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PONTOS DE REFLEXÃO
1ª- Leitura. Lv
13,1-2.44-46
Os capítulos 11 a
15 do Livro do Levítico contêm as chamadas “leis da pureza”. Trata-se de uma
legislação complexa e minuciosa, destinada a estabelecer em que casos se
registavam situações de impureza, tornando as pessoas inábeis para o exercício
do culto.
No interior desta
secção, os capítulos 13 e 14 são dedicados à lepra. A leitura de hoje traz os
dois primeiros versículos do capítulo XIII, que atribuem ao sacerdote a tarefa
de julgar se existe ou não um estado de impureza; os versículos 44-46 do mesmo
capítulo com a descrição do comportamento imposto ao leproso.
Se JHWH é o
“Santo”, o Puro por excelência, tudo o que é impuro ou contaminado não pode ter
contacto algum com Ele. A impureza era considerada pela Lei de Israel uma
situação não tanto moral, mas mais existencial, e proibia não só a participação
ativa no culto, como tornava indigno inclusive de pertencer ao povo da Aliança.
O livro do Levítico
descreve várias doenças da pele. A lepra constituía a infeção mais grave, da
qual era preciso proteger a comunidade. Eis o porquê de existir um estatuto
especial para o leproso: este devia viver separado de todos, devia ser bem
reconhecido para que ninguém se aproximasse dele por engano e, em todo o caso,
era obrigado a avisar quem encontrava, denunciando o seu estado e gritar:
“Impuro! Impuro!”. É fácil imaginar o sofrimento psicológico, o sentido
pesadíssimo da culpa, a percepção de ser rejeitado também pela parte de Deus –
para além das dores físicas – que uma legislação deste tipo provocava nos
doentes. Tendo isto em conta podemos compreender melhor o Evangelho de hoje.
2ª- Leitura.
1Cor 10,31-11,1
A leitura propõe a
conclusão do capítulo 10 e o versículo inicial do capítulo 11 da Primeira Carta
aos Coríntios.
Paulo retoma a
questão, já amplamente enfrentada precedentemente, isto é, das carnes imoladas
aos ídolos, que sobravam dos banquetes sagrados e depois eram vendidas a baixo
preço nos mercados. As perguntas dos cristãos eram: é lícito, ou não, comer
essas carnes? Alimentar-se delas significa participar na idolatria? Paulo
responde que, de per si não tem nada de mal, mas que prestar atenção, para não
escandalizar os mais fracos na fé. O critério exposto em !Cor 10,23: “Tudo é
permitido”. Mas nem tudo convém. “tudo é permitido!” Mas nem tudo edifica.
Para além dos caos
particulares que se possam colocar ou dificuldades que possam surgir, dia após
dia, no relacionamento com o próximo a respeito de questões de fé, São Paulo
indica um princípio supremo pelo qual devemos regular-nos: que tudo se faça
“para glória de Deus”, expressão um pouco imprecisa que encontra, logo depois,
uma aplicação concreta: “Não deis motivo de escândalo, nem aos judeus, nem aos
gregos, nem à Igreja de Deus”.
De um ponto de
vista pessoal, portanto, o fiel sabe que toda a sua vida, cada acção sua está já
no interior do relacionamento totalizante com Deus, ao qual é chamado a dar cada
vez mais “glória”, isto é, “peso” no interior da própria vida. É isto que
acontece exatamente numa relação de amor, onde tudo, de uma forma ou de outra,
tem que ver espontaneamente com a pessoa que se ama.
Do ponto de vista
exterior, diríamos social, o cristão é convidado por Paulo a não dar motivo de
escândalo a ninguém, nem no interior nem fora da comunidade eclesial, nem a quem
tem uma sensibilidade mais próxima (judeus), nem a quem está mais distante
(Gregos). O discípulo de Cristo é chamado a viver a sua relação com Deus, pondo
de lado a intolerância ou a pretensão de uniformizar a todos (mesmo na
comunidade) com o seu ponto de vista, manifestando respeito e acolhimento ao
próximo, com as suas convicções, inclusive com as suas fraquezas.
EVANGELHO. Mc
1,40-45
Nos escritos
rabínicos podemos verificar como os leprosos eram tidos como mortos e a sua cura
como uma ressurreição.
Marcos
apresenta-nos hoje, com muita simplicidade a narração da cura de um leproso: a
descrição do acontecimento; o segredo imposto por Jesus; a transgressão por
parte do leproso curado e as consequências que daí derivam. São poucos
versículos mas dá para ver como pulsa o coração de Cristo.
Jesus “compadecido”
curou aquele leproso.
Nalguns códices
antigos, em vez desta palavra podemos ler . “Indignado”. Podemos imaginar em
Jesus ambas as reações: por um lado, profunda comoção que comove as vísceras;
por outro lado, a raiva que se experimenta diante de um homem obrigado por
outros homens, em nome de Deus, a viver numa situação desumana.
O que acontece é
que a resposta de Jesus ao pedido desse homem (que nem nome próprio tem mas que
é definido pela sua doença infamante), antes ainda de ser ainda uma palavra é um
gesto de afecto: “Estendeu a mão, tocou-lhe”. Jesus ultrapassa todas as normas
legais de prudência e toca naquele que era julgado intocável, deixa-se tocar
pelo imundo, toma contacto com o pecador. Estabelece um contacto físico. O
primeiro modo, o mais simples, o mais desejado, o mais preciso para poder dizer
a outrem: “Reparo que tu existes, estou junto de ti, não me metes medo nem
nojo”. Jesus usa a linguagem primordial do corpo tocando no doente. Logo a
seguir a palavra de cura: “Quero, fica limpo”.
O texto diz-nos que
no mesmo instante a lepra deixou-o, o poder curador de Deus passa por um simples
contacto humano, e o leproso não pode calar o amor que lhe restituiu a vida.
P. José Granja |