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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Is. 5,1-7
O «cântico da
vinha» foi composto provavelmente, no seu núcleo original, como um cântico
campesino para as vindimas. Alguns exegetas afirmam que fora um cântico de
núpcias, no qual a vinha é símbolo da «esposa» e o «amigo» é símbolo de Deus. O
poeta lamenta-se da falta de correspondência da esposa aos cuidados e ao amor do
esposo (cf. Os 2). Podemos dividir o trecho em cinco partes: a introdução do
profeta (v. la); a descrição dos cuidados que o «amigo» dedicou à sua vinha (w.
lb-2); a queixa pela falta de correspondência da parte da vinha (w. 3-4); a
consequente transformação da vinha em deserto (w. 5-6); finalmente,
Isaías revela o significado do cântico: a vinha é Israel (v. 7).
No tempo do profeta
Isaías, a Assíria atravessava um período de expansão: Damasco e Israel (Samaria)
procuravam defender-se, planeando uma guerra na qual desejavam envolver também
Judá (Jerusalém). Tudo acabou tragicamente com a destruição de Samaria e a
deportação dos seus habitantes. Jerusalém foi atacada, mas não vencida.
Neste contexto
complexo de instabilidade política e social, Isaías torna-se um sólido defensor
da fidelidade a Deus. Por isso lança-se contra aqueles que oprimem os mais
fracos para proveito próprio e contra os que procuram aliar-se com os povos
vizinhos, tirando vantagem do oportunismo político. O «cântico da vinha»
torna-se um hino à justiça e à fidelidade de Deus salvador.
Isaías quer que o
povo tome consciência da sua infidelidade ao Senhor: o fruto que ele produziu é
o «derramamento de sangue» e a «opressão», não a «justiça» e a «rectidão» nas
relações sociais que Deus deseja (v. 7). O profeta contrapõe a fadiga suportada
pelo Senhor em favor do seu Povo, ao fruto amargo («agraços», w. 22,4) que este
produz. É um aviso para que consideremos que, perante o dom do amor de Deus,
costumamos retribuir com o esquecimento e a incapacidade de voltar a amá-LO.
SEGUNDA LEITURA
Fl
4,6-9
O texto da segunda
leitura pertence a um contexto mais amplo de Fl
4,2-9, onde Paulo faz uma exortação à concórdia e à alegria comunitárias,
temas muito presentes no conjunto da Carta («concórdia», 1,27; 2,1-4,14;
«alegria», 1,4,18; 2,2,17-29; 3,1; 4,10).
O Apóstolo escreve
do cárcere a uma comunidade que sofreu adversidades: ela deverá por isso
encontrar conforto na oração confiante no Senhor e, precisamente por isso, cheia
de gratidão. É na oração que a comunidade faz a experiência do Deus da paz.
A «oração» brilha
como fonte de confiança no meio das dificuldades; aconteça o que acontecer (v.
6), a oração faz-nos perceber realmente que estamos nas mãos do Deus que nos
protege (v. 7). Esta confiança conduz a uma vida que procura o bem em todo o
lugar (v. 8) e não hesita em cumpri-lo, como o próprio Paulo fez (v. 9a). Uma
vida inspirada em tais valores fará que o Deus da «paz» esteja connosco (v. 9b).
O versículo 8 foi
considerado a «Magna Carta» do humanismo cristão. A comunidade eclesial
deve mostrar-se aberta e acolher todos os valores humanos, desde que assim sejam
verdadeiramente. Humanismo e Evangelho têm uma raiz comum: Deus. O que distingue
o Cristianismo não são os valores em si mesmos, mas a Pessoa de Jesus, revelação
divina desses valores, chegada até nós através da Tradição: «O que aprendestes,
recebestes, ouvistes e vistes em mim é o que
deveis praticar» (v. 9), recorda Paulo. Fidelidade ao Evangelho e
fidelidade ao homem, eis a síntese que os verdadeiros discípulos devem fazer.
EVANGELHO
Mt
21,33-43
No decurso da Sua
missão Jesus teve a oportunidade de sentir a rejeição do Evangelho, amadurecida
no coração dos chefes políticos e religiosos do povo, e ainda o perigo que a Sua
própria vida corria. Na esteira da tradição bíblica, testemunhada por Isaías,
por exemplo (cf. primeira leitura), Jesus, para melhor exprimir o sentido
dessa rejeição, propõe aos Seus ouvintes a imagem da «vinha»: o Evangelho, se
não for aceite pelos Judeus, será dado a um outro povo que o saberá acolher e
fazer frutificar.
Fazendo uma
comparação com a versão de Marcos (cf. Mc 12, 1-12), observamos que Mateus fez
alterações para adaptar o texto da parábola à condição da sua comunidade. A
situação expressa pela parábola reflecte a da Galileia rural do século I d. C:
então a terra estava nas mãos dos grandes proprietários que moravam na cidade e
a alugavam em troca de uma parte da colheita. A condição dos camponeses era
frequentemente difícil, o que provocava situações de grande instabilidade
social. A actuação dos vinhateiros da narração evangélica não era por isso
desconhecida dos ouvintes de Mateus.
No seu núcleo
primitivo, o episódio terminava com a morte do Filho, o que permitiu a Jesus
exprimir a relação entre a Sua morte, já iminente, e o Pai.
A comunidade
acrescentou depois a citação do Salmo 117,22-23, «A pedra que os construtores
rejeitaram veio a tornar-se pedra angular», orientando assim a mensagem da
parábola para a ressurreição de Jesus, centro da pregação cristã.
Esta parábola é um
desafio também para nós: até que ponto aceitamos e acolhemos a mensagem do
Evangelho, para que frutifique na nossa vida? Se o nosso viver não amadurecer o
fruto da conversão que Deus espera de nós, Ele transferirá as Suas promessas
para outras pessoas mais fiéis que nós.
O texto de Isaías (primeira
leitura) preparou-nos para acolhermos
o Evangelho com o coração aberto. O profeta recordou-nos
que a vinha do Senhor é o povo de Israel e que Deus é
o noivo, que canta como enamorado o seu
grande amor pela noiva. Um amor
expresso não com palavras, mas com factos concretos: aquela vinha, com efeito,
tinha-a Ele «cavado, libertado das
pedras e plantado videiras de uvas vermelhas; no
meio tinha construído uma guarita e feito um
lagar» (Is 5,2). É um amor que espera
de nós correspondência: «Esperava deles o direito e só produziram injustiça;
esperava justiça e só se ouvem gritos de desespero!» Estamos perante um
texto que devemos contemplar em silêncio, de
modo a darmos graças a Deus pelo Seu
grande amor e a deixarmo-nos interpelar.
Também o Evangelho utiliza a imagem da
vinha. Mateus dirige a sua parábola
não já aos Judeus, mas aos Cristãos seus
leitores. Somos nós e são as nossas comunidades a vinha hodierna do
Senhor. A Palavra de Deus fala-nos da missão que
recebemos de Jesus: somos administradores e servidores da vinha
do Senhor.
Se observarmos com atenção o mundo
à nossa volta, reparamos que existe abuso de poder, corrupção, violência; não são
estes, certamente, os frutos que
Deus esperava. O Evangelho
obriga-nos pois a olhar em frente, em direcção ao futuro, para
transformarmos esses frutos da
nossa sociedade, que infelizmente não correspondem ao
Reino para onde caminhamos. A parábola exorta-nos a não sermos conformistas:
Deus, como no tempo de Isaías, continua a esperar de nós «justiça» e
«rectidão».
Neste sentido, Paulo na segunda
leitura exorta-nos a viver na
oração, na verdade e na justiça,
alegrando-nos por tudo o que
recebemos de Deus, através de
Jesus Cristo. Assim estaremos, também nós, em condições
de reconhecer que o «Deus da paz está connosco» (cf. Fl
4,9). Podemos dizer que o texto de Paulo mostra os frutos que Deus espera
de nós, da nossa comunidade cristã, mas também da sociedade civil.
A parábola evangélica tem, por fim, um forte
conteúdo cristológico, expresso na
aplicação a Jesus do versículo do salmo
referido à «pedra rejeitada pelos construtores», mas que se
tornou surpreendentemente «pedra angular»
(Sl
117,22-23). A primeira geração cristã viu nisto o anúncio da morte e ressurreição
de Cristo. É precisamente neste sentido que o ver sículo do Novo
Testamento é citado noutras duas ocasiões, em Act
4,11 e em IPd 2,7. O Reino passa necessariamente
através da Páscoa de Jesus. Só se olharmos para o Seu amor, um
amor que se doou até ao fim, até ao derramamento de
sangue e à dádiva da vida na Cruz, é que conseguiremos ter
forças para produzir frutos de «justiça» e de
«rectidão». Cristo, morto e ressuscitado, é o verdadeiro vinhateiro da
única vinha de Deus.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |