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PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA
LEITURA
Is 55,6-9
Estes
versículos constituem o epílogo do Livro do Segundo Isaías (caps.
40-55), profeta na Babilónia entre 550 a. C. e o final do exílio. Tal
como a narração começara mediante um convite à consolação (cf. Is 40),
assim conclui com uma exortação a «procurar o Senhor» (v. 6). Os
caminhos e os projectos de Deus não são os nossos (w. 8-9): ao leitor
não escapa esta mensagem, centro doutrinal do livro.
O profeta
parece indicar no pecado a causa da distância entre nós e o Senhor (v.
7a). Ele continua porém a afirmar que esta diferença não é
inultrapassável, porque o Senhor «generoso em perdoar» (cf. v 7b), Se
torna tão mais próximo e fácil de encontrar quanto mais o homem abandona
o seu pecado.
«Os Meus
pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos
são os Meus.» (v. 8) Esta afirmação não é de modo nenhum desanimadora,
antes ressoa para cada um como um convite caloroso
e premente a que nos tornemos investigadores do projecto divino,
a que preenchamos – mediante a prática das Suas palavras – a distância
que providencialmente nos separa. É de facto a Palavra de Deus que nos
chama e motiva ao irrenunciável processo da conversão, mediante o qual,
submetendo-nos à vontade do Senhor na obediência, podemos adquirir
gradualmente na nossa vida as feições de Cristo. Devemos aceitar de boa
vontade a diferença que existe entre nós e Deus: ela garantir-nos-á a
possibilidade de não nos enganarmos, reduzindo o Senhor à medida dos
nossos pensamentos, e renovará a nossa necessidade de tensão para Ele.
SEGUNDA
LEITURA
Fl
l,20c~24.27a
Os cristãos
de Filipos, cidade da Macedónia visitada a primeira vez por Paulo no
final dos anos 50, são os destinatários desta Carta. O Apóstolo, que
escreve no tempo da sua prisão, confessa-lhes os sentimentos que traz na
alma. O desejo de se reunir a Cristo, posto em confronto com o
convencimento de que a sua vida ainda é útil para o bem dos irmãos, cria
nele uma situação de embaraço (w 20-26). No versículo 27 a advertência é
dirigida à Igreja, para que se mantenha fiel ao Evangelho que lhe foi
anunciado.
Oxalá
pudéssemos também nós alcançar essa profunda liberdade interior que
leva Paulo a acolher, seja qual for o modo como se manifeste e mau grado
os seus desejos, a vontade de Deus, que o faz exclamar: «Cristo será
glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra.» (v. 20)
«Aquilo que
Deus quer» e «aquilo que eu quero»: é o combate que cada dia nos
interpela e temos de travar com fé, prestando atenção a não o considerar
como obstáculo à vida espiritual, mas pelo contrário, como uma ocasião
de amadurecer a nossa conformidade a Cristo, uma ocasião a mais que
temos para podermos unir-nos ao precioso acto de amor com o qual o
Senhor Jesus, aceitando a vontade do Pai, ofereceu a Sua vida por nós.
EVANGELHO
Mt
20,l-16a
A parábola
conclui o ensinamento de Jesus na Judeia. A partir daqui Ele começa a
subida para Jerusalém. Mateus coloca o episódio no contexto dos
ensinamentos sobre a recompensa prometida a todos os que seguem o
Mestre. A par da narração devem considerar-se as críticas movidas a
Jesus pelos Seus adversários, quando Ele procurava e privilegiava os
pecadores e os últimos, representados no Evangelho de hoje pelos
operários da última hora. O Mestre expõe os motivos da Sua actuação com
uma parábola.
Jesus
compara o «reino dos Céus» ao comportamento de um proprietário que
«contrata trabalhadores para a sua vinha» (v. 1). Trata-se certamente de
um fornecedor de trabalho original, diferente dos colegas, já que a sua
actuação quebra as regras da retribuição proporcional ao trabalho
prestado. Do mesmo modo, o comportamento de Jesus, que acolhe os últimos
tal como os primeiros, mostra que o dom dos benefícios divinos é
unicamente proporcional à misericórdia e ao amor de Deus.
Que o nosso
modo de pensar não é realmente semelhante ao de Deus está bem expresso
pelos sentimentos que esta parábola suscita em nós, a ponto de,
imediatamente, nos levar a tachar a Deus de injusto. E no entanto, a
história dos operários contratados pelo «senhor da vinha», símbolo
bíblico do Senhor a frente do seu Povo, sublinha uma vez mais a
necessidade da nossa conversão, para conseguirmos separar-nos de um modo
demasiado humano de ver as coisas.
Abandonemos
as nossas perspectivas limitadas, o espírito de lucro, que aplicamos
inclusive ao nosso relacionamento com o Senhor, e partilhemos sobretudo
da alegria que Deus experimenta ao recompensar os últimos tal como os
primeiros. O que conta, e nisto também o nosso coração devia arder, como
ardia o coração de Cristo, é que todos entrem a fazer parte do Povo de
Deus, herdeiros da salvação. Por fim, não nos escandalizemos facilmente;
não esqueçamos que, chegados entre os primeiros ou entre os últimos,
somos todos, do mesmo modo, «servos inúteis» (Lc 17,10).
A nós,
que estamos habituados a um sistema em que a retribuição
é proporcional à prestação realizada, o ensinamento
de Jesus exposto no Evangelho de hoje causa problemas. Para que
serve esforçar-se durante toda a vida pelas coisas do «reino»,
classicamente simbolizado na imagem da «vinha», quando
depois os últimos a chegar serão recompensados como os que se
dedicaram a ele durante longo tempo? Como o nosso
pensamento está longe do Vosso, Senhor! Diante disto, e aquilo a
que ainda o ensinamento da parábola nos apela, é
evidentemente a urgência de uma
conversão que nos separe de pontos de vista demasiado humanos e
nos dê, ao invés, os olhos da fé, ou
seja, os do Espírito Santo, para podermos ver as coisas deste
mundo segundo a perspectiva de Deus.
A «economia» do Reino de Deus está absolutamente centrada na
dádiva para todos e na preocupação única de que todos possam vir a fazer
parte dele.
Verifiquemos outros aspectos desta rica narração. Reflictamos
antes de mais sobre o diálogo entre o proprietário e os
operários da última hora: «Porque ficais aqui todo o dia sem
trabalhar? Eles responderam-lhe: Ninguém nos contratou.»
(Mt
20,6-7) É uma resposta inquietante e que nos abrange,
no que toca ao nosso sentido
missionário, ou seja, como nos esforçamos para que todos venham a
fazer parte do Reino? O coração de
Cristo arde de interesse por isso, como prova o
facto de que com o último grupo de operários o proprietário não
estabelece nenhum pagamento: eles ficam assim à mercê
da sua benevolência. O desejo é que todos devem participar
da salvação! Tendo em conta a narração, não parece que a Jesus
interessem os méritos, mas antes a alegria de poder
recompensá-los gratuitamente.
Isto é
que constitui o segundo, mas central, movimento da parábola:
um desafio a alegrarmo-nos por aqueles que, embora
no último momento, puderam
gozar de estar ao serviço do
proprietário da vinha, realizando assim o objectivo das suas
vidas. O comportamento do proprietário da vinha mostra--nos com clareza
quem é Deus para nós: somente amor por
todos! É inútil então
questionarmo-nos sobre precedências e
sobre direitos; é inútil murmurar; é
inútil sermos «invejosos». Precisamente com um apelo contra aquele sentimento de inveja
com o qual se conclui a parábola (Mt
20,13-16). O nosso
coração torna-se invejoso quando julga que os dons que recebeu de Deus
são para nosso uso e consumo, ou pior,
são para exigir direitos maiores.
Agindo desta forma não percebemos
que nos fechamos ao Seu amor, porque não aceitamos que o Senhor pode e
quer amar a todos e, em particular, os últimos, aqueles que por
muitos motivos não puderam aproximar-se d'Ele com aquela serenidade e largos tempos de que
muitos de nós puderam usufruir. Acaso por isso deveríamos lamentar-nos,
por termos podido ter a alegria de nos
aproximarmos do Senhor, e de poder
servi-1'O muito tempo? Alegremo-nos, antes, e rezemos para que Deus possa acolher
a todos no
interior do seu Povo e do seu Reino.
Padre
José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |