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Os setenta e dois
discípulos voltaram cheios de alegria
Trata-se,
portanto, de uma catequese. Nela, Lucas ensina que o cristão tem de
continuar no mundo a missão de Jesus, tornando-se testemunha, para todos
os homens, dessa proposta de salvação/libertação que Cristo veio trazer.
O texto
começa por nos apresentar o número dos discípulos enviados: 72 (vers.
1). Trata-se, evidentemente, de um número simbólico, que deve ser posto
em relação com Gn 10 (na versão grega do Antigo Testamento), onde esse
número se refere à totalidade das nações pagãs que habitam a terra.
Significa, portanto, que a proposta de Jesus é uma proposta universal,
destinada a todos os povos, de todas as raças.
Depois,
Lucas assinala que os discípulos foram enviados dois a dois. Trata-se de
assegurar que o seu testemunho tem valor jurídico (cf. Dt 17,6; 19,15);
e trata-se de sugerir que o anúncio do Evangelho é uma tarefa
comunitária, que não é feita por iniciativa pessoal e própria, mas em
comunhão com os irmãos.
Lucas
indica, ainda, que os discípulos são enviados às aldeias e localidades
onde Jesus "devia de ir". Dessa forma, indica que a tarefa dos
discípulos não é pregar a sua própria mensagem, mas preparar o caminho
de Jesus e dar testemunho d'Ele.
Depois
desta apresentação inicial, Lucas passa a descrever a forma como a
missão se deve concretizar.
Há, em
primeiro lugar, um aviso acerca da dificuldade da missão: os discípulos
são enviados "como cordeiros para o meio de lobos" (vers. 3). Trata-se
de uma imagem que, no Antigo Testamento, descreve a situação do justo,
perdido no meio dos pagãos (cf. Ben Sira 13,17; nalgumas versões, esta
imagem aparece em 13,21). Aqui, expressa a situação do discípulo fiel,
frente à hostilidade do mundo.
Há, em
segundo lugar, uma exigência de pobreza e simplicidade para os
discípulos em missão: os discípulos não devem levar consigo nem bolsa,
nem alforge, nem sandálias; não devem deter-se a saudar ninguém pelo
caminho (vers. 4); também não devem saltar de casa em casa (vers. 7). As
indicações de não levar nada para o caminho sugerem que a força do
Evangelho não reside nos meios materiais, mas na força libertadora da
Palavra; a indicação de não saudar ninguém pelo caminho indica a
urgência da missão (que não permite deter-se nas intermináveis saudações
típicas da cortesia oriental, sob pena de o essencial ― o anúncio do
Reino ― ser continuamente adiado); a indicação de que não devem saltar
de casa em casa sugere que a preocupação fundamental dos discípulos deve
ser a dedicação total à missão e não o encontrar uma hospitalidade mais
confortável.
Qual deve
ser o anúncio fundamental que os discípulos apresentam? Eles devem
começar por anunciar "a paz" (vers 5-6). Não se trata aqui, apenas, da
saudação normal entre os judeus, mas do anúncio dessa paz messiânica que
preside ao Reino. É o anúncio desse mundo novo de fraternidade, de
harmonia com Deus e com os outros, de bem-estar, de felicidade (tudo
aquilo que é sugerido pela palavra hebraica "shalom"). Esse anúncio deve
ser complementado por gestos concretos de libertação, que mostrem a
presença do Reino no meio dos homens (vers. 9).
As palavras
de ameaça a propósito das cidades que se recusam a acolher a mensagem
(vers. 10-11) não devem ser tomadas à letra: são uma forma bem oriental
de sugerir que a rejeição do Reino trará consequências nefastas à vida
daqueles que escolhem continuar a viver em caminhos de egoísmo, de
orgulho e de auto-suficiência.
Nos vers.
17-20, Lucas refere o resultado da acção missionária dos discípulos. As
palavras com que Jesus acolhe os discípulos descrevem, figuradamente, a
presença do Reino enquanto realidade libertadora (as serpentes e
escorpiões são, frequentemente, símbolos das forças do mal que
escravizam o homem; a "queda de Satanás" significa que o reino do mal
começa a desfazer-se, em confronto com o Reino de Deus).
Apesar do
êxito da missão, Jesus põe os discípulos de sobreaviso para o orgulho
pela obra feita: eles não devem ficar contentes pelo poder que lhes foi
confiado, mas sim porque os seus nomes estão "inscritos no céu" (a
imagem de um livro onde estão inscritos os nomes dos eleitos é frequente
nesta época, particularmente nos apocalipses - cf. Dn 12,1; Ap 3,5;
13,8; 17,8; 20,12.15; 21,27).
P. José Granja, pároco de
Balasar |