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PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Is 49,14-15
O povo de Israel,
durante o exílio babilónio, tem dificuldade em acreditar que Deus o irá
reconduzir à Pátria, sente-se «abandonado» e esquecido (cf. v. 14). O profeta
(Segundo Isaías) responde a este desânimo com um anúncio de salvação (cf. Is
49,15-20), de que o texto de hoje constitui apenas o começo (cf. v. 15). Deus
não se esqueceu do seu Povo, como uma mãe não pode esquecer o seu filhinho.
O povo no Exílio está
a viver uma situação difícil, sente-se «abandonado» e «esquecido» por Deus (cf.
v. 14), a esperança desvaneceu-se. Para incutir confiança, o profeta recorre a
um simbolismo deveras eficaz: afirma que o Senhor é animado por um amor maternal
(cf. v. 15a). O amor de uma mãe nunca esmorece, porque não é condicionado pela
correspondência da criancinha, o amor de uma mãe é uma doação irreprimível que
não procura retribuição.
Todavia, a imagem do
amor materno utilizada pelo Segundo Isaías só em parte pode simbolizar o poder e
a fidelidade de Deus para com o seu Povo. Com efeito, ainda que uma mãe se
esquecesse do seu filhinho, Deus nunca se esqueceria do seu Povo (cf. v. 15b).
Em jhwh, parece dizer o profeta,
Israel tem mais do que uma mãe. Este deve ser o fundamento da sua confiança e da
sua esperança: o perdão e a salvação do Senhor jamais acabarão.
SEGUNDA LEITURA
1 Cor 4,1-5
O Apóstolo Paulo e os
seus colaboradores não são donos da comunidade, são pelo contrário servos dela.
Têm a tarefa de transmitir o que por sua vez receberam: a revelação de Deus
mediante Jesus Cristo. Se cumpriram bem ou não o seu serviço, é juízo que cabe
exclusivamente a Deus.
Paulo convida os
Coríntios a que o considerem como um simples servo da Palavra, nada mais. Um
humilde administrador da doutrina e da graça que Deus quer conceder aos homens.
O Apóstolo recorda que do administrador se exige fidelidade à missão confiada. O
evangelizador não é um inventor ou um descobridor de novas doutrinas, mas
simplesmente um «administrador dos mistérios de Deus». (Cf. v. 1) O
administrador deve obedecer às ordens do patrão, deve defender os interesses do
senhor, ao qual terá de prestar contas.
Paulo não foge à
crítica, não se sente irrepreensível, mas coloca dois limites ao eventual juízo
dos Coríntios: eles que julguem se ele é deveras um administrador dos mistérios
de Deus, e se tem ou não sabedoria humana (cf. v. 2); que recordem, além disso,
que só Deus pode fazer um juízo objectivo e infalível acerca do trabalho dos
Seus missionários (cf. w. 4b-5). Os fiéis não devem usurpar com ligeireza um
direito divino, valorizando mais um pregador do Evangelho do que outro.
EVANGELHO
Mt
6,24-34
O trecho evangélico
compõe-se de duas partes heterogéneas: o caso dos dois senhores, Deus e o
dinheiro (v. 24); e o caso relativo às aves do céu, aos lírios do campo (w.
25-34). A procura do Reino de Deus exclui e torna supérflua qualquer outra
preocupação. Àquele que se Lhe dirige com confiança, o Pai que está nos céus não
deixará faltar o sustento necessário para a vida de cada dia.
Segundo o direito do
tempo de Jesus, um homem podia servir ao mesmo tempo a dois senhores, mas na
prática tornava-se impossível. Chegava sempre o momento em que o servo se
juntava a um e deixava o outro. Afirma-o o texto segundo o modo de falar semita:
«Odiará um e amará o outro.» (v. 24a)
Seguindo esta imagem,
a alternativa é aplicada a Jesus, o qual pede o coração humano em exclusivo; e à
riqueza (v. 24b), que tende a transformar-se num ídolo e a conquistar a adoração
do coração.
A pretensão absoluta
de Deus sobre a vida do homem pode parecer excessiva e são necessários alguns
argumentos para justificá-la. Jesus apresenta em primeiro lugar o exemplo das
aves do céu, e depois a dos lírios e da erva do campo. A lição é clara: se Deus
se preocupa com coisas tão efémeras e passageiras, quanto mais cuidará da vida
do homem! O empenho mais urgente para o homem é procurar a Deus e a Sua justiça
(v. 33). A verdadeira preocupação do homem deve ser a de não perder Deus como
Senhor, de não desistir de ser Seu servo.
Para o povo hebreu, a
riqueza foi considerada, durante muito tempo, uma bênção de Deus e a pobreza um
castigo. De facto, porém, com o passar dos séculos, reparou-se que a riqueza é
amiúde companheira da arrogância e da injustiça, ao passo que a fidelidade a
Deus e a espera do Messias tornaram-se prerrogativas das classes mais humildes e
pobres. Com efeito, os pobres encontram-se nas condições mais adequadas para
acolher de alma aberta a esperança messiânica. É por isso que Jesus convida os
discípulos a tornarem-se pobres e a venderem os seus haveres, para os
distribuírem pelos necessitados, libertando-se assim da tentação das riquezas
que saciam e tornam os corações fechados. No Seu tempo, as palavras
«bem-aventurados os pobres» (cf. Lc 6,20) suscitaram tanto escândalo como hoje.
Quando Jesus as pronunciou não entendia dirigi-las somente às multidões, que
sempre foram pobres, mas também à gente rica. No entanto, era um discurso duro
também para os pobres. Muitas vezes, quem vive em situação económica difícil,
olha para as riquezas como para uma miragem, como para um objectivo que, com um
pouco de sorte, espera alcançar o mais depressa possível. Jesus lança um balde
de água fria sobre estes pensamentos: a riqueza não pode saciar o coração do
homem.
Tornar-se alguém pobre
hoje, ou pelo menos sensível aos problemas da pobreza alheia, significa de facto
partilhar. Num mundo em que os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada
vez mais pobres, numa sociedade que esconde as suas fealdades, que dissimula as
barracas, que cria necessidades sempre novas (que, de resto nem todos conseguem
satisfazer), as reacções podem ser diversas. Há quem diga: «Salve-se quem
puder», cada um pense nos seus assuntos, nos seus interesses. Outros dizem:
«Destruamos esta sociedade nojenta», e surge a contestação enraivecida, o roubo
e a violência. A finalidade é colocar a sociedade em crise, fazer tremer os
ricos, as multinacionais, criar-lhes problemas, privá-los das suas riquezas. E
outros dizem: «A culpa é do Governo, ele que pense nisso.» Se os pobres existem,
basta encontrar um trabalho para eles, basta
organizar melhor a assistência social, aumentar as pensões. Outros dizem:
«Temos a ONU, a FAO, a Caritas... porque é que não actuam?» Não é que estas
soluções não tenham aspectos positivos; o que não se enquadra é a mentalidade
donde vêm.
O Evangelho
convida-nos a "partilhar" a pormo-nos na pele
dos outros, a modificar a nossa atitude mental, a nossa disponibilidade
para com os pobres, como também a modificar a nossa mentalidade perante a
riqueza. Todos devemos tornar-nos menos cobiçosos, se queremos que um dia
desapareça a pobreza ao nosso redor e no
mundo, mas sobretudo se queremos salvar-nos a nós mesmos.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |