhado para saber ler, nem tão-pouco tivesse estudado, achasse em si toda a ciência já sabida, sem saber como nem onde, pois até nunca se dera ao trabalho de aprender o abc.

9.  Esta última comparação parece-me dizer alguma coisa deste dom celestial, porque a alma vê-se num momento sábia, e tão declarado o mistério da Santíssima Trindade e outras coisas mui subidas, que não há teólogos com quem se não atrevesse a disputar a verdade destas grandezas. Fica-se tão espantada, que basta uma mercê destas para mudar toda uma alma e fazê-la não amar nada a não ser a Quem vê que, sem nenhum trabalho, a tornou capaz de tão grandes bens e lhe comunica segredos tais e trata com ela com tanta amizade e amor, que se não podem descrever. Porque Deus faz algumas mercês que trazem consigo suspeita, por serem de tanta admiração e feitas a quem tão pouco as tem merecido, que se não houver fé mui viva, não se poderão acreditar. E assim penso dizer algumas das que o Senhor me tem feito a mim, se não me mandarem outra coisa, a não ser certas visões que podem aproveitar para alguma coisa, ou para que a alma, a quem o Senhor as der, não se espante parecendo-lhe impossível, como me acontecia a mim, ou para lhe declarar o modo e caminho por onde o Senhor me tem levado, que é o que me mandam escrever.

10. Pois voltando a este modo de entender, o que me parece é que o Senhor quer que, de todas as maneiras, esta alma tenha alguma notícia do que se passa no Céu, e parece-me que assim como lá se entendem sem se falarem (o que eu de verdade nunca soube ser assim, até que o Senhor por Sua bondade quis que eu o visse e Ele mo mostrou num arroubamento, assim é aqui, que se entendem Deus e a alma, só por o querer Sua Majestade. Isto sem outro artifício para se dar a perceber o amor que se têm estes dois amigos. Tal como cá, na terra, quando duas pessoas se querem muito e têm bom entendimento, até sem sinais, parece que se entendem só com o olhar, assim deve ser aqui que, sem nós vermos como, se olham fixamente estes dois amantes, como diz o Esposo à Esposa nos Cantares. Segundo creio, ouvi dizer que era aqui.

11. Oh! benignidade admirável de Deus, que assim Vos deixais ver por uns olhos que tão mal foram empregados como os da minha alma! Fiquem eles já, Senhor, com Vos verem, acostumados a não olhar para coisas baixas, nem os contente nenhuma afora Vós. Oh! ingratidão dos mortais! Até onde há-de chegar? Eu sei por experiência que é verdade isto que digo, e que tudo quanto se disser, é o menos daquilo que Vós fazeis com uma alma que trazeis a tais termos. ó almas que haveis começado a ter oração e que tendes verdadeira fé, que bens podeis buscar ainda nesta vida - deixemos o que se ganha para a que não tem fim - que sejam como o menor destes?!

12. Olhai, que é assim .de certeza, que Deus se dá a Si aos que tudo deixam por Ele. Não faz acepção de pessoas, a todas ama, ninguém tem escusa, por ruim que seja, pois assim fez comigo trazendo-me a tal estado. Olhai que o que digo é cifra daquilo que se pode dizer. Só vai dito o que é necessário para se dar a entender este modo de visão e a mercê que faz Deus à alma, mas não posso dizer o que se sente quando o Senhor lhe dá a entender segredos e grandezas Suas, o gozo tão acima de quantos se podem cá entender, que com razão faz aborrecer os bens desta vida, que todos juntos são lixo. Causa asco trazê-los aqui para qualquer comparação, ainda que fosse para os gozar sem fim; e estes, que dá o Senhor, são apenas uma gota de água do rio grande caudaloso que nos está preparado.

13. É vergonha e eu certamente a tenho de mim e, se pudesse haver afronta no Céu, com razão estaria eu lá mais envergonhada que ninguém! Por que havemos de querer tantos bens e deleites e glória para sempre sem fim e todos à custa do bom Jesus? Não choraremos ao menos com as filhas de Jerusalém, já que O não ajudamos a levar a cruz como o Cireneu? Com prazeres e passatempos havemos de gozar o que Ele nos ganhou à custa de tanto sangue? É impossível! E com honras vãs pensamos remediar um desprezo como o que Ele sofreu, para que nós reinássemos para sempre? Não tem cabimento. Errado, errado vai o caminho. Nunca chegaremos lá.

Dê vozes, V. Mercê, dizendo estas verdades, pois Deus a mim me tirou esta liberdade. A mim mesma eu as quereria dar sempre e tão tarde me ouvi e entendi a Deus, como se verá pelo que tenho escrito. É para mim de grande confusão falar nisto e assim quero calar. Só direi o que algumas vezes considero. Praza ao Senhor pôr-me em termos de poder gozar deste bem.

14. Que glória acidental será e que contento o dos bem-aventurados que já disto goza, quando virem que, embora tarde, não deixaram de fazer por Deus coisa alguma das que lhes foi possível e, por todas as maneiras que puderam, não deixaram coisa por Lhe dar conforme às suas forças e estado, e o que mais tinha, mais deu! Que rico se achará o que todas as riquezas deixou por Cristo! Que honrado o que por Ele não quis honra, antes gostou de se ver muito abatido! Que sábio o que se alegrou de que o tivessem por louco, pois assim chamaram à mesma Sabedoria! Que poucos há destes agora, por nossos pecados! Parece que já se acabaram os que as gentes tinham por loucos, vendo-os fazer obras heróicas de verdadeiros amadores de Cristo. Oh! mundo, mundo, como vais ganhando honra em razão de haver poucos que te conheçam!

15. E pensamos que se serve já mais a Deus em que nos tenham por sábios e discretos! Isso deve ser, segundo se usa de discrição. Logo nos parece que é de pouca edificação não andar, cada um em seu estado, com muita compostura e autoridade. Até o frade, o clérigo e a freira nos parecerá que, trazerem coisa velha e remendada, é novidade e dar escândalo aos fracos; e até o estarem muito recolhidos e ter oração, conforme está o mundo e tão olvidadas as coisas de perfeição de grandes ímpetos que tinham os santos, que penso faz mais dano às desventuras que se vêem nestes tempos e que não daria escândalo a ninguém os religiosos darem a entender por obras, como o dizem por palavras, o pouco em que se há-de ter o mundo; pois, destes escândalos, o Senhor tira grandes proveitos. E se uns se escandalizam, outros entram em si e têm remorsos. Houvesse sequer um esboço do que passou Cristo e Seus Apóstolos, pois agora, mais do que nunca, é preciso.

16. E, que bom aquele que Deus nos levou agora no bendito Frei Pedro de Alcântara! Não está já o mundo para sofrer tanta perfeição. Dizem que estão as saúdes mais fracas e que não estamos nos tempos passados. Este santo homem era deste tempo; estava tão robusto o seu espírito como em outros tempos e, por isso, tinha o mundo debaixo dos pés. Pois, embora não andem desnudos nem façam tão áspera penitência como ele, muitas coisas há, como outras vezes tenho dito, para se pisar o mundo e o Senhor as ensina quando vê ânimo. E que grande lho deu Sua Majestade a este santo que digo, para fazer quarenta e sete anos tão áspera penitência, como todos sabem! Quero dizer algo dela, porque sei que tudo é verdade.

17. Foi ele que mo disse a mim e a outra pessoa de quem pouco se encobria. A causa de mo dizer era a amizade que me tinha, porque quis o Senhor que a tivesse para acudir por mim e me animarem tempos de tanta necessidade, como tenho dito e direi. Parece-me que me disse que em quarenta anos só tinha dormido hora e meia entre noite e dia, e o maior trabalho de penitência que teve nos princípios foi o de vencer o sono, e para isto estava sempre de joelhos ou de pé. Só dormia sentado e a cabeça encostada a um madeirozito que tinha pregado à parede. Deitado, embora quisesse, não podia, porque sua cela, como se sabe, não tinha de compri mento mais que quatro pés e meio.

Em todos estes anos jamais pôs o capuz, por grandes sóis e chuvas que houvesse, nem nada nos pés, nem vestido, a não ser um hábito de estamenha, sem nenhuma outra coisa sobre a carne, e este tão apertado que mal se podia sofrer e uma capa do mesmo pano por cima. Dizia-me que, nos grandes frios, a tirava e deixava a porta e o postigo da cela abertos para que, pondo depois a capa e cerrando a porta, contentava o corpo, para que sossegasse com mais abrigo. Comer de três em três dias era o mais normal, e perguntou-me porque me espantava, pois era muito possível a quem se acostumava a isso. Um seu companheiro disse-me que lhe acontecia estar oito dias sem comer. Devia ser estando em oração, porque tinha grandes arroubamentos e ímpetos de amor de Deus, de que uma vez fui testemunha?

18. Sua pobreza era extrema, e foi tal a sua mortificação na mocidade, que me disse que lhe havia acontecido estar três anos numa casa da sua Ordem e não conhecera frade, a não ser pela fala; porque não levantava nunca os olhos, e assim nem aos lugares aonde de necessidade tinha de ir sabia, a não ser indo atrás dos frades. Isto também lhe acontecia pelos caminhos. A mulheres jamais fitava; e isto durante muitos anos. Dizia-me que já tanto se lhe dava ver como não ver. Já era muito velho quando o vim a conhecer, e tão extrema a sua fraqueza, que não parecia senão feito de raízes de árvores.

Com toda esta santidade era muito afável, embora de poucas palavras, a menos que fosse interrogado. Nestas era muito ameno, porque tinha um mui lindo entendimento. Outras muitas coisas quisera eu dizer, mas tenho medo de que V. Mercê me diga para que me meto nisto, e com este medo tenho escrito. Assim termino dizendo que foi o seu fim como a sua vida: pregando e admoestando os seus frades. Quando viu que já se acabava disse o Salmo: Laetatus sum in his quae dicta sunt mihi; e, posto de joelhos, morreu.

19. Depois tem sido o Senhor servido que eu tenha mais ajuda dele que em vida, aconselhando-me em muitas coisas. Tenho-o visto muitas vezes com grandíssima glória. Disse-me, a primeira vez em que me apareceu: bem-aventurada penitência que tanto prémio lhe havia merecido, e outras muitas coisas. Um ano antes de morrer, apareceu-me estando ausente, e eu soube que havia de morrer e o avisei, estando a algumas léguas daqui. Quando expirou, apareceu-me e disse-me que ia descansar. Eu não o acreditei e disse-o a algumas pessoas; e, passados oito dias, veio a notícia de que tinha morrido, ou que tinha começado a viver para sempre, para melhor dizer.

20. Ei-la aqui acabada esta aspereza de vida com tão grande glória. Parece-me que muito mais me consola agora, do que quando cá estava. Disse-me uma vez o Senhor que não se Lhe pediria coisa alguma em seu nome que não a ouvisse. Muitas que lhe tenho encomendado para que as peça ao Senhor, as tenho visto cumpridas. Seja bendito para sempre. Amen.

21. Mas, quantas palavras tenho dito para levar V. Mercê a não estimar em nada coisa alguma desta vida, como se não o soubesse, ou não estivesse já determinado a deixar tudo e o não tivesse posto por obra. Vejo tanta perdição no mundo que, embora não aproveite mais o dizê-lo que eu cansar-me de o escrever, me serve de descanso, ainda que é contra mim tudo o que digo. O Senhor me perdoe o que neste caso O tenho ofendido, e V. Mercê, que o canso sem propósito. Parece que quero que faça penitência do que eu nisto pequei.

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