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PONTOS DE REFLEXÃO
PRIMEIRA LEITURA
Is 58,7-10
Num dia de jejum e
penitência, o profeta Isaías dirige à comunidade de Jerusalém a sua advertência:
o vosso jejum e as vossas celebrações
litúrgicas não servem de nada se não fazeis o que Deus espera de vós. Não
há comunhão com Deus e nenhum auxílio da Sua parte se não estivermos prontos
para viver em fraternidade com o próximo e para ajudar quem se encontra em
dificuldade.
Esta página de Isaías
deriva de uma pergunta que o povo de Israel fazia a si mesmo: «Para quê
jejuarmos se Deus não vê? E mortificarmo-nos se Deus não sabe?» (Is 58,3)
Os versículos que
precedem este trecho denunciam o formalismo das práticas religiosas, em
particular do jejum. O profeta aponta o dedo contra um jejum - que em si mesmo
deveria exprimir regresso a Deus - praticado por um povo hesitante em observar a
Lei do Senhor e inclinado para permitir abusos e injustiças. Isaías nota uma
grave distorção no modo de pensar dos israelitas: lamentam-se de que Deus não os
escuta, que o jejum não produz nenhum efeito, mas não reparam que isso se deve
ao facto de que com o jejum as pessoas não se preocupam com a sua conversão a
Deus, mas em converter Deus a si mesmos, ao seu modo de ver e de pensar.
O verdadeiro jejum que
Deus quer é o amor ao próximo, isto é, aquele que permite o encontro com Ele. O
jejum só é expressão de conversão, se for seguido e acompanhado por actos
concretos de justiça e de caridade. Só nestas condições é que Deus ouvirá os
pedidos de quem a Ele se dirige.
SEGUNDA LEITURA
1Cor 2, 1-5
A afirmação segundo a
qual «a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é
mais forte do que os homens» (cf. 1Cor 1,25) é ilustrada pelo método que Paulo
seguiu no anúncio do Evangelho. O Evangelho é a boa notícia da Cruz. Deus leva a
cumprimento a obra da salvação com meios pobres e, do ponto de vista humano,
desapropriados. Isto mostra-se evidente também no modo com o qual Cristo escolhe
os seus Apóstolos e colaboradores. Assim, torna-se manifesto que o poder do
Evangelho não vem dos homens, mas de Deus.
A pregação de Paulo em
Corinto teve como única finalidade o anúncio de Jesus Cristo crucificado (cf. v.
2). Ele evangelizou os Coríntios e conduziu-os à fé graças à «manifestação do
Espírito». (Cf. w. 3-5)
Paulo apresentou um
testemunho que foi validado e provado não por técnicas particulares e
habilidades retóricas, mas pelo Espírito de Deus, que actuou ao lado e através
dele, operando prodígios. Não se trataram de milagres propriamente ditos, mas de
carismas que se difundiram rapidamente na comunidade, e sobretudo na mudança de
vida que se verificou em muitos dos seus ouvintes, Paulo afirma assim que a
força do anúncio não se apoia nas qualidades do evangelizador, mas só e
unicamente na actuação de Deus. É a actuação de Deus, através de Jesus Cristo,
que fundamenta e constrói a fé; o evangelizador é apenas um instrumento de que
Deus se serve.
O elemento
imprescindível deste anúncio é a Cruz de Cristo em toda a sua
incompreensibilidade para a razão humana: o evangelizador não pode de modo algum
suprimi-la.
EVANGELHO Mt 5,
13-16
Os discípulos de Jesus
têm uma grande responsabilidade perante o mundo: devem ser «sal da terra» (v 13)
e «luz do mundo». (v. 14) A luz ilumina, o sal dá sabor aos alimentos. O mundo
não se contenta em ouvir palavras bonitas, quer ver factos. O cristão é sal da
terra e luz do mundo, quando vive em si mesmo o espírito das bem-aventuranças
anunciado por Jesus. O discípulo é chamado a continuar a acção do seu Mestre,
verdadeira «luz do mundo». (Cf. Jo 8,12)
A comunidade cristã é
apresentada como «sal da terra». (v. 13a) Não se acena aqui a qualquer
propriedade do sal; Mateus quer simplesmente dizer aos cristãos que eles
desempenham uma função insubstituível junto da Humanidade. Há no entanto uma
chamada de atenção para a possibilidade de o sal se tornar insípido. Os
discípulos que não vivem o ideal que abraçaram perdem todo o sentido e
significado, o sal sem sabor não serve para nada, está destinado a «ser lançado
fora e pisado pelos homens». (v. 13b)
«Vós sois a luz do
mundo.» (v. 14a) Esta expressão lapidar inicial é esclarecida por duas imagens:
a cidade situada sobre um monte (cf. v. 14b); a luz e o candelabro (cf. v. 15).
A primeira imagem compara a comunidade dos discípulos à cidade situada sobre um
monte: é impossível não a ver. A segunda apresenta o reverso da medalha: a luz
deve colocar-se sobre o candelabro para iluminar o ambiente. Colocá-la debaixo
do alqueire não teria sentido. Pois bem, os discípulos que se mimetizam faltam
ao seu dever. O versículo 16 dá a explicação da metáfora e apresenta a tarefa do
discípulo: passa do "ser" ao "viver". Os discípulos são a «luz do mundo» e devem
fazer «brilhar» a sua luz diante dos homens. A luz que os discípulos devem
difundir são as «boas obras», que eles devem realizar «diante dos homens», para
os induzirem a «glorificar o Pai que está nos Céus».
As comparações da luz
e da cidade colocada sobre o monte são
utilizadas diversas vezes no Antigo Testamento, para indicar o
significado salvífico universal de Israel, o seu dever de ser um povo «sinal» de
Deus diante de todos, ponto de convergência e de encontro de toda a Humanidade.
Do mesmo modo, segundo o Evangelho, a comunidade dos discípulos
deve tornar-se «profecia»: não com palavras,
mas com obras. O trecho de Mateus
sublinha algumas características do testemunho cristão. A primeira é a
publicidade. Mateus quer dizer-nos que a luz, pela sua natureza, é feita para
iluminar, para se mostrar visível e
publicamente, não para ficar escondida. Mateus teme o anonimato. A segunda
característica é a "universalidade":
sal da terra e luz do mundo. Mas trata-se da universalidade de Jesus que
começa pelos últimos, não para esquecer os
primeiros, mas para dizer que também os últimos devem ser os primeiros. A
terceira é a consistência. Não palavras,
nem teorias, nem discussões, mas obras. A comunidade
de Mateus teme a tentação das palavras em
excesso. O evangelista chama fortemente a atenção para a consistência das
obras, especialmente das obras de caridade (cf. Mt
25,31). Deve-se depois lembrar que a
caridade evangélica se distingue pela partilha, não só pela eficiência. A última
característica é a "transparência". Os discípulos devem praticar boas
obras que não concentrem a atenção sobre quem as cumpre,
mas levem a dirigir o olhar para o Pai:
«Vendo as vossas boas obras,
glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus.»
(Mt 5,16)
Jesus foi isso mesmo com as Suas palavras,
nas Suas obras e na Sua pessoa: a transparência do Pai.
O discurso pode
completar-se com a citação do profeta Isaías (primeira leitura). O
profeta oferece-nos indicações mais exactas:
«Reparte o teu pão com o faminto, dá abrigo aos pobres, leva roupa ao que
não tem que vestir.» (Cf. Is 58,7) As «obras» de que fala Jesus no Evangelho de
hoje são as obras de caridade, as mesmas obras enumeradas no grande
fresco do juízo final de Mt
25. Não somos «sal e luz» com as palavras, mas com as obras; não com as
obras do poder e do sucesso, mas do amor
pelos pobres. Nesta linha de pensamento
se exprime também a segunda leitura. O caminho seguido pelo
Apóstolo Paulo não foi o do poder e o da glória, mas o da fraqueza da Cruz.
Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga. |