 |
PONTOS DE
REFLEXÃO
I LEITURA – Ez
2,2-5
O nosso texto
apresenta alguns dos elementos típicos dos relatos de vocação e que fazem parte
de qualquer história de vocação. Sugere-se, em primeiro lugar, que a vocação
profética é um desígnio divino. Não se nomeia Jahwéh directamente; mas aquele
que chama Ezequiel não pode ser outro senão Deus… O nosso texto é antecedido de
uma solene manifestação de Deus. Depois, o profeta ouve uma “voz” que o chama e
que revela a Ezequiel que deve dirigir-se a esse Povo rebelde que se insurgiu
contra Deus. Há também uma referência ao “espírito” que se apossou do profeta e
o fez “levantar”; de acordo com a reflexão judaica, era Deus que comunicava uma
força divina – o seu “espírito” – àqueles que escolhia para enviar a salvar o
seu Povo, como os juízes os reis e os profetas (no caso de Ezequiel, esse
“espírito” aparece como uma manifestação especialmente violenta de Deus, que se
apossa do profeta e o destina para o seu serviço). A vocação é sempre uma
iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus que chamou Ezequiel e
que o designou para o seu serviço.
Em segundo lugar,
aparece a ideia de que o chamamento é dirigido a um homem. Ezequiel é chamado
“filho de homem” expressão hebraica que significa simplesmente “homem ligado à
terra, fraco e mortal. Deus chama homens frágeis e limitados, não seres
extraordinários, etéreos, dotados de capacidades incomuns… O que é decisivo não
são as qualidades extraordinárias do profeta, mas o chamamento de Deus e a
missão que Deus lhe confia. A indignidade e a limitação, típicas do “filho do
homem”, não são impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta
autoridade, apesar dos seus limites bem humanos.
Em terceiro lugar,
temos a definição da missão. Ezequiel, o profeta, é enviado a um Povo rebelde,
que continuamente se afasta dos caminhos de Jahwéh. A sua missão é apresentar a
esse Povo as propostas de Deus. O mais importante não é que as palavras do
profeta sejam ou não escutadas; o que é importante é que o profeta seja, no meio
do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus.
II LEITURA – 2Cor
12,7-10.
Como pano de fundo do
nosso texto, está a polémica de Paulo com alguns cristãos que não o aceitavam.
Ao longo de todo o seu percurso missionário, Paulo teve de lidar frequentemente
com a incompreensão; e, muitas vezes, essa incompreensão veio até dos próprios
irmãos na fé e dos membros dessas comunidades a quem Paulo tinha levado, com
muito esforço, o anúncio libertador de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca
abalou a decisão e o entusiasmo de Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele
sentia que Deus o tinha chamado a uma missão e que era preciso levar essa missão
até ao fim, doesse a quem doesse… Frequentemente, temos de lidar com realidades
semelhantes. Todos experimentámos já momentos de incompreensão e de oposição
(que, muitas vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que, por isso,
magoam mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar diante dos
nossos olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de desistir.
EVANGELHO – Mc
6,1-6
O texto do Evangelho repete uma ideia que aparece também nas outras duas
leituras deste domingo: Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na
fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no poder, nas
qualidades que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e endeusam; mas,
muitas vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza, na simplicidade, na
debilidade, na pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas mais
humildes e despretensiosas… É preciso que interiorizemos a lógica de Deus, para
que não percamos a oportunidade de O encontrar, de perceber os seus desafios, de
acolher a proposta de vida que Ele nos faz.
Um dos elementos questionantes no episódio que o Evangelho deste domingo nos
propõe é a atitude de fechamento a Deus e aos seus desafios, assumida pelos
habitantes de Nazaré. Comodamente instalados nas suas certezas e preconceitos,
eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e que Deus não podia estar no humilde
carpinteiro que eles conheciam bem… Esperavam um Deus forte e majestoso, que se
havia de impor de forma estrondosa, e assombrar os inimigos com a sua força; e
Jesus não se encaixava nesse perfil. Preferiram renunciar a Deus, do que à
imagem que d’Ele tinham construído. Há aqui um convite a não nos fecharmos nos
nossos preconceitos e esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a
purificarmos continuamente, em diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé,
na escuta da Palavra revelada e na oração, a nossa perspectiva acerca de Deus.
Padre José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |