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PONTOS DE REFEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Lv 19,1-2.17-18
O Livro do
Levítico contém uma compilação de leis que foram chamadas «lei de
santidade». (Caps. 17-25) Estas leis insistem sobre a importância e a
necessidade, para o povo de Israel, de ser «santo», à imitação da
santidade de Deus. Para esse fim encontramos nelas não só normas
cultuais, mas também normas respeitantes à vida moral e social,
destinadas a consolidar a consciência nacional de Israel e o espírito de
comunhão no interior do povo. Entre elas está o mandamento do amor ao
próximo (w. 17 e 18b).
O povo de
Israel deve «ser santo porque o seu Deus é santo». (Cf. v. 2). Esta
afirma-ção é seguida por uma série de prescrições que contemplam todos
os campos da vida e que tendem sobretudo a defender o fraco, o
desvalido, o pobre, o deficiente. Os versí-culos 17-18 proíbem o ódio, o
espírito de inimizade e de vingança, convidam a corrigir o próximo que
erra – nem sempre o silêncio é de ouro, por vezes pode tornar-se
cum-plicidade ou conivência – e a amá-lo como a nós mesmos. O ódio e
espírito de vin-gança são vistos como um cancro, que se insinua no
coração do homem e que, a pou-co e pouco, pode levar até à eliminação
física do irmão.
O versículo
18b apresenta o mandamento do amor para com o próximo. Não devemos
esquecer todavia que para os israelitas o «próximo» é somente o
consanguíneo, aque-le que pertence ao povo hebreu, todos os outros ficam
excluídos. Este mandamento será retomado por Jesus, que alargará o
conceito de "próximo" a todos os homens, e o ligará ao preceito do amor
para com Deus (cf.Dt 6,5; Mt
22,36-39).
SEGUNDA LEITURA
ICor
3,16-23
A comunidade
cristã é o Templo vivo de Deus. É «santa» (cf. v. 17) porque o Espírito
de Deus habita nela. Por conseguinte, qualquer divisão ou laceração no
seu interior ofende o Espírito e destrói o Templo de Deus. A divisão
contradiz a natureza da co-munidade cristã (a Igreja) e a sua norma de
vida. Paulo diz isto àqueles que querem mostrar-se a si mesmos e se
vangloriam pela sua presumida sabedoria.
O pregador que
amarra as pessoas a si mesmo não constrói em Cristo; comportando-se
deste modo destrói o Templo de Deus e atrai sobre si uma grande
responsabilidade (cf. w. 16-17). Também o cristão deve verificar se a
sua fé está ou não fundada sobre Cristo, e para o verificar Paulo sugere
uma regra precisa: «Se alguém se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se
louco, para se tornar sábio.» (Cf. v. 18) O Apóstolo con-firma a seguir
a verdade deste seu pensamento mediante duas citações
vetero-testamentárias (w. 19-20; cf.
Job 5,13; Sl
93,11).
Os Coríntios
estão divididos em vários partidos porque, gloriando-se de terem sido
evangelizados por esta ou por aquela personagem, demonstraram apreciar
mais a sabedoria dos homens do que a de Deus. No versículo 22, Paulo
inverte a relação de pertença que se instaurara em Corinto: não são os
crentes que pertencem aos chefes da comunidade, mas estes últimos devem
estar ao serviço dos crentes. A fé não está e não pode estar apoiada no
prestígio ou na autoridade do evangelizador. O cristão deve apoiar a sua
fé só na pessoa de Cristo. A expressão «Vós sois de Cristo» (v. 23) não
tem apenas um sentido afirmativo, mas também exclusivo, e significa:
«Vós per-tenceis somente a Cristo e a ninguém mais. Só a sabedoria de
Deus não divide e não exaspera.»
EVANGELHO
Mt 5,38-48
Pagar na mesma
moeda é algo que nos parece sensato, e no mundo antigo – não só o
hebraico – era considerado justo. Mas o que valia outrora para um povo
de coração de pedra, hoje não pode ser apresentado como vontade de Deus.
O novo mandamento anunciado por Jesus é o amor sem limites, um amor que
deve alargar-se para além do espaço da família e da nação, estender-se a
toda a Humanidade, incluindo adver-sários e inimigos. Este mandamento
tem o seu último fundamento no modo de agir do próprio Deus.
A «lei de
talião», contida em Ex 21,24; Lv 24,20;
Dt 19,21, representou, para
o Israel do Antigo Testamento, um progresso social notável, enquanto
colocou um ponto final na vingança sem limites. Mediante esta lei, a
vingança passa a ser regulada pelo direi-to público, e o castigo foi
regulado pela ofensa recebida. Agora, Jesus ultrapassa esta lei com o
mandamento da não-violência, do perdão.
O ódio, a
violência, a vingança causam uma espiral que só pode ser interrompida
pelo perdão. Se o mal não encontra resposta, esgota-se em si mesmo,
como a semente que não encontra terreno onde possa germinar. Jesus,
mediante uma série de situações-limite, convida a perdoar sempre (w.
39-42) e sugere a atitude profunda do coração. O discípulo de Jesus,
mesmo que venha a encontrar-se em situações-limite, deverá manter o seu
coração livre do ódio e do ressentimento.
Na última
antítese do discurso, Jesus universaliza o conceito de «próximo»,
convi-dando o discípulo a descobrir o próximo em cada pessoa, mesmo no
«inimigo» e no «perseguidor». (Cf. v. 44)
De entre as páginas do
«Sermão da Montanha» (Evangelho), a
que é proposta neste
domingo é sem dúvida a mais difícil de aceitar,
mas é também a que qualifica mais distintamente o discípulo que decidiu
seguir a nova Lei. «Amar os
inimigos» (Mt 5,44) faz
parte de uma lógica nova,
desconhecida pelo menos a nível oficial no mundo antigo, que
praticava uma justiça fundada exclusivamente na igualdade do dar e do
receber («Olho por olho e dente por dente»: Mt
5,38). «Amar os inimigos» é
muito mais do que perdoar-lhes;
é fazer-lhes bem positivamente, é
oferecer-lhes a própria túnica, é não pedir juros nos
empréstimos, é saudar em primeiro
lugar, é oferecer a outra face quando já se foi ofendido. É uma
perspectiva nova, dura, paradoxal, construída partindo
de um ponto de vista impensável: amar os prepotentes e os
inimigos, porque Deus os ama. É
deste modo que os filhos de
Deus imitam a sua paternidade, agem movidos pelo Espírito, vivem
antecipando a alegria da vida eterna.
A justiça de Jesus não
segue a lógica humana: o discípulo de Jesus deve
ser mais generoso que o mais justo dos homens! Poderia, de facto, ser
chamado a renunciar ao respeito dos seus próprios direitos, a emprestar
a quem não pode pagar e, portanto, a
não ter depois a possibilidade de exigir a restituição do que
emprestou; poderia ser chamado a dar as próprias vestes – ou seja, o que
tem de mais pessoal – a quem lho pedir... Com efeito, diz Jesus, saudar
quem nos saúda, emprestar a quem nos
pode restituir e com juros, dar a quem nos pode pagar faz parte
da lógica humana. As palavras de Jesus querem fazer-nos compreender que
o comportamento do verda-deiro
discípulo é qualitativamente diferente daquele que vive numa
lógica puramente humana. A lei do mundo
responde a uma lógica de justiça
férrea, Jesus pede que ultrapassemos todas as barreiras com o
amor. O Senhor assegura-nos que o amor utilizado com quem nos aborrece e
importuna, não nos saúda e procura tirar-nos o
que é nosso, é construtivo, vitorioso. Este amor pelos inimigos
tem, ao mesmo tempo, aspectos profundamente humanos, porque parte da
tentativa de entrar no íntimo do-próximo,
de compreendê-lo melhor, de
compadecer-se dele. Sublinha,
no fundo, como o espírito do homem é
complexo, como é superficial confiar no esquema ami-gos-inimigos na
organização da nossa vida.
Perante os inimigos, o cristão deve ser guiado unicamente pela
lógica do amor.
Padre José Granja
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |