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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
IRs 19,9a.11-13a
Quando o profeta Elias
chega ao monte Horeb, para fortalecer a aliança do seu povo com
jhwh, espera encontrar o Senhor no
trovão e no relâmpago, como acontecera no tempo de Moisés. Mas Deus, no Seu
mistério insondável, não corresponde à imagem que d'Ele fizera o profeta: com
efeito manifesta-Se na brisa silenciosa do dia (w. 12b-13). Em seguida Elias
será enviado novamente para junto dos rumores e do caos da vida, para o meio do
seu povo, e também aí deverá reconhecer a presença do Senhor.
A longa viagem de
Israel através do deserto e o encontro com o Senhor, narrado pelo Livro do
Êxodo, constituem a primeira etapa do caminho da descoberta da multiforme
presença de Deus na História da Humanidade.
Nas religiões
tradicionais, e também nos começos da teofania no Sinai, o «vento», o
«terramoto», o «fogo» (w. 11-12a) anunciavam a presença de Deus. Associando a
Palavra de jhwh à «brisa suave» (v. 12b), o autor do Livro dos Reis
rompe com esta imagem tradicional: trata-se por isso de uma revolução, mais do
que uma revelação. Deus aparece inesperado e sempre novo ao profeta, chamado a
dar um salto de qualidade na compreensão do mistério.
Graças à
disponibilidade de Elias e, sobretudo, à sua fé, todas as gerações de fiéis
podem abrir os olhos para um novo aspecto do mistério do Omnipotente. O caminho
da História vaí em frente e prepara-se para o encontro com Cristo.
SEGUNDA LEITURA
Rm
9,1-5
Paulo, que na Carta
aos Romanos tratou largamente o tema da salvação oferecida em Cristo a todos os
homens, passa agora a examinar o caso do povo de Israel. Trata-se de um drama
que o afecta profundamente (v. 2): precisamente o seu povo fica fer chado à
salvação, como lhe acontecera a ele antes da conversão. Os seus «consanguíneos»
(v. 3) não poderão alcançar a plenitude da verdade, enquanto não admitirem que
estão cegos diante da Hebreu de nacionalidade e de espírito, Paulo é rejeitado
pelo seu próprio povo. Vê com imenso sofrimento o afastamento de
Israel da salvação, por ter rejeitado Jesus. É tão grande o seu amor
por eles, que preferiria perder ele a salvação, se isso permitisse que os
seus compatriotas se encontrassem na fé com o seu Senhor Jesus (cf. v. 3).
A fé do Apóstolo
saberá ultrapassar também esta prova e a dúvida constante que traz consigo:
porque é que precisamente aqueles que deviam reconhecer a divindade de Jesus não
foram capazes de o fazer? Há um mistério profundo e inexplicável: tão grandes
foram os dons e os privilégios com os quais Deus dotou o Seu povo (w. 4-5), como
foi obtusa e mesquinha a sua correspondência. Existe realmente um véu que cobre
o coração do povo (2Cor
3,14). Mas Paulo conhece bem, como todos os sábios hebreus, a grandeza do
poder e da misericórdia divinas: por isso acredita firmemente que um dia Deus
iluminará aqueles que estão unidos ao Senhor por uma Aliança irrevogável (cf. Rm
11,29).
EVANGELHO
Mt 14,22-33
Caminhando sobre as
águas do mar, Jesus manifesta o Seu poder divino sobre os poderes da morte. De
facto, na Bíblia o mar representa o mundo do caos, dos poderes infernais e da
morte (Ap 20,13); «caminhar sobre o
mar» (cf. v. 25) antecipa a vitória sobre a morte que será conseguida na
ressurreição de Cristo. Só Mateus acrescenta a esta cena o episódio de Pedro,
que tenta aproximar-se do seu Senhor (w. 28-31).
Pedro, que quer ir ao
encontro de Jesus caminhando sobre as ondas, representa o discípulo crente,
guiado por uma fé incompleta. Ele tem confiança no Senhor, tanto que se lança à
água para ir ao encontro d'Ele (w. 28-29). Mas logo que verifica que isso é
impossível pelas suas forças e capacidades «começa a afundar-se» (v. 30). Depois
de ter focado os perfis de Jesus e de Pedro, Mateus alarga a narração a todos os
crentes que estão no «barco»
da Igreja (v. 32).
«Os que estavam no barco», afirma
o evangelista, «prostraram-se» diante de Jesus (v. 33).
Trata-se evidentemente de um gesto pouco verosímil num barco de pesca em pleno
mar. É sobretudo um gesto litúrgico, que volta a aparecer como conclusão do
Primeiro Evangelho (cf. Mt 28,27). Com ele Mateus pretende demonstrar de que modo os
discípulos expressaram a sua fé no Filho de Deus.
Duas forças
aparentemente inconciliáveis dominam este domingo
de férias de Verão: a tempestade e o silêncio. Tratam-se de duas narrações
altamente simbólicas, que se iluminam
mutuamente e que falam do mistério de Deus:
o de Elias (primeira
leitura) e o de Pedro
(Evangelho). A experiência negativa
de Israel, lembrada por São Paulo (segunda leitura), faz de
contraponto às personagens luminosas de Elias e de Pedro,
ambos desejosos de encontrar a Deus e
dispostos a acolhê-FO, mesmo quando
Se apresenta de forma inesperada. Também Pedro, tal como Elias, enfrenta
a tempestade, mas o medo faz desvanecer a sua fé e, bem depressa, «começa a
afundar-se».
(Mt
14,30) Jesus «estendeu-lhe logo a mão». (14,31) Quando finalmente
sobem para o barco, o vento de improviso
«amaina», (v. 32) Um grande silêncio desce sobre as ondas e o mar. Um
silêncio quebrado apenas por uma solene profissão de fé, feita por todos os que
se encontravam no barco de Pedro, ou seja, na Igreja (14,33). Esta solenidade
explica-se bem porque é a primeira vez, em
Mateus, que os homens dirigem a Jesus
uma tal profissão de fé (antes dela, esse título tinha sido utilizado
apenas pelos demónios: cf. Mt 4,
3.6; 8,29). Com esta profissão de fé voltam
finalmente a paz e o silêncio ao lago, sinal de paz e de uma satisfação muito
mais preciosas nos corações dos
homens. Com imagens vivas e fortes é-nos dito que em Jesus é possível encontrar
a Deus e ao Seu poder. Quem O acolhe na sua vida, acolhe também o
silêncio e a paz.
O rumor dos meios de
comunicação, o barulho que acompanha a
ostentação da riqueza, do poder, da beleza do corpo
impressionam por vezes muito mais do que a
«brisa suave» (IRs 19,12) dos fracos e dos humildes. Existe o risco de procurar
Deus pelo caminho da emoção e do maravilhoso, do
poder e do sucesso. A imagem da comunidade eclesial sacudida
pelas ondas de uma grande tempestade é-nos familiar. O barco de Pedro avança com
dificuldade entre correntes contrárias.
Alguns pretendem uma homologação acrítica da Igreja aos pensamentos do
mundo: seguir as ondas. Mas o mar, é bom não
esquecê-lo, representa o mal e a morte. Permanecer
do lado de Deus significa opor-se ao mundo. Outros,
ainda, propõem uma rota de colisão constante,
de contraposição frontal. Mas deste modo o barco não avança e não poderá
certamente chegar ao porto.
Não se trata,
portanto, de assumir um comportamento de
compromisso com o pensar do mundo, mas de procurar, com
caridade e paixão, o diálogo, partilhando a
preocupação que Paulo sentiu pela
salvação do seu povo (cf. Rm
9,2-3).
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |