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PONTOS DE
REFLEXÃO
I LEITURA – Gen 3, 9-15.
Um dos
mistérios que mais questiona os nossos contemporâneos é o mistério do
mal… Esse mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa
“casa” que é o mundo, vem de Deus, ou vem do homem? A Palavra de Deus
responde: o mal nunca vem de Deus… Deus criou-nos para a vida e para a
felicidade e deu-nos todas as condições para imprimirmos à nossa
existência uma dinâmica de vida, de felicidade, de realização plena.
O mal
resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo
e auto-suficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só,
ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades
de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado…
Quais os caminhos que eu escolho? As propostas de Deus fazem sentido e
são, para mim, indicações seguras para a felicidade, ou prefiro ser eu
próprio a fazer as minhas escolhas, à margem das propostas de Deus?
O nosso
texto deixa também claro que prescindir de Deus e caminhar longe d’Ele,
leva o homem ao confronto e à hostilidade com os outros homens e
mulheres. Nasce, então, a injustiça, a exploração, a violência. Os
outros homens e mulheres deixam de ser irmãos, para passarem a ser
ameaças ao próprio bem-estar, à própria segurança, aos próprios
interesses. Como é que eu me situo face aos meus irmãos? Como é que eu
me relaciono com aqueles que são diferentes, que invadem o meu espaço e
interesses, que me questionam e interpelam?
II LEITURA – 2 Cor 4, 13 – 5, 1
A segunda
Carta de Paulo aos Coríntios apareceu num momento particularmente tenso
da relação entre o apóstolo e essa comunidade cristã da Grécia. Algumas
duras críticas de Paulo (na primeira Carta aos Coríntios) a certos
membros da comunidade que viviam de forma pouco coerente com a fé cristã
provocaram um certo desconforto na comunidade, que foi aproveitado pelos
opositores de Paulo, que criaram um clima de hostilidade contra o
apóstolo. Paulo foi acusado de estar a cuidar apenas dos seus próprios
interesses e de pregar uma doutrina que não estava em consonância com o
Evangelho anunciado pelos outros apóstolos. Na opinião dos seus
detractores, o facto de Paulo não ter apresentado qualquer “carta de
recomendação” que comprovasse a sua autoridade para anunciar o Evangelho
significava que a doutrina por ele pregada não era digna de fé. Ao saber
do que se passava, Paulo foi a Corinto; mas essa ida não só não resolveu
o problema, como até o radicalizou. Deve ter havido uma troca violenta
de argumentos e de palavras e Paulo foi gravemente ofendido por um
membro da comunidade. Algum tempo depois, Tito, amigo e colaborador de
Paulo, partiu para Corinto com a missão de acalmar os ânimos e de tentar
a reconciliação. Quando voltou, Tito trazia notícias animadoras: o
diferendo fora ultrapassado e os Coríntios estavam, outra vez, em
comunhão com Paulo. Foi então que Paulo escreveu a nossa segunda Carta
aos Coríntios. Nela, o apóstolo explicava tranquilamente aos Coríntios
os princípios que sempre orientaram o seu trabalho apostólico (cf. 2 Cor
1,3-7,16) e desmontava os argumentos dos adversários (cf. 2 Cor
10,1-13,10). Estávamos nos anos 56/57. Neste contexto, o texto de hoje
situa-nos na opção pelo sentido da nossa vida em Cristo. Paulo apresenta
duas fortes convicções de fé: «com este mesmo espírito de fé, também
acreditamos, e falamos», que Deus há-de ressuscitar-nos com Jesus e vai
levar-nos para ficarmos eternamente em comunhão com Ele; o homem
interior renova-se em cada dia na medida em que intensifica o seu olhar
nas coisas invisíveis que são eternas. Em consequência, há que renovar
constantemente, sem desanimar, esta opção pela habitação eterna, em
comunhão plena com Deus. Coisas essenciais, ditas de modo claro, a
exigir coerência àqueles que querem continuar a viver como autênticos
discípulos de Cristo.
EVANGELHO – Mc 3, 20-35
Toda a
cena se passa numa “casa”. Que casa é essa? É uma casa onde Jesus está a
pregar a Palavra e é uma casa onde «de novo acorreu tanta gente, de modo
que nem sequer podiam comer». É também uma casa onde estão
sentados/instalados alguns especialistas da Lei (escribas). A “casa”
onde Jesus prega, onde se congrega a comunidade judaica e onde há
escribas instalados, poderia ser uma figura da sinagoga, entendida como
assembleia do Povo de Deus. O facto de se referir que a “casa” em
questão estava situada na cidade de Cafarnaum (o centro a partir do qual
irradia a actividade de Jesus na Galileia) poderia indicar que Marcos
está a falar da comunidade judaica da Galileia, em cujas sinagogas Jesus
acabou de passar (cf. Mc 1,39), anunciando a Boa Nova do Reino. Em
qualquer caso, a “casa” representa essa comunidade judaica a quem Jesus
dirige a pregação do “Reino”. A mensagem evangélica de hoje apresenta
três diálogos de Jesus: dois com os seus familiares, no princípio e no
fim, outro com os escribas, no meio. Fiquemo-nos pelos familiares de
Jesus. Diz-se que vão a Cafarnaum para levar Jesus desta casa onde está
para a sua casa em Nazaré. Muitas são as razões: muito tempo fora da
família, notícias contraditórias sobre a sua actividade, mensagem em
contraste com a doutrina oficial dos escribas e fariseus, contacto com
os pecadores de quem é amigo, não seguimento da tradição dos antigos nem
respeito pelo sábado; enfim, Jesus é considerado louco e herético. A
intenção principal é reconduzi-lo ao caminho recto de um autêntico
judeu. Há os que ficam de fora e os que estão dentro. Imagem
actualíssima para nós hoje. Podemos andar por fora, arredios, ficar à
porta, até nos chamarmos “católicos não praticantes”. Que significa
isso? Faz sentido? Ou se é ou não se é. Aí está de novo a radicalidade
da opção por Jesus. Ou ficamos for, ou estamos dentro da casa, unidos a
Jesus, a escutá-l’O e a segui-l’O com todo o nosso ser, com todo o nosso
coração.
Pe. José
Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga |