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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Zc 9,9-10
Com o capítulo 9 tem
início a segunda parte do Livro de Zacarias (Segundo Zacarias) em que prevalecem
os temas messiânicos. Jerusalém é convidada a exultar porque chega o «rei»
esperado, como David «montado num jumentinho» (v. 9b), em vez de num cavalo: a
sua força não está na cavalaria (que foi introduzida por Salomão), mas na força
do Senhor. Por isso será um soberano «justo e salvador, humilde», (v. 9b)
Anunciador de paz e dominador universal (v. 10), a fé cristã reconhece em Jesus
a personagem profetizada por Zacarias (cf. Mt
21,1-9).
A eleição de Israel,
recordam frequentemente os profetas, está fundada na opção gratuita de Deus. O
Senhor não abandona o seu Povo, mas guia a História à Sua maneira. Por outro
lado, as vitórias, a força de Israel dependem da sua fidelidade à Aliança. Não é
certamente com «os carros», com os «cavalos» (v. 10), não é com o poder
demonstrado pelo Faraó, e no qual confiam os sucessores do rei David, que o mais
pequeno de entre os povos poderá subsistir. Confiar no próprio poder bélico, nas
armas poderosas mais do que na força de Deus foi para Israel o erro que decretou
o sofrimento da derrota e do exílio.
O Messias, o Ungido de
Deus, chegará, ao invés, como um rei «humilde» para fazer justiça aos pobres,
«montado num jumentinho» (v. 9), como os antigos príncipes (cf. Gn
49,11). Com Ele cumprir-se-á a antiga promessa feita a Abraão (cf. Gn
12,1-3), ou seja, levará a bênção de Deus a todos os homens (v. 10). Por
isso é que Mateus cita este texto de Zacarias na narração da entrada de Jesus em
Jerusalém, aclamado como rei messiânico, para afirmar a Sua realeza, efectuada
mediante a humilhação e a Cruz (cf. Mt
21,1-9).
SEGUNDA LEITURA
Rm
8,9.11-13
O capítulo 8 da Carta
aos Romanos é dedicado a ilustrar a vida segundo o Espírito, que se opõe à vida
segundo a carne (cf. Rm 8,1-13). Os
versículos da leitura de hoje mostram a novidade da vida cristã, fundada sobre a
força do Espírito que «habita» nos crentes (w. 9,11): é o próprio Deus que o
anima a partir do interior. Com o Baptismo o homem torna-se participante da
morte e da ressurreição de Jesus, da vida que o Pai deu ao Filho arrancando-O à
morte (v. 11). Esta vida reanima o cristão e torna-o criatura nova.
Um dos equívocos
presentes na vida cristã de todos os tempos é o de acolher a Revelação divina
como simples encorajamento para o bem, um impulso a fazer apelo à própria
vontade para vencer o pecado. Tudo isto é ilusório e não corresponde ao anúncio
cristão: o Evangelho é transformado em ensinamento moral. São Paulo reafirma-o
constantemente, combatendo precisamente o erro de contarmos connosco próprios e
com a nossa força, em lugar do Espírito que nos foi concedido pelo Pai e pelo
Filho.
Esta é a verdadeira
novidade da vida cristã como o Apóstolo procurou demonstrar àqueles que
interpretavam a Nova Aliança, estipulada no sangue de Cristo, na observância de
preceitos e leis: não é a Lei que salva, nem as obras do corpo. É antes a
participação na morte e ressurreição de Jesus Cristo (cf. v. 11), celebrada no
Baptismo e vivida na fé que nos torna criaturas novas e nos consente viver
«renovados» profundamente no Espírito, capazes de obras novas.
EVANGELHO Mt
11,25-30
Depois de haver
censurado severamente os Seus contemporâneos pela incredulidade com que O haviam
recebido (cf. Mt 11,20-24), Jesus
abre o Seu coração e os Seus lábios pronunciando uma intensa oração ao Pai.
Dá-Lhe graças por ter concedido aos «pequeninos», aos ignorantes (em oposição
aos «sábios», os doutos escribas) a verdade sobre a Sua pessoa e missão (w.
25-27). Prossegue convidando mesmo os mais pequenos, «cansados e oprimidos» (v.
28), a entrar em relação com Ele e a acolher o «jugo» da mansidão, por Ele
testemunhada, em lugar da Lei.
É raro ouvir palavras
intensas como estas, quase um desabafo em forma de oração, análogo ao que lemos
nalguns salmos. Nelas ouvimos a voz de Jesus, que reza perante a suspeita e a
rejeição que acompanham a Sua missão nas cidades onde realizou muitos milagres
(cf. Mt 11,20-24), e levantadas
precisamente por aqueles aos quais os profetas tinham anunciado um Messias
humilde (cf. Zc 9,9).
A resposta de Jesus
não é o desconforto nem a mudança de opinião, mas antes o pleno acolhimento da
missão recebida do Pai: «Eu Te bendigo, ó Pai.» (v. 25) A Sua oração relembra a
resposta dos três jovens na fornalha ardente, condenados pelos sábios e
poderosos do seu tempo (cf. Dn
3,52). É a humildade que escandaliza, a pequenez na qual alguém não tem
condições para reconhecer a presença e a força de Deus, ontem como hoje.
O «jugo» que Jesus nos
convida a levar, imitando-O a Ele, não é o da observância da Lei (w. 29-30; cf.
Lm 3,27; Jr
2,20), que acaba por dar a presunção de ganharmos por nós próprios a
salvação, mas o reconhecimento da nossa pequenez e o desejo da salvação que vem
só de Deus.
A humildade que
caracteriza Jesus Messias, anunciado por
Zacarias (primeira leitura), é muitas vezes considerada uma
virtude que devemos adquirir, um esforço a mais para ganharmos estima aos olhos
de Deus. Na realidade, este modo de conceber
as coisas não é mais do que acrescentar lei à lei, preceitos a preceitos,
fortalecendo a ilusão de que através da
aspereza de uma vida virtuosa se pode entrar
nas graças divinas. O Messias humilde do Evangelho é pelo contrário aquele
Jesus que vive na obediência ao Pai, porque
sabe que a Sua única força está em confiar no Seu amor. Como Jesus,
também o cristão vive a verdadeira humildade, quando renuncia a pensar que a
salvação consiste em ultrapassar com o seu
esforço humano as
contradições da História e da vida, para confiar só na força que vem de Deus.
Esta foi uma mensagem difícil de acolher por parte dos reis de Israel, os quais
viam nos carros e nos cavalos a verdadeira ajuda em que podiam confiar,
esquecendo a promessa do Senhor, único libertador de Israel Mas é difícil de
aceitar também pelos cristãos de ontem e de hoje. O poder económico e político,
como o que é posto à disposição pelas biotecnologias, criam a ilusão de
conquistar, só com as forças humanas, as condições de liberdade e de paz que
pelo contrário são humilhadas pelos interesses desses mesmos poderes.
Os cristãos sabem,
como o Apóstolo dos gentios refere diversas vezes (segunda leitura), que
a sua força reside no Espírito, dom gratuito do Pai, que é preciso acolher
despojando-se das próprias seguranças e renunciando a procurar na «carne», no
esforço do homem centrado sobre si mesmo, o seu próprio sucesso (cf. Rm
8,13a).
A opção de Deus pelos
pobres, os humildes e os oprimidos, torna evidente que a Palavra da Salvação é
um convite a percorrer o caminho da humildade verdadeira, do Messias
crucificado, ainda hoje «escândalo e loucura» para muitos (cf. ICor
1,23). É o que experimentamos em virtude do Baptismo que faz de nós
homens novos, porque infunde em nós o Espírito que é verdade, vida e força de
Deus. É este o «jugo suave» de que fala Jesus
(Mt 11,29-30). O jugo da Lei colocado aos ombros dos homens,
para os submeter em vez de os libertar, não é só aquele de que Jesus acusa os
fariseus (os «fardos» de Mt 23,4),
mas é também a proposta cristã quando, em vez de ser mensagem de libertação para
quem anda oprimido e humilhado pelo peso do pecado e da morte, se transforma
numa quantidade de preceitos e de normas que se devem respeitar perante um Deus
juiz severo. Quão diferente é o anúncio de Jesus, «manso»
(Mt
21,29), que convida a aproximar-nos d'Ele com confiança: «Vinde a Mim,
todos os que andais cansados e oprimidos!» (21,28) Por isso, o verdadeiro
conhecimento do Pai, do Deus que é amor, não pode acontecer senão mediante
Jesus, «o caminho» que nos leva ao Pai (21,27).
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |