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PONTOS
DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Sb
12,13.16-19
A actuação
do Senhor não é a de um juiz que se deve temer: com efeito, Ele «tem cuidado de
todas as coisas» (v. 3), exprimindo um domínio que não é prepotência do mais
forte, mas sim «indulgência» para com todos (w. 16,18), para com os egípcios e
para com os cananeus.
Deus
«juiz» manifesta «bondade» (v. 18)
segundo o ideal do soberano helenista e romano, e amor pelo homem com a Sua
disposição para perdoar, infundindo «esperança feliz» no discípulo que aprende
d'Ele a relacionar-se com o próximo (v. 19).
A
«omnipotência» de Deus (v. 17) não se
exprimiu na História de Israel e das nações com as quais o povo eleito entrou em
contacto, através da humilhação do mais forte. Pelo contrário, manifestou-se
precisamente na «indulgência», na paciência e na «bondade» (w. 16-18), na
capacidade de esperar a resposta humana, como atesta o seu comportamento para
com o Faraó do Egipto (ao qual enviou as dez «pragas»), para com Nínive (cf Jn)
ou para com os Cananeus. Embora estes últimos fossem merecedores de
morte, Deus agiu com eles com moderação (cf. Sb
12,3-7).
O juízo
do Senhor é decerto inapelável, mas não arbitrário. A omnipotência divina não é
exercício de poder à maneira humana, enquanto vexame de quem é mais fraco.
Seguindo este ensinamento,
«o justo deve ser humano» (v. 19) para
com todos, incluindo os cananeus, inimigos históricos de Israel. É o ensinamento
que Jesus levou às últimas consequências, entregando-Se aos Seus algozes.
SEGUNDA LEITURA
Rm
8,26-27
O cristão
vive na expectativa do cumprimento (cf. Rm
8,23-25), unido ao «gemido» que sobe de toda a Criação (8,19-22), mas não
é deixado sozinho: o Espírito é o seu «auxílio» (cf. Sl
120,2) no difícil confronto com a sua «fraqueza», (v. 26a) O Espírito
geme juntamente com o homem com «gemidos inefáveis» (v. 26b): a sua actividade é
inenarrável, transcende toda a linguagem humana, mas dá segurança porque
«intercede» pelo homem fraco, apresentando a Deus a sua aspiração à salvação (w.
26,27). Uma intercessão muda mas segura, porque se encontra em sintonia com a de
Cristo (cf. Rm 8,34).
Á reflexão de Paulo em Rm
8 descreve a condição do cristão e da «Criação» inteira no tempo
presente, enquanto expectativa do cumprimento da obra começada com a morte e
ressurreição de Jesus Cristo (cf. 8,18-22). O tempo inaugurado pelo
acontecimento pascal, no qual nós vivemos, é o tempo da «esperança» no
cumprimento da promessa (cf. 8,24-25).
Mas neste tempo a fé
do cristão é também posta à prova pela contradição entre o «já» (a salvação
trazida por Cristo) e o «ainda não» (a vinda definitiva do Reino). A experiência
do pecado do mundo, da «fraqueza» que o homem nota em si mesmo, herança de Adão,
torna incerto para ele «o que deve pedir» ao Senhor (v. 26a). No caminho de
libertação a que Jesus convida cada homem, como num novo Êxodo, dispomos todavia
de uma ajuda infalível que vem da companhia do «Espírito». Não é já a nuvem ou o
fogo, com os quais o Senhor estava presente entre os israelitas em marcha, mas a
presença do Espírito em nós que, com a linguagem do próprio Deus, «intercede» em
nosso favor (w. 26b-27b).
EVANGELHO
Mt
13,24-43
Jesus fala uma vez mais em parábolas,
confiando o ensino sobre o Reino de Deus às imagens simples, tiradas da vida
agrícola e familiar. Como aconteceu com a imagem da semente e do semeador (cf.
Evangelho do domingo passado), à parábola do joio (referida apenas por Mateus),
segue-se uma explicação da parte do próprio Jesus. Entre a narração (w. 24-30) e
a explicação dela (w. 36-43), o evangelista coloca outros dois ensinamentos, em
forma de parábolas (w. 31-33), e um novo esclarecimento sobre a razão de falar
em parábolas (w. 34-35).
As tentações
mais comuns do cristão são a impaciência e o desalento: então não é esta a
altura de ver os frutos da obra salvífica de Deus? Ficamos estupefactos e
humilhados ao ver que ainda há joio, erva daninha que destrói a inteira «seara»,
semeada por Deus!
Na explicação,
Jesus afirma que o joio são «os filhos do Maligno» e que quem o semeou foi «o
Diabo», (w. 38-39) Este é um elemento que devemos ter presente, adiando a
selecção para o tempo da ceifa (v. 30), ou seja, para o Juízo Final que é obra
de Deus (w. 39-40). A paciência a que é convidado o discípulo de Cristo está
fundada no poder da semente semeada por Deus, ela que é «a mais pequena de todas
as sementes» (v. 32), e todavia capaz de se desenvolver para além de todas as
expectativas, tornando-se refúgio para muitos, conforme a imagem messiânica de
Ez 17,22-23.
Para isso concorre a imagem do
«fermento» (v. 33): o que o qualifica
não é a sua consistência actual, mas sim a força transformadora que confere à
farinha.
Mateus oferece
à sua
comunidade, e à Igreja de sempre, um
motivo de
reflexão acerca do tempo em que vivemos, entre a
morte e
ressurreição de Cristo e a expectativa final do Reino
de Deus.
O seu Evangelho
convida-nos
à paciência, a
virtude de Abraão
(cf. Hb
6,15), à qual também o Apóstolo Paulo, e ainda Pedro,
exortava amiúde
os cristãos (cf. 2Pd 1,5-7). Mateus
ensina a pôr de parte a ideia da comunidade de Cristo como lugar dos perfeitos
que confiam nas próprias ideias para «desalojar» e
purificar: esta
atitude dá origem a uma «seita», não já à Igreja
de Cristo. A difusão do mal no mundo,
as contradições presentes no campo semeado por Jesus Cristo e até no íntimo do
próprio crente, são obra do demónio que continua a agir
contra o homem e contra o projecto de
Deus (cf. Mt 13,25).
É ilusório pensar em extirpar o joio
do campo neste tempo do crescimento: a
separação dele do trigo bom acontecerá somente no momento da «ceifa» final, na
hora do juízo (13,30). O modelo para viver no tempo da História com esta
atitude é-nos oferecido pelo próprio Deus, apresentado no Antigo Testamento como
«manso» (Sb
12,18), disposto ao perdão, esperando
pela conversão do homem (primeira leitura e salmo
responsorial).
Esta visão
desencantada do mundo nada tem a ver com a resignação
passiva mas, pelo contrário, está fundada na confiança
de que a pequenina semente do Reino, semeada na Criação
e no coração
dos crentes, funciona como fermento, levando a
massa do mundo
a fermentar em direcção ao Reino. A Igreja
fala por isso de «optimismo» cristão,
que não se deve confundir com o conceito superficial ou ingénuo de um mundo
completamente bom, radicado no poder salvífico da morte e
da ressurreição de Jesus. A atitude do
cristão está ligada por isso à fortaleza, à resistência a tudo o que leva
ao desalento, a render-se, orientando-a positiva e benevolamente para o mundo
pelo qual o Filho derramou o Seu sangue. O «gemido» que deriva dos aspectos
dolorosos da vida (cf. Rm 8,22), nos quais
dificilmente descortinamos os sinais
da Redenção, não deve levar à soberba ou a entrincheirarmo-nos em
posições de «seita», mas antes na procura dos melhores caminhos para anunciar
ainda, obstinadamente, ao mundo, a Boa
Notícia de Jesus. A esperança do Reino futuro a que todos os homens são
convidados, conviveu na companhia do
Espírito do Senhor, que «geme» (segunda leitura: Rm
8,26) com o homem e o cosmos,
força interior que habilita ao diálogo
mais puro com Deus pelas palavras que Jesus, como intercessor, dirige ao
Pai.
Dá-nos
coragem saber por São Paulo que a difícil confrontação com o mundo, ainda cheio
de «joio», não é colocada como pesado fardo
sobre os nossos ombros, marcados como
estamos pela fraqueza e pela caducidade. É este o motivo mais profundo e
verdadeiro que nos habilita a olhar com optimismo
para o mundo manchado pelo pecado: a semente imortal
e eficaz da Páscoa
de Jesus, que celebramos na Páscoa dominical,
e a força do Espírito que nos foi concedida pelo Baptismo fazem-nos cantar
confiantes com o salmista: «Todos os povos
que criastes virão adorar-Vos, Senhor, e glorificar o
vosso Nome, porque Vós sois grande e operais
maravilhas.» (Sl
85,9.10)
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |