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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA
LEITURA 1Rs 3,5.7-12
Inteligência,
sabedoria, discernimento: são estes os dons que Salomão pede a Deus na
oração que faz no começo do seu reinado (w. 7-9). É levado a isso pela
recordação dos benefícios divinos, e, inspirando-se em David seu pai,
delineia as características de um poder exercido segundo a vontade de
Deus (cf. 1Rs 3,6). Assente neste ideal, olha com humildade para si
mesmo e confessa a sua necessidade do auxílio do Senhor para um serviço
que deve prestar ao povo. É precisamente esta humildade que torna a
oração de Salomão digna de ser ouvida (w. 10-12).
O episódio
narrado no Primeiro Livro dos Reis diz respeito em
particular a todos os que têm a
responsabilidade de governar os seus irmãos. É um encargo
certamente difícil para um «jovem» como
Salomão (v. 7), sobre o qual paira a
imagem gloriosa do pai David.
O pedido do
rei revela a posse de dotes não comuns: pedindo a capacidade de
«distinguir o bem do mal» (v. 9), revela ter compreendido a lição que
vem da Palavra de Deus. Com efeito, tinha sido esse o erro dos nossos
primeiros pais no jardim do Éden, quando acreditaram poder decidir
sozinhos sem precisar da orientação divina (cf. Gn
3,1-7).
Tal como a
deles, também a história de Salomão, embora tenha começado bem, não
alcançou um resultado famoso. Bem depressa o jovem soberano começou a
tornar-se árbitro único do seu futuro e da verdade das suas acções, com
resultados desastrosos (cf. 1Rs 11). Todavia, o seu pedido foi sábio,
bom e digno de ser imitado. Deus responde certamente a todos os que o
imitam com «coração» humilde e verdadeiro.
SEGUNDA LEITURA
Rm
8,28-30
Segundo o Seu
desígnio, Deus «de antemão» «conheceu-nos», amou-nos, e «predestinou-nos
para sermos conformes à imagem de seu Filho», (v. 29) Agora esta Sua
vontade, oculta nos séculos, concretiza-a no tempo «chamando-nos» e
«justificando-nos» (v. 30a) através do Baptismo, e condu-la ao seu fim
«glorificando-nos». Este último acto divino, que implica a nossa
ressurreição para a vida, é tão certo da parte de Deus que, para o
exprimir, Paulo usa ura verbo no passado: «glorificou-nos.» (v. 30b)
Paulo recorda
que Deus «chamou» cada um de nós, em particular todos os que correm o
risco de se deixar abater pelas dificuldades, a caminhar nas novidades.
O percurso que o Senhor nos propõe tem várias etapas: a partir de uma
preparação longínqua, ainda antes do nosso nascimento, à vocação que nos
fez descobrir a fé, até ao convite constante à conversão. Este percurso
tem uma meta clara ao tornarmo-nos «conformes à imagem» de Cristo, o
Filho de Deus (v. 29).
A nossa
aventura, humana e espiritual, tende a tornar-nos cada vez mais
semelhantes a Cristo. Isto porém não acontece primeiro pelo nosso
esforço ou pelas nossas capacidades, mas sim pela acção da graça divina
que nos ampara e guia. Os crentes devem pois lançar-se com confiança
nessa aventura da fé; não faltará certamente o auxílio divino, a fim de
que o seu caminho possa alcançar a meta da santidade e da consequente
salvação.
EVANGELHO
MT 13,44-52
Nas três
parábolas narradas no Evangelho de hoje, o Reino de Deus é
sucessivamente comparado a um «tesouro» encontrado num campo (v. 44), à
pessoa que o encontra (o «negociante»:
v. 45), à «rede que apanha toda a
espécie de peixes», (v. 47) O mistério do Reino é, de facto,
multiforme e complexo para ser descrito. As parábolas do tesouro no
campo e do negociante de pérolas são construídas com o mesmo esquema e
não foram seguidas por explicação alguma. No início há a descoberta de
um objecto de valor, um «tesouro» ou uma «pérola preciosa» (w. 44a-46);
o descobridor comporta-se depois do mesmo modo: decide renunciar a tudo,
conquanto venha a possuir o tesouro que encontrou.
A terceira
parábola (w. 47-48), mais ampla e dotada de explicação (w. 49-50), é a
base para a compreensão das outras duas (w 44-46).
Compara o
Reino a uma «rede cheia de peixes»; a explicação que se segue coloca a
ênfase sobre a distinção entre os «bons e os que não prestam» (v. 48),
distinção que porém não é imediata, porquanto se fará apenas no final da
pescaria, quando a rede fica cheia e é levada para a praia pelos
pescadores, isto é, «no fim do mundo», (v. 49) Finalmente a parábola
interessa-se sobretudo pela sorte dos maus, lançados na «fornalha
ardente», (v. 50)
Estas três
parábolas, nos lábios de Jesus, são um convite premente à conversão e ao
acolhimento do Reino de Deus, que vem e se está manifestando ao mundo. O
que Deus nos oferece tem um valor infinito, não tem preço: por isso
estarmos prontos a renunciar a tudo para conquistarmos a salvação é uma
dedução lógica e imediata. Jesus recorda aos Seus ouvintes o quão
urgente é decidir-se e acolher o Reino: é necessário aproveitar as
ocasiões que Deus nos oferece e convertermo-nos, para não nos
encontrarmos no fim entre os maus.
O modelo que resume os
ensinamentos deste domingo
é o do
«escriba que se tornou
discípulo do reino dos céus». (Evangelho:
Mt 13,52) Este é que é o
verdadeiro sábio, o homem que
descobriu o tesouro da
Lei de Deus como guia da sua vida, e por isso respondeu com generosidade
ao apelo de conversão proclamado por Jesus. Ele
compreende que tudo o que recebeu da
sua tradição religiosa (as «coisas antigas») concorda com tudo o
que prega o Profeta da Galileia, e parece novo e impressionante.
Sem perder nada do seu
significado original, as parábolas
de Jesus foram
relidas e explicadas por Mateus para a sua comunidade
crente. Trata-se de uma primeira actualização eclesial
da Palavra, que deve guiar também a nossa leitura de
hoje. O evangelista, em tempos de perseguição, recorda aos seus
destinatários que é preciso que
estejam prontos a deixar tudo
para seguir o Senhor; nem devem
escandalizar-se, depois da morte e ressurreição de Cristo, com a
presença de bons e de maus que percorrem os caminhos do mundo. A derrota
do mal começou com poder, o resultado final da luta é indubitavelmente a
favor de Deus, mas a luta ainda não terminou.
O mal foi
vencido por Jesus Ressuscitado e pela efusão do
seu Espírito, mas esta vitória não
se manifestará plenamente senão no fim do mundo.
É uma mensagem
que contínua válida em todas as épocas.
Cada período da História depois de Cristo conheceu grandes
luzes de esperança, sinais claros do
Reino de Deus que vem, mas
também profundos momentos de escuridão: testemunho de um mistério
do mal que ainda perdura e é fonte de esperança e de prova para os
justos. Por tudo isto, o verdadeiro
discípulo de Jesus, segundo Mateus, é aquele que compreende
plenamente a mensagem evangélica e não se escandaliza com a duração do
mal na História humana. Deve por isso distinguir-se de quantos não
querem compreender e recusam o anúncio do Reino, como um «peixe bom» no meio dos maus,
investindo todas as suas energias na missão de aprofundamento da fé.
A tradição
cristã quis reconhecer no «escriba que se tornou discípulo do reino dos
céus» um auto-retrato do próprio evangelista Mateus, profundo conhecedor da tradição hebraica
e do Antigo Testamento, mas também subtil pesquisador
das novidades que Jesus veio trazer.
Sobretudo capaz, muito mais do que os outros evangelistas, de
demonstrar como o anúncio do
Evangelho está profundamente enraizado no Antigo
Testamento, levando a melhores frutos a fé de Israel na
vinda do Salvador. Nada nos impede
de acolher esta tradição: o
evangelista apresenta-se então como um modelo, para nós seus
leitores, do caminho de escuta e acolhimento de toda a
Palavra de Deus, que Ele mesmo nos
convida a percorrer.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |