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PONTOS DE
REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Ecle
15,16-21 (15-20)
O Livro de Ben
Sirá (ou Sirácide) levanta a voz contra dois erros: contra a convicção
de quem acha que os pecados são inevitáveis, enquanto o próprio Deus é
responsável por eles; e contra a ideia segundo a qual Deus não se
preocupa com os homens e nada sabe dos seus pecados. O sábio Jesus Ben
Sirá afirma que nestas coisas só acreditam os tolos, aqueles que nada
sabem de Deus nem do homem. Cabe à natureza do ho-mem distinguir e
escolher entre o bem e o mal; e pertence à natureza de Deus
preo-cupar-se com a Sua criatura: o homem.
Jesus Ben Sirá
quer demonstrar aos seus correligionários a superioridade da sabedoria
de Israel, não só sobre a sabedoria grega, mas também sobre a de todos
os povos. Os judeus que abandonaram a Lei de Israel e se passaram para a
sabedoria dos gregos passaram simplesmente para uma falsificação e
deformação da verdadeira sabedoria.
Eclesiástico
15,14, que precede o texto de hoje, afirma que Deus criou os homens
livres; por isso o homem traz consigo a responsabilidade plena das suas
acções e decisões, e que da fidelidade ou infidelidade aos Mandamentos
de Deus depende a sua vida ou a sua morte. O texto litúrgico de hoje
prossegue a reflexão com uma me-ditação sobre a liberdade humana. O
homem, portanto, é livre de aceitar ou rejeitar a Lei de Deus (cf. v.
15), que o coloca perante possibilidades alternativas: «o fogo e a água»
(v. 16); «a vida e a morte.» (v. 17) Perante estas opções, o homem é
chamado a escolher livremente, mas nenhuma opção escapa a Deus, que é
omnipotente e omnisciente. Já que nada escapa aos olhos do Senhor,
qualquer opção do homem está sujeita ao juízo de Deus (w. 18-19).
SEGUNDA
LEITURA 1 Cor 2,6-10
A comunidade
cristã de Corinto não era uma comunidade ideal; caracterizavam-na muitas
situações difíceis. Sobretudo, distinguia-se no meio dela um grupo de
pessoas que se julgava superior aos outros, colocando como fundamento
dessa pretensão um conhecimento proveniente directamente de Deus, acerca
do mundo divino e do destino eterno do homem. Paulo entra em polémica
com este grupo e apresenta-se como mestre de uma sabedoria superior,
como revelador de uma sabedoria mantida escondida nas profundidades de
Deus.
Paulo afirma
que o Evangelho é «sabedoria», mas de ordem superior (cf. v 6).
Com-preendem-no só os «perfeitos» (= homens espiritualmente maduros,
dóceis em tudo ao Espírito que habita neles). As grandes personagens da
sabedoria deste mundo não estão em condições de compreender a mensagem
da Boa Notícia. O Apóstolo fala da
sabedoria que pretende desvendar tudo sozinha,
sem a luz da Revelação; ou seja, de
todos os que pretendem salvar o
homem sem a graça de Deus; estes, diz
ele, serão destruídos (v. 6b).
Os versículos
7-8 servem depois para fundamentar e explicar qual a sabedoria de que
Paulo fala. Os «príncipes deste mundo», os guias do povo hebreu, não
quiseram acre-ditar em Jesus que apresentava nos milagres e na santidade
as Suas credenciais, ou seja, demonstrava ser o «Senhor da glória».
A citação do
versículo 9 afirma a absoluta soberania e transcendência de Deus, e
alude aos bens que o Senhor concede ao homem mediante a acção redentora
de Jesus Cristo, desde que o homem se abra à fé n Ele.
No versículo
10, Paulo afirma que esta sabedoria misteriosa lhe foi comunicada pelo
Espírito. Como o Espírito conhece a fundo os segredos do coração do
homem, assim, no mundo sobrenatural, conhece os segredos de Deus e pode
revelá-los.
EVANGELHO
Mt 5,17-37
Jesus considera a «Lei e os
Profetas» (v. 17) a maior manifestação da vontade
de Deus ao seu Povo. O Mestre reafirma a importância das Escrituras
hebraicas mas, ao mesmo tempo, cumpre-as, fá-las corresponder plenamente
à vontade originária de Deus. O cumprimento da Lei não consiste na pura
observância exterior de uma série de preceitos, provém antes da conduta
íntima do homem, do seu «coração», sede, no mundo semita, das decisões
da vontade.
Os versículos
introdutórios (w. 17-20) constituem uma premissa fundamental às
antíteses sucessivas (cf. Mt
5,17-48), enquanto apresentam a posição de Jesus em relação à
Lei mosaica. O conjunto das antíteses está situado depois entre uma
introdução (v. 20), que sugere aos discípulos de Cristo um comportamento
diferente do que era adoptado pelos judeus; e uma conclusão (v. 48), que
indica a meta para a qual o cristão está endereçado.
Jesus pede aos
seus discípulos uma «justiça superior» à dos escribas e fariseus (v.
20). A justiça é o comportamento correcto do homem em relação à vontade
de Deus, e no âmbito da justiça cabem todos os sectores da vida humana.
Quando Jesus pede aos Seus discípulos uma justiça superior não pensa
numa superioridade de tipo «quan-titativo», mas sim «qualitativo», ou
seja, pede que se dê uma orientação nova à vida, extirpando pela raiz o
mal e o que a ele pode levar. As antíteses contrapõem à formu-lação da
Lei uma nova interpretação da parte de Jesus. O confronto «Ouvistes que
foi dito... Eu, porém, digo-vos», repete-se seis vezes. A fórmula
estereotipada «Eu, po-rém, digo-vos» demonstra toda a autoridade do
ensinamento de Jesus. Ele não remete para uma tradição que O precede,
não invoca apoios externos à sua Palavra, como faziam os rabinos do Seu
tempo. Em primeiro plano aparece a sua Pessoa, aquilo que Jesus diz tem
valor pelo facto de ser Ele a dizê-lo.
No final do
Sermão da Montanha, a multidão exprime todo o seu assombro e admiração
pela autoridade com a qual Jesus fala (cf.
Mt 7,28-29).
A primeira antítese
(cf.
Mt 5,21-26) refere-se ao
quinto Mandamento,
«Não matarás», com as consequências previstas no
caso de não cumprimento: «Quem matar será submetido a
julgamento.» O evangelista refere a
nova interpretação de Jesus: não basta não matar uma pessoa, é
preciso abafar o mal na sua origem, impedi-lo de nascer e de habitar no
coração do homem. A condenação não está limitada ao momento de matar,
mas é alargada a quem cultiva movimentos de ira no
seu coração, a quem investe contra o
próximo com ofensas. A segunda antítese (w. 27.30) refere-se ao
adultério. A nova
interpretação de Jesus não só condena o adultério mas, convidando a
extirpar o mal pela raiz, condena todos os pensamentos
e desejos já no coração. A interpretação é seguida por dois
paradoxos (se o teu «olho» e a tua
«mão» são ocasião de pecado é melhor arrancá-los e cortá-los);
mediante eles o Mestre convida a
fazer todos os esforços para controlar e submeter os maus desejos
e as paixões.
A terceira antítese
(w 31-32) tem a ver com o divórcio. Jesus
afirma que o divórcio não
pode dissolver a união sancionada por Deus e
portanto não restitui aos cônjuges separados a liberdade
de desposar outra pessoa. Por consequência, aquele
que repudia a esposa expõe ao
adultério a si mesmo, a esposa, e quem quer que case com ela.
A quarta
antítese (w. 33-37) trata do perjúrio. O juramento é a prova de que
as relações entre as pessoas são falsas. Se a mentira não existisse, não
haveria motivo para recorrer ao juramento. Jesus vai à raiz do problema
e afirma que não é preciso recorrer ao juramento porque a linguagem do homem
deve ser sempre recta e sincera. «A
vossa linguagem deve ser: "Sim, sim; não, não."»
Perante os
fariseus, observantes escrupulosos e orgulhosos da Lei, Jesus exige
por-tanto uma justiça superior praticada não mediante uma observância
mais rigorosa, mas mediante um estilo completamente novo de agir e de
conceber a própria observância da
Lei. Onde de resto a Lei dizia: «Não matarás», Jesus afirma que
não se pode ofender ninguém, que se deve ter o máximo respeito pelos
outros. Onde se dizia: «Não cometerás
adultério», Jesus afirma que se devem evitar os desejos desonestos.
Jesus não veio abolir a Lei, mas exige
um amor atento, não superficial,
capaz de chegar às minúcias e de perceber o espírito da Lei,
porque parte do íntimo do coração. É um amor que encontra o critério de
comparação no amor que o Pai tem pelos homens, sabendo que podemos
encontrar o Deus dos vivos nos irmãos, nos pequeninos, naqueles
que porventura olhamos com desprezo. Nas antíteses,
parece que Jesus propõe algo de
impossível (w. 29-30). Mas não devemos tomar as Suas palavras no seu
significado material; o Mestre utiliza um método didáctico,
paradoxal, de modo a tornar mais acessível o Seu pensamento. Na prática, o
amor é o critério principal que deve
guiar o discípulo de Jesus. O
amor vem primeiro que a observância da Lei, primeiro que
o próprio culto oferecido a Deus. Os exemplos oferecidos pelo
Evangelho pretendem ajudar a encarnar este espírito novo.
Nós não amamos, por exemplo, se nos julgamos maiores que os
outros, se exigimos um respeito que destrói a fraternidade; não amamos
quando nos tornamos mordazes e matamos
com palavras, quando desonramos o
irmão gozando com ele, tratando-o como a um louco; não amamos
quando somos impacientes ou demasiado exigentes.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |