|
PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA Dt
18 55,10-11
Estes versículos,
extraídos do último capítulo do Segundo Isaías, descrevem a eficácia da Palavra
de Deus através da metáfora do ciclo da água. «Chuva e neve» não voltam para o
céu «sem terem regado» a terra, para tornar produtivo o trabalho do homem (v.
10). Do mesmo modo, a «palavra que sai da boca de
jhwh» (cf. Dt
8,3) é eficaz: guia o povo à salvação, como testemunha o episódio do Êxodo, e
como recordam incessantemente os profetas, sem faltar à sua missão (v. 11).
A confiança na
eficácia da Palavra de Deus anima a pregação dos profetas, sobretudo no tempo de
provação do exílio na Babilónia. A «Palavra» intervém na História,
transformando-a em História da Salvação; a reflexão contemporânea na época da
deportação na Babilónia chegará a compreender e a narrar essa eficácia,
descrevendo a própria criação do cosmos como efeito da Palavra de Deus (cf. Gn
1). Mas à sua eficácia deve corresponder a fé e a confiança do homem que,
humilhado pelos acontecimentos ou tornado inseguro por uma vida ameaçada
(experiência dos povos tal como de cada homem), tende a não dar credibilidade à
promessa divina de salvação.
A missão da Palavra de
Deus resplendece em toda a sua clareza na Encarnação: o Verbo, a Palavra eterna
do Pai, faz-se carne manifestando-se no Filho Jesus Cristo, Palavra
recapitulativa, última e definitiva (cf. Jo 1,14). Acolhido com confiança, Ele
fecunda a vida do homem, que produzirá assim muitos frutos (cf.Jo 15,1-8).
SEGUNDA LEITURA
Rm 8,18-23
Entre os «sofrimentos
do tempo presente», participação nos sofrimentos de Cristo (cf.
Rm 8,17) e a «glória futura» que
virá com a ressurreição, existe uma desproporção (v. 18). O crente verá a
realização da «esperança» de vida, esperada também pela Criação (w. 19.21-22),
que já, neste momento, vive pela fé. A situação actual de caducidade não se deve
a uma escolha (v. 20), mas remonta ao pecado de Adão (cf.
Gn 3). O dom do Espírito torna o crente capaz de viver «já» o
que se cumprirá no final (v. 23).
A vida do crente está
situada entre o «já» da Redenção e o «ainda não» da Redenção final, que espera
com impaciência (v. 19). São Paulo alarga esta condição à Criação inteira, a
qual traz em si a contradição da caducidade e da morte, relativamente à
aspiração da vida e à salvação (w. 19.21-22).
A esperança cristã
está assim situada entre um quadro mais vasto que diz respeito ao mundo inteiro
com todas as suas criaturas. A diferença está na consciência do cristão: tornado
participante do acontecimento da Encarnação e da Páscoa do Senhor, o cristão
goza desde agora dos frutos que o Espírito Santo, como «primícias» (v. 23), faz
brotar nele. O homem é caracterizado pela responsabilidade de compreender
(capacidade que o torna criatura única) o amor de Deus, que manifestou no dom do
Filho e do Espírito. Por outro lado, embora sendo vértice da obra da Criação
(cf. Gn 1,26), partilha com todas
as criaturas a espera da plenitude de vida que agora vive na fé (v. 18).
EVANGELHO
Mt
13,1-23
Jesus fala à
«multidão» como Mestre («sentou-se»: cf. v. 2), comparando o destino da semente
ao desenvolvimento do Reino de Deus. O início («Naquele dia»: v. íb) liga o
texto à pregação e aos milagres precedentes que tinham suscitado admiração, mas
também perplexidade e oposição (cf. Mt
12,23-24.38). A fadiga confiante do semeador não é desencorajada pelas
condições do terreno; sabe esperar pelos frutos (w. 3-9). É assim pela acção de
Deus, o «mistério», que nos é dado compreender a linguagem das parábolas (w.
10-17).
A memória das
parábolas de Jesus (a parábola da semente: w. 3-9), contra as perplexidades de
quem teria querido assistir à afirmação do Reino de modo inequívoco e
definitivo, tornam-se mensagem de encorajamento para a comunidade para a qual
Mateus escreve (a explicação da parábola: w. 18-23) e ocasião para explicar o
motivo de «falar em parábolas», escolhido por Jesus (w. 10-17).
A confiança na acção
de Deus, que continua «mistério» para o homem, ou seja, projecto de salvação que
se desenvolve em tempos e formas por Ele estabelecidas, deve comparar-se com a
confiança do agricultor que não desiste perante as dificuldades do terreno, mas
antes trabalha para preparar a terra. À confiança que anima o agricultor, tal
como o crente, acrescente-se o realismo: nem todo o terreno é receptivo e
consente à semente que produza os frutos esperados. A Palavra de Deus, portadora
de uma promessa à qual não falta, produz fruto quando encontra uma «terra boa» e
acolhedora, lavrada e livre de «espinhos», (w. 8.23)
Como é possível que a obra de
Deus, culminada no envio do Filho, não produza de maneira
clara e evidente a realidade do Reino, anunciada muitas vezes pelos profetas como novidade
absoluta? Foi a perplexidade de muitos judeus, que em grande parte não
reconheceram em Jesus o Messias, mas é também
a perplexidade que atinge os discípulos de Cristo até
hoje. Com a parábola da semente e do
semeador (Evangelho), o Senhor explica esta
incongruência aparente. O caminho da
salvação, escolhido por Deus é o da proposta livre que se manifesta
na oferta de amor trazida pelo Filho; não há violência
nem imposição em conduzir o homem à salvação.
É o que nos é dado compreender do «mistério do Reino» (cf.
Mt 13,11), que faz
parte do «mistério» de Deus, acerca do qual, mais que
falar, podemos balbuciar alguma coisa. Por
outro lado, aquilo de que temos a
certeza é de que a sua Palavra é eficaz e chegará à plenitude, mesmo se
no tempo presente ela partilha a sorte de
Jesus, que é a da semente: a humildade, a passagem através da morte,
promessa segura de frutos abundantes. O
caminho da Palavra, o próprio Cristo, é o que o cristão deverá seguir, não se
resignando com um mundo aparentemente
irredento, mas que vive já agora, na fé, a alegria de quem conhece o seu
destino. Por esta fé o crente sabe ver na vida e no mundo os sinais misteriosos
do Reino de Deus, como «primícias» do cumprimento; mediante essa mesma fé ele
anima o mundo com a esperança tornando-se, por sua vez,
anunciador e semeador da Palavra. Não é a
afirmação fechada e fanática de uma verdade negada pela realidade, mas a visão
positiva animada pela fé e pela
esperança de que fala a Gaudium
et spes. Certamente, nas condições históricas, tal como nos acontecimentos
pessoais, nota-se o frémito que vem das contradições, do pecado e da
morte. Nisto o cristão partilha do gemido da
Criação que «espera», também ela, ser libertada
livremente da angústia da corrupção (cf.
Rm 8,22). Entretanto
a Palavra, semeada por Deus no coração dos homens, continua
ocultamente a sua acção e prepara o homem e o mundo
para o acontecimento definitivo; não para um destino desconhecido,
tornado incerto por ameaças de novas armas ou por ameaçadores panoramas
biotecnológicos: o crente conhece, pela
revelação de Deus, para onde se movimentam o mundo, a História, o cosmos
inteiro.
A comunidade de
Mateus, tal como a comunidade cristã do
terceiro milénio, é chamada a viver de realismo (nem todos os
terrenos são iguais) e de confiança (a
Palavra produz os seus frutos; o Reino de Deus vem com poder),
testemunhando a esperança com a própria vida
e o próprio esforço. O começo da obra, tal como a sua conclusão estão nas
mãos de Deus, fazem parte do Seu «mistério de salvação»; ao homem, ao
crente, é dado ocupar-se do terreno a lavrar,
a limpar das pedras e dos espinhos, a fim de que a todos seja visível o poder
encerrado na humilde semente da Palavra, Cristo Senhor.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |