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PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Is 55,1-3
O Segundo Isaías fala
a um povo que durante a deportação em Babilónia sofreu a fome e a sede. Por
isso, a imagem de um pão distribuído gratuitamente (v. 1) é eficaz para mostrar
a mudança radical que Deus vai efectuar na nova sociedade, para todos os que
regressarem do exílio. O fundamento da nova convivência de Israel deverá, porém,
ser o Senhor, e só a Sua "escuta" garantirá o cumprimento da salvação prometida
(w. 2b-3).
O profeta Isaías
anuncia que nenhuma daquelas coisas que ele indicou com as suas palavras pode
saciar a sede interior do povo: nem a «água»; nem o «vinho»; nem o «leite», (v.
1) Só a palavra profética pode satisfazer a sede do homem, que em última análise
é sede de verdade, sede de bem, sede de um projecto justo pelo qual se pode
gastar a própria vida (v. 2). A «aliança» estabelecida com David (v. 3) prometeu
ao rei e à sua descendência vida e bênção (cf.
2Sm 7,5 ss.). Agora, essa promessa,
mediante Isaías é dirigida a todos os crentes, desde que estes abram o seu
coração à escuta da Palavra de Deus.
A nossa sociedade
quotidiana, a sociedade de consumo, está bem retratada nesta imagem, na qual uma
lista de bens passa diante dos olhos de todos os que escutam o profeta, uma
riqueza que jamais pode corresponder aos seus pedidos mais íntimos e
verdadeiros.
SEGUNDA LEITURA
Rm
8,35.37-39
Na Carta aos Romanos,
Paulo acabara de expor o significado de uma vida completamente renovada pela
descoberta do amor gratuito de Deus. O brado de alegria referido pela leitura de
hoje interrompe o seu raciocínio. O entusiasmo por haver descoberto o
«amor de Cristo» supera todas as
dificuldades (v. 35a). Todo o universo, quer nas dimensões do tempo quer
nas do espaço (w. 35b, 38-39), é recordado como prova do poder do amor de
Cristo.
Se, como nos
anunciaram os domingos precedentes, a salvação é tão certa e é efeito do amor de
Deus, «quem poderá separar-nos do amor de Cristo?» (Cf. v. 35) A experiência
ensina a Paulo que em tudo o que humanamente poderia separar-nos, nós cristãos
conseguimos, com o auxílio de Deus, ser vencedores (v. 37).
A vida não é
certamente fácil, pelo contrário, é luta e confronto, mas a certeza da vitória
torna menos terríveis mesmo as provas mais difíceis. Por isso, diz o Apóstolo
que «nada pode separar-nos do amor de Deus que se manifestou em Cristo Jesus».
(Cf. v. 39) Ou melhor, só nós mesmos nos podemos separar! Está nisto toda a
trágica grandeza da responsabilidade que cada homem tem pela sua salvação ou
pela sua perdição pessoal. O Senhor, na verdade, jamais tomará a iniciativa da
separação; pelo contrário, comunica-nos a Sua força amorosa, e é ela a virtude
que nos mantém no bem e nos dá a salvação.
EVANGELHO Mt
14,13-21
A cena é comum aos quatro
evangelistas (Mateus, porém, como Marcos, relata uma
segunda multiplicação dos pães: cf. Mt
15, 32-39). O episódio formou-se certamente numa comunidade de origem
hebraica. De facto, apresenta diversas alusões ao Antigo Testamento, como o maná
(lembrando que «todos comeram e ficaram saciados», v. 20a; cf. Ex 16,8.12) e um
milagre de Eliseu (cf. 2Rs 4,42-44). Neste
contexto os «doze cestos» (v. 20b) aludem ao número das tribos de Israel.
A primeira coisa que
logo chama a atenção perante a narração da multiplicação dos pães é o aspecto
prodigioso do milagre. Mateus parece sublinhá-lo indicando no final que «eram
cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças», (v. 21)
A leitura do Evangelho
deveria no entanto ter-nos ensinado que Jesus nunca faz alguma coisa só para
causar admiração, pelo gosto do maravilhoso ou para demonstrar a Sua divindade
«à força de milagres». Nesta página o confronto é entre os Apóstolos e Jesus. Os
discípulos quereriam comer em mesas separadas: uma em que comessem os discípulos
e Jesus com os «cinco pães» e os «dois peixes» (v. 17); e outra para a multidão,
que deveria ir «pelas aldeias comprar alimento», (v. 15) No entanto, Jesus
prefere convidar todos para a Sua mesa e não Se deixa intimidar pelas
dificuldades aparentes do projecto: o significado do gesto que está para
realizar é demasiado importante para Se deter perante as dificuldades
logísticas.
Para quê dar tanta importância ao
tema do alimento e da refeição
em comum, como acontece no Evangelho e também na
primeira leitura
deste domingo? Qual a razão que
nos leva a ver no alimento o valor simbólico de um anúncio de salvação
e a fonte de esperança na vinda
de um mundo novo? Na nossa cultura ocidental a mesa
dificilmente se partilha com todos. Está reservada à família, aos amigos, às pessoas
especiais, a quantos queremos acolher na nossa intimidade.
O costume oriental de considerar o convite ao visitante ocasional
como um gesto não só obrigatório, mas também automático,
parece-nos estranho. Será por receio de que nos falte o necessário? Ou
que uma mesa pouco recheada nos deixe ficar
mal? Foram estes os receios que assaltaram os Apóstolos,
mas Jesus com o Seu milagre demonstra que estas coisas não
devem fazer-nos deter, porque há um valor
maior que devemos procurar. Comer juntos testemunha que o acolhimento do
próximo vale mais do que os nossos receios e do que os nossos egoísmos.
Por vezes, porém, o receio do
convite é mais profundo. Comer em companhia é como doar uma parte da própria
vida. Isto é possível e
espontâneo só com pessoas aceites e familiares.
Também os discípulos porventura não eram alheios a estes sentimentos. Alargar
demasiado a comunhão de vida e de
mesa, que só eles tinham com
Jesus, podia significar a perda
de um privilégio. Quantas vezes
as nossas família, os grupos
ou as comunidades cristãs
inteiras se mostram enfermas deste vírus perigoso: o fechamento ao acolhimento!
Jesus afasta vigorosamente
esta tentação. Rompe as barreiras que o mundo,
tal como os discípulos, procura
construir. Barreiras inclusive
religiosas! No tempo de Jesus, um
bom hebreu, para não se
contaminar ritualmente, nunca iria sentar-se à mesa com um
pecador reconhecido ou com um
pagão! Jesus, ao invés, vai
ao encontro de todos, partilhando
generosamente aquilo que
há. Assim faz surgir o novo mundo anunciado e esperado pelos
profetas. Então aparece o milagre, como sinal divino de
confirmação e de agrado.
Não se trata de matar a fome por
um dia a todos os que amanhã
terão de novo o problema da alimentação, mas de oferecer
um sinal claro do que Deus quer de nós. É muito mais religiosa
uma mesa partilhada do que a pureza de quem se separa
não só do pecado, mas também do
seu irmão pecador. Neste
novo mundo anunciado pelos profetas e que Jesus começa a
realizar, todos são saciados com o
pão, mas muito mais com o
amor e o acolhimento que ultrapassa todas as barreiras, com a generosidade que
leva a partilhar o que se possui, mesmo que
seja verdadeiramente pouco. O
Reino de Deus é exactamente o contrário de uma Humanidade onde predomina o
princípio de «cada um por si.»
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |